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2 TRAÇANDO A ROTA: OS CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO

2.6 Metodologia de análise dos dados

A análise dos dados é sempre uma tarefa apaixonante, pois é quando começam a surgir os primeiros achados da pesquisa e se vislumbram respostas às questões desencadeadoras da investigação. Também é uma etapa difícil, pelo volume de informações e, nesse momento de trabalho árduo, instigante e solitário, o pesquisador precisa debruçar-se ainda mais sobre os dados.

Num movimento contínuo e, às vezes, desesperador, em que se alternavam leituras e olhar atento às informações, eu procurava obter respostas à problematização, dar vida às palavras e sentido às vozes dos atores. Senti-me, em certo momento, dominada por “um sentimento de vazio” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 220) e me perguntei: O que fazer? O que escolher? Como fazer os dados falarem? Como interpretar os discursos? O que foi dito? O que está por trás desse dito? Lembrei-me, então, para meu desespero, de que Lüdke e André (1986, p. 48) recomendam a necessidade de se ir além do que está explicitado no texto, ou seja, de que é preciso desvendar-se as “mensagens implícitas, dimensões contraditórias e temas sistematicamente silenciados”. Mas por onde começar? Onde encontrar a ponta do fio que se perdeu na meada? Como me apropriar do objeto de estudo? Essas e tantas outras perguntas povoaram minhas horas de debate com os dados, levando-me, muitas vezes, à exaustão.

A saída foi considerar que precisava de mais aprofundamento teórico, rearranjar todo o material empírico, pois, assim como o compositor, que sabiamente modula os sons para produzir a sua arte, o pesquisador também precisa dar ritmo, melodia e sentido às vozes dos seus diferentes atores bem como inserir novas modulações na partitura final, o que só é possível com o olhar atento sobre os dados brutos e com a luz que brota da teoria. E, para dar ritmo, melodia e sentido às vozes dos atores desta investigação, recorri à análise de conteúdo, concebida como

um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, [1977?], p. 42)

Nesse sentido, a análise de conteúdo tem como finalidade a exploração de documentos a partir de um conjunto de técnicas, procurando-se identificar os principais temas ou conceitos abordados no texto e, por meio de deduções lógicas, atribuir-se significado ao que está sendo analisado, para se descobrir aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se está debruçado (BARDIN, [1977?]). A autora classifica a análise de conteúdo nas três fases seguintes:

1) Pré-análise – fase de organização do material que compõe o corpus da pesquisa, da operacionalização e sistematização das idéias iniciais. Compreende três missões: a) escolha dos documentos a serem analisados; b) formulação de hipóteses e dos objetivos, e c) elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final. Embora organizado, o material ainda continua bruto, por isso é necessário estudar-se mais detalhadamente seu conteúdo, as palavras e frases que o compõem, “procurar-lhes o sentido, captar-lhes as intenções, comparar, avaliar, descartar o acessório, reconhecer o essencial e selecioná-lo em torno das idéias principais” (LAVILLE; DIONE, 1999, p. 214). É necessário, portanto, fazer-se a leitura flutuante do texto, para se mergulhar em busca das informações, em um movimento incessante de idas e vindas, até que comecem a emergir as primeiras unidades de registro, ou seja, as unidades de significação (palavras, expressões, frases ou temas), objetivando-se a contagem de sua recorrência e a categorização.

2) Exploração do material – consiste essencialmente em “operações de codificação, desconto ou enumeração, em função de regras previamente formuladas” (BARDIN, [1977?], p. 101). Nessa fase, o corpus é estudado com mais profundidade, para se definirem as unidades de registro que serão usadas pelo pesquisador.

3) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação – Nessa fase, os dados já obtidos são tratados de maneira a se tornarem significativos e válidos, fazendo-se uso de porcentagens, quadros, diagramas, etc., cuja escolha fica a critério do pesquisador. É nessa fase que as categorias são definidas.

