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A variação do TELHE em cartas pessoais de cearenses no século XX

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Academic year: 2018

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

FRANCISCOJARDESNOBREDEARAÚJO

A VARIAÇÃO TE/LHE EM CARTAS PESSOAIS DE CEARENSES NO SÉCULO XX

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FRANCISCO JARDES NOBRE DE ARAÚJO

A VARIAÇÃO TE/LHE EM CARTAS PESSOAIS DE CEARENSES NO SÉCULO XX

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará, como requisito para a obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Linguística

Orientadora: Profa Dra Hebe Macedo de Carvalho

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Ciências Humanas

A689v Araújo, Francisco Jardes Nobre de.

A variação te/lhe em cartas pessoais de cearenses no século XX / Francisco Jardes Nobre de Araújo. – 2014.

151 f. : il. color., enc. ; 30 cm.

Dissertação(mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades,Departamento deLetras Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Linguística.

Orientação: Profa. Dra. Hebe Macedo de Carvalho.

1.Língua portuguesa – Pronomes. 2.Língua portuguesa – Variação. 3.Cartas. 4.Comunicação escrita. I.Título.

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FRANCISCO JARDES NOBRE DE ARAÚJO

A VARIAÇÃO TE/LHE EM CARTAS PESSOAIS DE CEARENSES NO SÉCULO XX

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará, como requisito para a obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Linguística

Aprovada em: ____/_____/_______

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________ Profa Dra Hebe Macedo de Carvalho (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________________ Profa Dra Maria Elias Soares

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________________ Profa Dra Célia Regina dos Santos Lopes

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por minha vida e por tudo que nela vivi.

À FUNCAP, pelo apoio financeiro com a manutenção da bolsa de auxílio.

À SEDUC, pela concessão do afastamento do meu trabalho como professor para a dedicação exclusiva ao curso.

À Professora Doutora Hebe Macedo de Carvalho, pela valiosa, constante e paciente orientação desde os primeiros passos nesta pesquisa, pela valorosa contribuição com suas aulas sobre o uso do programa GoldVarb e pela troca de ideias nos encontros para estudos de Sociolinguística.

Aos meus professores do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará, Maria Elias Soares, Ricardo Lopes Leite, Márcia Teixeira Nogueira, Márluce Coan e Júlio César Rosa de Araújo, pela grandiosa contribuição na aquisição de novos conhecimentos e pelas aulas enriquecedoras.

Ao secretário do Programa de PPGL/UFC Eduardo Xavier Ary Andrade, pela prestatividade, gentileza e troca de informação ao longo dos dois anos em que fui aluno da Universidade Federal do Ceará.

Ao meu amigo Francisco da Fonsêca, pela valorosa colaboração na procura e aquisição da maioria das cartas utilizadas nesta pesquisa; também à senhora Elizabeth Alencar, por ter emprestado as cartas recebidas por seu falecido pai para que eu as analisasse, e a todos os que contribuíram para a constituição da amostra, emprestando suas cartas, sem receio de expor sua intimidade ou a de seus entes queridos.

Aos meus colegas de curso, em especial a Júlio César Lima Moreira, com quem tive mais proximidade por trabalharmos na mesma linha de pesquisa e termos a mesma orientadora, pela amizade e pelas constantes trocas de ideias e apoio.

Ao meu amigo Ismael Fabrício de Alencar Oliveira, com quem dividi moradia durante a maior parte do período em que estive afastado de minha cidade para me dedicar ao curso de Mestrado, pelo incentivo a buscar dar continuidade à minha vida acadêmica, pelo apoio incondicional, pela troca de ideias e pela companhia constante.

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RESUMO

A variação linguística é um fenômeno universal que atinge todos os níveis da gramática (CAMACHO, 2011). Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação e a que mais se reorganiza dentro do sistema (MONTEIRO, 1994), embora esta costume ser constituída por um número relativamente pequeno de itens gramaticais, formando um inventário fechado. Dentre as pessoas do discurso, é a 2ª a que mais tem sido codificada de maneira variada, não só na língua portuguesa, como em diversas outras línguas indo-europeias, nas quais há um sistema dual de pronomes para a 2ª PESS.: as formas T e as formas V (derivadas, respectivamente, do uso do tu e do uos latinos) – as primeiras são de uso familiar ou informal, enquanto as outras denotam polidez e distanciamento. A partir da terceira década do século XX, com o uso de

você (forma V) em variação com tu (forma T), todo o quadro pronominal da língua, incluindo os possessivos de 2ª PESS, passou a sofrer variação. Partindo do pressuposto defendido pela Sociolinguística Variacionista, sobretudo com Labov (1978; 1983; 1994; 2008), de que a variação linguística se dá motivada tanto por fatores internos quanto externos ao sistema, o presente trabalho busca analisar a variação das formas te e lhe como pronomes de 2ª PESS. SING., tanto na função de acusativo, quanto na de dativo, no português brasileiro escrito do século XX. Para isso, utiliza uma amostra de 186 cartas pessoais escritas entre 1940 e 2000, obtidas numa busca entre os habitantes do município de Quixadá, no Sertão Central cearense. As cartas coletadas são de pessoas do povo, isto é, não de profissionais da linguagem, tendo sido trocadas entre amigos ou parentes. Como metodologia, estratifica a amostra em três períodos do século XX nos quais as cartas foram escritas (anos 1940-50, anos 1960-70 e anos 1980-90) e por gênero da autoria (cartas de homens e cartas de mulheres) e submete os dados ao programa computacional GoldVarb X para obter dados estatísticos e interpreta esses dados à luz das teorias da Sociolinguística Variacionista. Os resultados da pesquisa demonstraram que a variação das formas pronominais te/lhe é condicionada por fatores linguísticos, como a forma do verbo, a posição do pronome e a presença de forma V antes de te ou lhe, e que, apesar de mais frequente do que o uso de te, o uso de lhe sofreu declínio ao longo dos três períodos de tempo analisados.

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ABSTRACT

The linguistic variation is a universal phenomenon that affects all levels of grammar (CAMACHO, 2011). In many languages, of all the word classes, the pronouns, especially the so-called personal pronouns, are more inclined to variation and to rearrangement in the system (MONTEIRO, 1994), although they use to be constituted by a relatively small number of grammatical items, restricted to a kind of closed inventory. The 2nd PERS SING is which more has been coded in a variant way, not only in the Portuguese language, as in many other Indo-European languages, in which there is a dual system of pronouns for 2nd PERS: the T-forms and the V-T-forms (derived, respectively, from the use of Latin tu and vos) – the first are used both familiarly and informally, while others denote politeness and distance. From the third decade of the twentieth century, with the use of você (a V-form) in variation with tu (a T-form), the entire pronominal frame of the Portuguese language, including the 2nd PERS possessive, began to undergo change. Assuming the ideas defended by Variationist Sociolinguistics, especially with William Labov (1978, 1983, 1994, 2008), that the linguistic variation occurs motivated by factors both internal and external to the system, this work aims to analyze the variation of forms te and lhe as 2nd PERS SING, both in accusative and in dative function, in Brazilian Portuguese written in the twentieth century. It uses a sample of 186 personal letters written between 1940 and 2000, obtained in a search among the inhabitants of the town of Quixadá, in the middle of the state of Ceará. The letters are collected from common people, that is, not from language professionals, having been exchanged between friends or relatives. As methodology, the sample was stratified into three periods of the twentieth century in which the letters were written (years 1940’s and 50’s, years 1960’s and 70’s, years 1980’s and 90’s) and gender of authorship (letters from men and letters from women) and submits the data to the computer program GoldVarb X in order to obtain statistical results and interpret these results in light of theories of Sociolinguistics Variationist. The survey results showed that variation of the pronoun forms te/lhe is conditioned by linguistic factors, such as the form of the verb, the position of the pronoun and the presence of a V-form before te or lhe, and that, although lhe was more used than te in the letters, its use has declined over the three periods of time analyzed.

