• Nenhum resultado encontrado

A estratégia do marketing viral no laço social contemporâneo MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "A estratégia do marketing viral no laço social contemporâneo MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL"

Copied!
99
0
0

Texto

(1)

Gabriel Monteiro da Fonseca Leal Maia

A estratégia do

marketing

viral no laço social contemporâneo

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

São Paulo

(2)

A estratégia do

marketing

viral no laço social contemporâneo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Social, sob a orientação do Professor Doutor Raul Albino Pacheco Filho

São Paulo

(3)

ERRATA

Página Linha Onde se lê Leia-se

11 25 mias mais

12 10 a a a

12 20 ds da

20 24 esta está

25 28 1986 1996

47 18 Como Como o

50 29 possuía possuíam

59 14 anuncio anúncio

62 25 am em

(4)

Psicologia Social.

Aprovado em: _______________________

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

___________________________________________

(5)

Aos meus pais Arlene e Sérgio, à minha irmã Carla, à minha avó Maria de Lourdes, à Nilta e à Ângela, pelo amor e pelo apoio incondicional em todos os aspectos possíveis.

Ao meu orientador Raul Pacheco Filho, pela acolhida no Núcleo de Psicanálise e Sociedade da PUC-SP, pela aposta neste trabalho e por nos transmitir a psicanálise de maneira tão rigorosa e apaixonada.

Ao Conrado Ramos, pela referência teórica decisiva no meu percurso, pela indicação do Núcleo de Psicanálise e Sociedade quando esta dissertação não passava de uma ideia e por transmitir a psicanálise de maneira tão singela e precisa.

Aos membos da banca examinadora, Oscar Angel Cesarotto e Leandro Alves Rodrigues dos Santos, pelas valiosas contribuições no meu exame de qualificação.

Aos colegas do Programa de Psicologia Social e do Núcleo de Psicanálise e Sociedade, em especial ao Neto, pela amizade e pelas inúmeras conversas e sugestões que ajudaram a construir esse trabalho, e à Patrícia, pela amizade e pelas trocas teóricas (e burocráticas!) que tanto me ajudaram.

Ao Pedro pela grande ajuda de última hora.

Aos amigos do Espaço Poiésis Psicologia, Paulo, Raonna, Thiago e Livia.

Ao querido amigo Alan, pela conversa infinita e pelo interesse na psicanálise que tanto me ajudou a organizar os pensamentos ao longo desses anos.

Aos meus sogros Mêrce e Joel, pelo carinho e apoio.

Ao professor Ednílton, por me encorajar a fazer um mestrado.

À Marlene Camargo, secretária do Programa, pela paciência e presteza nos momentos necessários.

(6)

RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo principal investigar, a partir da noção psicanalítica lacaniana de discurso como meio de aparelhamento do gozo no laço social, o modo com que a modalidade denominada “marketing viral” – realizada fundamentalmente pela Internet – alia-se, para colocar em prática seus objetivos, às propriedades técnicas dos meios de comunicação digitais conectados em rede e ao seu uso pelos sujeitos no contexto histórico do capitalismo atual. Para tanto, foram realizados um levantamento bibliográfico dividido em três capítulos e, posteriormente, uma análise do marketing viral no laço social contemporâneo (valendo-se de dois casos considerados bem-sucedidos por profissionais da área). Em relação à bibliografia pesquisada, primeiramente foram estabelecidas as relações entre o capitalismo e os discursos, valendo-se tanto das pontuações de Jacques Lacan quanto de articulações desenvolvidas por outros autores da área da psicanálise. Em seguida, dissertamos sobre o percurso histórico das estratégias de incitação ao consumo presentes na publicidade e no marketing e seu entrelaçamento com o desenvolvimento técnico dos meios de comunicação do século XX até o recente advento do marketing viral. Adiante, tratamos das transformações no modo de produção capitalista e da abstração da mercadoria em marca publicitária, discutindo o modo com que essas mudanças se relacionam com o sistema dos meios de comunicação contemporâneos e seu respectivo uso pelos sujeitos. Por fim, situamos o marketing viral fundamentalmente no laço social do Discurso do Mestre, onde o mercado ordena ao saber-fazer dos sujeitos usuários das redes sociais da Internet que replique um determinado conteúdo midiático ao seu círculo de contatos, de modo a produzir a circulação da imagem e do nome da marca (o vírus).

(7)

ABSTRACT

The present work had as its main purpose to investigate, under the lacanian psychoanalytic notion of discourse as a form for enjoyment implementation on social bonds, the way in which the modality referred to as "viral marketing" – largely employed in the Internet – fuses with the technical properties of networked digital media, and its use by the subjects under contemporary capitalist historical context, to yield its diffusing objectives. For such a task, we have first conducted a bibliographical survey, divided into three chapters, and then made an analysis of viral marketing under contemporary social bonds (backed by two cases considered to be successful by professionals in the area). Regarding the researched bibliography, we first establish the relations between capitalism and discourses, sustained by views drawn from Jacques Lacan and other authors in Psychoanalysis. We then focus on the historic developments of strategies for stimulating consumption, especially held by advertising and marketing companies, and their merging with the technical developments of 20th century media and the advent of viral marketing. Later, we investigate the transformations held inside the capitalist mode of production and the abstraction of commodities in brands, examining how these transformations relate to contemporary media system and its use by the subjects. Finally, we place viral marketing under the social bond of the Discourse of the Master, where the market induces the know-how of social network users to spread media content amongst its social circles, propagating both image and brand’s name (the virus).

