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3 OS PRONOMES PESSOAIS E A TEORIA T-V

3.5 A variação te/lhe em estudos variacionistas e em compêndios

3.5.1 Estudos variacionistas

A presente pesquisa insere-se no grupo de estudos sobre a variação em categoria pronominal no PB, as quais são diversas: eu/mim (como COMPL PREP), teu/seu, o/ele etc.

Todavia, a maioria dos estudos realizados no país acerca de variação pronominal volta-se para a concorrência nós/a gente e tu/você como sujeitos. Sobre a variação te/lhe, seja na fala, seja na escrita, não se verificam trabalhos acadêmicos, portanto, até a realização desta pesquisa, a variação te/lhe em cartas pessoais escritas no Ceará constitui um estudo inédito. O fenômeno é abordado rapidamente nos artigos, dissertações e teses que investigam o uso de tu e de você como formas de se dirigir ao interlocutor ou como forma de marcar a indeterminação, como os que comentamos a seguir.

Galves (2001) afirma que, no PB, o pronome lhe praticamente só é utilizado como corresponde a você, na 2ª PESS do discurso, e não mais como originalmente uma forma de 3ª PESS correspondente a ele. Além disso, observa que a alternância entre as formas dativas te/lhe resulta da generalização de você, como forma de tratamento no português falado em grande parte do Brasil.

Chagas (2011) diz que o sistema dos pronomes pessoais do português vem sofrendo alterações desde algum tempo quando a gente passou a concorrer com nós e a expressão vossa mercê (hoje você) passou a concorrer no singular com tu e no plural com vós, sendo esta a que já foi praticamente eliminada da língua falada, tanto no Brasil como em Portugal. O autor alega – e discordamos dele quanto a isso – que o pronome tu foi perdido em muitas regiões do Brasil no caso reto, embora preserve ainda bem vivas suas formas oblíquas

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(te, ti– esta menos do que aquela) e possessivas (teu, teus, tua, tuas), e acrescenta que, apesar de se conservar sem ser ameaçado em certos contextos, o pronome nós enfrenta a forte concorrência da expressão a gente. As mudanças no sistema pronominal português, sobretudo no Brasil, não se encerram aí. O autor também comenta que o clítico átono de 3ª PESS

exclusivamente acusativo (o, a, os, as) se perdeu na língua falada, sendo substituído pela forma tônica (ele, ela, eles, elas) e que o oblíquo nos, quando reflexivo, vem sendo substituído por se, talvez por influência de a gente (que concorda com formas de 3ª PESS) e

também por questões prosódicas, no caso, para evitar a difícil articulação após uma consoante sibilante (nós nos...). Quanto à forma lhe e a concorrência de lhe e o(a) com te, o autor nada comenta.

Paiva e Duarte (2009) afirmam haver neutralização entre as formas tu e você em várias regiões do território nacional e que, em grande parte do país, você substituiu completamente tu. Como consequência dessa substituição, ou neutralização, e da substituição de vós por vocês, assim como da concorrência entre nós e a gente, o número de oposições entre as formas verbais, no presente do indicativo, caiu de seis para três (v. Quadro 3 – paradigma 1), que podem passar a apenas duas nos casos em que a marca de concordância da 3ª PESS PL encontra-se ausente (v. Quadro 3 – paradigma 2), como mostramos a seguir:

Quadro 3: Alterações no sistema de conjugação do presente do indicativo no PB ocasionado por mudanças no quadro dos pronomes

Paradigma padrão Paradigma 1 Paradigma 2

eu amo eu amo eu amo

tu amas tu

ama tu

ama você

ama você você

ele(a) ele(a) ele(a)

nós amamos a gente a gente

vós amais nós nós

vocês amam vocês

amam vocês

ele(a)s ele(a)s ele(a)s

FONTE: produção do próprio autor.

