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Os caminhos da investigação e o cenário da pesquisa

2 TRAÇANDO A ROTA: OS CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO

2.1 Os caminhos da investigação e o cenário da pesquisa

Como encontrar o fio para tecer a investigação? Que abordagem metodológica devo priorizar? Quando o pesquisador se debruça sobre a pesquisa, é natural que questionamentos como esses povoem os seus pensamentos. Na tentativa de mergulhar no objeto de estudo, problematizá-lo, sentir e viver cotidianamente o processo da recolha de informações para posteriormente organizá- las, travo um longo e fértil diálogo com os teóricos.

Sinto-me, de certa forma, tocada mais de perto por alguns, seja pela aproximação de idéias, pela beleza e fluidez da linguagem, seja pela maneira singular de nos orientar e inspirar na escolha do caminho a ser percorrido. Movida por um misto de sentimento de isolamento, incertezas e angústias, entremeado por movimentos contínuos de idas e vindas, desencontros e (re)encontros entre o pensar e o fazer, me aproximo ainda mais do objeto de estudo, sinto-o, interrogo-o e interrogo-me, na tentativa de interpretá-lo e desvendá-lo.

Na ausência dos primeiros rabiscos de idéias, retomo, pouco a pouco, as leituras de Mills (1982), Kaufmann (1996), Bogdan e Bilklen (1994), André, M., (2002), Pineau (1988), Josso (2004), entre outros que forneceram embasamento teórico para este estudo, indicando-me a ponta do fio da meada perdido no emaranhado de idéias que habitavam o meu universo criativo.

Na formulação dos porquês deste estudo, aproximo-me de Mills (1982, p. 216), quando ensina que as “experiências da vida alimentam o nosso trabalho intelectual”. Mas como aprender a articular essas experiências à teorização? – foi o que tentei ensaiar nos papéis de pesquisadora, professora formadora e coordenadora da licenciatura em Matemática ao tomar as minhas próprias experiências e observações como fios entrelaçadores na tecedura da escrita deste trabalho. De certo modo, ao buscar entender as posições e as argumentações dos alunos sobre a própria formação, eu olhava para as minhas reminiscências e via-me projetada neles, pois, assim como eles, era simultaneamente aluna do curso de Matemática na UFRN e professora dessa disciplina no curso pedagógico, em uma instituição privada. Tentar respostas para os seus porquês era também responder às minhas próprias angústias e questionamentos de estudante e professora silenciados no meu percurso de formação acadêmica. Isso me instigou a viver cenas do

meu/nosso passado/presente e interliguei os fios análogos e/ou contrastantes de experiências vividas. Esse retorno ao passado para compreender o presente exigiu de mim paciência e sagacidade ao assumir atitudes como observar, ouvir e sentir os participantes para poder compreender o movimento contínuo/descontínuo de suas histórias.

Ao sugerir que o pesquisador seja um artesão intelectual no processo de construção do seu objeto de estudo, Mills (1982) também propõe que se evitem procedimentos rígidos e o incita a ser metodologista e técnico de si mesmo. Ou seja, que se construa a teoria, o método e os fundamentos sobre o campo sem se deixar dominar por eles, pois isso impediria o pesquisador de produzir.

A leitura de Mills oferece ao pesquisador um alento especial, inspirando- lhe a confiança necessária para ele prosseguir na construção do seu objeto de estudo, passo a passo e de forma criativa, pautando-se no diálogo que intimamente trava com as suas próprias experiências. Tais idéias ajudaram-me a reaproximar-me do objeto de pesquisa e pude interrogar as fontes a partir das questões norteadoras do estudo.

Essa maneira de construir o objeto de estudo também é partilhada por Kaufmann (1996), no livro L’entretien Compreensif. Para o autor, a entrevista compreensiva tem a palavra como elemento central e possibilita a compreensão teórica, em uma perspectiva metodológica de processo em que o campo da pesquisa não se resume apenas a uma instância de comprovação de um problema preexistente, mas se constitui em ponto de partida dessa problematização.

