• Nenhum resultado encontrado

2 TRAÇANDO A ROTA: OS CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO

2.2 A pesquisa qualitativa e a abordagem etnográfica

A abordagem qualitativa surgiu no final do século XIX e tem suas raízes em estudos desenvolvidos por antropólogos e sociólogos, ao perceberem que muitas das informações existentes sobre os fenômenos humanos e sociais não podiam ser explicadas pelo método de investigação das ciências da natureza (método quantitativo), ou seja, que a vida das pessoas não podia ser apenas mensurada, quantificada, mas devia ser também interpretada. Nesse sentido, a investigação qualitativa está essencialmente respaldada em interpretações, recorrendo-se constantemente a elas na busca de se dar sentido a informações coletadas.

André, M., (2002) aponta o historiador W. Dilthey (1833-1911) como um dos pioneiros a questionar a aplicação da visão positivista às ciências sociais e a buscar uma metodologia que considerasse a complexidade e dinamicidade dos fenômenos humanos e sociais, propondo uma abordagem metodológica direcionada para a interpretação dos significados. Segundo a autora, outra contribuição relevante para a construção da perspectiva qualitativa vem de Max Weber (1864-1920), ao adotar como foco da investigação a compreensão dos significados que as pessoas atribuem às suas ações. Esses princípios, também defendidos por outros estudiosos das questões humanas e sociais, deram origem à perspectiva de conhecimento denominada idealista, subjetivista ou fenomenológica, que valoriza a maneira singular de entendimento da realidade pelo indivíduo, opondo-se à perspectiva positivista das ciências naturais.

Assim, a fenomenologia considera necessário entender como as pessoas dão sentido “aos acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em sua vida diária” (ANDRÉ, M., 2002, p. 18). Nessa visão, a realidade é socialmente construída a partir do significado dado às experiências.

13 Dados pessoais, profissionais e da docência dos atores da pesquisa.

Bogdan e Biklen (1994) conceituam a pesquisa qualitativa por meio de cinco características básicas: 1) o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como principal instrumento; 2) dados coletados predominantemente descritivos; 3) o foco do interesse do pesquisador centrado no processo; 4) a análise dos dados feita de forma indutiva; 5) o significado que as pessoas dão às suas experiências de vida como focos de atenção especial do pesquisador. Essas características guiaram todo o trabalho desenvolvido nesta pesquisa.

O ambiente natural para este estudo – o Instituto Kennedy – foi intencionalmente escolhido por ser o meu campo de atuação profissional. Como coordenadora e professora formadora do Curso de Licenciatura Plena em Ciências – Habilitação em Matemática senti-me impulsionada a pesquisar a trajetória de formação dos alunos, acompanhando e avaliando de perto o desenvolvimento do curso.

Como eu vivia cotidianamente o cenário da pesquisa, foi-me possível perceber os anseios, medos, expectativas, formas de interação, sentimentos, dificuldades e representações dos atores e também conhecer aspectos significativos da trajetória de vida estudantil do grupo e as suas relações com o conhecimento matemático, que permeava duplamente o seu dia-a-dia: no contexto de estudo e no de trabalho.

Para me aproximar do real vivido, mantive um diálogo permanente com as duas colegas coordenadoras de curso, os alunos e os professores formadores, o que facilitou o fortalecimento dos laços afetivos e a interação com o grupo, na busca de solução para os problemas apresentados na formação. As informações recolhidas nesses diálogos foram muito significativas para o desvelamento da realidade em que estávamos imersos e para o (re)pensar e o (re)orientar as ações tanto da coordenação de curso como dos professores formadores.

A presença do diálogo entre pesquisador e pesquisados é ressaltada por González Rey (1999) como uma das principais fontes de construção do conhecimento na pesquisa qualitativa. Para o referido autor, é o diálogo que favorece o surgimento de um clima de segurança, interesse, confiança e conflitos intelectuais que propiciam níveis de produção de informação pouco observáveis de maneira espontânea na vida cotidiana.

Os relatórios dos balanços, as atas das reuniões do colegiado de curso, as atividades desenvolvidas durante as aulas, os portfólios da prática pedagógica,

os ensaios (auto)biográficos e as (auto)biografias foram fontes importantes, pois me permitiram, ao longo do processo, ter uma visão mais ampla da formação, sob diferentes olhares de alunos e professores formadores.