No presente e no pretérito imperfeito do subjuntivo, bem como no pretérito imperfeito do indicativo, as marcas desinenciais chegam a desaparecer em alguns falares brasileiros, de modo que uma única forma verbal é usada para todas as pessoas (v. Quadro 4 –

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paradigma 1). No pretérito perfeito do indicativo, a distinção desinencial se mantém, embora diferentemente do padrão (como mostram as entrevistas apresentadas por Farias, 1999) – v. Quadro 4 – paradigma 2:

Quadro 4: Alterações no sistema de conjugação nos tempos do subjuntivo e nos pretéritos do

indicativo em algumas variedades do PB ocasionadas por mudanças no quadro dos pronomes

Paradigma 1 Paradigma 2

(PERF INDIC)

(PRES SUBJ) (IMPERF SUBJ) (IMPERF INDIC)

eu ame eu amasse eu amava eu amei

tu/você tu/você tu/você tu/você

ele(a) ele(a) ele(a) ele(a) amô

a gente a gente a gente a gente

nós nós nós nós amemo

vocês vocês vocês vocês

amaro

ele(a)s ele(a)s ele(a)s ele(a)s

FONTE: produção do próprio autor.

Para essas autoras, tal condição seria em si mesma suficiente para determinar a direção da mudança no sentido de SUJvazio (“oculto”, na nomenclatura tradicional) para SUJ

preenchido, tal qual ocorreu em outras línguas, como o inglês, o francês etc. Ainda conforme as autoras, as mudanças operadas no sistema pronominal do português repercutem em outros pontos, relacionando-se a outras mudanças, como a das formas de realização do DAT, porém não se alongam ao tratar do uso de lhe como pronome de 2ª PESS.

O DAT nos pronomes de 3ª PESS em português, bem como o ACUS dessa pessoa, é

mostrado por Gomes (2003) como tendo sido alterados pela redução dos pronomes do NOM. A

autora considera, em se estudo, o desaparecimento do tu e do vós, que teriam sido substituídos por formas de 3ª PESS– você, a gente– o que nossa pesquisa mostra ser um equívoco quanto ao pronome tu. Para ele, o clítico exclusivo do ACUS de 3ª PESS (o e suas flexões) encontra-se em vias de desaparecimento e o clítico exclusivo do DAT de 3ª PESS (lhe) já passou para referência à 2ª.

Sales (2007) estudou os aspectos linguísticos e sociais no uso dos pronomes pessoais em cartas pessoais baianas e afirma que, no corpus de seu trabalho (dados do século XX), “observa-se a produtividade do clítico lhe [como pronome de 2ª PESS] como ACUS e

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verbos transitivos diretos e indiretos (VTDIs), mas nunca com transitividade só indireta. O uso de lhe ACUSsugere ser este parte da gramática dos informantes.” (p. 66) A autora acrescenta

que esse pronome, mesmo na função de OI (que é sua função prototípica), só ocorre com referência ao interlocutor (2ª PESS), não havendo, na amostra analisada, ocorrências de lhe como pronome de 3ª PESS.

Souza (2012) estudou cartas pessoais dos séculos XIX e XX, escritas entre os anos de 1870 e 1970, tanto por cariocas, quanto por moradores do Rio de Janeiro, e afirma que, “com relação à expressão do sujeito (nula ou plena), o você ocorreu preferencialmente como forma expressa, ao passo que o tu foi empregado preferencialmente como sujeito nulo” (p. 136). Segundo a autora, a concorrência tu/você só começou a partir da década de 1930, “quando os dados do tu pleno começam a salpicar numa carta ou outra” e “a forma você teria seguido a tendência de aumento do preenchimento e o tu seguido a queda do sujeito nulo” (p. 137). A autora conclui que o pronome você, nas cartas analisadas, era “utilizado para destinatários e contextos específicos, podendo marcar contraste ou individualização, sendo empregado para atenuar pedidos e ordens” e que foram as mulheres que passaram a empregar você nas situações em que antes se usava apenas tu. Como em alguns trabalhos comentados anteriormente, este também não foca a variação te/lhe.

Semelhantes são as conclusões de Silva (2011), que, analisando cartas entre um casal de namorados do Rio de Janeiro da década de 1930, concorda que tu foi suplantado por você por volta da década em que as cartas foram escritas e que tal mudança parece ter sido conduzida pelas mulheres, levando-se em conta o contexto da época, em que as mulheres deviam manter distância dos seus interlocutores, fazendo, para isso, o uso da forma você, que, dada sua origem (vossa mercê), “guarda um resquício de indiretividade”. Como a variação te/lhe não era o foco de seu estudo, a autora não se pronuncia quanto ao uso de lhe como 2ª

PESS.

