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A presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe

5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

5.4 Os grupos de fatores selecionados pelo GoldVarb X

5.4.3 A presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe

O último grupo de fatores que favorece a variação te/lhe analisado aqui foi também selecionado pelo programa como um dos mais fortes, que é a presença de uma forma pronominal T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe.

Em muitas cartas, o remetente emprega uma forma originalmente V ao iniciar seu texto, como nos exemplos abaixo:

(68) Francisco, saudades de você. [C063-18.2.1975]

(69) Presado irmão Zeca a paz do Senhor seja comsigo e todos de sua família [C023-23.6.1948]

Outras vezes, o remetente emprega expressões de cortesia, verdadeiras formas V, como em:

(70) o motivo desta cartinha é apenas saber de vossa excelência algo a cerca do trabalho do Senhor ai no Municipio de Quixadá. [C039-17.3.1971]

(71) Como passa, bem? é que êu desejo é Que esta Carta var encontrar o Senhor com tôdos que li sercam todos com Saúde [C060-18.12.1972]

(72) Graças e paz de nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos vós [C089- 6.11.1978]

Em (73), a remetente emprega um subentendido vós, depreendido pela terminação do verbo, com o valor de singular, uma vez que utiliza teus, da 2ª PESS SING, como

correferente – note-se, com isso, a mudança de V ([vós] estejais) para T (teus) no mesmo período:

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(73) Faço votos a Deus para que estejais com saúde juntamente com a irmã Mariinha e todos os teus filhos. [C009-3.5.1948]

Já em outras, emprega uma forma T, como em:

(74) A paz do Senhor reine eternamente em teu coração. [C023-24.7.1948] (75) Conseição, Saudades de ti. [C038-19.1.1970]

Em (76), o tu está implícito:

(76) São meus votos ao Criador, que ao receberes esta estejes com saúde [C099- 3.10.1979]

Finalmente, em outras, não se emprega forma pronominal alguma antes da primeira ocorrência de te/lhe, como em:

(77) Comunicu-te o recebimento de sua carta [C001-7.1.1940]

(78) O fim desta é perdir-lhe um grande favor além dos que já me fez [C027- 16.9.1961]

Seguindo o raciocínio de Scherre e Naro (1997) e de Poplack (1980), para os quais a presença de uma marca favorece o surgimento de outras formas marcadas, resolvemos verificar a influência da presença de uma forma pronominal antes da primeira ocorrência de te/lhe nas cartas de nossa amostra. Para isso, associamos a cada carta um código referente à presença ou à ausência de uma forma pronominal V ou T antes do uso de te/lhe:

V – presença de uma forma V ou tida inicialmente como tal (você, seu[s] /sua[s], consigo, o[a] senhor[a])

T – presença de uma forma T (tu, ti, contigo, teu[s] /tua[s])

Ø – ausência de quaisquer pronomes antes da primeira ocorrência de te/lhe.

A hipótese que tínhamos antes de realizarmos as rodadas era a de que os remetentes tenderiam a usar lhe em vez de te quando, no início da carta, empregam uma forma V ou tida inicialmente como tal, pois lhe adquiriu o traço [+2ª PESS] quando passou a

ser usado como oblíquo de você, então forma V portuguesa. Usando uma forma T, o remetente usaria te, e não lhe, devido ao princípio do paralelismo defendido por Paiva e Scherre (1999, p. 214), que consiste na “repetição de elementos de mesma natureza ou de natureza semelhante”. Não usando nenhuma forma pronominal de 2ª PESS antes de te/lhe, a

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forma predominante seria te, uma vez que a carta pessoal é uma correspondência entre duas pessoas geralmente próximas e as formas T (das quais te sempre foi uma) são as que mais carregam o caráter de aproximação e intimidade.

A tabela abaixo mostra o percentual de recorrência a uma forma T ou V logo no início das cartas:

Tabela 15: Presença de formas T/V antes da primeira ocorrência de te/lhe Forma presente antes da primeira ocorrência de te/lhe Ocorr./Total % T 17/186 9,1 V 89/186 47,8 Ø 80/186 43

Como se pode perceber, a recorrência a uma forma V (você, seu, o senhor etc.) ocorre em quase metade das cartas da amostra, enquanto uma pequena parte delas apresenta o uso de uma forma T (o que seria de se esperar, já que são cartas pessoais, entre amigos ou parentes próximos).

Quanto à atuação dessa presença ou ausência de forma T/V sobre o uso de lhe, observemos a tabela seguinte:

Tabela 16: Atuação da presença de formas T/V sobre o uso de lhe Forma

antecedente Ocorr./Total % P. R.

T 6/41 8,5 .14

V 138/238 49,5 .58

Ø 101/202 42 .48

Um cuidado especial se deve ter ao ler a segunda coluna da tabela 17. Das 186 cartas analisadas, 89 apresentam uma forma V antes da primeira ocorrência de te/lhe, de modo que a forma V antecede te ou lhe 238 vezes, já que, em uma mesma carta, podemos ter vários ocorrências de te/lhe. Assim, dessas 238 vezes, lhe foi usado em 138 (0,58). O

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pronome também foi bastante usado sem que houvesse formas T ou V antecedentes (0,48) e quase não foi usado quando o remetente empregou uma forma T antes (0,14).

Os dados sugerem que a presença de uma forma T inibe o aparecimento de lhe, que é favorecido quando se usa uma forma V ou nenhuma forma (Ø), o que comprova as constatações de Scherre e Naro (1997) e de Poplack (1980) sobre a influência da presença de uma marca sobre a ocorrência de outras e sustenta a ideia do paralelismo morfossintático. Há de se notar, porém, que te apareceu muito mesmo quando se usou antes uma forma V (50,1%), o que sugere a persistência dessa forma pronominal apesar da diminuição do uso de tu como sujeito.

Nossas hipóteses quanto a esse fator só não se confirmaram quanto ao uso de lhe na ausência de quaisquer formas T ou V, quando julgávamos que te predominaria, ao contrário do que ocorreu.

Os exemplos a seguir ilustram o que acabamos de expor:

(79) Prezado Irmão M. R. / Paz seija com tigo / Comunicu-te o recebimento de sua carta (...) Pessu-te ler esta carta a todos quanto se interesarem saber dos acontecidos. (...) No mas espera tambem novos mensageiros que te mando junto a esta. [C001-7.1.1940]

Note-se, na carta acima, que o princípio do paralelismo é quebrado com o uso do possessivo, mas a presença da forma T tigo (oficialmente contigo) condiciona o aparecimento dos sucessivos te ao longo da carta.

(80) Prezado irmão Z., a paz do Senhor Jesus seja com sigo e toda a sua família. É com sublime prazer e emoção na nossa alma que lanço mão da minha rude penna para lhe responder a sua emissiva cartinha (...) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza da sua rezidência (...) Z., passo agora contarte algo de alguma couza da minha vida ministerial (...) O J. tem lhe escrito? (...) Z. eu te envio esta minha fotografia, que terei quando estava no Pará; pesava 75 Kilos. (...) I. vai lhe escrever algumas cousas (...) todos nós lhe saudamos em nome do Senhor Jesus. [C002-5.10.1940]

Na carta acima, o uso das formas V sigo (consigo) e sua condicionam o predomínio de lhe, embora te também ocorra.