(8)

INTRODUÇÃO...9

CAPÍTULO 1: O Capitalismo e os discursos no laço social...14

1.1. O Discurso do Mestre: mais-valia e mais-de-gozar ...15

1.2. O Discurso Universitário: o mestre moderno do todo-saber ...18

1.3. O Discurso do Capitalista: produção da falta-a-gozar ...23

1.4. O Discurso da Histérica no capitalismo e no ciberespaço ... 29

1.5. O discurso dos mercados: os gadgets no comando ...32

CAPÍTULO 2: Tecnologias do desejo: as transformações dos meios de comunicação e as estratégias de incitação ao consumo...38

2.1. Propaganda e Publicidade ...38

2.2. Marketing: desvendando a psicologia do consumidor ou forjando a sociedade de consumo ...40

2.3. A platéia dirige o espetáculo: as redes sociais da Internet...43

2.4. Propaganda boca-a-boca, buzz marketing e marketing viral na Internet...49

CAPÍTULO 3: Capitalismo, meios de comunicação e marca publicitária: as teias do controle...54

3.1. Indústria cultural ...54

3.2. A abstração da mercadoria em imagem da marca ...56

3.3. A identificação entre mercado e meios de comunicação ...59

3.4. Novos meios de comunicação, publicidade e marketing no contexto do capitalismo tardio...62

CAPÍTULO 4: O marketing viral na Internet e os laços sociais no capitalismo contemporâneo...68

4.1. Produção e consumo nas redes sociais da Internet...68

4.2. Marketing viral e Discurso do Mestre...74

4.3. Dois casos de vídeos virais...79

(9)
(10)

Figura 1 – Matema dos discursos ...14

Figura 2 – Os quatro discursos ...14

Figura 3 – Discurso do Mestre ...16

Figura 4 – Discurso Universitário ...19

Figura 5 – Discurso do Capitalista ...24

Figura 6 – Discurso da Histérica ...30

(11)

INTRODUÇÃO

Nesse novo espaço/tempo, eletronicamente acelerado no sentido de globalidade, instantaneidade e simultaneidade, as coisas se justificam por sua própria circulação, pelo mero trânsito num meio. Assim como capital, as coisas simplesmente circulam, sem outra finalidade além da realização fatal de seu próprio ciclo (Muniz Sodré).

Em julho de 2012, um vídeo intitulado “Perdi meu amor na balada” conquistou rapidamente enorme popularidade em redes sociais da Internet como Youtube (onde o filme foi veiculado) e Facebook (meio pelo qual ele foi disseminado). O vídeo, supostamente gravado de modo informal em um local público, consistia na gravação do depoimento de um jovem que se dizia chamar Daniel Alcântara. Ele pedia ajuda às pessoas para encontrar Fernanda, uma garota que ele teria conhecido no dia anterior em uma casa noturna de São Paulo, mas de quem havia perdido o número do telefone, escrito em um pedaço de papel. Durante o depoimento, Daniel descreve as características físicas de Fernanda e pede para quem estiver assistindo que ajude-o a encontrá-la. Alguns dias depois, outro vídeo semelhante de Daniel foi disponibilizado na Internet, onde ele aparece procurando Fernanda em uma loja que, supostamente, algum usuário da rede apontara como sendo aquela em que ela trabalhava, o que acaba não se confirmando. Passada uma semana após o aparecimento do primeiro vídeo, um terceiro foi disponibilizado: tratava-se de um filme publicitário da empresa de telefonia Nokia, que mostrava um homem que teria estado na casa noturna em questão na noite em que Daniel conhecera Fernanda. Em um vídeo que teria sido colocado na página de Daniel, o homem dizia havê-lo reconhecido em uma das fotos tiradas com um smartphone1 da marca e que, mediante um mecanismo de aproximação, havia conseguido focalizar, na mão de Daniel, o papel contendo o telefone de Fernanda. O filme termina com Daniel ligando para Fernanda e finalmente a encontrando. Os três vídeos juntos superaram 1 milhão de visualizações em uma semana (SIMON, 2013).