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LISTA DE FIGURAS

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LISTA DE GRÁFICOS

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Formas T/V em línguas IE... 38

Quadro 2 – Situação atual dos pronomes de 2ª PESS SING no PB... 48

Quadro 3 – Alterações no sistema de conjugação verbal no PB ocasionado por mudanças no quadro dos pronomes... 56

Quadro 4 – Alterações no sistema de conjugação nos tempos do subjuntivo e nos pretéritos do indicativo em algumas variedades do PB ocasionadas por mudanças no quadro dos pronomes... 57

Quadro 5 – Quantidade de cartas por período e gênero da autoria... 80

Quadro 6 – Quantidade de cartas por períodos e por remetentes ... 81

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Ocorrências de te/lhe nas cartas pessoais... 86

Tabela 2 – Ocorrências de lhe por década considerando-se dois períodos ... 87

Tabela 3 – Ocorrências de lhe nos três períodos ... 87

Tabela 4 – Ocorrências de lhe em cartas de homens e de mulheres... 90

Tabela 5 – Uso de te/lhe por remetente... 94

Tabela 6 – Uso das formas variantes te e lhe por remetentes das cartas ... 94

Tabela 7 – Uso de te/lhe por carta ... 95

Tabela 8 – Uso das formas te/lhe por cartas e por remetentes ... 95

Tabela 9 – Uso de te/lhe por remetente nos três períodos ... 96

Tabela 10 – Percentual do uso das formas te/lhe por remetente nos três períodos. 97 Tabela 11 – Ocorrências de lhe por carta e como uso categórico por remetentes em cada período analisado ... 99

Tabela 12 – Atuação do tempo do verbo sobre o uso de lhe... 104

Tabela 13 – Posição do clítico nas cartas pessoais ... 107

Tabela 14 – Atuação da posição do pronome sobre o uso de lhe... 108

Tabela 15 – Presença de formas T/V antes da primeira ocorrência de te/lhe ... 111

Tabela 16 – Atuação da presença de formas T/V sobre o uso de lhe... 111

Tabela 17 – Total de verbos por tipo semântico... 114

Tabela 18 – Atuação do tipo semântico do verbo sobre o uso de lhe... 115

Tabela 19 – Atuação dos seis verbos discendi mais recorrentes sobre o uso de lhe... 117

Tabela 20 – Ocorrências de lhe por função sintática e tipo semântico do verbo... 118

Tabela 21 – Ocorrências de lhe por forma nominal do verbo... 119

Tabela 22 – Ocorrências de lhe por forma nominal e estrutura do verbo... 122

Tabela 23 – Atuação da estrutura verbal sobre o uso de lhe... 125

Tabela 24 – Atuação da função do pronome sobre o uso de lhe ... 127

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACUS acusativo

ADJ ADN adjunto adnominal ADJ ADV adjunto adverbial

CN complemento nominal

COMP composto

DAT dativo

FEM feminino

FUT futuro

GER gerúndio

IE indo-europeu, indo-europeias IMPER imperativo

IMPERF imperfeito INDIC indicativo

INF infinitivo

IP índice de pessoa MQP mais-que-perfeito

NOM nominativo

OD objeto direto

OI objeto indireto PA português africano PART particípio

PB português brasileiro

PE português europeu

PESS pessoa

PERF perfeito

PL plural

POSS possessivo

PRET pretérito

SING singular

SUBJ subjuntivo

SUJ sujeito

VTD verbo transitivo direto

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO……….…… 13

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ….……….. 18

2.1 Labov e a Sociolinguística Variacionista: estudos pioneiros ……… 18

2.2 A pesquisa em Sociolinguística: o estudo da variação ... 29

2.3 Resumo do capítulo ... 31

3 OS PRONOMES PESSOAIS E A TEORIA T-V... 32

3.1 A complexidade dos pronomes pessoais ... 32

3.2 As formas T e as formas V... 34

3.3 As formas T e V em algumas línguas ... 34

3.3.1 Francês ... 39

3.3.2 Espanhol ... 40

3.3.3 Italiano ... 41

3.3.4 Alemão ... 42

3.3.5 Polonês ... 43

3.3.6 Russo ... 43

3.3.7 Inglês ... 44

3.3.8 Português ... 45

3.4 Tu/te e você/lhe através do tempo ... 49

3.5 A variação te/lhe em estudos variacionistas e em compêndios gramaticais... 54

3.5.1 Estudos variacionistas ... 55

3.5.2 Compêndios gramaticais ... 63

3.6 Resumo do capítulo ... 64

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 66

4.1 As cartas pessoais na pesquisa sociolinguística ... 66

4.2 As categorias de análise ... 67

4.2.1 A variável dependente ... 68

4.2.2 As variáveis independentes ... 68

4.2.2.1 Variáveis extralinguísticas... 69

4.2.2.1.1 Período do século XX... 69

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4.2.2.1.3 Remetente ... 70

4.2.2.2 Variáveis linguísticas... 70

4.2.2.2.1 Tipo semântico do verbo que rege o pronome te/lhe ... 71

4.2.2.2.2 Estrutura do verbo que rege o pronome te/lhe... 72

4.2.2.2.3 Tempo do verbo que rege o pronome te/lhe ... 74

4.2.2.2.4 Forma nominal do verbo que rege o pronome te/lhe ... 75

4.2.2.2.5 Posição do pronome te/lhe em relação ao verbo... 76

4.2.2.2.6 Função sintática do pronome te/lhe ... 76

4.2.2.2.7 Presença de pronome T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe ... 77

4.3 A coleta da amostra ... 77

4.4 Estratificação da amostra ... 80

4.5 Nossos informantes: os escribas ... 82

4.6 O tratamento estatístico ... 84

4.7 A codificação dos dados ... 85

5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ... 86

5.1 Resultados por períodos do século XX ... 86

5.2 Resultados por gênero da autoria das cartas ... 90

5.3 Resultados por remetente das cartas ... 93

5.4 Os grupos de fatores selecionados pelo GoldVarb X ... 102

5.4.1 A atuação do tempo e da forma nominal do verbo principal... 103

5.4.2 A posição do pronome em relação ao verbo ... 106

5.4.3 A presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe... 109

5.5 Grupos de fatores não selecionados pelo GoldVarb X ... 112

5.5.1 A atuação do tipo semântico do verbo... 113

5.5.2 A atuação da forma nominal do verbo no uso de lhe... 119

5.5.3 A atuação da estrutura verbal no uso de lhe... 122

5.5.4 A função sintática do pronome no uso de lhe .... 126

5.6 Resumo do capítulo ... 131

6 CONCLUSÃO ... 132

REFERÊNCIAS... 136

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1 INTRODUÇÃO

A pesquisa aqui apresentada insere-se nos estudos de Sociolinguística Variacionista e tem como foco a variação linguística das formas oblíquas átonas te/lhe para se dirigir ao interlocutor na modalidade escrita do português brasileiro, mais especificamente, da variedade usada no estado do Ceará.

A Gramática Tradicional (GT) apresenta como opções de se reportar ao interlocutor (2ª pessoa do singular) dois sistemas de pronomes: um familiar, constituído por tu

e seus correspondentes formais te, ti, contigo e teu, e um cerimonioso, constituído por formas originalmente de 3ª pessoa do singular, como você, o senhor etc. e suas respectivas formas oblíquas o, lhe, se, si, consigo e o possessivo seu. Todavia, esse uso é apenas um ideal linguístico, uma vez que, na fala cotidiana e na escrita de gêneros menos monitorados, os dois sistemas de pronomes alternam-se, de modo que os oblíquos te e lhe encontram-se em variação em muitas regiões do país, por exemplo, no Ceará.

