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A platéia dirige o espetáculo: as redes sociais da Internet

CAPÍTULO 2: Tecnologias do desejo: as transformações dos meios de comunicação e as

2.3. A platéia dirige o espetáculo: as redes sociais da Internet

Segundo Silva (2008) já nas últimas décadas do século passado, quando o acesso à Internet ainda era restrito a uma parcela pequena da população mundial, começava a surgir entre os profissionais de marketing a ideia de que a publicidade deveria misturar-se ao cotidiano dos consumidores, fazendo com que pudesse ser cultivada uma “relação” entre o consumidor e a marca. Baseados em resultados de pesquisas de mercado, autores da área

apontavam que a adesão a produtos de uma nova marca tinha relação estrita com a indicação de pessoas de um mesmo círculo afetivo. Ou seja, mais além da interpelação dos desejos pela propaganda de massa, era preciso tornar-se “íntimo” do consumidor, incentivá-lo a participar da “construção” da marca, fazer sugestões, criar ideias, para enfim ganhar sua confiança até o ponto em que ele próprio se tornasse um veículo de divulgação da marca. Assim, a estratégia de venda não deveria ser pensada enquanto direcionada, em massa, a clientes individuais, e sim a redes de clientes (ROSEN apud SILVA 2008). O desafio passa então a ser fazer do cliente o porta-voz de uma marca entre seu ciclo de relacionamentos. E a tecnologia teria papel fundamental na efetivação dessa estratégia.

Para Castells (2000), o modelo do sistema de comunicação de massa moldado em torno da televisão estaria sendo substituído por um novo sistema, resultado da fusão entre uma “nova mídia descentralizada e diversificada” (p. 355) – que teria sucedido a mídia de massa – e um sistema de comunicação organizado em função do uso de redes de computadores “com o aparecimento da Internet e o surpreendente desenvolvimento espontâneo de novos tipos de comunidades virtuais” (p. 355). Segundo o autor, o surgimento da fibra ótica e da transmissão digital de dados ampliou de maneira inédita o alcance e a velocidade da comunicação, favorecendo a tendência já existente à diversificação do mercado de mídia. A primeira mudança significativa nesse sentido se deu com a disseminação da TV a cabo que, com inúmeras opções de canais temáticos, proporcionava condições para a especificidade do direcionamento das mensagens publicitárias. A partir das características de programação de cada canal, tornou-se possível deduzir os interesses particulares da audiência e assim, diferentemente do que acontecia na mídia de massa, conceber ações de marketing direcionadas a nichos peculiares.

o fato de a audiência não ser objeto passivo, mas sujeito interativo, abriu o caminho para a sua diferenciação e subseqüente transformação da mídia que, de comunicação de massa, passou à segmentação, adequação ao público e individualização, a partir do momento em que a tecnologia, empresas e instituições permitiram essas iniciativas (CASTELLS, 2000, p.362).

Trata-se de uma mudança estratégica do marketing como um todo: não mais apostar no excesso de mensagens a um público amplo, mas sim estratificar as mensagens de acordo com o público para o qual elas estão sendo emitidas.

Contudo, para além da segmentação da audiência da Tv a cabo, a reconfiguração do universo dos meios de comunicação, antes centralizado em torno da televisão, teve como motor o advento da Internet e a popularização dos computadores pessoais. Uma das razões é a

