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Os participantes da pesquisa: fragmentos de seus percursos

2 TRAÇANDO A ROTA: OS CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO

2.3 Os participantes da pesquisa: fragmentos de seus percursos

Considero pertinente descrever aqui como foi feita a seleção dos participantes da pesquisa, assim como apresentar, de maneira concisa, o perfil do grupo no que concerne a aspectos de singular importância para esse caso. A definição dos participantes resultou, em primeiro lugar, de uma decisão minha, pois, como professora formadora de Matemática e também coordenadora do curso de Matemática, almejei acompanhar e pesquisar a implantação dessa experiência no IFESP.

A princípio, todos os 48 alunos foram convidados a fazer parte da pesquisa. Expliquei-lhes as linhas gerais do projeto, ou seja, o que eu pretendia investigar, e falei sobre a importância de se desenvolverem pesquisas no campo da formação de professores. No nosso caso, isso se revestia de um sentido muito especial: por se tratar da primeira turma em formação, de certo modo a pesquisa apontaria os ajustes que deveriam ser feitos durante o desenvolvimento do curso.

Informei de que se tratava de um trabalho de colaboração com a pesquisa e que a composição do grupo se daria, a princípio, por adesão. Como salienta Cruz Neto (1994), o pesquisador deve ter clareza de que a busca das informações se inscreve num trabalho de cooperação, mediado pelo diálogo, e não pela coerção.

Posteriormente, com o desenvolvimento do trabalho de campo e o delineamento das características do grupo, defini a amostra, que foi constituída por 12 alunos15 (correspondendo a 25% do total de alunos), selecionada a partir de dois importantes critérios: a) ter participado de todas as etapas do trabalho de campo; b) aceitar que, como pesquisadora, eu os acompanhasse nas disciplinas Trabalho de Conclusão de Curso I e II, orientando-os no processo de escrita do memorial de formação. Para reduzir mais um pouco a amostra até a escolha dos 12 alunos, recorri a outros critérios, que detalho a seguir.

a) O nível de escolaridade deveria contemplar tanto os alunos que já tivessem um curso superior como os que haviam concluído apenas o ensino médio. Senti-me desafiada a saber por que esses alunos, apesar de já terem um curso de graduação e exercerem a docência havia mais de dez anos, estavam fazendo outro curso superior;

b) Os alunos participantes deveriam estar compreendidos na faixa etária de 34 a 56 anos (menor e maior idade no universo pesquisado);

c) O tempo de serviço como professor deveria variar entre dez e 40 anos (menor e maior tempo de docência no universo pesquisado);

d) O tempo de serviço como professor de Matemática deveria estar compreendido entre um e 25 anos (menor e maior tempo como docente de Matemática no universo pesquisado).

Após a observância desses critérios, coincidentemente, a amostra ficou assim constituída: seis alunos eram do sexo masculino e seis do sexo feminino. No estudo, eles serão identificados pelos seguintes pseudônimos: André, Ednara, Fábio, Felipe, Joélia, Luan, Márcia, Mariete, Marineide, Marlene, Maurício e Moisés, para preservação das respectivas imagens.

A organização e a análise das informações recolhidas permitiram traçar o perfil do grupo quanto aos seguintes aspectos: faixa etária, escolarização e formação em nível médio, e experiência profissional.

Ao iniciar a formação acadêmica no IFESP, 42% dos alunos tinham menos de 40 anos, 33% estavam na faixa de 40 a 49 anos, e 25% tinham mais de 49 anos. As datas de nascimento evidenciam que 67% do grupo nasceram na década de

15 A definição de 12 participantes esteve atrelada ao número máximo de alunos estabelecido, na

época, pelo colegiado de Curso, para cada professor formador no exercício da orientação do memorial de formação.

1960, havendo uma maior concentração dos que nasceram até meados dessa década.

A maioria dos alunos (75%) estudou em escolas públicas, no interior do Rio Grande do Norte. Desse total, 33% foram alunos de escolas isoladas, isto é, escolas estaduais ou municipais localizadas na zona rural, que geralmente funcionavam na residência do próprio professor.

De um modo geral, as trajetórias de vida estudantil desses alunos16 perpassaram por três décadas da educação brasileira, sendo que 17% deles iniciaram seus estudos na década de 1950, 33% na década de 1960 e 50% na de 1970. Do total de alunos, 58% chegaram à escola já alfabetizados. A alfabetização das crianças era uma tarefa de responsabilidade da família (pai, mãe, irmão) ou de um professor “leigo” da própria comunidade em que residiam, designado pelos pais para ensinar a criança a ler, escrever e aprender noções de aritmética. Os participantes da pesquisa falaram dessa experiência como facilitadora do processo de escolarização, principalmente quando realizada pelos pais:

Antes de atingir a idade de ser matriculado em uma escola pública, fui alfabetizado por uma professora “leiga” que dava aulas particulares em sua residência, cuja metodologia era a mais rude possível: baseada no castigo e na palmatória. Mesmo assim, fui alfabetizado. Ela mostrava força de vontade para ensinar e sempre dizia que também estava aprendendo (FÁBIO, 2007, p. 8).