Nesse estado, alguns trabalhos com pronomes já foram feitos, porém, apesar de sua profundidade e contribuição com a formação de um banco de dados da fala de Fortaleza, tais trabalhos estudaram os pronomes na modalidade falada, não na escrita. Assim, esta permanece sem merecer a devida atenção, embora a variação linguística tenha lugar aí também, uma vez que as mesmas variações identificadas no uso dos pronomes na fala podem ser verificadas também na escrita de cartas pessoais.

Esta pesquisa com a variação pronominal te/lhe tem como objetivo geral descrever e analisar a variação das formas te e lhe como pronomes oblíquos de 2ª pessoa do singular (2ª PESS SING) em cartas pessoais do século XX escritas por cearenses. De forma mais específica, objetiva identificar qual dessas formas em variação, nas cartas pessoais, é mais recorrente no século XX, quais são seus fatores condicionantes e em que medida os fatores linguísticos condicionam tal variação.

Assim, este trabalho pode ajudar a professores da língua materna a combater o preconceito linguístico reinante em nossa cultura ao mostrar a fuga das prescrições gramaticais não como uma deficiência na aprendizagem, mas como o resultado de uma confluência de fatores de ordem social e pragmática.

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A escolha do período mencionado justifica-se por ser a partir da década de 1930 que, segundo Duarte (1993), a forma você passou a concorrer com o pronome tu, o qual, até o início do século XX, era de uso mais frequente e uniforme (isto é, em consonância com as formas te, ti, teu). A partir da mencionada década, ter-se-ia acentuado a variação tu/você e, por conseguinte, ocasionado a variação te/lhe, ou seja, a variação entre as formas oblíquas de

tu e de você.

Já a escolha do gênero carta pessoal como corpus desta pesquisa justifica-se por ser este um tipo de correspondência entre duas pessoas, sendo inegável, portanto, sua importância como instrumento para o estudo da linguagem, a qual reflete as relações sociais entre remetente e destinatário, reveladas, entre outros aspectos, na escolha das formas linguísticas para se dirigir ao leitor.

Por normalmente ser uma comunicação íntima, a carta pessoal aproxima bastante a fala da escrita, pois o remetente quer ser reconhecido em seu texto e, através dele, romper a distância, aplacar a saudade e marcar sua presença. Para Marcuschi (2001, p. 38), há gêneros que se aproximam da oralidade pelo tipo de linguagem e pela natureza da relação entre os indivíduos, sendo a carta pessoal e os bilhetes exemplos desses gêneros. Para ele, “um dos aspectos centrais nesta questão é a impossibilidade de situar a oralidade e a escrita em

sistemas linguísticos diversos, de modo que ambas fazem parte do mesmo sistema da língua.”

Deste modo, muitos aspectos da fala podem ser verificados na escrita em cartas pessoais, gênero textual que favorece a ocorrência de muitas das variações linguísticas observáveis na fala.

Além disso, a carta pessoal é um gênero textual que favorece a observação de diversos fenômenos linguísticos, pois, como defende Lopes (2005, p. 15), a carta, por um

lado, “transmite a inovação e mudança linguística, por outro, conserva fórmulas fixas em que

se perpetuam ‘tipos estáveis de enunciados’, caracterizando-a como gênero discursivo.”

Outra justificativa para o uso de cartas pessoais nesta pesquisa é que, conforme ressalta Tarallo (2011 [2007]), esse tipo de documento é ideal para a investigação de mudanças em tempo real, mesmo de curta duração, já que não existem gravações da fala espontânea de períodos anteriores à década de 1960 (excetuando-se as feitas pelo cinema) devido à inexistência de gravadores portáteis.

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logo elas se tornam sem importância para o presente, talvez por verem nelas algo próprio da conversa, que é a efemeridade. Quando o assunto é assaz íntimo, as cartas costumam ser destruídas. Contudo, há quem sinta certa satisfação em compartilhar suas cartas pessoais com terceiros, por considerá-las ingênuas, engraçadas ou simplesmente saudosas. Tal dificuldade acarreta o problema dos “maus dados” comentado por Labov (1994, p. 11), o que procuramos contornar segundo os métodos das pesquisas de variação em documentos escritos, no caso, em cartas pessoais.

Através da análise de cartas pessoais escritas por cearenses no decorrer do século XX, a partir da década de 1940, a presente pesquisa pretende descrever e analisar a variação das formas te e lhe como pronomes oblíquos de 2ª PESS SING em cartas pessoais do século XX escritas por cearenses, relacionando-a aos fatores linguísticos tipo semântico do verbo que rege o pronome, tempo e forma nominal do verbo, estrutura do verbo, posição do pronome em relação ao verbo, função sintática do pronome e presença de forma T ou V antes da primeira aparição de te ou lhe na carta e aos fatores extralinguísticos período do século XX, gênero da autoria (ou seja, se a carta foi escrita por homem ou por mulher) e remetente.

Para a análise dos dados, utilizamos o programa GoldVarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), criado como ferramenta de análise sociolinguística. Como descrevem Sankoff et alii (2005), O GoldVarb X é uma ferramenta metodológica utilizada na Sociolinguística Variacionista para cálculos estatísticos auxiliares na análise de fenômenos linguísticos variáveis.

Com base nos resultados apontados pelo Goldvarb X, fizemos uma exposição detalhada das conclusões sobre o uso das formas variantes te/lhe em cartas pessoais, as quais podem sinalizar para o que acontece na fala e para uma compreensão do estado atual da referida variação no português falado no Ceará, pois, segundo Marcuschi (2001, p. 42), “tanto a fala como a escrita apresentam um continuum de variações, ou seja, a fala varia e a escrita varia. Assim, a comparação deve tomar como critério básico de análise uma relação fundada no continuumdos gêneros textuais para evitar as dicotomias estritas.”

O presente trabalho constitui-se, além desta parte introdutória, de mais três capítulos, organizados a partir de uma perspectiva teórica sobre o uso distinto das formas que passaram a competir até uma interpretação dos dados fornecidos pelo programa estatístico na descrição da variação te/lhe na amostra analisada.

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estudo da variação linguística e os principais conceitos empregados nesta área de estudos de interesse para a pesquisa.

No capítulo seguinte, intitulado “Os pronomes pessoais e a Teoria T-V”, apresenta-se a teoria proposta por Brown e Gilman (1960), que trata da existência de dois sistemas pronominais empregados na maioria das línguas europeias conforme a relação existente entre os interlocutores. A teoria, conhecida como Teoria T-V (de tu e vos), explica as origens do uso das formas pronominais de 3ª PESS SING com valor de 2ª PESS SING, o que está no cerne da variação te/lhe no português. Aqui, comentamos como a distinção T-V é feita em algumas línguas indo-europeias e mostramos o que aconteceu com o português quanto a essa distinção. O objetivo do capítulo é explicar como a forma lhe passou a competir com a forma te na referência ao interlocutor. Além disso, traça o percurso histórico dos pronomes tu

e você na língua portuguesa a fim de esclarecer como a forma de 3ª PESS SING lhe, usada como objeto indireto (doravante OI) de você, entrou em variação com te não só nesta função, como também na de objeto direto (doravante OD) e de mostrar a resistência da forma milenar tu (e suas formas oblíquas) em algumas regiões do Brasil.

Sendo este um trabalho sobre a variação em cartas pessoais e variação pronominal, no capítulo denominado “Procedimentos metodológicos”, comentaremos o uso de cartas no estudo das variações da fala, uma vez que fala e escrita constituem um

“continuum de variações” (MARCUSCHI, 2001, p. 42). Além disso, expomos aqui a constituição do corpus de cartas coletadas para a análise da variação te/lhe ao longo do século XX, a partir da década de 1940, e descrevemos a forma como as cartas foram coletadas, onde aconteceu a coleta, quais os critérios de seleção, qual o perfil dos remetentes e qual sua relação com os destinatários. Além disso, fazemos uma descrição de como a amostra foi estratificada conforme a metodologia empregada nas pesquisas de Sociolinguística Variacionista. Com este capítulo, objetivamos mostrar o procedimento metodológico empregado na pesquisa.