mudança no paradigma dos elementos comunicativos proporcionada pelas características peculiares do novo meio: as propriedades de interatividade e individualização da Internet permitem aos indivíduos também exercerem o papel ativo na comunicação, ao contrário dos veículos de massa como televisão e rádio onde emissores e receptores da mensagem exercem papéis fixos - o transmissor de um lado e a audiência do outro (CASTELLS, 2000). No início da rede mundial de computadores, a antiga audiência comunicava-se em rede nas plataformas dos chamados “bate-papo”, fóruns de discussão e comunidades diversas, enquanto que os grandes monopólios da comunicação desdobravam-se para intuir a melhor forma de utilizar o suporte digital para atrair esses mesmos usuários para as suas páginas. Estes últimos construíram os primeiros grandes portais de Internet, investindo basicamente na produção de uma variedade sem fim de conteúdos e de uma série de serviços e dispositivos – como email gratuito ou dispositivos de comunicação instantâneos - para “fidelizar” os acessos aos seus conteúdos e atrair receitas ao disponibilizar espaço para o advertising (PÓVOA, 2000). Nos primeiros anos de popularização da Internet, portanto, a publicidade continuava operando pela mesma lógica da mídia de massa tradicional, anunciando nos portais e serviços que estavam em maior evidência, do mesmo modo com que anunciavam nos canais de televisão nos horários de maior audiência.

Entre os serviços oferecidos pelos grandes portais, alguns dos mais populares passaram a ser os fóruns e as comunidades com grupos de discussão. Nessas plataformas - operadas dentro dos portais e cujos dados, portanto, são administrados pelos mesmos – os usuários basicamente trocam entre si todo tipo de informações de interesse comum, desde entretenimento até soluções de problemas domésticos ou mesmo conselhos amorosos. Em uma velocidade antes impensável para um veículo de comunicação, todo tipo de informação passou a ser compartilhada publicamente entre milhões de pessoas em todas as partes do mundo e concentrada em alguns pontos de convergência, os portais. De acordo com Póvoa (2000), o potencial comercial da Internet estaria de alguma maneira na compilação dessas informações pelos administradores dessas plataformas (em sua grande maioria empresas) e sua organização em termo de nichos de mercado. A interpretação das inúmeras informações trocadas exaustivamente pelos usuários configurava um modo inédito e extremamente eficaz de reconhecer tendências e preferências de consumo, podendo superar em resultados as tradicionais pesquisas de mercado, já que se trata de informações de todos os tipos espontaneamente fornecidas por milhões de pessoas de todas as partes.

A partir dos anos 80 começam a surgir pequenas comunidades online chamadas BBS cuja finalidade era possibilitar a comunicação entre pessoas com algum tipo de interesse em comum, que ali trocavam informações e formavam redes de contato (CASTELLS, 2000). Essas comunidades deram origem, ao longo da década de 90 e início da seguinte, às primeiras “redes sociais” da Internet – plataformas abertas a qualquer pessoa que desejasse construir um perfil pessoal para, a partir dele, entrar em contato com outras pessoas que também figurassem na mesma plataforma, compartilhando mensagens, fotos e vídeos. Em meados de 2004 é lançado o site Orkut, a primeira das chamadas “redes sociais” da Internet a adquirir enorme popularidade global – principalmente no Brasil e na Índia. Trata-se de um sistema onde as pessoas podem cadastrar-se, construir uma página de perfil pessoal contendo textos, fotos, vídeos e, a partir disso, conectar-se aos outros usuários mediante esses perfis ou por meio da formação de comunidades de interesse – ambos, perfis e comunidades, sendo listados na página pessoal de cada usuário. Com uma interface de aparência agradável e de grande facilidade de manejo, o Orkut em pouco tempo conquistou a adesão de milhões de pessoas e, em poucos anos, consolidou-se como um dos principais meios de comunicação utilizados pela população, quase tanto quanto o e-mail (CGI Brasil, 2010). Um dos principais motivos especulados para explicar tamanha adesão foi a possibilidade que os sujeitos têm de se comunicarem com seus pares mediados pela exposição, em seus perfis, de uma gama de fotos, textos, vídeos e imagens que compõem suas respectivas autoimagens idealizadas, que servem para mediar o contato com os outros (MEDEIROS, 2008). Desse modo, por meio do Orkut, inúmeras informações textuais, visuais e audiovisuais de cunho pessoal expostas nos milhões de perfis passaram a ser espontaneamente tornadas públicas pelos usuários, permitindo o acesso a conteúdos antes restritos às suas vidas privadas.

