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3 OS PRONOMES PESSOAIS E A TEORIA T-V

3.3.1 Francês

Na maioria das regiões de língua francesa, existe uma rígida distinção T-V. Com relação à 2ª PESS SING, tu é a forma T, enquanto vous é a forma V, que também é a 2ª PESS PL tanto como forma T quanto como forma V (HAWKINS; TOWELL, 2013, p. 41). Como forma de se dirigir ao interlocutor, vous é esperado quando alguém se depara com algum adulto desconhecido, em circunstâncias normais. Em geral, a mudança de vous para tu é “negociada” implícita ou explicitamente. Por exemplo, entre casais, durante os primeiros tempos de namoro, é comum o uso recíproco de V e, após algum tempo, o uso recíproco de T. Em certas circunstâncias, porém, T é usado mais amplamente. Por exemplo, novas amizades que estão conscientes de terem algo socialmente significativo em comum (por exemplo, a condição de estudante ou o mesmo status numa hierarquia) costumam usar T mais ou menos imediatamente. Em alguns casos, pode haver uma prática explicitamente definida para a utilização de T e V, como em uma empresa ou entre membros de um partido. Crianças e adolescentes geralmente usam T para falar com alguém de sua idade, seja conhecido ou não. Também pode ser usado T para mostrar desrespeito a um estranho, como quando se surpreende um ladrão ou se xinga um motorista grosseiro na trânsito (HAWKINS; TOWELL, 2013, p. 43).

Em contrapartida, V pode ser utilizado para distanciar-se de uma pessoa com quem não se quer interagir. Além disso, duas pessoas que usam T em suas interações privadas podem conscientemente usar V em público, a fim de agir de forma adequada em um ambiente formal ou profissional, para desempenhar o papel de uma situação construída artificialmente, ou simplesmente para esconder a natureza de seu relacionamento com os outros.

Nas famílias, V era tradicionalmente usado para tratar os membros mais velhos. As crianças foram ensinadas a usar V para tratar seus pais, e V foi usado até por volta de 1950 entre os cônjuges das classes mais altas.

Hawkins e Towell (2013) afirmam que, em preces, tu é hoje frequentemente usado por protestantes referindo-se a Deus. Vous foi usado em orações católicas até o Concílio Vaticano II, e ainda é usado referindo-se à Virgem Maria (como em português em “Bendita sois vós entre as mulheres”). Na Louisiana, no entanto, vous é sempre usado para

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transmitir um sentimento de respeito e reverência ao orar. Já na Valônia, sua utilização tende a contextos familiares: vos (variação dialetal de vous) é de uso geral e é considerado informal e amigável; já ti (variação dialetal de tu), por outro lado, é considerado vulgar, e a sua utilização pode ser feita como uma expressão de uma atitude agressiva para com a pessoa tratada. Essa influência da Valônia afeta o uso de tu e vous no francês falado na Bélgica.

No francês falado no Canadá, tu tem uso muito mais amplo do que como forma T no padrão francês. Ainda há circunstâncias em que é apropriado dizer vous: em uma entrevista formal (principalmente para um emprego), ou quando se dirige às pessoas de um escalão muito alto (como juízes ou primeiros-ministros), idosos, clientes ou novos conhecidos em um compromisso formal. Quando conhecidos se familiarizam um com o outro, podem achar vous desnecessariamente formal e passar a usar tu com o qual ficam mais à vontade.

Para a maioria dos francófonos no Canadá, vous para a 2ª PESS SING soa pomposo ou esnobe, e até arcaico. Tu não é forma restrita a amigos íntimos ou a socialmente inferiores. Há, porém, uma importante minoria que exige a utilização do padrão francês em Quebec, preferindo ser tratada por vous. Na Radio-Canada (a emissora pública muitas vezes considerada o baluarte da norma francesa no Canadá), o uso de vous é generalizado, mesmo entre colegas.

Segundo Lawn (2012), o uso de vous como forma V diminuiu em mídias sociais e a explicação pode ser a de que tais comunicações on-line favorecem a filosofia da igualdade, independentemente das distinções formais habituais. Tendências semelhantes foram observadas com as formas V em alemão, persa, chinês e em italiano.

3.3.2 Espanhol

O vos do espanhol foi utilizado como forma V no período medieval e, segundo Llorach (2000, p. 76-7), tem persistido em áreas da América Central e do Rio da Prata, originando o que se chama de voseo, porém como forma T, no lugar do tú. Nessas mesmas regiões, a forma V é usted. Na Península Ibérica, a diferença de emprego entre tú (forma T – SING) / usted (forma V – SING) e vosotros (forma T – PL ) / ustedes (forma V – PL) se mantém,

mas na Andaluzia e nas Ilhas Canárias, vosotros foi substituído por ustedes como forma T, mas está voltando ao uso, conforme Almasov (1974).