A descrição, o registro das informações, as observações e produções textuais obtidas foram de vital importância para a radiografia dos elementos constitutivos da formação dos alunos e possibilitaram a descoberta de novos conceitos, novas conexões e novas formas de ver a realidade em que estávamos imersos. Posso, assim, constatar que, na abordagem qualitativa,

há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo- lhes um significado (CHIZZOTTI, 2001, p. 79).

Ao mergulhar nos dados, procurei descortinar toda a riqueza neles contida buscando descobrir as relações entre eles, sempre numa perspectiva indutiva, objetivando a construção de um todo a partir das suas partes. Ou seja, pude perceber, nos ensaios (auto)biográficos, na ficha de contextualização e nas (auto)biografias, o significado que os alunos atribuíam à imagem de seus professores de Matemática como estudantes da educação básica, a si mesmos e a suas experiências de alunos e professores de Matemática.

Entre os diferentes tipos de pesquisa qualitativa, está a de abordagem etnográfica, que tem como premissas a observação das ações humanas e sua interpretação a partir do olhar das pessoas que praticam as ações. Para André, M., (2002), a etnografia surgiu na área educacional, como opção metodológica de pesquisa, no final da década de 1970 e tem como principal inquietação o estudo da sala de aula e a avaliação curricular.

Em suas análises, a autora faz uma diferenciação entre os estudos dos etnógrafos e os realizados no campo educacional. Para ela, o interesse dos etnógrafos repousa na descrição da cultura de um grupo social, enquanto a preocupação dos estudiosos da educação é com o processo educativo. Desse

modo, ela nos adverte de que, especificamente na educação, têm-se realizado mais estudos do tipo etnográfico do que se tem trabalhado com a etnografia propriamente dita. Fazendo-se uso de técnicas etnográficas, como a observação participante, é possível

documentar o não-documentado, isto é, desvelar os encontros e desencontros que permeiam o dia-a-dia da prática escolar, descrever as ações e representações de seus atores sociais, reconstruir sua linguagem, suas formas de comunicação e os significados que são criados e recriados no cotidiano do seu fazer pedagógico (ANDRÉ, M., 2002, p. 41).

Além das características da pesquisa qualitativa citadas por Bogdan e Biklen (1994), André, M., (2002) também menciona a flexibilidade e a sensibilidade como qualidades imprescindíveis ao pesquisador que escolhe a abordagem qualitativa de cunho etnográfico. A flexibilidade possibilita ao pesquisador redimensionar o seu plano de trabalho, ajustar o foco da pesquisa, rever as técnicas de coleta de dados e repensar os pressupostos teóricos. Procurei ser flexível e sensível no ato de pesquisar, qualidades também relevantes para as funções que desenvolvia, por compreender que o uso da sensibilidade no momento da recolha e no da análise dos dados significa

saber mais do que o óbvio, o aparente. Significa tentar capturar o sentido dos gestos, das expressões não-verbais, das cores, dos sons e usar essas informações para prosseguir ou não nas observações, para aprofundar ou não um determinado ponto crítico, [...] quando [o pesquisador] tiver que olhar para o material coletado para tentar apreender os conteúdos, os significados, as mensagens implícitas e explícitas, os valores, os sentimentos e as representações nele contidos (ANDRÉ, M., 2002, p. 61).

Nessa perspectiva, o pesquisador deve ser capaz de interpretar as minúcias de sua interação com os participantes da pesquisa e tê-las como referências importantes para a tomada de decisões ao longo do trabalho de campo. Estive atenta às pequenas especificidades dos alunos, mais precisamente dos 12

atores colaboradores deste estudo, acompanhando-os de perto durante os três anos da formação, a fim de assumir uma atitude flexível e sensível às suas inquietações, questionamentos e angústias, principalmente quando da orientação e escrita do memorial de formação.

Minha opção pela pesquisa qualitativa do tipo etnográfico justifica-se por ela permitir considerar o processo, e não o produto, na formação do professor. As interações, os sentimentos e as emoções foram observados como importantes elementos envolvidos na resolução de problemas no contexto pesquisado e evidenciaram as formas de interpretação das informações e de reflexão sobre a realidade, em vez da mensuração de conhecimentos. Trata-se, para mim, de problematizar e compreender o processo de formação do professor de Matemática, aluno do IFESP.