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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

A presente pesquisa desenvolveu-se com base na Teoria da Variação, que fundamenta a Sociolinguística Variacionista. Embora o estudo da Sociolinguística seja muito amplo, há alguns conceitos fundamentais dos quais dependem muitas questões abordadas neste trabalho e dos quais trataremos neste capítulo. Conhecer um pouco da história desse ramo da Linguística faz-se necessário para a compreensão da natureza desta pesquisa e do fenômeno aqui analisado.

2.1Labov e a Sociolinguística Variacionista: estudos pioneiros

Segundo Mollica (2008, p. 9), a Sociolinguística “é uma das subáreas da

Linguística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para

um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais.” Isso significa dizer que, numa pesquisa sobre como uma dada língua que se estende por um vasto território se comporta em determinada região deste território, procura-se saber até que ponto as características sociais da população de tal região interferem nas escolhas linguísticas (por exemplo, realização de certos fonemas, usos de determinadas palavras, estruturação das sentenças), configurando, assim, uma comunidade de fala específica.

Para Weinreich, Labov e Herzog (2006), é inviável estudar a língua sem levar em conta sua heterogeneidade. Para ele,

Nos parece bastante inútil construir uma teoria da mudança que aceite como seu input descrições desnecessariamente idealizadas e inautênticas dos estados de língua. [...] será necessário aprender a ver a língua – seja de um ponto de vista diacrônico ou sincrônico – como um objeto constituído de heterogeneidade ordenada. Os fatos da heterogeneidade, até agora, não se harmonizaram bem com a abordagem estrutural da língua. [...] Pois quanto mais os linguistas têm ficado impressionados com a existência da estrutura da língua, e quanto mais eles têm apoiado essa observação com argumentos dedutivos sobre as vantagens funcionais da estrutura, mais misteriosa tem se tornado a transição de uma língua de um estado para outro. Afinal, se uma língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar eficientemente, como é que as pessoas continuam a falar enquanto a língua muda, isto é, enquanto passa por períodos de menor sistematicidade? (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006, p. 35).

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competência/desempenho do Gerativismo em suas primeiras formulações a respeito da comunicação humana.

Esta pesquisa com as formas te e lhe no português escrito no Ceará desenvolveu-se com badesenvolveu-se na Teoria da Variação, que concebe a língua como um sistema heterogêneo do qual a variação é parte inerente.

Chama-se variação linguística a possibilidade de uma mesma função ser desempenhada por formas diferentes. As formas que podem ser usadas umas pelas outras sem

alterar o propósito comunicativo são chamadas de “formas variantes” e o conjunto de

variantes constitui uma “variável linguística” (TARALLO, 2011 [2007], p. 8).

Aponta-se William Labov como o iniciador de um modelo teórico-metodológico que norteia o estudo da variação linguística. Embora não tenha sido o primeiro linguista a se importar com a heterogeneidade da língua, seus estudos sobre determinadas variações no inglês norte-americano tornaram-se referências para pesquisas posteriores no campo da variação em diversas línguas do mundo. Para Labov (1972, p. 271), “a variação social e estilística pressupõe a opção de dizer ‘a mesma coisa’ de várias maneiras diferentes: isto é, as variantes são idênticas em valor de referência ou verdade, mas opostas em seu significado social e/ou estilístico.”1

Em 1962, Labov verificou com que frequência o /r/ final ou pré-consonantal era pronunciado em palavras como guard, bare e beer. A pronúncia do /r/ nesses contextos tem um considerável prestígio na cidade de Nova Iorque. Labov estudou a fala de assistentes de vendas em três lojas de Manhattan, analisadas numa escala que considerava a clientela, o

preço e o estilo, sendo Saks a de classe mais alta, Macy a de classe média e Klein’s a de

classe baixa. Cada informante foi abordado de maneira espontânea com uma pergunta casual

destinada a evocar a resposta “forth floor” (quarto andar), – que pode ou não conter a variável final ou pré-consonantal /r/. Fingindo não ter ouvido direito, o pesquisador obtinha a repetição da resposta de modo enfático. O estudo concluiu que a frequência de uso da variável de prestígio, ou seja, /r/ final ou pré-consonantal, variava de acordo com nível de formalidade e

classe social: os assistentes de vendas da Saks usaram mais esse /r/, os da Klein’s utilizaram

menos e os da Macy pronunciavam o /r/ em geral quando se lhes era solicitado repetir. Das quatro classes analisadas – classe baixa, classe operária, classe média baixa e classe média

1No original: “social and stylistic variation presuppose the option of saying ‘the same’ thing in several different ways: that is, the variants are identical in reference or truth value, but opposed in their social and/or stylistic

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alta – foi a classe média baixa a mais suscetível de usar ostensivamente o /r/ pré-consonantal considerado de prestígio conforme respondiam de forma menos monitorada (4%) ou mais monitorada (77%). O grupo de classe média alta diferiu menos entre os estilos mais monitorado e menos monitorado – (19% nas respostas espontâneas e 60% nas repetições com atenção), o que mostra que o uso estava abaixo do nível de consciência social dos falantes, os quais mudavam a maneira como falavam menos do que quaisquer outras classes sociais ao pensarem cuidadosamente sobre como falavam. Todas as três classes inferiores (classe baixa, classe operária e classe média baixa) mostraram-se mais conscientes do prestígio do /r/ pré-consonantal e, quando pensavam sobre isso, eram mais propensos a mudar a forma como falavam para refletir sobre como deviam pronunciar ou como as pessoas “da elite” falam.

Outro estudo importante de variação linguística desenvolvido por Labov foi da

comunidade de fala de Martha’s Vineyard, uma ilha situada a cerca de 3 milhas da Nova

Inglaterra, na costa leste dos Estados Unidos da América, com uma população permanente de cerca de 6.000 habitantes. No entanto, mais de 40.000 visitantes, conhecidos um pouco

depreciativamente como “os veranistas”, migram para a ilha em cada verão. Em seu estudo,

Labov focou nas realizações dos ditongos /aw/ e /ay/ (como em mouse e mice). Ele entrevistou uma série de falantes de diferentes idades e grupos étnicos na ilha, e observou que, entre os falantes mais jovens (de 31 a 45 anos), um movimento parecia estar acontecendo afastando-se das pronúncias associadas com a norma padrão da Nova Inglaterra, e rumo a uma pronúncia associada com falantes conservadores e tipicamente vineyardenses – os pescadores de Chilmark. Os maiores usuários deste tipo de pronúncia eram jovens que buscavam ativamente identificar-se como vineyardenses, rejeitavam os valores do continente e se ressentiam da invasão dos visitantes ricos no modo de vida tradicional da ilha. Assim, esses falantes pareciam estar explorando os recursos do sotaque não-padrão. O padrão surgiu, apesar de ampla exposição dos falantes ao sistema educacional, de modo que alguns rapazes

universitários educados em Matha’s Vineyard usavam de modo extremamente acentuado as vogais vernáculas.

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21

pessoas passaram a falar da mesma forma, a inovação tornou-se gradualmente a norma para aqueles que vivem na ilha.

Em vez de levar os habitantes da ilha a um nivelamento dialetal, o aumento da exposição ao padrão linguístico usado na Nova Inglaterra, através dos veranistas, fez com que os ilhéus acentuassem a pronúncia das vogais vernáculas gerando uma diferença mais destacada e, assim, um maior nível de variação linguística.

Além desses estudos, uma enorme quantidade de trabalhos em outras comunidades de fala foi realizada mundo afora, e o modelo de análise linguística proposto por

Labov passou a ser chamado por alguns de “sociolinguística quantitativa”, por operar com

números e tratamento estatístico dos dados coletados. (TARALLO, 2011 [2007], p. 8).