Na metodologia compreensiva de Kaufmann, encontrei respostas para as inquietações iniciais que tomavam conta de mim concernentes à teoria e à recolha dos dados. Para esse autor, o pesquisador deve ler apenas o necessário para iniciar o trabalho de campo, pois a fase posterior – a análise dos dados – lhe dará pistas preciosas sobre os teóricos que contribuirão para o desvelamento dos resultados.

Os estudos de Kaufmann propiciaram um espaço de pesquisa aberto à imaginação e à reinvenção, graças às relações estabelecidas entre mim, os participantes da investigação e as teorias que deram sustentação e argumentação às análises das falas dos atores, ajudando-me a explicar e compreender os sentidos por eles atribuídos ao processo de formação.

O palco desta pesquisa foi, conforme relatei anteriormente, o Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy, onde trabalhei durante 12 anos com a

formação de professores. Criado pela Lei estadual 6.575, de 3 de fevereiro de 1994 (RIO GRANDE DO NORTE, 1994), o Instituto de Formação de Professores Presidente Kennedy – IFP – é resultado do redirecionamento da Escola Estadual Presidente Kennedy, instituição que ofertava curso para a formação de professores em nível médio – o Magistério.

Inserindo-se na política de qualificação docente do Ministério da Educação e Cultura, a Secretaria de Estado da Educação, da Cultura e dos Desportos – SECD implantou, em 1994, o projeto de uma experiência-piloto na formação de professores para o ensino fundamental, com base no acordo de cooperação educativa Brasil- França e com respaldo acadêmico da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN (Convênio nº 01/94 de 13/03/1994). Esse projeto tinha como objetivo elevar o padrão de formação e qualificação profissional dos professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, em consonância com as diretrizes do Plano Decenal de Educação para Todos (BRASIL, 1993).

O IFP foi criado propondo-se desenvolver três missões: a primeira é a formação qualificante, iniciada em 1994, com a oferta do curso de formação de professores (em nível superior) para a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental; a segunda é a formação continuada dos professores em exercício da docência; e a terceira consiste em tornar-se centro de referência, com o desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre a formação docente (RIO GRANDE DO NORTE, 1993).

Por meio da Lei estadual 7.909, de 4 de janeiro de 2001 (RIO GRANDE DO NORTE, 2001a), o Governo do Rio Grande do Norte transformou o IFP em autarquia, sob a denominação de Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy – Centro de Formação de Profissionais da Educação –, credenciando-o a realizar de direito o que de fato já desenvolvia em convênio com a UERN. Com isso, o IFESP adquire autonomia administrativa e acadêmica, podendo manter cursos de formação de profissionais para a educação básica, inclusive o curso Normal Superior, conforme previsto no Título VI – Dos profissionais da Educação –, no Art. 63 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB –, nº 9394/96 (BRASIL, 1996).

Em sintonia com as políticas públicas do MEC concernentes à formação profissional do professor da educação básica, a SECD do Rio Grande do Norte, sensível às realizações do IFESP e com o intuito de fortalecê-lo e ampliar suas

responsabilidades, propôs a criação de duas novas graduações: Curso de Licenciatura Plena em Letras – Habilitação em Língua Portuguesa –, e Curso de Licenciatura Plena em Ciências – Habilitação em Matemática –, para atendimento à sua demanda, ocasionada pela expansão das séries finais do ensino fundamental e do nível médio.

Em 24/07/2002, a Câmara do Ensino Superior do Conselho Estadual de Educação autorizou o funcionamento do curso de Licenciatura Plena em Ciências – Habilitação em Matemática (RIO GRANDE DO NORTE, 2002b). Em novembro desse mesmo ano, o IFESP realizou o processo seletivo para qualificar docentes no exercício do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino.

Historicamente, o Instituto Kennedy, como é conhecido e reconhecido, tem se dedicado à formação de professores em nível médio (Magistério) e, desde 1994, à formação de professores em nível superior. Desempenha sua função com compromisso, seriedade e competência, adequando-se às demandas políticas e sociais e buscando sempre o aprimoramento das competências profissionais dos formandos. Durante esses 12 anos dedicados à educação superior do Rio Grande do Norte, tem inspirado e servido de referência para a definição de políticas públicas e para outras experiências no campo da formação de professores.