Outro ponto relevante e indispensável ao meu processo de aprendizagem é decorrente do contato com a leitura, hábito cultivado juntamente com meus pais. Lembro com saudade dos ‘versos’ (literatura de cordel), das poesias de Camões, Olavo Bilac [...], e muitos outros. Também, de igual importância, as parlendas e trava-línguas e a literatura infantil, com destaque para Monteiro Lobato [...] também exercitávamos a Aritmética com a memorização das tabuadas e, principalmente, o ‘nove fora’, usado como prova para as pequenas ‘contas’ [...] guardo com especial carinho e saudade as ‘histórias de Trancoso’ (conto da carochinha) [...], nos fazendo fantasiar e criar situações de acordo com as nossas conveniências, estimulando a nossa imaginação. Dessa forma, não foi difícil enfrentar a escola quando completei sete anos de idade, pois vivenciei um período preparatório muito rico e agradável no seio familiar (MARINEIDE, 2007, p. 15).

16 No decorrer deste estudo, as vozes dos alunos serão identificadas apenas pelos pseudônimos

destes, quando oriundas dos ensaios (auto)biográficos, da ficha de contextualização e do diário da pesquisadora, e pelo autor (pseudônimo), ano e página, quando forem retiradas do memorial de formação.

Rego (2003) também ressalta a importância que a família teve para as práticas de leitura e escrita dos participantes de sua pesquisa sobre as memórias da escola. E acrescenta:

O fato de os pais terem o hábito de ler histórias para os filhos ou de convidá-los para participar de pequenos atos de comunicação escrita cotidianos, por exemplo, pode ser importante para as crianças, não somente por familiarizá-las com estruturas textuais que lhes serão úteis na escola, como também para que associem a leitura a um ato prazeroso, já que o texto escrito e o livro representam um instrumento por meio do qual recebem o afeto dos pais(REGO, 2003, p. 61).

Para os alunos que iniciaram a sua escolarização nos primeiros anos da década de 50, as lembranças escolares refletem o respeito pelos mestres, o rígido controle comportamental e os cuidados da professora com a higiene corporal:

A organização e o respeito com os mestres eram impecáveis: até para ir ao banheiro era controlado, ou seja, levávamos a licença, que era representada por uma pedra branquinha e oval que ficava em cima do bureau da professora [...] o comportamento de cada um de nós era muito exigido; para isso tínhamos aulas de boas maneiras, como, por exemplo, a maneira de sentar e o cuidado que devíamos ter com a higiene do corpo. De vez em quando, Dona Rosália revistava as nossas unhas e o pescoço. Caso fosse detectada alguma sujeira, o aluno ficava de castigo e levava um bilhete para a mãe ensinar a prática de higiene (ANDRÉ, 2007, p. 9).

Eles também evocaram as doces lembranças concernentes ao processo de leitura, à livre expressão e à rotina de sala de aula como momentos agradáveis no convívio escolar:

Foi com o meu primeiro livro, “Terra Querida”, que aprendi a ler com clareza e declamar lindas poesias. Todos os dias tinha leitura na sala de aula, o que me deixava feliz, por ter oportunidade de me expressar perante os colegas e a professora (ANDRÉ, 2007, p. 9).

A metodologia recorria à memorização, pela repetição dos exercícios [...] Na aula seguinte a correção era feita no quadro, pela professora, e os problemas específicos de Matemática eram resolvidos, quando os saudosos cadernos de folhas quadriculadas, eram trocados entre os alunos. Os erros eram corrigidos, no quadro, com a ajuda dos alunos que tivessem acertado; em seguida, a professora passava o visto nos cadernos (MARINEIDE, 2007, p. 19).

No relato de Marineide, observa-se a presença marcante da memorização, pela repetição de atividades como metodologia facilitadora da aprendizagem. Mas a fala desses atores deixa transparecer que o trabalho pedagógico desenvolvido pelas professoras também constituía fonte de prazer e momentos de sociabilidade no contexto da sala de aula.

Os que iniciaram o processo de escolarização no período compreendido entre 1963 e 1978 apresentam, como marcas da escola, a forte influência da tendência pedagógica tradicional, refletida na postura rígida e autoritária adotada pela escola, centrada na figura do professor: “Com o passar dos dias já não sentia tanta alegria na sala de aula, pois esta se tornou um lugar muito rígido, direcionado apenas a atividades mecânicas de ler, escrever e contar” (FÁBIO, 2007, p. 8).

Para Rego (2003), o distanciamento que havia nas escolas entre o currículo adotado e o repertório de informações que os alunos detinham oriundo de suas experiências extra-escolares certamente foi o responsável pela ausência de motivação em sala de aula evidenciada em algumas (auto)biografias.