Em dezembro de 2012, também no Youtube, uma série de vídeos amadores alcançaram súbita popularidade por supostamente terem flagrado, sob o olhar atônito dos transeuntes, uma mulher destruindo um carro a marteladas no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo. Alguns dos filmes, que haviam sido gravados e disponibilizados por pessoas diferentes, referiam-se à mulher como a “Louca da Vila Olímpia”, sendo que um desses chegou a

(12)

ultrapassar as 800 mil visualizações em poucos dias (PORTUGAL, 2012). Dias depois o canal Sony Entertainment Television publicou no Youtube um vídeo intitulado “A verdade sobre a louca da Vila Olímpia”, uma espécie de continuação de um dos vídeos. Neste, logo após a destruição do carro pela mulher misteriosa, a câmera se aproxima do local onde ficava o vidro traseiro do automóvel e focaliza, em meio aos estilhaços de vidro, um cartaz com os dizeres “Quer Vingança? Revenge” e, logo abaixo, a marca do canal de televisão. Nesse momento há um corte e a seguinte mensagem aparece na tela: “Se sentiu enganado? Quer vingança? Aprenda assistindo a Revenge”. “Revenge” é o nome do seriado que o canal estava promovendo.

No caso da campanha “Perdi meu amor na balada”, 10 pessoas entraram com uma ação legal no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), alegando que a mesma descumpria o Código de Defesa do Consumidor por não haver sido, desde o início, caracterizada como publicidade. Segundo Simon (2013), a empresa autora da campanha alegou que a ação “era de marketing viral, uma técnica de comunicação legítima e aceitável, e que os filmes foram criados especificamente para a Internet, respeitando as características de comunicação direta com o consumidor que o meio permite” (p. 1). Ainda segundo a empresa, o objetivo dos dois primeiros vídeos (que não revelavam tratar-se de publicidade) seria o de “gerar curiosidade e expectativa no público em relação ao terceiro” (p. 1). Todos os argumentos foram aceitos pelo Conar, que arquivou o caso. Já no caso da “Louca da Vila Olímpia” não foi noticiado nenhum tipo de ação legal contra a marca. Em compensação, a campanha conquistou dois prêmios em um dos principais eventos da área de publicidade (VIRAL [...], 2013).

(13)

O advento desse novo método de interpelação dos sujeitos pelas forças dominantes da sociedade capitalista do início deste século – caracterizada por mudanças substanciais tanto em seu modo de produção, na direção de uma maior fragmentação e personalização em oposição ao trabalho serializado do período taylorista/fordista, quanto consequentemente no modo com que se organiza o escoamento dessa produção, o consumo – faz de um dos nossos objetivos a compreensão dessas mudanças sob o entendimento de que elas se relacionam diretamente com o progresso técnico que deu origem ao que hoje é a Internet. Propagada por autores como Castells (2000) como um meio de comunicação capaz de transformar as relações de poder entre os sujeitos e as instâncias dominantes, a Internet foi aos poucos sendo integrada às velhas mídias e à lógica do mercado, produzindo assim novas expressões daquilo que Horkheimer e Adorno (1944/ 1985) chamaram de indústria cultural. Processo em que, segundo os autores, sob a batuta dos meios de comunicação de massa, as formas antes pertencentes à cultura como um campo específico, se fundem com a esfera da economia ao preço da integração dos indivíduos ao todo e, da perspectiva da psicanálise, da destituição do que há de mais singular nos sujeitos. Compreender a maneira com que isso se dá no contexto atual, composto por um mercado e uma mídia fragmentados e com tendências cada vez mais fortes à personalização, é um dos objetivos deste trabalho. Além disso, pretendemos articular o entendimento (FONTENELLE, 2002; SEVERIANO, 1999) de que a marca publicitária hoje se configura como a forma mais abstrata de fetichismo da mercadoria (o que produz uma série de consequências que serão abordadas ao longo do texto), com o estatuto psicanalítico da propaganda como a produção de um saber sobre o gozo em uma sociedade que cultiva intensamente um imperativo de gozo em seu laço social (RAMOS, 2010). Nossa intenção é, ainda, verificar a relação entre essa ética do consumo e a produção de valor a partir da circulação das marcas com a abundante circulação de informações e conteúdos midiáticos proporcionada pelos mias avançados meios de comunicação contemporâneos.

(14)

uma época como a determinação histórica e contingencial que perpassa a determinação estrutural (transistórica) do sujeito: “O inconsciente é estrutura, é certo, quer dizer, é lugar do Outro; mas ele é também saber, dito de outro modo, o que dessa estrutura se desenrola, se articula no discurso, no discurso do Outro” (p.169). A subjetividade contemporânea seria, portanto, a série de mudanças induzidas no Outro, enquanto discurso, pelos fatos históricos. E os discursos, segundo Lacan (1969-1970/1992), são as modalidades de laço social que os sujeitos colocam para funcionar em busca de, dessa relação com o Outro, obter um certo gozo.

Na guerra, a estratégia consiste em se compreender o contexto, estabelecer os fins e determinar a direção a seguir. Já a a tática diz respeito à execução, o modo com que a prática se encaminha para seus objetivos. Na clínica psicanalítica, a estratégia diz respeito à transferência: é a partir daquilo que cada analisando deposita da figura do analista que este pode operar do lugar da causa do desejo e dirigir o tratamento. A tática do psicanalista é a interpretação, é o que ele responde, são os artifícios que o permitem conduzir o tratamento (LACAN, 1958/1998). Como poderíamos então compreender a estratégia do marketing viral no laço social contemporâneo, ou seja, qual seria a relação dessa modalidade de marketing com o contexto social e histórico em que opera em direção a concretizar seus fins (e como ela se dá na prática)?