O trabalho de campo para esta pesquisa iniciou-se concomitantemente com a entrada dos alunos no IFESP (novembro de 2003), quando lhes apresentei uma síntese do Projeto Pedagógico do curso de Matemática, para que tivessem uma visão mais geral da formação e eu pudesse sentir as suas primeiras impressões.

Percebendo a dificuldade que a maioria dos alunos apresentava em relação ao processo de escrita, a professora formadora de Metodologia do Trabalho Científico I propôs que eles escrevessem sobre as suas memórias estudantis, o que passaria a constituir os primeiros dados empíricos do corpus desta pesquisa.

Os dados empíricos são elementos essenciais à análise, pois propiciam ao pesquisador as retomadas, o aprofundamento e a reconstrução do seu objeto de estudo ao longo da investigação (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Eles não são coisas isoladas, fixas e recolhidas num instante; são captados durante as diversas etapas da pesquisa, na interação com os informantes, em sucessivas idas e vindas. Manifestam-se em situações opostas, de revelação e de ocultamento, sendo necessário enxergá-los além de sua aparência para se descobrir a sua essência (CHIZZOTTI, 2001).

A minha participação efetiva na investigação, atuando em diferentes cenários – coordenação, docência, nas sessões de orientação de escrita do memorial e como membro da banca examinadora desses trabalhos –, permitiu-me fotografar emoções, momentos de angústia, solidarizar-me com sonhos e esperanças, compartilhar dúvidas e suscitar questionamentos sobre o processo de formação.

Além da colaboração da professora formadora das disciplinas Metodologia do Trabalho Científico I e II, também tive apoio da professora formadora da disciplina Psicologia da Educação, Aprendizagem e Desenvolvimento II. Ambas, em sintonia com as idéias e sugestões da coordenação do curso e sensíveis às questões/reflexões levantadas pelos alunos sobre a estrutura curricular, manifestadas durante as reuniões de balanço11 e do colegiado de curso, foram abertas ao diálogo e ao redirecionamento de suas atividades docentes.

As demais fontes foram recolhidas por mim, em parceria com uma professora formadora das disciplinas específicas, nas aulas de Prática Pedagógica II por nós ministradas bem como durante o desenvolvimento de atividades coletivas das disciplinas Trabalho de Conclusão de Curso I e II.

A minha postura de procurar compreender os meandros do dia-a-dia da formação dos alunos permitiu-me pôr em relevo os elementos tácitos que estavam no seu âmago, pois senti que era preciso estar também preocupada com o contexto da formação, observando o que se processava e tentando, juntamente com os demais professores formadores e os representantes dos alunos, dar vida e forma a nossa primeira experiência com a formação de professor na licenciatura em Matemática. Como lembra Bogdan e Biklen (1994), o pesquisador qualitativo não deve separar a ação, a palavra ou o gesto do contexto em que a pesquisa ocorre, para não perder de vista o significado dela.

Em síntese, a recolha das fontes iniciou-se em janeiro de 2004 (primeiro período do curso) e terminou em dezembro de 2006 (sexto e último período do curso), permitindo reunir muitas informações. Mas, para compor o corpus desta pesquisa, selecionei 48 ensaios (auto)biográficos12, 12 fichas de contextualização

11 Momento de avaliação coletiva ocorrido ao término de cada período do curso.

12 Narrativas temáticas, solicitadas pelos professores formadores e escritas pelos alunos durante a

formação superior no IFESP. Dentre essas narrativas, selecionei as intituladas A vida estudantil, Percebendo-se em processo de mudança, A vida profissional, e Imagem da profissão, por estarem mais direcionadas para o foco desta investigação.

(Anexo A)13 e 12 (auto)biografias14. Foi um estudo longitudinal, ou seja, a recolha das fontes foi feita a cada período do curso, durante os três anos de formação.