Quanto ao nome Sociolinguística, Labov considera-o redundante, dizendo o seguinte:

Por vários anos, resisti ao termo sociolinguística, já que ele implica que pode haver uma teoria ou prática linguística bem-sucedida que não é social. [...] Existe uma crescente percepção de que a base do conhecimento intersubjetivo na linguística tem de ser encontrada na fala – a língua tal como usada na vida diária por membros da ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas discutem com seus cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos. (LABOV, 2008, p. 13)

Objetivando principalmente analisar e aprender a sistematizar variantes linguísticas usadas por uma mesma comunidade de fala, Labov, diferentemente de Saussure

ou de Chomsky, assume o “caos” linguístico como objeto de estudo, no qual as variantes

coexistem em seu campo natural de batalha. Para ele,

O estudo da língua na vida cotidiana não pode ir muito longe sem encontrar muitas ineficiências, falhas de comunicação e mal-entendidos que nos levem à convicção geral de que a língua não funciona tão bem como gostaríamos que funcionasse. [...] Mas isso não significa automaticamente que a mudança de geração na comunidade, refletida em uma série gradual de valores em tempo aparente, irá confundir os membros dessa comunidade. Tal mudança pode ser considerada equivalente a adicionar mais uma dimensão – a idade – às principais variáveis da comunidade de fala: classe social, gênero e estilo contextual. Os falantes normalmente não são confundidos por essa variação. Se conhecem um valor de uma dimensão da matriz – digo, o estilo – eles devem ser capazes de identificar a provável classe social do falante através dos valores da variante. Se a mudança está em andamento, eles podem ser capazes de ajustar seus julgamentos, levando a idade do falante em consideração. A mesma lógica se pode aplicar na identificação da categoria fonêmica de uma mudança sonora em andamento. (LABOV, 2010, p. 21 – Tradução nossa)2

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22 Assim, de acordo com Labov, apesar do aparente “caos”, em que as formas

linguísticas coexistem em competição e os enunciados nem sempre são elaborados de forma ordenada, a comunicação entre as pessoas, através da língua, não é comprometida, pois os falantes são capazes de reconhecer na pluralidade de fenômenos envolvidos no ato comunicativo a identidade daqueles com quem interagem e assim ajustam seus julgamentos e atribuem significado ao que ouvem.

Apesar de ser amplamente reconhecida como um fato, a variação linguística não é um consenso, pelo menos não quanto aos seus limites dentro do sistema linguístico. Lavandera (1977), por exemplo, defende que a variação limita-se ao nível fonológico, pois com elementos não fonológicos (uso de vocábulos e formas de estruturar uma sentença), embora pareçam referir-se à mesma coisa, apresentam diferenças estilísticas ou mesmo semânticas. Questionando a teoria de Labov, a pesquisadora diz:

O que questiono é se essa base de clara equivalência semântica pode ser abandonada para se realizar o mesmo tipo de estudo de variação das unidades sintáticas ou morfológicas em casos em que tem de ser provado que tais unidades significam ‘a

mesma coisa’ para serem tratados como evidência da variabilidade, e, além disso, se a equivalência semântica deve, de fato, ser um requisito. (LAVANDERA, 1977, p. 175 – tradução nossa, grifos no original)3

Segundo o ponto de vista de Lavandera, a variação que estudamos neste trabalho, ou seja, a dos pronomes te e lhe com referência ao interlocutor, não se encontra no mesmo patamar de uma variação fonológica como a pronúncia do /t/ do pronome te, que tanto pode se realizar como palatal /tʃ/ no norte do Ceará quanto como linguodental no sul do mesmo estado, sem que isso implique mudança de significado. Para ela, quando duas ou mais formas não fonológicas são usadas para se referir ao mesmo referente, há uma nuance significativa ou estilística presente numa forma que não está presente na(s) outra(s), o que inviabiliza que se trata de formas equivalentes ou em variação. Para ela,

language does not work as well as we would like it to. (…) But it does not follow automatically that generational change in the community, reflected in a gradient series of values in apparent time, will confuse members of that community. Such change might be considered equivalent to adding one more dimension – age

– to the major variables of the speech community: social class, gender and contextual style. Speakers are normally not confused by this variation. If they know a value on one dimension of the matrix – say, style – they should be able to identify the probable social class of the speaker by the values of the variant. If change is

in progress, they may be able to adjust their judgments by taking the speaker’s age into consideration. The

same logic might apply to the identification of the phonemic category of a sound change in progress.”

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23

unidades além da fonologia, digamos um morfema, ou um item lexical ou uma construção sintática, cada uma tem, por definição, um significado. Elas não são como os fonemas que, por definição, não têm qualquer tipo de ‘constância de

referência’, como diz Sapir. [...] Assim, para a análise das variáveis acima do nível da fonologia não há dúvida de se livrar de significados referenciais. Não se pode dizer que tais variáveis não têm significados referenciais. No entanto, foi decidido que, para a definição de uma variável linguística não fonológica, o significado referencial de todas as variantes deve, necessariamente, ser o mesmo. (LAVANDERA, 1977, p. 175 – tradução nossa)4

Argumentando que apenas as variantes fonológicas constituem verdadeiros exemplos de formas em variação, Lavandera insiste em que elementos da morfologia, isto é, os vocábulos, ou da sintaxe, isto é, as sentenças, por mais que concorram na referência a um mesmo objeto ou fato, não podem ser considerados equivalentes em todos os aspectos:

Assim, a primeira diferença que pode ser apontada entre as variáveis fonológicas e não fonológicas é que as variáveis fonológicas das quais se pode dizer que têm importância social e estilística não precisam ter significado referencial, enquanto que as variáveis não fonológicas são definidas de modo que, mesmo quando elas carregam significado social e estilístico, elas também têm significado referencial, embora este significado referencial seja considerado o mesmo para todas as variantes. (LAVANDERA, 1977, p. 176 – tradução nossa)5

Em resposta a Lavandera, Labov (1978) explica que

Embora a linguística formal reconheça a existência da informação expressiva e da informação afetiva, estas estão na prática subordinadas ao que Buhler chamou de

‘significado representacional’, ou o que eu chamarei de ‘estados de coisas’. Para ser

mais preciso, eu gostaria de dizer que dois enunciados que se referem ao mesmo estado de coisas têm o mesmo valor de verdade, e sigo Weinreich ao limitar o uso de

‘significado’ para este sentido. (LABOV, 1978, p. 7 – tradução nossa)6

4No original: “units beyond phonology , let us say a morpheme, or a lexical item, or a syntactic construction, each have by definition a meaning. They are not like phonemes which, by definition, do not have any

‘constancy of reference’ as Sapir said. [...] So for the analysis of variables above the level of phonology there is

no question of getting rid of referential meanings. It cannot be said that such variables do not have referential meanings. However, it has been agreed that for the definition of a non-phonological linguistic variable the referential meaning of all the variants must necessarily be the same.”

5No original: “Thus the first difference which can be pointed out between phonological and non

-phonological variables is that phonological variables which can be shown to have social and stylistic significance need not have referential meaning, while non-phonological variables are defined so that even when they do carry social and stylistic significance they also have referential meaning, although this referential meaning is held to be the same for all variants.”

6No original: “Though formal linguistics recognizes the existence of expressive and affective information, these

are in practice subordinated to what Buhler called ‘representational meaning’ or what I will call ‘states of affairs’. To be more precise, I would like to say that two utterances that refer to the same state of affairs have

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24

Com isso, Labov sustenta que não há nenhum problema em estabelecer igualdade de significado também em variáveis fora do nível fonológico. Tal afirmação pode ser sustentada conforme a ideia de significado que se assume. Ao contrário de Lavandera, Labov

propõe estreitar a noção de significado, colocando dentro do mesmo ‘pacote’ o valor

representacional e as diferenças estilísticas. É este o posicionamento que adotamos nesta pesquisa, o de que, embora duas formas linguísticas que se referem à mesma coisa possam conter matizes significativos diferentes, podem se considerar formas variantes quando intercambiáveis na maioria dos contextos e quando se referirem ao mesmo estado de coisas.