Estudos variacionistas com foco em alguma cidade ou comunidade específica do país sobre variação pronominal têm sido realizados nas cinco regiões:

No Sul, destacamos o trabalho de Loregian-Penkal (2004) que, com base numa amostra de língua falada em Florianópolis, Porto Alegre e Ribeirão da Ilha, conclui que tu predomina na maioria dos contextos, aparecendo o você preferencialmente como indeterminador. Arduin (2005) estudou a variação dos possessivos teu/seu em algumas cidades da região sul (Blumenau, Chapecó, Flores da Cunha, Florianópolis, Lages, Panambi, Porto Alegre e São Borja).

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Ainda no Sul, Franceschini (2011) abordou a variação tu/você em Concórdia (SC) e afirma que lá os falantes mais jovens apresentam uma maior probabilidade de uso da forma inovadora você, já os mais velhos fazem um maior uso de tu; além disso, os falantes com maior nível de escolaridade empregam mais você, diferentemente dos menos escolarizados, que preferem tu. A autora acrescenta ainda que, em relação aos fatores linguísticos, a determinação do referente mostrou-se o fator mais significativo, indicando um favorecimento do pronome você com referentes indeterminados, e, com referentes determinados, um maior uso do pronome tu. Limitando-se a tratar de tu e você como SUJ, a autora não faz nenhuma

referência às formas oblíquas te e lhe, que também se encontram em variação tanto quanto tu e você.

No Sudeste, destaca-se a pesquisa de Mota (2008, p. 83) sobre o fenômeno da variação tu / você em São João da Ponte (MG) e concluiu que a forma tu é hoje, naquela cidade, “uma marca do grupo de faixa etária de 15 a 25 anos, e é também um fenômeno da zona rural.” Sua análise mostrou que, embora esteja presente em todas as faixas etárias, a forma tu é predominante entre os jovens, o que contraria o que ocorre em outros pontos do país, onde a forma você é a inovação. Para isso, a autora explica que “A comparação entre São João da Ponte e municípios vizinhos mostra que aquele município, diferentemente dos demais, ficou marginalizado do desenvolvimento industrial.” A autora conclui, a partir do fato de se ter mantido o tratamento por tu no município pesquisado, enquanto os vizinhos, mais urbanizados e desenvolvidos o perderam, que essa variante linguística seria um vestígio de um modo de falar rural. Quanto à forma pronominal usada como complemento verbal, a autora afirma que “a variante preferida é o ‘te’. O uso da forma átona não constitui uma especificidade da fala do município de São João da Ponte, pois outros municípios mineiros também a usam.” (p. 64). O trabalho também não foca a variação te/lhe, de modo que o pronome lhe nem sequer é mencionado na pesquisa.

Além do trabalho de Mota, outros que investigam a variação tu/você no Sudeste são o de Modesto (2007) em Santos (SP), o de Paredes e Silva (2003) e o de Lopes (2008), ambos na fala carioca contemporânea.

No Centro-Oeste, Lucca (2005) investigou o uso da 2ª PESS na fala de jovens

brasilienses e concluiu que os jovens de Brasília tendem a usar o tu em situações informais, cotidianas, familiares de intercâmbio linguístico entre pares solidários, enquanto você tende a aparecer quando se discutem temas familiares, como forma de o falante ajustar-se ao tema sobre o qual a conversação se encaminha.

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Dias (2007), que desenvolveu uma pesquisa sobre o uso de tu no português falado na capital federal, afirma que esse pronome tem retornado à fala de Brasília com bastante ocorrência entre os falantes mais jovens, de ambos os sexos, sobretudo quando interagem com interlocutores de mesma faixa etária. Quanto ao uso de lhe como correferente de tu (e, portanto, em variação com te), a autora nada afirma.