A categorização consiste numa “operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação, e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos” (BARDIN, [1977?], p.117). Ou seja, significa agrupar elementos, idéias ou expressões em torno do que eles têm em comum. As categorias tanto podem ser

estabelecidas antes do trabalho de campo como após a análise do material. Nesta pesquisa, elas surgirão das análises dos dados.

Para Bardin [1977?], uma boa categoria deve suscitar a exclusão mútua, marcada pelas seguintes exigências: correspondência entre as unidades de registro dos dados de primeira ordem e os elementos do sistema categorial; homogeneidade, ou seja, os dados devem ser agrupados segundo um mesmo princípio ou aspecto do objeto representado; pertinência, que significa adaptação entre o material analisado e o problema da pesquisa; objetividade e fidelidade, concernentes à descrição de todos os dados disponíveis na amostra; e produtividade, que fornece resultados férteis em inferência.

Referindo-se aos procedimentos de análise, Laville e Dione (1999) dizem que uma das primeiras tarefas do pesquisador consiste em fazer o recorte dos conteúdos em elementos. Estes poderão ser ordenados dentro de categorias, sendo agrupados em função de sua significação, de modo a constituírem-se as unidades de análise. O recorte mais simples é o da palavra, que constitui a menor unidade. Nem todas as palavras interessarão igualmente ao pesquisador. Este se deterá, sobretudo, em palavras-chave, que devem traduzir idéias associadas, direta ou indiretamente, ao seu objeto de investigação.

As orientações de Bardin [1977?] permitiram-me analisar o corpus da pesquisa numa perspectiva qualitativa; ou seja, privilegiei a descrição dos fatos – o processo, não o produto. Mas como interpretar o corpus, recheado de uma vasta riqueza de informações, de modo a dar sentido ao conjunto de dados sem minimizar a riqueza das significações? O grande volume de material me deixou atordoada, é bem verdade, mas consciente de que era necessário organizá-lo, burilá-lo, para fazê-lo brilhar e evidenciar os sentidos que nele estavam ofuscados.

Minha primeira ação foi selecionar, dentre todo o material coletado ao longo do curso, as fontes que fossem mais pertinentes ao foco da pesquisa. Inspirada nas lições de Bardin [1977?], pacientemente comecei a desenvolver um trabalho, artesanal e minucioso, de análise de cada uma das fontes isoladamente: primeiro os ensaios (auto)biográficos e posteriormente as (auto)biografias; ou seja, saí das partes para ir ao encontro do todo.

Analisei isoladamente cada um dos quatro ensaios temáticos em sua totalidade, para só depois debruçar-me sobre os memoriais de formação. Não podia desperdiçar toda a riqueza da singularidade de cada uma das histórias dos atores,

ao situá-las num conjunto de narrativas. Para isso, fiz, inicialmente, a leitura flutuante dos quatro ensaios (auto)biográficos, um a um (12 de cada temática), para adquirir intimidade com o texto e dele extrair as primeiras impressões e aproximações dos dados à teoria. O olhar sobre os dados permitiu-me construir novas informações e interpretações. Foi o momento da “projeção de teorias adaptadas sobre o material e da possível aplicação de técnicas utilizadas sobre materiais análogos” (BARDIN, [1977?], p. 96).

O segundo passo foi explorar o material (cada um dos ensaios temáticos, isoladamente) para encontrar as unidades de significação, que indicariam as palavras-chave – ou palavras-tema – essenciais para a interpretação das informações. Registrei esses elementos observando as recorrências e as não- recorrências, classificando-os e agrupando-os em temáticas, seguindo o que Bardin ([1977?], p.106) sugere: “[...] recorta-se o texto em função destes temas eixo, agrupando-se à sua volta tudo o que o locutor exprime a seu respeito”.

Para a autora, o tema é a unidade de significação que se libera espontaneamente de um texto analisado de acordo com certos critérios concernentes à teoria que serve de guia à leitura. Em algumas passagens da análise, trabalhei com a presença de mais de um tema por resposta, o que é designado por Bardin [1977?] como co-ocorrência. Esse foi um trabalho meticuloso, por exigir todo um saber sobre como classificar o material analisado, desmontá-lo organizadamente, sem deixar de lado os elementos significativos presentes nos ensaios (auto)biográficos.