Ainda sobre essa discussão, Labov (1978) argumenta que

Alinhado com o nosso programa geral de repartir a variação na escolha linguística entre significado e os vários tipos de significado social, muitas vezes encontraremos contrastes linguísticos que potencialmente distinguem os estados de coisas, mas normalmente servem como variantes sociais. (...) Podemos provar que não existem sinônimos verdadeiros, em um sentido absoluto. Mas exigências estilísticas nos forçam a substituir uma palavra por outra na fala e escrita, de modo que em qualquer dada sequência de frases usamos muitas palavras como variantes estilísticas, embora cada uma tenha a capacidade potencial para distinguir determinados estados de coisas. (LABOV, 1978, p. 13 – tradução nossa]7

Este bem parece ser o caso das variações nos pronomes pessoais, como as verificadas no português brasileiro (tu/você, nós/a gente, te/lhe etc.), que partem de motivações estilísticas, da diferença entre contexto formal e contexto informal, rumo a uma neutralização semântica.

Para Labov, a Sociolinguística já ultrapassou o estágio em que se buscavam apenas as motivações sociais (como sexo, idade, classe social etc.) como determinantes das variações. Defendendo-se de críticas de Lavandera (1977 – v. seção 2.1), que via problemas em considerar a existência de estruturas sintáticas variantes, Labov afirma que

a discussão da variação de Lavandera parece brotar de um período anterior no estudo da variação quando a motivação principal era descobrir a motivação social de determinadas mudanças sonoras, e demonstrar a distribuição ordenada de escolhas linguísticas em todo o espectro social. Mas desde Labov, Cohen, Robins e Lewis 1968 que a análise da variação tem estado igualmente interessada com as restrições internas no comportamento governado por regras, e a luz que essas restrições

7 No original: In line with our general program of apportioning variance in linguistic choice among meaning and the various kinds of social significance, we will often encounter linguistic contrasts which potentially

distinguish states do affairs but normally serve as social variants. (…) We can prove that there are no true

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lançam sobre operações cognitivas e o "conhecimento" da gramática. (LABOV, 1978, p. 16 – tradução nossa)8

Destarte, já é comum em Sociolinguística estudar a variação fora do nível fonológico, uma vez que se entende que, assim como as mudanças sonoras operam na língua a partir da variação de fones concorrentes, as mudanças vocabulares e de estrutura sintática seguem o mesmo processo. No Brasil, por exemplo, há muito tempo que vêm sendo feitos estudos sobre variação linguística fora do nível fonológico, como comprovam os trabalhos de Soares (1980), Abreu (1987), Fernandes (1997) e Franceschini (2011), só para citar alguns, sobre o uso de pronomes em variação no português falado em algumas cidades do país.

A substituição do pronome vós por vocês no português, por exemplo, é um caso de mudança não fonológica que, como toda mudança linguística, atravessou o estágio da variação, conforme explica Faraco (1991):

[...] nem toda variação implica mudança, mas que toda mudança pressupõe variação, o que significa, em outros termos, que a língua é uma realidade heterogênea, multifacetada e que as mudanças emergem dessa heterogeneidade, embora nem todo fato heterogêneo resulte necessariamente mudança. (FARACO, 1991, p. 13)

A partir dessa afirmação, não podemos sustentar que a variação te/lhe resultará em uma mudança, em que a forma lhe, inovadora como 2ª PESS, vença a concorrência e elimine te

do uso cotidiano, como aconteceu com vocês em relação a vós, quando aquela forma substituiu esta na fala cotidiana tanto no Brasil quanto em Portugal. Não objetivando prever os rumos dessa variação, nosso estudo limita-se a analisar os fatores que favorecem o emprego da forma lhe como IP de 2ª PESS e como tal fenômeno se desenvolveu na modalidade escrita ao longo do recorte temporal observado.

Conforme se disse acima, a variação é um requisito básico para a mudança linguística. Para Weinreich, Labov e Herzog (2006, p. 126), “nem toda variação e heterogeneidade na estrutura linguística implica mudança; mas toda mudança implica variação e heterogeneidade.”9 Para eles, ao estudar esse fenômeno, a Sociolinguística, deve fornecer respostas para cinco problemas, a saber:

8 No original: “Lavandera’s discussion of variability seems to spring from an earlier period in the study of variation when the primary motivation was to discover the social motivation of particular sound changes, and demonstrate the ordered distribution of linguistic choices across the social spectrum. But since Labov, Cohen, Robins and Lewis 1968, the analysis of variation has been equally concerned with internal constraints or

rule-governed behavior, and the light which these constraints throw on cognitive operations and ‘knowledge’ of the

grammar.”

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26

a) o problema dos fatores condicionantes (the constraints problem) – uma teoria da mudança linguística deve determinar o conjunto de mudanças possíveis e condições possíveis para a mudança;

b) o problema da transição (the transition problem) – correlacionando a estrutura linguística variável com fatores da estrutura social, deve-se observar como uma determinada variante difunde-se entre os diversos segmentos sociais. O problema da transição refere-se à transferência de uma variável linguística de uma língua ou estado de língua para outro, ou seja, a difusão ou a propagação de uma variável linguística. Dessa forma, a distribuição geográfica de um determinado aspecto linguístico depende de dois parâmetros: em primeiro lugar, do número de locais onde esse aspecto se origina (actuation – “implementação”) e, em segundo lugar, da medida em que esse aspecto é distribuído com sucesso numa área relevante da língua (“difusão”).

c) o problema do encaixamento (the embedding problem) – refere-se ao entrelaçamento das mudanças com outras que ocorrem na estrutura linguística e na estrutura social. As mudanças linguísticas sob investigação devem ser vistas como encaixadas no sistema linguístico como um todo e o sociolinguista deve compreender a natureza e a extensão desse encaixamento.

d) o problema da avaliação (the evaluation problem) – através de testes de julgamento subjetivo, o sociolinguista deve procurar aferir a reação dos falantes diante dos valores da variável observada, de modo a se definir a tendência de mudança que essa avaliação social favoreceria;

e) a questão da implementação (the actuation problem) – O problema da

implementação pode ser colocado da seguinte forma: “Por que as mudanças num aspecto estrutural ocorrem numa língua particular numa dada época, mas não em outras línguas com o mesmo aspecto, ou na mesma língua em outras épocas?” (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006, p.37)10.

Assim, a grande questão é avaliar se um determinado cenário de variação tende a se resolver em função de uma determinada variante, efetivando-se a mudança linguística, ou se as variantes identificadas tendem a se manter no uso linguístico da comunidade, dentro de uma estratificação específica, o que caracterizaria a variação estável.

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Como a identificação desses cinco problemas está relacionada ao fenômeno da mudança, não ao da variação em si, e como esta é uma pesquisa sobre um caso de variação, não objetivamos, com este trabalho, apontar respostas para os cinco problemas acima, embora possamos comentá-los superficialmente, com base nos resultados e nas conclusões a que chegamos.

Relacionado ao quarto problema acima está a noção de prestígio que, embora não seja um conceito relevante nesta pesquisa, pode-nos ajudar a compreender a relação entre a variação aqui estudada e alguns fatores condicionadores, como mostraremos adiante, no capítulo de análise. A certos hábitos de fala é atribuído um valor positivo ou negativo, que é então atribuído ao falante. Isso pode operar em muitos níveis. Pode ocorrer no nível fonético, na realização de um fonema em particular, como Labov (2008, p. 63-90) descobriu na investigação da pronúncia do /r/ pós-vocálico no Nordeste dos EUA, ou numa escala macro, como na escolha de qual língua usar, como acontece nos vários casos de diglossias que existem em todo o mundo, dos quais talvez mais conhecido seja o caso do francês e do alemão em algumas áreas da Suíça. Uma implicação importante da teoria sociolinguística é

que os falantes “selecionam” uma variedade ao fazer um ato de fala, seja consciente ou

inconscientemente.