(15)
(16)

CAPÍTULO 1: O capitalismo e os discursos no laço social

Entre 1969 e 1970, Lacan ministrou em Paris seu seminário de número 17, “O avesso da psicanálise” (LACAN, 1969-1970/1992). É neste seminário que o psicanalista francês formaliza sua teoria estrutural dos quatro tipos de discursos possíveis dentro do laço social humano. A partir da afirmação freudiana em Análise Terminável e Interminável (1937/2006) de que os atos de governar, educar e analisar eram impossíveis (no sentido de que não são totalmente possíveis pois há sempre algo que resta, que escapa a essas tentativas), Lacan criou, respectivamente aos impossíveis de Freud, os discursos do Mestre, do Universitário e do Analista. A esses, acrescentou um quarto discurso, o Histérico, fazendo referência a um quarto impossível, o fazer desejar. Esses discursos são compostos de quatro termos: S1 (o significante-mestre), S2 (o saber), a (o objeto-causa-de-desejo ou objeto mais-de-gozar) e $ (o sujeito barrado). Cada um deles pode ocupar um lugar específico em cada discurso - agente, outro, produção e verdade. Ou seja, para cada formulação discursiva, a cada giro nos discursos, há um termo que se posiciona no lugar de agente do discurso e que faz deslizar os outros três termos nos outros três lugares. A isso se acrescenta o fato de que a seta que vai do agente ao outro do discurso deve ser lida como “impossibilidade”, enquanto que a relação entre verdade e produção é sempre de “impotência”:

agente outro verdade produção

Figura 1 - Matema dos discursos

Discurso do Mestre Discurso da Histérica S1 S2

$ a

$ S1 a S2 Discurso Universitário Discurso do Analista S2 a

S1 $

a $ S2 S1

(17)

Lacan desenvolve a teoria dos discursos a partir da concepção do inconsciente enquanto estruturado como linguagem. Ao submeter-se à Lei de interdição do incesto, o sujeito ascede à palavra e adentra o mundo da linguagem. Concomitantemente à perda do gozo ilimitado, surge o desejo, sua relação com a Lei e com o Outro, a quem a razão da perda passa a ser falsamente atribuída, daí em diante, em uma farsa que transmuta a impossibilidade em proibição. Ao adentrar a linguagem, um sujeito é fundado pelo fato de que há um significante-mestre que o determina (S1), que o marca, e que o representa sempre para outro(s) significante(s), uma cadeia de significantes denominada o saber inconsciente (S2). Entretanto, dessa fundação do sujeito barrado pela linguagem, há um resto de gozo que é produzido pela operação significante e que fica ao mesmo tempo de fora da mesma, tomando a forma um dejeto que insiste em retornar. A esse resto, a esse “a mais” de gozo que não é passível de simbolização e que responde pelo percurso da pulsão na direção do seu objeto, Lacan dá o nome de objeto a. Valas (2001) destaca que esse objeto “indizível, inefável” (p. 8) não se confunde com os objetos comuns e intercambiáveis. Estes últimos permanecem no registro da identificação ao outro, ao semelhante, do objeto amado e desejado como imagem ideal i(a). O objeto a (ou causa-do-desejo), que é o objeto da fantasia (que se escreve $<>a) é “indiferente por natureza e substituível à vontade, em função de sua capacidade de permitir a satisfação pulsional” (p. 65-66). Daí resulta o envolvimento do sujeito com o mundo e, ao mesmo tempo, sua alienação estrutural: “Da hiância/fenda/fosso em que o sujeito se cria auto-mutilado pelo buraco originado a partir do que dele se destacou (o objeto causa do desejo), surge o traçado centrífugo da pulsão, que o impele, ao longo da vida, na direção dos objetos do mundo” (PACHECO FILHO, 2010, p.38). Essa hiância/fenda/fosso criado pela entrada no simbólico e na linguagem é caracterizada pelo fato de nunca poder ser preenchida de fato por nenhum objeto pulsional, gerando no sujeito a repetição – constantemente renovada – que constitui “o fundamento do sujeito e de seu 'encantamento' pelos objetos” (p.39).

1.1. O Discurso do Mestre: mais-valia e mais-de-gozar

(18)

enquanto instauração da dimensão do Outro e da linguagem, é o processo de formação dos laços sociais entre os humanos. Os discursos, portanto, são modos de aparelhamento do gozo com a linguagem, dos quais sempre resulta um resto de gozo. São, contudo, discursos sem palavras, uma vez que subsistem estruturalmente à articulação significante da fala. O discurso original, em termos lógicos, é o discurso do mestre que tem no lugar de agente o significante-mestre, assim como no discurso do inconsciente, onde “o mestre é o primeiro a ser sujeitado ao seu discurso, que faz dele um sujeito dividido, castrado ($)” (VALAS, 2001, p. 76). É o discurso da ordenação, uma vez que S1 é o significante vazio que intervém em uma cadeia de significantes para ordená-la, para fazê-la funcionar, trabalhar enquanto saber (S2). Segundo Quinet (2006):

O S2 como saber é “um meio de gozo” tal como se pode verificar na relação senhor-escravo da dialética hegeliana, a partir da qual Lacan extrai a escritura do matema do discurso do mestre. O mestre/senhor (S1) comanda o escravo (S2) a produzir os objetos (a) dos quais ele irá gozar. É o escravo que detém o saber para produzir os objetos, e esse saber constitui seus meios de gozo. O S2 como saber é um meio através do qual o sujeito goza – com o Inconsciente (QUINET, 2006, p. 31).