A memorização e as atividades mecânicas, com predominância de exercícios repetitivos de cópias, contas e a chamada oral da tabuada, que provocava um clima coercitivo, eram os recursos de aprendizagem mais adotados nas aulas dos professores. Nos relatos também se evidenciou a influência que a escola sofreu pelas repressões e o autoritarismo do governo militar brasileiro:

No período em que ingressei na escola ainda havia resquício de um regime militar que dominava toda a visão escolar no que se refere ao currículo, aos objetivos e ao nível dos cidadãos que deveriam ser formados. A escola era um ambiente repressor, cheio de regras rigorosas, as quais o aluno tinha o dever de seguir, sob pena de ser excluído do sistema de ensino (FELIPE, 2007, p. 11).

Mesmo retratando aspectos negativos da escolarização concernentes aos anos iniciais do ensino fundamental, 25% dos alunos lembraram-se de professores que os marcaram nessa etapa escolar. Ressaltaram as qualidades afetivas desses professores, o encantamento que causavam neles e externaram o desejo de imitá- los, pelos exemplos de carinho, responsabilidade e compromisso com a aprendizagem dos alunos:

Tive o privilégio de ter uma excelente professora primária quando cursava a 2ª série do ensino fundamental [...]. Pelo seu jeito carinhoso de ensinar e pelo exemplo de dedicação ao trabalho, chegando a encantar todos os seus alunos, decidi que um dia também seria professora (MARLENE, 2007, p. 19).

Em seu relato, Marlene denota o que assevera Goodson (1992) ao falar da importância das experiências de vida e do ambiente sociocultural como componentes reveladores do que somos e das influências que recebemos na constituição da nossa prática docente. Para esse autor, as (auto)biografias são geralmente reveladoras da figura de um professor que, pelo modo de viver a profissão, influencia a pessoa enquanto aluno, fornecendo-lhe um modelo funcional, e possivelmente influenciará a visão subseqüente que essa pessoa terá da pedagogia desejável e a escolha de sua profissão.

Ao longo das décadas em que ocorreu a inserção dos alunos no contexto escolar, a educação brasileira sofreu algumas transformações; dentre elas, a ampliação das oportunidades de acesso à escola (REGO, 2003). Esse período também foi marcado pela promulgação da Lei 5.692/71, que reformou o ensino primário e o secundário, ampliando a escolaridade obrigatória de quatro para oito anos, instituindo o ensino de 1º e o 2º graus e propondo a profissionalização do ensino.

Em relação à formação em nível médio, 50% dos participantes da pesquisa fizeram o curso de Magistério, 33% um curso profissionalizante e 17% concluíram o científico. Do universo de alunos que não tinham o curso de Magistério, 83% decidiram fazê-lo motivados pelo fato de já se terem tornado professores ou pelo desejo de exercerem a docência.

Quanto à formação superior, 67% dos alunos investigados já possuíam uma graduação em Pedagogia quando optaram por cursar a licenciatura em Matemática. Destes, 50% (todos do sexo masculino) foram alunos do PROBÁSICA na UFRN e 50% fizeram o curso de Pedagogia no IFESP (todos do sexo feminino).

No que se refere à experiência profissional, quando do início do curso de licenciatura em Matemática, 42% deles tinham de 21 a 25 anos de docência, 25% tinham de 11 a 15 anos, 17% de 16 a 20 anos, e 8% estavam nos extremos do menor e do maior tempo de experiência docente do grupo, ou seja, tinham até 10 anos ou acima de 25 anos. Considerando-se os que tinham mais de 20 como professores, obtém-se 50% do total de participantes.

No exercício da docência em Matemática, observei que havia uma maior concentração de alunos (50%) com até dez anos de experiência, 25% tinham experiência de 11 a 15 anos, 8% tinham de 16 a 20 anos, e 17% de 21 a 25 anos. Dentre os que tinham experiência de 15 anos ou mais, quatro alunos (três com formação em nível médio e um apenas concluindo o antigo ginasial) já ingressaram na profissão como professores de Matemática.

Apesar de 50% dos alunos exercerem as suas atividades profissionais lecionando Matemática, sem a formação específica, há mais de dez anos, todos informaram que não participaram de cursos de capacitação nessa área do conhecimento. Esse fato denuncia a ausência de políticas públicas no âmbito do Governo do estado do Rio Grande Norte, nesse período, para a formação desses professores.

Também constatei que 83% dos alunos exerciam as suas atividades profissionais nas séries finais do ensino fundamental (5ª a 8ª). E 17%, todos graduados em Pedagogia e exercendo a docência em Matemática havia mais de dez anos, declararam trabalhar concomitantemente nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio.

Assim como Souza (2006), também considerei pertinente discorrer sobre essas informações para delinear traços peculiares da subjetividade dos colaboradores e das suas (auto)biografias, escritas no espaço da investigação- formação.

Numa abordagem mais geral, o perfil dos colaboradores da pesquisa pode ser visualizado no Esquema 1.