Em geral, numa variação linguística, ou seja, quando dois ou mais termos estão em competição, um deles tem prestígio na comunidade de fala, enquanto os demais são

estigmatizados ou considerados “errados”. Em geral, a forma inovadora sofre rejeição, como comenta Labov (2001):

Todos parecemos estar sofrendo de uma doença linguística que não tem cura, e a língua, como muito do mundo que nos rodeia, é vista como indo de mal a pior.[...] Sempre que a linguagem se torna o tema de conversa aberta, encontramos uma reação uniformemente negativa para quaisquer alterações nos sons ou na gramática que têm vindo à consciência. As comunidades diferem no modo como estigmatizam as novas formas de linguagem, mas eu ainda não conheci ninguém que as tenha saudado com aplausos. Alguns cidadãos mais velhos acolhem as novas músicas e danças, os novos dispositivos eletrônicos e computadores. Mas nunca se ouviu ninguém dizer: “É maravilhosa a maneira como os jovens falam hoje. É muito melhor do que a maneira como conversamos, quando eu era criança.” (LABOV, 2001, p. 6 – tradução nossa)11

11No original: “We all seem to be suffering from a linguistic disease that has no cure, and language, like so much of the world around us, is seen as going from bad to worse. (…) Whenever language becomes the overt topic of conversation, we find a uniformly negative reaction toward any changes in the sounds or the grammar that have come to conscious awareness. Communities differ in the extent to which they stigmatize the newer forms of language, but I have never yet met anyone who greeted them with applause. Some older citizens welcome the new music and dances, the new electronic devices and computers. But no one has ever been heard

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No caso da variação te/lhe, a segunda forma não é aceita pelos puristas quando funciona como OD, sendo, inclusive, condenada por algumas gramáticas (TERRA, 1999, p. 224; NASCENTES, 2003, p. 447), que prescrevem o uso desses pronomes apenas em sua função original prototípica (BAGNO, 2012, p. 765-6).

A teoria de Labov sustenta que as línguas mudam porque variam e as línguas variam devido à influência de fatores relacionados aos falantes, elementos desprezados pela primeira grande escola de estudos linguísticos do Ocidente, cujo nome mais emblemático é o suíço Ferdinand de Saussure. Labov considera que não existe língua independente dos falantes, mas que são estes que, vivendo em sociedades complexas, hierarquizadas, heterogêneas, provocam as mudanças nas línguas, o que torna impossível desvincular os fatos de linguagem dos fatos sociais.

De acordo com a Teoria da Variação, todas as línguas do mundo são sempre continuações históricas que acompanham as gerações sucessivas de indivíduos. As mudanças que se operam numa língua ao longo do tempo são resultado da variação entre as formas linguísticas durante certo período. Seguindo este raciocínio, afirma-se que existem formas linguísticas variáveis porque as características intrínsecas dos falantes (sexo, idade, etnia) são variáveis, assim como sua condição social (classe, grupo, relação com o interlocutor,

situação no ato da enunciação). Em outras palavras, a mesma coisa pode ser enunciada de forma variável (diferente) a depender das características individuais e sociais dos falantes. Assim, as variações linguísticas são classificadas em três tipos: diacrônicas (quando se dão ao longo do tempo), diatópicas (as que resultam da variação espacial – pensemos nas diferenças entre o português usado em Portugal e o usado no Brasil, países em lados opostos do mesmo oceano) e diastráticas (influenciadas pela estratificação e categoria sociais). Além dessas, Labov considera a variação estilística, decorrente das adaptações da linguagem ao contexto imediato durante o ato de fala (LABOV, 1983). A natureza variável da língua é, para a Sociolinguística Variacionista, um pressuposto fundamental no qual se sustenta e se direciona a observação, a descrição e a interpretação do comportamento linguístico.

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2.2A pesquisa em Sociolinguística: o estudo da variação

A Sociolinguística como um campo distinto da Dialetologia foi lançada através do estudo da variação linguística em áreas urbanas. Enquanto a Dialetologia estuda a distribuição geográfica de variação linguística, a Sociolinguística se concentra em outras fontes de variação, entre elas a classe social.

Para Beline (2011, p. 125), de uma perspectiva variacionista quantitativa, “a

Sociolinguística ocupa-se em desvendar como a heterogeneidade se organiza” e, de uma

perspectiva dialetológica, “a Sociolinguística pode se ocupar mais em estabelecer as fronteiras entre os diferentes falares de uma mesma língua.”

Estudos no campo da Sociolinguística normalmente coletam uma amostra da população e entrevistam-na, avaliando a realização de certas variáveis sociolinguísticas. Para

Beline (2011, p. 135), “fazer análises quantitativas de dados linguísticos é a palavra de ordem

da Sociolinguística Variacionista”.

O porquê das análises quantitativas numa pesquisa sobre variação é explicado por

Guy e Zilles (2007, p. 73), que dizem que “a variação linguística, entendida como alternância

entre dois ou mais elementos linguísticos, por sua natureza, não pode ser adequadamente

descrita e analisada em termos categóricos ou estritamente qualitativos.” E justificam que a

dimensão da importância da variação para o entendimento de questões como prestígio e estigma, comunidade de fala, identidade e solidariedade ao grupo local pode ser demonstrada pelo uso de métodos estatísticos.

Mollica (2008, p. 27), tratando do papel das variáveis não linguísticas (nível de

instrução, idade, sexo, classe social etc.) sobre o fenômeno da variação, afirma que elas “não

agem isoladamente, mas operam num conjunto complexo de correlações que inibem ou

favorecem o emprego de formas variantes semanticamente equivalentes.” No caso da variável nível de instrução, a autora diz que falantes de maior escolaridade “tendem a lançar mão de

estruturas de maior prestígio.” Assim também pensa Votre (2008, p. 51), que alega que “[a escola] atua como preservadora de formas de prestígio, face a tendências de mudança em

curso nas comunidades.” Nesse sentido, o autor defende que a variável escolaridade (ou nível de escolarização) é um mecanismo de promoção ou de resistência às mudanças.

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numa perspectiva diacrônica, em se tratando de períodos mais remotos – dos anos 1960 para trás –, o único caminho para fazê-lo é através da análise de textos escritos, entre as quais a literatura e os textos teatrais (PRETI, 2011, p. 325) e as cartas pessoais (ANDRADE, 2011, p. 113). Estas têm o grande mérito de, por se tratar de uma correspondência entre duas pessoas, trazerem marcas de tratamento dispensado ao destinatário, favorecendo o estudo das variações entre os pronomes de 2ª PESS, dentre as quais a que nos interessa nesta pesquisa, que é a variação te/lhe.