A referência de um discurso é aquilo que ele confessa querer dominar se seguirmos a vetor que vai do agente ao outro. A partir da dialética hegeliana e sua abordagem do laço entre senhor e escravo (mais precisamente da leitura que Kojève faz de Hegel), Lacan (1969-1970/1992) situa a figura do senhor no lugar de mestre (S1) e coloca o escravo no lugar do saber (S2) para demonstrar que, quando o senhor coloca o escravo para trabalhar, este último é quem detém o saber que produz o objeto do qual o senhor vai se apropriar. O senhor deseja dominar o saber do escravo e se apropriar do objeto produzido por esse saber. A perda e o ganho de gozo nesse discurso é a usurpação do produto do trabalho do escravo pelo mestre. Há uma perda do lado do escravo, mas há um ganho do lado do senhor já que, da operação em que um significante representa um sujeito para outro significante, do buraco aberto em razão de uma perda nessa operação, irrompe algo que é da ordem do gozo, um bônus. Processo estruturalmente homólogo, segundo Lacan (1968-1969/2008; 1969-1970/1992), à teoria marxiana da produção da mais-valia no capitalismo – o que o leva a nomear esse excedente de gozo de “mais-gozar” ou “mais-de-gozar”.

S1 S2 $ a

(19)

Enquanto o mais-gozar refere-se a um elemento estrutural (e, portanto, transistórico) da humanidade, a mais-valia é fruto de contingências históricas. Em Marx, a mais-valia é um valor abstrato deduzido da relação de trabalho entre o operário e o dono dos meios de produção. A começar pelo seguinte: o valor-de-troca de uma mercadoria só pode ser estabelecido quando se isola nela algum fator objetivo e mensurável, fator este encontrado por Marx nas horas de trabalho necessárias à sua produção (LUSTOSA, 2009). Para se produzir uma mercadoria, são necessários três elementos: a matéria-prima, os meios de trabalho (ferramentas, máquinas, energia) e a força de trabalho. Como no capitalismo o trabalhador não é proprietário nem da matéria prima nem dos meios de trabalho, ele só pode produzir vendendo sua força de trabalho para o proprietário. Como afirma Cláudio Oliveira (2004), o apontamento de Marx quanto à existência de um “mercado de trabalho” no qual a força de trabalho é transformada em mercadoria, traz luz a um fato completamente novo, não só em relação à transição entre sistemas econômicos (do feudalismo para o capitalismo), mas também no que tange à própria História, pois “altera, de um só golpe, tudo o que se entendia até então, tanto por trabalho, quanto por mercado” (p. 17). Desse modo, o trabalho passa a ser regulado a partir da mesma lógica que rege o comércio de mercadorias, a do valor-de-troca, que calcula o valor das mercadorias pelo tempo necessário para a sua produção. Contudo,

o empregado não pode ser literalmente “fabricado” à maneira das outras mercadorias, já que ele não é um produto tal como o são um carro ou uma roupa. Se a força de trabalho não pode ser produzida no sentido rigoroso do termo, ela pode ser reproduzida. O valor do trabalho será então calculado visando garantir o indispensável para a sobrevivência do empregado, assegurando desse modo a reposição da energia por ele despendida. Esse montante pago ao trabalhador é o seu salário (LUSTOSA, 2009, p. 44, grifos do autor).

(20)

(LUSTOSA, 2009, p. 45). É à diferença, em termos valorativos, entre o tempo de trabalho despendido e o salário pago, que Marx dará o nome de mais-valia.

Lacan (1969-1970/1992) diz que o que Marx denuncia com a mais-valia é a espoliação do gozo. “No entanto, essa mais-valia é o memorial do mais-de-gozar, é o seu equivalente do mais-de-gozar” (p.84). A homologia entre os dois conceitos reside no fato de que ambos são simultaneamente efeito e causa do discurso que os articula. O mais-gozar decai do impossível ato de governar, do impossível da ordem que se esforça em barrar o gozo: um significante que barra o sujeito representando-o para outro significante. Já a mais-valia decai do impossível de transformar o trabalho em mercadoria: o valor-de-uso da força de trabalho se esforça em representar o trabalhador para um outro valor-de-uso (seu valor-de-troca), de onde resta a mais-valia (OLIVEIRA, C., 2004). A razão pela qual aquele que detém o saber-fazer deve o mais-de-gozar ao senhor permanece velada no lugar da verdade do discurso do mestre – o senhor renunciou ao gozo, é barrado, e trocou o gozo pela apropriação do mais-gozar do escravo.

