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3 PERSPECTIVAS TEÓRICAS: O TERRITÓRIO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO ENSINO SUPERIOR

3.1 A formação do professor de Matemática e o desenvolvimento profissional

3.1.1 O desenvolvimento profissional

A idéia de desenvolvimento profissional vem freqüentemente sendo ressaltada nos estudos sobre formação docente. A emergência dessa visão do professor como profissional em permanente desenvolvimento decorre das transformações ocorridas na sociedade globalizada, permanentemente em mudança, as quais impõem à escola responsabilidades cada vez maiores. Para tentar responder e acompanhar a demanda social, os conhecimentos e competências construídos pelos professores antes e na formação inicial tornam-se parcos para o exercício da docência ao longo da carreira profissional. Com esse entendimento, o professor está longe de ser um profissional pronto e acabado ao obter a sua habilitação profissional. Por outro lado,

[...] não pode ser visto como um mero receptáculo de formação – pelo contrário, deve ser encarado como um ser humano com potencialidades e necessidades diversas, que importa descobrir, valorizar e ajudar a desenvolver. O desenvolvimento profissional é assim uma perspectiva em que se reconhece a necessidade de crescimento e de aquisição diversas, processo em que se atribui ao próprio professor o papel de sujeito fundamental (PONTE, 2002b, p. 3).

Ponte (2002b) faz referência a três importantes transformações que contribuíram para essa nova visão do professor: a primeira emerge das mudanças crescentes nas condições sociais, acarretando mudanças no sistema educacional como um todo; a segunda foi provocada por mudanças na teoria educacional, propiciando novas orientações didáticas e novas perspectivas para fundamentar a ação do professor; e a terceira repousa nas mudanças ocorridas na própria visão do papel do professor, reconhecendo-se com mais nitidez toda a complexidade e a dificuldade da sua função.

O conceito de desenvolvimento profissional é muito amplo. Há uma literatura diversificada tratando de temas como os ciclos de carreira, as dimensões do desenvolvimento profissional e os fatores que interferem nesse processo (PEREZ, 1999). O desenvolvimento profissional diz respeito aos diversos espaços onde os professores exercem a sua ação, devendo-se considerar

a prática letiva e as restantes atividades profissionais dentro e fora da escola, incluindo a colaboração com os colegas, projetos de escola, atividades e projetos do âmbito disciplinar e interdisciplinar e participação em movimentos profissionais. Mas há igualmente que ter presente o caráter fundamental do autoconhecimento do professor e do desenvolvimento dos seus recursos e capacidades próprias – ou seja, a dimensão do desenvolvimento do professor como pessoa (PONTE, 2002b, p. 4).

O desenvolvimento profissional faz pensar de forma diferenciada a formação do professor, remetendo à idéia de que ela envolve múltiplas etapas e está sempre inconclusa. Ponte (2002a) assevera que, embora a noção de desenvolvimento profissional seja próxima da noção de formação, elas não são equivalentes, ancorando-se na visão de que a formação está “muito associada à

idéia de ‘freqüentar’ cursos, numa lógica mais ou menos ‘escolar’” (PONTE, 2002a, p. 2). Embora apresente essas diferenças entre as concepções de formação e desenvolvimento profissional, Ponte (2002c) admite a possibilidade de considerar a formação em uma lógica independente da idéia de transmissão de conhecimentos. Afirma que não há qualquer incompatibilidade entre as idéias de formação e desenvolvimento profissional, uma vez que elas estão imbricadas no processo.

Concordo com Freire (1997, p. 37) quando, ao falar da estética e da ética como saberes necessários à prática educativa, sabiamente diz que “transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador [...] Educar é substantivamente formar”. Tomando a idéia de formação conforme concebe Freire (1997), Nóvoa (1988, 1992, 1997, 2000), Souza (2006), Goodson (1992) dentre outros, compreendo que a visão de formação, para eles, é equivalente à de desenvolvimento profissional. Por essa razão, no decorrer deste estudo o termo desenvolvimento profissional será concebido como formação.

Observa-se, então, que a noção de desenvolvimento profissional remete a uma nova maneira de olhar a pessoa do professor. A respeito disso, Goodson (1992, p. 69) lembra que o ponto de partida “mais valioso e menos vulnerável seria observar o trabalho do professor no contexto de sua vida profissional”. Ele afirma que, no campo do desenvolvimento dos professores, o ingrediente mais ausente é a sua própria voz, e sugere que o escutemos, pois “ouvir a voz do professor devia ensinar-nos que o autobiográfico, ‘a vida’, é de grande interesse quando os professores falam do seu trabalho” (GOODSON, 1992, p. 71).

Ao se considerarem as narrativas (auto)biográficas como pontos de partida para a reflexão sobre o mundo dos professores, impõe-se uma nova maneira de conceber os modelos de formação, passando-se do modelo de professor-como- profissional ao de professor-como-pessoa, que constitui uma nova forma de ver e sentir a profissão. Desse modo, o uso das narrativas em situações de ensino e aprendizagem permite evidenciar as experiências vividas por seus atores, uma maneira natural de se organizar o seu conhecimento experiencial (JOSSO, 2004).

Entretanto não basta apenas ter a experiência: é preciso ir além, refletir sobre os fatos passados e presentes, analisá-los, pois é a reflexão crítica sobre as experiências pelas quais passamos que promove transformação em nossas vidas. À medida que o professor se auto-avalia e avalia a sua prática, ele pode mudar e se

desenvolver. A decisão de aceitar a mudança ou resistir a ela “é permeada por nosso conhecimento, crenças, características pessoais e interesses” (POLETTINI, 1999, p. 250).