Andrade (2010), que também estudou a variação entre os pronomes de 2ª PESS na capital federal, concluiu que os IPs mais recorrentes na fala brasiliense são tu e você, que apresenta a variante cê. Para a autora, o pronome tu, no português falado em Brasília, é mais frequente na fala de homens, em interrogativas, com referência específica, em relações simétricas e fora da função de sujeito, enquanto o pronome você, ao contrário, prevalece na fala de mulheres, em frases não interrogativas, com referência genérica e em relações assimétricas. Quanto à forma reduzida cê, é mais comum “em falas reportadas, em posição de sujeito, em orações interrogativas e em relações assimétricas” (p. 119). Quanto ao pronome lhe, a autora não faz menção, embora seu trabalho não se limite à função de SUJ,e a função

sintática tenha sido um dos fatores controlados na pesquisa, de modo que apresenta resultados da ocorrência das três formas como complemento verbal (ACUS e DAT), sem, no entanto,

configurar o pronome lhe entre eles.

No Norte, destaca-se o trabalho de Martins (2010) sobre a variação tu / você em Tefé (AM). O autor chegou a conclusões semelhantes ao trabalho de Mota (2008): naquele município, quanto mais jovem o falante, mais frequente é o uso de tu. Você é mais frequente em situações de contato com pessoas menos íntimas e nas referências genéricas. O trabalho também não foca a variação te/lhe, mas apenas às formas tu/você como SUJ. No entanto, o autor chega a comentar que te, na amostra analisada, é usado, em geral, quando o SUJ. é tu, e não você (p. 93). O uso de lhe não é comentado no trabalho.

Além desse trabalho, há o de Soares e Leal (1993) sobre as formas de tratamento produtivas em interações comunicativas travadas, em Belém, entre pais (professores e funcionários da Universidade Federal do Pará) e os seus respectivos filhos. A forma tu mostrou-se, ao lado de o senhor, bastante produtiva, sendo a primeira preferida pelos filhos de professores e a segunda pelos filhos de funcionários. Os pais, ao se dirigirem aos filhos, utilizam tu.

No Nordeste, temos Oliveira (2003), para quem o pronome lhe como clítico de 2ª

PESS para verbos transitivos diretos (VTDs) ocorre em diferentes regiões do país, sendo mais

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do Português Brasileiro (PHPB) e constatou que há um alto índice de lhe com VTDs nos dados da Bahia (séc. XIX), o que, para ela, pode fundamentar a hipótese de que houve recategorização do clítico dativo lhe, levando-o a ser usado no lugar de o e, posteriormente, de te.

Também no Nordeste, Gomes e Gonçalves (2007), ao estudarem sobre a realização do pronome lexical (designação usada pelas autoras para o ele) de 3ª PESS como OD

em Vitória da Conquista (BA), afirmam que a forma oblíqua átona o caiu em desuso para o falante do PB, que prefere a forma ele, porém afirmam que, ao lado de ele, ocorre, embora de forma rara, o uso de lhe, que deixou de ser usado apenas como OI, conforme recomendam as

gramáticas normativas. O estudo, no entanto, limita-se aos usos de formas da 3ª PESS como OD, não considerando, portanto, a ocorrência de lhe como pronome de 2ª PESS.

Em seu estudo sobre o português afro-brasileiro, Lucchesi e Mendes (2009), que coletaram uma amostra da fala vernácula das comunidades rurais afro-brasileiras isoladas de Barra e Bananal, no Município de Rio de Contas, na região da Chapada Diamantina, no interior do Estado da Bahia, afirmam que, “como decorrência da introdução de você, usa-se lhe, com referência à 2ª pessoa, tanto na função canônica de OI, quanto no uso não padrão como OD: eu vô lhe contá (OI); eu já lhe vi (OD)” (p. 481). Para os autores,

Esses fatos, observados na amostra de fala analisada, são comuns a todas as variedades do PB, incluindo a sua norma urbana culta. Entretanto, alguns fatos do português afro-brasileiro com relação à flexão de caso com a 2ª pessoa do singular, que podem ocorrer em outras variedades populares e rurais do PB, não se verificam na norma culta. A manutenção de tu em variação com a forma inovadora você na função de sujeito está relacionada com o uso da forma oblíqua te, para as funções de OD e OI: eu vô te levá po Cinzento; não te dô a conta, mas não se registraram as formas tônicas ti e contigo. Por outro lado, o uso do pronome do caso reto tu na função de OD e complemento oblíquo (e.g., só num já matei tu, num falei com tu), encontrado na amostra, aponta para um quadro de variação no português afro- brasileiro, e em muitas variedades populares do PB, que se relaciona com a mudança

crioulizante de eliminação da flexão de caso dos pronomes pessoais.” (LUCCHESI;

BAXTER; RIBEIRO, 2009, p. 482).