Após a conclusão dessa etapa, era o momento de olhar as partes – os ensaios (auto)biográficos como um todo (quatro ensaios temáticos, totalizando 48). A partir do que tinha sido recorrente e do que tinha sido não-recorrente nesses ensaios, reorganizei os eixos temáticos e as categorias, ampliando-as por meio da triangulação dessas fontes. Essa etapa permitiu uma melhor visualização do que cada um dos alunos tinha explicitado na escrita de seus ensaios (auto)biográficos, como mostra o Quadro 2.

Utilizei esses mesmos procedimentos para, pacientemente, analisar cada (auto)biografia (memorial de formação). Ancorada no que sugere Bardin [1977?], fiz a leitura exaustiva de cada memorial, para depreensão dos eixos temáticos e das categorias, que foram surgindo dos próprios dados e passando a compor os indicadores de análise. A leitura dos ensaios (auto)biográficos já me permitiu identificar quatro grandes temas – e suas respectivas categorias –, os quais se repetiram na análise das (auto)biografias e respondiam às perguntas mais gerais da pesquisa. Era o momento de procurar outros elementos ligados ao foco da investigação e não explicitados nos ensaios (auto)biográficos.

Concluída essa fase de análise de cada memorial, precisei compor o todo com base nas partes, para obter uma visão geral do que haviam dito seus autores. O Quadro 3 permite visualizar as análises dos 12 memoriais.

Terminada essa fase de análise dos 48 ensaios (auto)biográficos e das 12 (auto)biografias, cujos eixos/categorias estão explicitados nos Quadros 2 e 3, era o momento de tomar o caminho de volta, ou seja, olhar para as partes – quadro síntese das categorias presentes nos ensaios e memoriais – para tecer o todo. Esse foi o momento da triangulação das informações, que deu origem ao Quadro 4. Contemplei-o por alguns instantes: ele simbolizava a essência de um longo trabalho artesanal sobre os dados brutos no qual a angústia, a descoberta e a alegria caminharam juntas.

Reorganizei, em seguida, as informações contidas no Quadro 4 observando as categorias mais recorrentes. Elas seriam a marca social (KAUFMANN, 1996) no traçado da narrativa dos 12 atores, conforme mostra o Quadro 5.

QUADRO 5: Eixos/categorias segundo a freqüência

Esse último quadro simbolizou a minha bússola na organização do trabalho. Foi a partir dele que se originaram as seções da tese. Com o olhar atento sobre as informações nele contidas, selecionei os eixos teóricos do trabalho que me ajudaram a tecer o fio argumentativo da trama desta história.

Eixos/ categorias Freq. %

As reminiscências da trajetória de vida estudantil

Visão da profissão/Matemática 12 100

O conhecimento matemático: aprendizagens formais e

informais/lacunas 10 83

As aulas de Matemática 10 83

O Magistério 10 83

O papel da família 8 67

A formação do professor 7 58

A trajetória profissional e suas relações com o conhecimento matemático

O ingresso na docência 12 100

O ensino de Matemática 11 92

Dificuldades/superação 10 83

Visão da profissão/Matemática 10 83

Modelos didáticos 8 67

Aprender pela experiência e formação continuada 8 67 A relação professor, aluno e Matemática 7 58

O papel da escola 4 33

Os desafios da profissão 4 33

Licenciatura em Matemática: olhar sobre a formação

Os motivos da formação 12 100

A formação e a sala de aula 12 100

Contribuições... 12 100

Visão da profissão/Matemática 12 100

Visão da formação 10 83

As dificuldades 6 50

A estrutura curricular 5 42

Aprender com o outro 4 33

Os ensaios (auto)biográficos/ (auto)biografias

A escrita de si/ Contribuições 12 100

3 PERSPECTIVAS TEÓRICAS: O TERRITÓRIO DA FORMAÇÃO DE