O mais-de-gozar é uma função da renúncia ao gozo sob o efeito do discurso. É isso que dá lugar ao objeto a. Desde o momento em que o mercado define como mercadoria um objeto qualquer do trabalho humano, esse objeto carrega em si algo da mais-valia. Assim, o mais-de-gozar é aquilo que permite isolar a função do objeto a (LACAN, 1968-1969/2008, p. 19).

Do mesmo modo, o capitalista não goza do produto do trabalhador, goza do valor-de-troca a mais produzido na relação de exploração do trabalho, o qual ele coloca em circulação.

1.2. O Discurso Universitário: o mestre moderno do todo-saber

(21)

ser hegemônico na passagem do feudalismo para o capitalismo. “Alguma coisa mudou no discurso do mestre [...] a partir de certo dia, o mais-de-gozar se conta, se contabiliza, se totaliza. Aí começa o que se chama de acumulação de capital” (LACAN, 1969-1970/1992, p.188-189). Marx denunciara a produção de mais-valia como espoliação do mais-de-gozar do saber, porém

ele o faz sem se dar conta de que é no próprio saber que esta o seu segredo - como o da redução do próprio trabalhador a ser apenas valor. Passando um estágio acima, o mais-de-gozar não é mais-de-gozar, ele se inscreve simplesmente como valor a registrar ou deduzir da totalidade do que se acumula – o que se acumula de uma natureza essencialmente transformada. O trabalhador é apenas unidade de valor

(LACAN, 1969-1970/1992, p.84).

Quando se opera, a partir do discurso do mestre, um quarto de giro nos termos do matema seguindo o sentido anti-horário, o mestre (S1) passa a ocupar o lugar da verdade e o saber (S2) posiciona-se como agente do discurso.

S2 a S1 $

Figura 4 - Discurso Universitário

Neste momento de sua teoria, o que Lacan chama de discurso capitalista diz respeito ao discurso universitário2, cujo agente é o saber enquanto valor: “o saber, em ultima instância, é o que chamamos de valor. O valor às vezes se encarna no dinheiro, mas o saber também vale dinheiro, e cada vez mais. [...] Esse valor é o [...] da renuncia ao gozo” (p. 39). Para Lacan, o que possibilita historicamente a mais-valia é justamente a abstração do trabalho humano, sua absolutização em mercadoria, em unidades de valor. “A mais-valia, portanto, é fruto dos meios de articulação que constituem o discurso capitalista. É o que resulta da lógica capitalista” (LACAN, 1968-1969/2008, p.37). No capitalismo, o saber deixa de ser o trabalho – como na relação entre senhor e escravo/servo das Idades Antiga e Média – , o proletário é despojado de sua função de saber e relegado à posição de objeto (o objeto mais-de-gozar passa do lugar da produção para o de Outro). “A pretensa libertação do escravo [...] é progressiva às custas de um despojamento” (LACAN, 1969-1970/1992, p. 157). É quando o trabalho passa a ser contabilizado pelo mercado que a verdade sobre a mais-valia é

2 Como veremos mais adiante no presente capítulo, na sequência de sua obra Lacan (1972/1978) desenvolverá

(22)

escamoteada, ao mesmo tempo em que o saber deixa de ser o saber-fazer do escravo para tornar-se o todo-saber do mestre:

O saber, na medida em que pensamos o próprio mercado como saber, “o saber, ao extremo”, diz Lacan, “é o preço”. E é na medida em que há algo no trabalho que não tem preço ou a que não é dado nenhum preço, que o saber se mostra em sua falha, que ele encontra aí uma verdade. Uma verdade da qual o mercado, enquanto saber, nada quer saber (OLIVEIRA, C., 2004, p. 20).

Eis a condição primeira de existência da mais-valia no capitalismo: dar preço ao trabalho humano, incluí-lo na lógica do valor-de-troca da mercadoria e, do valor-de-uso que resta e que é impossível de contabilizar, não querer saber.

De acordo com Zizek (1996), se no período pré-capitalista as relações entre os homens se davam de modo fetichizado - mediante a naturalização da relação entre senhor e escravo -, no capitalismo de produção o fetichismo deslocou-se para a forma-mercadoria, ocultando as relações de dominação entre os donos dos meios de produção e os vendedores da força de trabalho em nome de uma pretensa igualdade – o que transformou as relações entre os homens em relações entre coisas. Uma das consequências do giro discursivo do discurso do mestre para o discurso universitário é que o significante-mestre passa para baixo da barra, enquanto o saber assume o papel de agente. A seta que vai de S1 a S2 no discurso do mestre representa a

(23)

produto (a) que resta da entrada dos sujeitos na linguagem e que escapa ao saber. Fantasia pois, conforme nos ensina Lacan, o gozo é o limite, é o que faz fronteira com esse saber.