No espanhol peninsular, mexicano e peruano, como em italiano, o uso de tú e vos semelhante ao francês desapareceu no início do período moderno. Nessas regiões, tú é usado

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para o tratamento informal e familiar (forma T), enquanto a forma V é usted, que evoluiu a partir da expressão vuestra merced (caso semelhante ao vossa mercê português – veja nota da pág. 51).

Na 2ª PESS PL, os falantes de espanhol nas Ilhas Baleares empregam vosotros como forma T e ustedes como forma V. Na Andaluzia ocidental e Extremadura, ustedes é usado tanto como forma T quanto como forma V, com verbos na 2ª PESS PL. Nas Américas e nas Ilhas Canárias, ustedes é usado em todos os contextos e na terceira pessoa.

Para Benavides (2003), a área em torno da capital da Colômbia, Bogotá, preserva uma forma respeitosa (sumercé) alternativa simplificada de uma contração diferente de vuestra merced. No espanhol rio-platense, vos foi preservado, mas como um substituto para tú (forma T, e não como uma forma V); no Chile e na América Central, vos é usado no tratamento falado e tú é usado na escrita e expressa moderada formalidade, ou seja, tem essencialmente sua função ligada ao antigo uso de vos.

Conforme Blanco Botta (1982), em Cuba, predomina tú, mesmo dirigindo-se a alguém a quem se acaba de conhecer.

Segundo Solé (1970, p. 176), em Porto Rico, “o tratamento por tú está vastamente distribuído e cobre quase todas as categorias sociais. Mesmo nas áreas onde usted prevalece como regra, as possibilidades do tú são altas e a transição de uma forma para outra é fácil e frequente.” A autora também afirma haver variação entre tú e usted no Peru, porém, com tendência de uso para tú como forma T e usted como forma V.

3.3.3 Italiano

Em italiano padrão, a forma V predominante é Lei (literalmente “a ela”, que

surgiu da substituição de expressões de tratamento no feminino, como “Vostra Signoria”, “Vostra Eccellenza”), sempre com letra maiúscula na escrita. Lei é normalmente usado em contextos formais ou com estranhos, mas isso implica um sentido de distanciamento, semelhante ao uso francês de vous. Antes de Lei, usava-se Ella, que hoje soa arcaico como forma V. Segundo Sensini (1999, p. 163), atualmente, adultos italianos preferem empregar tu para estranhos com até cerca de 30 anos de idade. Tu é usado reciprocamente entre adultos, podendo não ser recíproco quando jovens abordam estranhos mais velhos que eles. Os alunos, em geral, são tratados com tu por seus professores até o final do ensino médio e com Lei nas universidades. Os alunos podem usar tu com os seus professores na escola primária, mas

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mudam para Lei do ensino médio. Além disso, Tu é a forma mais comum de endereço na internet.

Sensini afirma ainda que, durante a época fascista (1938-1944), fez-se a tentativa malsucedida de impor pela lei o uso de voi em vez de Lei como forma V, alegando-se que este soava “burguês” e “afeminado”, sendo voi mais “humano” e viril. Voi, como forma V de 2ª PESS SING, persiste ainda em dialetos toscanos e continua a ser usado por alguns oradores, principalmente de dialetos do sul, como uma alternativa a Lei. Além disso, ainda aparece em livros de instruções e propagandas em que Lei soaria muito distante. Ao contrário do vós português, como veremos adiante, a 2ª PESS PL do italiano permanece viva tanto como forma T quanto como forma V (assim como o vous francês).

3.3.4 Alemão

Segundo Schenke e Seago (2004, p. 79), a forma T alemã é du, usado para crianças, animais e dirigindo-se a Deus, e entre os adultos (ou entre adultos e crianças) que já mantêm entre si uma relação de intimamente. A forma V é Sie (literalmente “ela”, assim como ocorre em italiano) e é usada em situações de formalidade, com pessoas que não se conhecem bem ou com pessoas mais velhas. Crianças dirigem-se a adultos com V e são tratadas por eles com T.

Schenke e Seago dizem que qualquer pessoa até a idade de dezesseis anos pode ser tratada como T, com uma tendência para começar a tratar por V crianças com idade de quatorze anos na região oriental, enquanto os alemães ocidentais tendem adiar esse tratamento até os dezesseis anos dos adolescentes. É costume crianças e adolescentes usarem V para os adultos que não são membros da família ou para os amigos da família; já nas ruas e em clubes esportivos, os mais jovens dirigem-se aos mais velhos com T. Em lojas, bares e em outros estabelecimentos, para se dirigir a um público mais jovem, está se tornando cada vez mais comum funcionários tratarem os clientes por T, sendo considerado estranho o tratamento por V se ambos estiverem em uma mesma faixa etária.