Cerca de dois anos depois, chega à Internet o Twitter, rede social que permite ao usuário o envio de mensagens curtas (de no máximo 140 caracteres) às pessoas que o estiverem “seguindo”, ao mesmo tempo em que o usuário igualmente recebe de maneira automática em sua página as mensagens enviadas pelos perfis que ele “segue”. O Twitter também disponibiliza uma página onde são listados em atualização ininterrupta os termos de maior incidência nas mensagens que estão sendo compartilhadas em todo o microblog em um dado momento. Hoje utilizado diariamente por milhões de pessoas ao redor do mundo, esse mecanismo foi se tornando uma ferramenta instantânea de mensuração de popularidade para qualquer pessoa, empresa, artista ou programa de televisão, por exemplo. A conexão imediata proporcionada com figuras famosas ou companhias, aliás, transformou a relação destas com o

público, já que passaram a prescindir dos veículos de imprensa para se comunicarem com as pessoas “comuns” (PRIMO, 2010).

No mesmo período, a rede social Facebook também ganhava cada vez mais adeptos pelo mundo. Criada por alunos da Universidade de Harvard nos EUA como meio de comunicação para a comunidade acadêmica, o Facebook logo começou a se tornar popular por todo o país. Aos poucos, porém, foi ganhando o mundo e hoje é a mais usada entre todas as redes sociais, ultrapassando o Orkut em número de usuários no Brasil (FACEBOOK [...], 2011) . Em relação a esse último, apresentou diferenças importantes no que tange ao modo com que o usuário compartilha informações. No Orkut o compartilhamento dos conteúdos publicados se dava mediante o acesso aos perfis: com exceção das comunidades de interesse que funcionavam como fóruns de discussão, cada usuário colocava em sua própria página as atualizações de textos, fotos ou vídeos que desejasse tornar públicos, e a disseminação desses conteúdos entre os outros usuários da rede social dependia da “visita” destes ao perfil em questão. Já no Facebook as atualizações de cada usuário aparecem simultânea e automaticamente na página de todos os usuários conectados àquela conta. Esse mecanismo, também presente no Twitter e em diversas outras redes sociais, mostrou-se extremamente eficaz no que diz respeito ao compartilhamento de conteúdo via Internet, que foi sendo aperfeiçoado na direção de tornar a disseminação cada vez mais ágil. Como o mesmo intuito, o Facebook também adaptou sua rede aos smartphones10, facilitando o acesso à rede social pelos telefones celulares. Cabe aqui citarmos também que a Google, que se tornou o serviço de busca de informações mais utilizado do mundo e é hoje, junto com o Facebook, a maior empresa da Internet (e uma das maiores do mundo), lançou em 2011 sua rede social própria, o Google Plus.

Além da possibilidade de divulgar textos e fotos, a ascensão tecnológica tornou cada vez mais acessível ao usuário comum produzir e disseminar seus próprios conteúdos audiovisuais, vide a proliferação de câmeras de vídeo portáteis inclusive em telefones celulares, além da disponibilidade de programas de edição de vídeo de fácil manejo pelo público leigo. Ao mesmo tempo, também favoreceu que conteúdos da mídia convencional (principalmente da televisão) fossem compartilhados na rede. Lançado em 2005, o site Youtube – que permite carregar vídeos e torná-los disponíveis na rede – em pouco tempo tornou-se um dos mais acessados da Internet (CGI, 2010). Aos poucos, tanto vídeos “caseiros” quanto gravações provindas da televisão ou mesmo produções cinematográficas