Para Lacan (1969-1970/1992) o discurso universitário é o discurso de seu tempo – o mesmo da Guerra Fria – por se expressar tanto na burocracia soviética quanto no capitalismo. Em relação ao primeiro, o todo-saber do Estado pretende distribuir o gozo, ou a mais-valia, igualitariamente entre seus membros, como se fosse possível uma sociedade sem resto (ALVAREZ, 2008). Em relação ao segundo, o capitalismo em sua “copulação com a ciência” como diz Lacan, é o saber que se dirige aos sujeitos enquanto objetos, sejam eles de estudo ou de consumo. Esse saber abstrato que pode assumir um valor e ser comparado, computado e trocado no mercado surge em paralelo ao trabalho abstrato. Enquanto o último possibilita a extração de mais-valia, o primeiro permite a extração de mais-de-gozar (OLIVEIRA, C., 2008). O mercado é o campo em que os valores são totalizados pelo saber que prescreve os preços e que “como discurso, detém os meios de gozar” (OLIVEIRA, C., 2004, p. 18). Desse discurso o dejeto é a dimensão singular do sujeito do inconsciente ($), posicionado como objeto do saber, tornando-se tanto contabilizável quanto consumível.

É no contexto da emergência histórica no laço social de um discurso onde quem faz função de agente é um pretenso “todo-saber abstrato”, que a aliança entre ciência e capitalismo gera um de seus mais notáveis frutos: o marketing. Conforme será discutido no capítulo 2, o marketing surge quando o estágio de industrialização das sociedades capitalistas atinge um determinado ponto durante o século XX em que, para conservar o modo de produção vigente, será preciso escoar o excedente produtivo mediante o incitamento em massa do consumo. Apoiado na produção científica de áreas como sociologia, antropologia e principalmente psicologia, passa a ser construído um tipo de conhecimento específico cuja finalidade é compreender as dimensões subjetivas que permeiam o ato da compra e, desse modo, desenvolver técnicas de interpelação dos sujeitos que impulsionem o consumo de mercadorias. Em outras palavras, o marketing teve como objetivo forjar o que hoje conhecemos como “sociedade do consumo” (FONTENELLE, 2008). Conforme já argumentamos, o que se perde no discurso universitário é a singularidade do sujeito, que é convertido em objeto do saber. Segundo Valas (2001):

(24)

Entendemos que quando as práticas de marketing abordam os sujeitos como objetos de estudo operam a partir de uma ética concentracionária que foraclui a diferença. Para a psicanálise, cada sujeito é irredutivelmente singular no que diz respeito ao seu desejo, nos levando a compreender a ética da psicanálise como uma ética da diferença – o que se pode deduzir do matema do discurso do analista. Neste discurso, o analista enquanto agente faz semblante de objeto e se dirige ao sujeito do inconsciente ($). O que se perde como dejeto é o significante-mestre, que se revela como puro significante e assim é reduzido a um traço, um traço de desidentificação (QUINET, 2006). Já o discurso universitário, que no lugar da verdade conserva o significante de mestria, na medida em que se mostra cada vez um discurso de experts e tecnocratas, equipara-se aos campos de concentração onde

[...] junta-se, uniformiza-se, confunde-se, reduz-se as formas do humano ao disforme, aniquila-se as diferenças. No princípio do campo de concentração está a recusa absoluta da diferença. Os campos têm por princípio, a produção industrializada de um puro concentrado de indiferença (BOUSSEYROUX, 2013, p.8).

(25)

entre os “módulos” dos vetores pulsionais dirigidos aos objetos, possibilita o desenvolvimento sem precedentes das tecnologias sociais de administração dos desejos – leia-se marketing e publicidade.

1.3. O Discurso do Capitalista: produção da falta-a-gozar

No mesmo seminário 17, Lacan (1969-1970/1992) aponta ainda para outros contornos da aliança entre ciência e capitalismo quando refere-se “a essas coisas inteiramente forjadas pela ciência, simplesmente essas coisinhas, gadgets e coisa e tal” (p.157). Desenvolvida no seio do capitalismo, a “ciência objetivada” toma a forma de gadgets (em inglês “geringonça” ou “dispositivo”), como materialização dos objetos-causa-de-desejo: “O que fazem com tudo o que eu digo? Vocês gravam isso numa maquininha e, depois, fazem noitadas para as quais lançam convites – Tem uma fita do Lacan” (p. 157). Ainda neste seminário, Lacan se refere novamente a esses “pequenos objetos” usando o termo latusas:

E quanto aos pequenos objetos a que vão encontrar ao sair, no pavimento de todas as esquinas, atrás de todas as vitrines, na proliferação desses objetos feitos para causar o desejo de vocês, na medida em que agora é a ciência que o governa, pensem neles como latusas (LACAN, 1969-1970/1992, p.172).