Ao estudar as mudanças e o desenvolvimento do professor de Matemática, Polettini (1996) também enfatiza a história de vida como uma valiosa metodologia de pesquisa, lembrando que ela tem sido pouco usada no estudo de mudança e desenvolvimento, do ponto de vista do professor. Para a autora, a mudança e o desenvolvimento de professores foram vistos como “um processo de aprendizagem durante a vida toda, baseado na reflexão e crítica do pensamento e da prática, à medida que os professores enfrentam desafios e dilemas profissionais” (POLETTINI, 1996, p. 32).

Essas idéias também são compartilhadas por outros pesquisadores da educação matemática que direcionam os seus estudos para o desenvolvimento profissional do professor de Matemática. Ponte (2002c) chama a atenção para o poder das narrativas como uma maneira espontânea de sistematizar o conhecimento experiencial. É nesse sentido que elas são de grande interesse, principalmente para os estudos que tratam da formação docente.

A análise da história de vida pode ser concebida sob a ótica da experiência formadora – conforme focaliza Josso (2004) –, como componente importante na pesquisa que envolve a prática educativa – conforme preconiza Goodson (1992), dentre outros – e conforme apregoam Polettini (1996, 1998, 1999) e demais pesquisadores da educação matemática, mais especificamente quando estudam os processos de mudanças e desenvolvimento profissional do professor de matemática. É por meio da análise das narrativas (auto)biográficas de professores que se podem perceber

[...] pontos críticos ou incidentes, bem como os focos de interesse durante a trajetória, interesses pessoais, sociais e profissionais. Considerando que nossa história de vida tem algo a ver com a caracterização e interação desses vários aspectos de nossos interesses, o foco de interesse é importante e pode determinar o grau de reflexão (POLETTINI, 1999, p. 253).

Os professores estarem em processo contínuo de reflexão, formação e (re)construção da prática docente significa tornarem-se mais aptos a propiciar o ensino da Matemática “adaptado às necessidades e interesses de cada aluno e a contribuir para a melhoria das instituições educativas, realizando-se pessoal e profissionalmente”, segundo Ponte (2002c, p. 3). Nessa perspectiva, o autor apresenta algumas recomendações para a formação do professor.

A primeira sugestão é que o professor deve assumir-se como o principal personagem do seu processo de formação. Em outras palavras, que ele deve tomar iniciativas, realizar projetos, refletir sobre seu trabalho, avaliá-lo, relacionar a teoria à prática e, acima de tudo, assumir uma nova atitude profissional.

A segunda recomendação diz respeito à responsabilidade das instituições de formação de professores de oferecerem diversos tipos de oportunidade de formação, em diferentes etapas do ciclo profissional, de modo a contribuírem para o processo de desenvolvimento dos professores, procurando articular teoria a prática assim como investigar o que ocorre nos processos de formação por elas ofertados.

Em terceiro lugar, o autor citado sugere que o processo de investigação seja componente-chave na formação. Considerá-la como um processo marcado pela atividade investigativa “é uma responsabilidade fundamental dos professores e das suas instituições – nomeadamente os grupos disciplinares, as escolas e territórios e as organizações profissionais” (PONTE, 2002c, p. 15).

Por fim, o autor recomenda que a formação se constitua em objeto essencial de investigação no campo educacional. Nesse sentido, deve-se reconhecer que “a investigação educacional ainda não dá a importância devida ao estudo dos processos de formação [...]” (PONTE, 2002c, p. 15), o que muito colaboraria para ampliar os conhecimentos sobre os processos de formação inicial e continuada dos professores.

Mas, para que isso aconteça, compete à instituição de formação de professores propiciar oportunidades diversas de formação aos seus alunos, investigando a prática de formação – quer inicial quer continuada – dela própria, como condição profícua para a formação dos futuros professores, dos formadores e da própria instituição. Conceber a formação do professor de Matemática sob essa ótica é aceitar que as

transformações que se fazem necessárias no ensino dessa disciplina só serão possíveis se for instaurado uma nova cultura profissional desse professor, que conterá a reflexão-crítica sobre e na sua prática, o trabalho colaborativo, a investigação pelos professores como prática cotidiana e a autonomia” (PEREZ, 1999, p. 280)

Nessa perspectiva, é preciso estimular o professor a compartilhar experiências com seus pares, pois isso é essencial para a consolidação de saberes emergentes da prática profissional (NÓVOA, 1997). A dimensão coletiva do trabalho docente também contribui para a produção de saberes, para dar sentido a prática, para afirmar valores e conceder ao professor a oportunidade de aprender na e pela experiência com o outro.

Não se pode perder de vista que esses atores vivem o dia-a-dia da profissão, muitas vezes anonimamente, nos mais diversos recantos deste Brasil, superando inúmeros e diferentes desafios. Merecem, portanto, ser os protagonistas no traçado de sua história de formação. Com esse entendimento, trago para o centro desta pesquisa a história da formação de um grupo de professores de Matemática alunos da licenciatura em Matemática no IFESP. Tento ouvir a voz desses profissionais, como preconiza Goodson (1992), no que concerne aos seus palcos de atuação como aprendizes e ensinantes, para, a partir de suas vozes, tecer as minhas reflexões e análises sobre a sua formação em Matemática no Instituto Kennedy.