Segundo Bausinger (1979), o uso de T ou V entre dois estranhos também pode ser determinado pelo ambiente em que eles se encontram. Por exemplo, costuma-se usar T em pequenos bares e tabernas tradicionais em determinadas regiões, inclusive para as pessoas mais velhas que seriam alhures tratadas por V. Duas pessoas que se dirigem um ao outro com T em um pub podem voltar a usar V reciprocamente quando eles se encontrarem na rua, se o

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seu conhecimento travado no pub houver sido muito superficial. Durante o famoso carnaval renano, é habitual para a maioria dos foliões tratar uns aos outros como T. Só no caso de a diferença de idade ser mais do que uma geração, a pessoa ainda mais jovem pode usar V.

Na cultura alemã, conforme Besch (1998, p. 52), a mudança de tratamento recíproco de V para T passa por um acordo explícito, sendo, em geral, proposta pelo mais velho dos dois interlocutores. Caso um dos dois se esqueça do acordo em outra ocasião e volte a usar V, o outro pode lembrá-lo do acordo dizendo “Nós já combinamos de nos tratar por du.” Para o autor, na Alemanha, um costume antigo (chamado Bruderschaft trinken, “beber à fraternidade”) envolve dois amigos compartilhando formalmente uma garrafa de vinho ou bebendo um copo de cerveja para celebrar o seu acordo de chamar um ao outro por T em vez de V. No entanto, às vezes, voltar a usar V para com uma pessoa próxima pode ser um recurso de demonstrar ironia ou retomar o distanciamento, como Soares (1980, p. 84) aponta para o uso de “o senhor” no português cearense.

3.3.5 Polonês

O wy (“vós”) do polonês permanece como forma V em certas regiões rurais isoladas, em especial no sul da Polônia. O uso de wy com referência a um só endereçado antigamente era feito com empregados e serviçais. Além disso, era utilizado (e ainda é entre veteranos) entre membros do Partido Comunista e do Partido Socialista no lugar de ty para expressar camaradagem. Segundo Swan (2002, p. 154), este modo de expressão nunca vingou na Polônia fora desses círculos estreitos. Por isso, considera-se artificial ou dissonante usar wy por ty, tanto em contextos formais quanto em informais. Para se referir a uma só pessoa em um contexto formal, utiliza-se, em polonês, o substantivo pan(i), “o(a) senhor(a)”.

3.3.6 Russo

Para se dirigir ao interlocutor em russo, a forma T é ty(lit. “tu”) e forma V é vy

(lit. “vós”). As gramáticas de russo (NEKRASOVA, 2002) advertem que o uso de vy para se referir a uma só pessoa oferece certas dificuldades para estrangeiros, pois, entre pessoas que não se conhecem, em lugares públicos, uma criança, um adolescente ou um jovem deve tratar um adulto ou um idoso com V e este deve usar T para tratar a criança, mas pode usar T ou V para tratar o adolescente ou o jovem; entre adultos, o tratamento deve ser V, de forma

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recíproca; entre adolescentes ou jovens, o tratamento pode ser T ou V, mas de forma recíproca; um adulto de meia-idade trata uma pessoa adulta mais nova do que ela por T, mas deve ser tratado por esta por V. Ao conversar com uma pessoa íntima, o tratamento é o T recíproco: entre amigos, irmãos, pais e filhos etc. No ambiente de trabalho, pessoas de mesma posição social tratam-se de forma recíproca, por T ou V, e entre pessoas de posições sociais diferentes, deve-se usar V, também de forma recíproca. Em ambiente escolar, alunos se dirigem a professores com V, mas estes os tratam por T (V também pode ser usado na universidade). Os alunos tratam-se de forma recíproca com T. Usa-se T também para se referir a Deus ou a animais de estimação. Nekrasova (2002, p. 62-4) adverte que, se T for usado para um adulto desconhecido num lugar público, isso pode ser entendido como um insulto.