foram sendo acrescentados à rede, formando um imenso catálogo audiovisual alimentado por usuários de todas as partes do mundo. Usuários que, por meio das redes sociais, amplificam a divulgação desses vídeos de modo a torná-los, em questão de horas, extremamente populares. O que consideramos essencial para a presente discussão é a intensificação ocorrida na última década de um movimento de retroalimentação entre as antigas mídias de massa e a nova mídia digital. Nesse processo, conteúdos diversos da mídia tradicional são compartilhados em rede e consumidos pelos usuários de Internet ao mesmo tempo em que vídeos caseiros espontaneamente publicados e disseminados pelos mesmos – principalmente os conteúdos que alcançam um alto número de popularidade nas redes sociais - são posteriormente exibidos na televisão e comentados em programas de rádio e em edições tanto impressas quanto digitais dos maiores jornais do país. De um lado, assistimos ao colapso, ainda sem qualquer horizonte de solução, do modelo tradicional de regulação dos direitos autorais das obras audiovisuais. Do outro, ao que Keen (2009) chamou de “culto do amador”: a popularização dos emissores de informação anônimos na Internet. Segundo o autor, hoje é a “platéia quem está dirigindo o espetáculo” (p. 36), ou seja, os usuários produtores de conteúdo online estariam substituindo os tradicionais monopólios da produção cultural (mídia tradicional, indústria convencional da publicidade e a indústria editorial e fonográfica). Sem controle sobre as fontes jornalísticas por exemplo, há “declínio da qualidade e da confiabilidade da informação” (p. 30) o que criaria “uma crise de crédito e confiança” (p. 76) em relação às informações e à produção cultural emitidas por amadores e compartilhados na Internet.

Consideramos o tom do autor por vezes excessivamente alarmista e, principalmente, discordamos de sua defesa da mídia convencional e das “instituições tradicionais” como patronas dos “padrões culturais e valores morais” da sociedade (p. 13), em oposição ao “conteúdo duvidoso proveniente de fontes anônimas” (p. 21) da Internet. Contudo, pensamos serem importantes na nossa investigação sobre as recentes concepções e práticas de marketing, alguns apontamentos de Keen sobre a produção de conteúdo midiático na Internet. Usando como exemplo os blogs11, o autor afirma que “os blogueiros amadores discorrem sobre assuntos triviais como sua marca de cereais matinais, de carros, ou personalidade de reality show favorita” e que isso tem como consequência que “as únicas conversas que

11 “Blog - É uma contração da palavra “weblog”, usada para descrever uma forma de “diário” na Internet. A

maior parte dos blogs é mantida por indivíduos (como os diários no papel) que ali escrevem suas ideias sobre os acontecimentos diários ou outros assuntos de interesse” (CGI, 2010, p. 554)

queremos ouvir são as que temos com nós mesmos e com os que se parecem conosco” (p. 15). Esse tipo de informação pessoal, espontaneamente difundida pelos usuários na Internet, coincide de certa forma ao tipo de conhecimento adquirido nas pesquisas de mercado, onde são colhidas opiniões de consumidores sobre os produtos para adaptar a produção e as estratégias de venda a essas informações. É o que argumentamos anteriormente com Fontenelle (2008) a respeito de como as práticas comerciais passaram a se organizar, para além da produção, em função do mercado, mediante informações sobre os desejos dos consumidores – movimento que segundo a autora corresponde ao que conhecemos hoje por marketing. Além disso, conforme argumentaremos com mais detalhamento no capítulo 3, a última citação de Keen (2009) remete à importância de uma certa auto-imagem tecnologicamente construída que faz a mediação entre os usuários das redes sociais, fenômeno que encontra eco na compreensão do capitalismo contemporâneo como sociedade de consumo, onde as identidades dos sujeito são forjadas pelas marcas publicitárias.

Por meio do que foi exposto até aqui, pretendemos argumentar que o fato de “a platéia estar dirigindo o espetáculo” conforme afirma Keen (2009) no que tange à Internet, apresenta- se como uma grande oportunidade de intensificação do processo de penetração das empresas na “psicologia do mercado”. E é mediante a análise da modalidade hoje conhecida como “marketing viral” que pretendemos justificar esse posicionamento.