Portanto, segundo os autores, a variação te/lhe é frequente entre os falantes das comunidades de afrodescendentes analisadas. Quanto ao uso de lhe, afirmam que “na amostra analisada também não ocorreram lhe(s) com referência à 3ª pessoa” (p. 482).

Ainda na região Nordeste, Almeida (2009) estudou a variação te/lhe como ACUS

na fala de Salvador (BA) e concluiu que, naquela capital, há um uso bastante equilibrado das variantes te e lhe no tratamento do interlocutor e que lhe alterna entre o DAT e o ACUS. Nessa

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variação entre os dois pronomes. Para a autora, tal variação caracteriza-se como uma mudança em curso na capital baiana, em direção à forma te e as mulheres têm se mostrado líderes nesse processo. A autora conclui, também, que lhe é mais frequente em situações de fala monitorada e que entre os falantes de 45 a 55 anos,

“existe uma discreta diferenciação no uso das variantes, prevalecendo te para as

relações solidárias e lhe para as não solidárias. (...) O decréscimo de lhe entre os indivíduos de 25 a 35 anos nas relações de menor envolvimento pode dever-se à tendência à informalidade que se observa nos dias atuais e que leva o falante a optar por uma forma que traduza melhor essa informalidade.” (ALMEIDA, 2009, p. 173)

Scherre (2011), após comparar diversos estudos variacionistas sobre o uso de tu e de você no PB – Loregian-Penkal (2004) e Ramos (1989) para a região Sul; Oliveira (2005;

2007) para a região Nordeste; Martins (2010) para a região Norte; Paredes Silva (2004) e Lopes et alii (2009) para a região Sudeste; Lucca (2005), Dias (2007) e Andrade (2010) para a região Centro-Oeste –, conclui, acerca do uso dessas formas quanto ao gênero, que,

o uso mais frequente de TU por parte das mulheres (caso das localidades das regiões Sul, Nordeste e Norte), quando esse pronome for um traço mais geral ou de fácil registro e marcar a identidade geográfica dos falantes. Por outro lado, associamos o uso menos frequente de TU por parte das mulheres (caso das regiões Sudeste e Centro-Oeste), quando esse pronome for um traço menos geral ou de difícil registro e não marcar a identidade geográfica dos falantes, mas, sim, essencialmente, interação solidária ou de maior proximidade entre os falantes (logo, os homens estão

à frente, quando esse pronome for um traço mais específi co, marcando relações

solidárias entre grupos mais coesos). (SCHERRE, 2011, p. 135).

Dos trabalhos sobre variação pronominal realizados no Ceará, é importante citar as conclusões de Soares (1980, p. 88-9), que, utilizando dados da capital, afirma que, em Fortaleza, existe um sistema ternário de pronomes e formas pronominalizadas para o SUJ,

constituído por tu, você e o(a) senhor(a), sendo, porém, o uso de tu generalizado, mas sua coocorrência com as desinências verbais –s e –ste é variável, “motivada por fatores como

grau de instrução, formalidade e atenção.” A autora afirma, inclusive, que o uso desse pronome junto a verbos na 3ª PESS SING “é usado até por pessoas cultas numa linguagem descuidada.” Quanto à combinação de tu com te, ti e teu e de você com lhe, se e seu, o trabalho mostra que a manutenção das formas do mesmo paradigma (a “uniformidade de tratamento” defendida pela gramática tradicional) se dá “quase categoricamente, mesmo pelas pessoas menos instruídas”. A autora constata que essa “uniformidade” é quebrada na fala

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fortalezense com o uso de se com tuem frases reflexivas, como em “Tu se cortou?” (exemplo de SOARES, 2003, p. 23).

Coelho (2003) também realizou estudo variacionista com dados de Fortaleza, dedicando-se à sínclise (posição em relação ao verbo) dos pronomes no português falado na capital cearense e concluiu que nem a idade nem o sexo têm papel importante na colocação dos pronomes átonos na fala dos fortalezenses, que, de modo geral, preferem a próclise, que é a tendência nacional. Como o foco de seu trabalho é a colocação dos pronomes, não há, em sua pesquisa, conclusões sobre o uso de te/lhe.