Esse estudo de sincronias passadas não é tarefa fácil, pois a escassez de amostras do vernáculo representa um grande obstáculo, tanto que Labov (1994, p. 11) afirma que “a Linguística Histórica pode ser pensada como a arte de fazer o melhor uso dos maus dados”.12 Labov chama de maus dados os documentos históricos que, de alguma forma, mostram o modo como a língua era usada em determinada época porque são ricos por um lado, mas empobrecidos por outro, pois

Documentos históricos sobrevivem por acaso, não por intenção, e a seleção que está disponível é o produto de uma série imprevisível de acidentes históricos. As formas linguísticas em tais documentos são frequentemente distintas do vernáculo dos autores e, em vez disso, refletem esforços de captar um dialeto normativo que nunca foi a língua nativa de nenhum falante. Como resultado, muitos documentos são marcados com os efeitos da hipercorreção, da mistura de dialetos e de erros do escriba. (LABOV, 1994, p. 11 – tradução nossa)13

Acrescente-se a isso a dificuldade de se conhecerem, através dos documentos sobreviventes, aspectos sociais dos autores (escribas) e a estrutura social da comunidade nas quais eles estavam inseridos. Acerca disso, Labov comenta:

Embora saibamos o que foi escrito, não sabemos nada acerca do que foi entendido e não estamos em condição nenhuma de desenvolver experimentos controlados sobre a compreensão transdialetal. Nosso conhecimento do que era distintivo e do que não era é severamente limitada, uma vez que não podemos usar o conhecimento dos falantes nativos para diferenciar variantes distintivas de não distintivas. (LABOV, 1994, p. 11 – tradução nossa).14

Apesar de tais dificuldades, documentos históricos têm sido amplamente utilizados em pesquisas sociolinguísticas de caráter diacrônico, pois, como se disse acima, são

12No original: “Historical linguistics can then be thought of as the art of making the best use of bad data”. (tradução nossa)

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No original: “Historical documents survive by chance, not by design, and the selection that is available is the product of an unpredictable series of historical accidents. The linguistic forms in such documents are often distinct from the vernacular of the writers, and instead reflect efforts to capture a normative dialect that never was any speaker’s native language. As a result, many documents are marked with the effects of hypercorrection, dialect mixture, and scribal error.”

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as únicas formas que se têm de se conhecer determinado estágio de uma língua de uma época mais remota.

2.3 Resumo do capítulo

Neste primeiro capítulo desta pesquisa sobre a variação te/lhe em cartas pessoais escritas por cearenses ao longo do século XX, tratamos da primeira parte de nossa fundamentação teórica, que consiste de uma exposição sobre o campo no qual se insere este trabalho, que é a Sociolinguística Variacionista. Para isso, comentamos o surgimento dos trabalhos pioneiros, desenvolvidos por William Labov, considerado, por isso, o precursor dos estudos em variação linguística. Apresentamos, em linhas gerais, a natureza destes primeiros trabalhos e discutimos algumas críticas que o pesquisador recebeu quanto à extensão de seu método de pesquisa para além da variação em nível fonológico – como é o caso da variação aqui pesquisada –, bem como os argumentos que ele utilizou para refutá-las.

Comentamos, também, os problemas que norteiam a pesquisa em Sociolinguística Variacionista, sobretudo quando se trata de mudança linguística, que é uma consequência da variação, embora nem toda variação leve a mudanças no sistema.

Finalmente, expusemos algumas considerações já feitas em estudos anteriores sobre a variação linguística e os aspectos que a envolvem, ou seja, sobre o que se tem que levar em conta em uma pesquisa sobre o fenômeno.

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3 OS PRONOMES PESSOAIS E A TEORIA T-V

Como vimos no capítulo anterior, o pressuposto básico da Sociolinguística Variacionista é o de que todas as línguas do mundo estão em um contínuo processo de mudança e que as mudanças que se operam nas línguas ao longo do tempo são resultado da variação entre as formas linguísticas durante certo período.

Sobre a mudança linguística, Givón (1979, p. 209) sustenta que “a sintaxe de hoje é o discurso pragmático de ontem” e que “a morfologia de hoje é a sintaxe de ontem.” Com isso, defende a mudança da língua como um processo que parte de motivações pragmáticas (portanto, do modo pragmático) até atingir os níveis mais estruturais do sistema (modo sintático, nível morfológico, nível fonológico).

Assim, quando duas ou mais formas entram em variação, motivações de ordem pragmática ativam esse processo. Tomando como exemplo as variações pesquisadas por Labov na década de 1960 – a frequência do /r/ final ou pré-consonantal na fala de vendedoras de lojas de Nova Iorque e os ditongos na fala dos habitantes da ilha de Martha’s Vineyard – podemos verificar que fatores de ordem pragmática (o desejo de parecer pertencer a uma classe social superior – no primeiro caso – e a necessidade de se firmar como pertencente a uma comunidade – no segundo caso) acionaram o processo de variação, pondo em competição duas ou mais formas dentro do sistema linguístico. No caso das variações entre os índices de pessoa (IP), a motivação parece encontrar-se no uso distintivo que se faz dos IPs decodificando as relações entre os interlocutores e na posterior perda dessa distinção.

Antes de comentarmos a teoria que trata do uso dos IPs como dêiticos sociais em algumas línguas, inclusive o português, faremos algumas considerações sobre os aspectos gramaticais importantes inerentes aos pronomes pessoais.

3.1A complexidade dos pronomes pessoais

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33 este costume ser constituído por um “número limitado” de unidades (cf. BECHARA, 2003),

isto é, há um número relativamente pequeno de itens gramaticais que podem desempenhar a função de pronome, restringindo-se a uma espécie de “inventário fechado”. Por exemplo, os pronomes oblíquos átonos do português atual constituem um conjunto de itens herdados da língua latina – me, te, se, lhe(s), o(a)(s), nos e vos – ao qual nenhum elemento átono foi introduzido desde a formação de nossa língua, no séc. XIII.15

Os pronomes reúnem diversas categorias gramaticais (pessoa, número, gênero,

caso) e traços semânticos (determinação, formalidade, posse etc.), além de servirem como elementos dêiticos, que é uma de suas funções principais. Sua posição em relação ao verbo varia de língua para língua, mesmo dentro de uma mesma família: em inglês, ocupa sempre a posição enclítica; em alemão, da mesma família, pode ocorrer em próclise (Ich will dich lieben!) ou em ênclise (Ich liebe dich!), como também nas línguas românicas, sendo o português a única que ainda admite, em sua variedade formal, uma terceira posição, a mesóclise, já abandonada na fala brasileira. Givón (2001, p. 16) dá exemplos em suaíli nos quais o pronome pessoal insere-se entre o morfema aspecto-temporal e a raiz do verbo

(a-li-ni-ona = ‘Ele(a) me viu’, a-li-ku-ona = ‘Ele(a) teviu’, a-li-mu-ona = ‘Ele(a) o/aviu’ etc.).

Acrescente-se ainda o fato de que, em algumas línguas flexivas, como o latim (ALMEIDA, 2000, p. 61-2), o espanhol (LLORACH, 2000, p. 73), o italiano (SENSINI, 1999, p. 157), o romeno (COJOCARU, 2003, p. 55) e o polonês (SWAN, 2002, p. 155), os pronomes sujeitos são preferencialmente omitidos, depreendidos a partir da desinência verbal (lat.: amo te; esp.: te amo; ital.: ti amo; rom.: te iubesc; pol.: kocham cię;); enquanto em outras, como o alemão, eles são obrigatoriamente expressos, apesar da desinência (Ich liebe dich, e não *Liebe dich). O português, conforme a tradição gramatical normativa, deveria empregar os pronomes sujeitos apenas em casos de ênfase no sujeito (doravante SUJ), para opor duas pessoas diferentes ou para desfazer ambiguidades (CUNHA, 1986, p. 284-5), embora estudos mostrem uma tendência a preferir o uso em vez da omissão (MONTEIRO, 1994, p. 133-146).

Tais características tornam os pronomes suscetíveis a uma gama variada de possibilidades de combinação entre si – como, por exemplo, em português, o uso do te

(pertencente ao paradigma de tu) numa frase em que o sujeito é você (originalmente um pronome de tratamento, 3ª PESS) por ambos compartilharem o traço [+2ª PESS]; ou, no inglês,

Imagem

Tabela 2: Ocorrências de lhe por década considerando-se dois períodos
Tabela 4: Ocorrências de lhe em cartas de homens e de mulheres
Tabela 6: Uso das formas variantes te e lhe por remetentes das cartas
Tabela 8: Uso das formas te/lhe por cartas e por remetentes
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Referências

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