3.3.7 Inglês

O inglês moderno não tem uma distinção pronominal do tipo T-V. Segundo Harper (2002), em estágios anteriores do inglês, thou “tu”, thee “te”/”ti”, thy “teu” (pron. adj.), thine “teu” (pron. subst.) e thyself“te”/“a ti mesmo” (pron. reflex.) foram as formas T da 2ª PESS SING, enquanto ye “vós”, you “vos”/”vós”, your “vosso” (pron. adj.), yours “o vosso” (pron. subst.) e yourselves “vos”/“a vós mesmos” constituíam as formas V (além de serem também as formas T para a 2ª PESS PL). Por volta de 1600, as formas T, no entanto, tornaram-se estigmatizadas e desapareceram no inglês falado na maioria das regiões em que a língua é usada, de modo que a forma V original, you (caso objetivo de ye) passou a acumular a função de 2ª PESS SING e de 2ª PESS PL. Por esse período, surgiu yourself (com o 2º elem. no SING– self) para referência à 2ª PESS SING, ficando yourselves (que já existia) de uso exclusivo para o plural. As antigas formas T sobrevivem no falar dos moradores de Yorkshire, Cumbria, East Midlands e algumas áreas rurais do oeste da Inglaterra e, principalmente, como arcaísmos em textos bíblicos (quando, naturalmente, são usadas como formas V, uma vez que se referem solenemente a Deus). Alguns quakers usaram essas formas até meados do século XX.

Ironicamente, para um falante do inglês moderno que desconhece a origem da distinção, o uso de thou (por exemplo, nos rituais religiosos), originalmente um sinal de intimidade – uma forma T, agora tem conotações de formalidade – uma forma V, devido ao seu caráter cerimonial.

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A neutralidade de you tanto para o singular quanto para o plural fez surgir expressões que marquem a distinção SING/PL, como y’all, forma contraída de you all (“vocês

todos”), no sul dos Estados Unidos e no inglês vernacular afro-americano; you guys (nos EUA, particularmente no Meio-Oeste, no Nordeste e na Costa Oeste, no Canadá e na Austrália, segundo Jochnowitz, 1984), you lot (no Reino Unido, conforme Finegan, 2011), yous(e) (na Irlanda, na Austrália e em alguns pontos da Grã-Bretanha, de acordo com Wales, 1996) e yousse (BERNSTEIN, 2003) – todas para o plural, reservando-se you para o singular.

3.3.8 Português

Vejamos agora a situação de nossa língua quanto à distinção T-V.

Em português, a forma V foi, durante muito tempo, a 2ª PESS PLvós (FARACO, 1996), o que ainda permanece no discurso religioso, nas orações católicas quando se dirige a Deus ou à Virgem (CUNHA, 1996, p. 287).

Conforme Cook (1997, p. 4), no português europeu (PE), a distinção T-V faz-se a partir do emprego distinto de tu (forma T) e você (forma V). Já para o plural, vós, que antes tanto era forma T quanto forma V, caiu em desuso, sendo substituído em ambas as funções por vocês. Para situações de maior formalidade, as formas V são o(a)(s) senhor(a)(s). Porém, a autora argumenta que no português africano (PA), há uma combinação das formas do paradigma de tu com as do paradigma de você e exemplifica com um trecho de um conto de 1963, “Estória do ladrão e do papagaio”, do escritor angolano Luandino Vieira, em que aparece o trecho (3):

(3) – Você és bandido, não é?

– Bandido não sou, não senhor!

– Cala-te a boca mas é! Você é bandido... Vamos. (VIEIRA, 2006, p. 23) No PB, a distinção entre as formas T (tu, te, ti, teu) e V (você, o/a, lhe, se, si, seu) foi neutralizada a partir da década de 1930, conforme Duarte (1993), de modo que o que antes era forma V, além de manter o caráter de polidez e formalidade, passou também a ser usado como forma T, ocasionando não só uma competição entre as formas T como a combinação de diferentes formas de ambos os paradigmas. Rumeu (2013), que estudou o pronome você em cartas de uma família carioca escritas em fins do século XIX e na primeira metade do século XX, também conclui que você passou a ser mais produtivo nos anos 30.

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Já para Machado (2006, p. 99), foi a partir de 1918 que você se consolidou como principal estratégia de referência à 2ª PESS, alterando “substancialmente o comportamento do

preenchimento dos sujeitos ao longo do século XX, visto que a elevação da frequência de uso das formas plenas está intimamente ligada ao aumento da produtividade do você.”

Tendo você entrado em competição com tu e, assim, adquirido também a função de forma T em muitas áreas do PB,como na capital paulista (MENON, 2000) e na capital paranaense (ABREU, 1987), passou-se a recorrer a expressões nominais para substituir as formas V. As mais frequentes são o(a) senhor(a) (SOARES, 1980, p. 42; COOK, 1987, p. 8; BAGNO, 2011, p. 752) – na modalidade oral – e Vossa Senhoria (BECHARA, 2003, p. 166; FERREIRA, 2011, p. 293) – na modalidade escrita em comunicações oficiais, cartas comerciais, requerimentos, ofícios, etc., “quando não é próprio o tratamento de Vossa Excelência” (CUNHA, 1986, p. 293). Soares (1980, p. 84-5) afirma que a senhorita ainda é usado, no português falado em Fortaleza, como forma V em referência a mulheres solteiras.

O que se tem verificado na língua portuguesa usada no Brasil, conforme trabalhos que comentaremos um pouco mais adiante, é uma situação diferente da que ocorre nas demais línguas que codificam a distinção T-V (familiaridade/polidez) através de pronomes, como as exemplificadas acima. Nessas línguas, quando se toma uma forma T para dirigir-se a alguém, todo o paradigma da forma é usado uniformemente. Por exemplo, em alemão, ao se usar du

(“tu”) para com alguém, na função de sujeito (SUJ), usa-se, por conseguinte, dich(“te”) como objeto direto (OD), dir (“a ti”) como objeto indireto (OI), e dein (“teu”) como possessivo (POSS), além de se acrescentar ao verbo a desinência –st da 2ª PESS SING. Não há a combinação de formas T com formas V numa mesma situação de uso, numa mesma sentença. Tal não acontece no PB (nem no PA, conforme Cook.).

No PB, não é simples prever qual a forma que alguém utilizará para se dirigir a outrem em alguns contextos, a partir das relações sociais estabelecidas entre os interlocutores. O governador do estado do Ceará, Cid Ferreira Gomes, por exemplo, é tratado por uma forma T por manifestantes que protestavam contra a construção de um viaduto sobre parte do Parque do Cocó, em Fortaleza, em meados de 2013. A foto abaixo (Fig. 1), obtida durante as manifestações no local do litígio, em 9 de setembro do referido ano, mostra a ausência de polidez ao se dirigir ao governador:

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Fig. 1: Cartaz com a variação das formas T/V no português cearense

Observe que, no cartaz, o governador do Estado é tratado por tu, mas com o verbo na 3ª PESS. SING. (como se fosse para você ou Vossa Excelência) – gasta – e depois com o verbo na 2ª PESS. SING. do imperativo afirmativo – paga (tu!) – em vez de pague (você! / Vossa Excelência!).

Como mostra Lopes (2007, p. 116), “a implementação de você e a gente no sistema de pronomes pessoais gerou uma série de reorganizações gramaticais, tanto no subsistema de possessivos, quanto no de pronomes que exercem função de complementos diretos ou indiretos.” Para a autora, a combinação entre as formas do paradigma de tu e as formas do paradigma de você já é tão natural no PB que não se pode mais continuar falando de “falta de uniformidade de tratamento”, como, frequentemente, alegam alguns gramáticos.

O quadro abaixo mostra a situação real das formas pronominais em uso no PB para

a 2ª PESS SING quanto às funções sujeito (SUJ), complemento não preposicionado (COMPL NÃO PREP), que pode ser o OD, o OI ou o complemento nominal (CN), complemento preposicionado

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(COMPL PREP), que pode ser o OI, o CN ou um adjunto adverbial (ADJ ADV). Em todos esses casos, a forma prototípica de 2ª PESS (tu, te, ti, teu) concorre com uma forma originalmente de 3ª PESS (você, lhe, se, seu), como mostram os exemplos (todos nossos):

Quadro 2: Situação atual dos pronomes de 2ª PESS SING no PB

Função Forma Exemplos

SUJ tu / você Tu vai(s)? / Você vai?

COMPL NÃO PREP

OD te / lhe / tu / você Eu te/lhe vi. / Eu vi tu/você.

OI te / lhe Isso te/lhe pertence?

CN te / lhe Eu te/lhe sou fiel.

COMPL PREP ti / tu / você Isso pertence a ti/tu/você ?

REFL te / se Tu te vê(s)? / Tu se vê?

POSS teu(s), tua(s) / seu(s), sua(s) Cuida da tua/sua vida!

FONTE: produção do próprio autor

Ao quadro, poderíamos ainda acrescentar o pronome o(a), que ocorre na fala monitorada de algumas pessoas de maior nível de escolaridade (ex.: “Antônia, eu a vi ontem e você nem me cumprimentou!” – exemplo nosso).

A variação que aqui estudamos insere no conjunto de variações entre as formas de 2ª PESS SING no PB, como mostra o quadro acima.

No PB, as motivações que levam ao uso de uma forma V são diversificadas,

diferentemente do que acontece em russo ou em alemão comentados anteriormente, em que a