Lacan aponta para a emergência de um tempo onde o saber científico, ao forjar objetos-causa-de-desejo, passa a governar o desejo. O neologismo “lathouse” em francês remonta aos vocábulos gregos “alethéia” – que remete a verdade – e “ousia” – que remete ao ser. Como vimos anteriormente, a objeto a causa-do-desejo foi perdido da entrada na linguagem, é irrecuperável em si, mas é ao mesmo tempo sobre a falta dele que se estrutura a fantasia do sujeito – o objeto a é o objeto que causa o desejo. Se a ciência no capitalismo cria gadgets e latusas é porque com esses objetos tem a pretensão de, de algum modo, ser a verdade desvelada do ser e preencher a falta estrutural dos sujeitos (CASTRO, 2012). Já dizia Lacan (1968-1969/2008) em seu seminário do ano anterior: “Que outra coisa é apreensível no termo feliz senão, precisamente, a função que se encarna no mais-de-gozar?” (p. 23)

(26)

psychanalyste” (1971-72) e “Milan, 12 de mai 1972” (1972/1978), Lacan irá conceber e formalizar a escrita do Discurso do Capitalista3:

$ S2 S1 a

Figura 5 - Discurso do Capitalista

A partir da torção na posição dos matemas do lado esquerdo do Discurso do Mestre, o Discurso do Capitalista apresenta um mestre (S1) que se dirige a um saber (S2) produtor de gozo (a). Entretanto, não é o mestre que se apropria do gozo – como no Discurso do Mestre – mas sim o sujeito ($) posicionado no lugar de agente do discurso. Porém, aquele que comanda de fato este discurso é o capital enquanto significante-mestre no lugar da verdade. Dirigindo-se ao outro do saber - a ciência e a tecnologia – o capital ordena a produção de objetos de gozo, “gadgets supostos satisfazerem” identificados ao mais-de-gozar, que são consumidos pelos sujeitos. O S1, ao fixar os sujeitos em posições alienantes de gozo, reforça o engano neurótico de tomar a demanda pelo desejo: a aposta do capitalista para fazer do sujeito um usuário do seu produto é que ele “não se dê conta de sua posição de sujeito senão como engano de eu, onde ele se engana de querer aquilo que o capitalista quer que se queira” (ALBERTI, 2000, p. 7).

A homologia entre mais-valia e mais-de-gozar diz da equivalência estrutural entre, de um lado, a perda de gozo do sujeito atravessado pelo significante que se converte em excesso de gozo a ser recuperado, e de outro, a extração e reapropriação pelo senhor do valor correspondente ao trabalho humano, uma vez que este é convertido em mercadoria. Tal “a mais” de gozo, é a mais-valia apropriada pelo dono dos meios de produção. Entretanto, para Lustosa (2009), seria um equívoco supor que o empresário goza o gozo do trabalhador por dois motivos: primeiro, porque ele não fará uso pessoal daquilo que foi produzido, mas sim do seu valor-de-troca, da venda do produto; e segundo, porque por mais que ele possa adquirir bens com o valor do qual se apropriou, a estrutura mesma do sistema capitalista requer que a mais-valia seja reinvestida no próprio sistema. Máquinas são compradas, empregados são contratados – e aqui pensamos ser possível acrescentar também os investimentos em marketing e publicidade - a fim de assegurar a produção de cada vez mais mais-valia. Para

3 Não cabe nos objetivos deste trabalho a discussão teórica sobre o Discurso do Capitalista ser um quinto

(27)

Lacan a mais-valia é a causa de desejo da qual a economia faz princípio, tanto o capitalista quanto o proletário tem na mais-valia a mesma causa de desejo: um para se apropriar, o outro para recuperar (SOLER, 2011). Desse modo, não é o capitalista quem regula o sistema e sim o movimento incessante do capital. “A mão invisível que regula o mercado (ainda que se tente personificar o capital na figura do empresário capitalista) não tem regulação nenhuma possível, pois não há lei, só imperativo” (QUINET, 2006, p. 39). Assim, o Discurso do Capitalista não é o discurso do explorador nem do explorado, é o discurso do sujeito consumidor, que tem acesso imediato “à verdade da potência mercadológica do capital financeiro”, o significante-mestre deste discurso (BOUSSEYROUX, 2013, p. 4). O que está em jogo é o imperativo que coloca a mais-valia para circular:

Não se trata aqui de um processo cuja finalidade é precisa e bem definida e que teria portanto uma conclusão. Trata-se antes de uma finalidade infinita, de um processo sem ponto de basta possível, onde não há limitações. Um processo que se inicia a partir de um imperativo de renúncia ao gozo, para em seguida reinvestir no sistema esse gozo sacrificado, a fim de conseguir ao final... ainda mais renúncia! Desse modo, o gozo vai paulatinamente se acumulando, produzindo efeitos, mas sem que ninguém possa dele se apossar na íntegra. Esse a mais de gozo faz o sistema girar, aquece a máquina da produção, mas sem que nenhum homem possa dele se dizer o possuidor. [...] É um a mais de gozo que vai se somando e promovendo efeitos sobre os sujeitos, que no entanto padecem de um gozo a menos (LUSTOSA, 2009, p. 46).

(28)

de consumo, quanto na dinâmica própria ao ato de consumo onde o gozo “só se realiza de modo efêmero pelo ato de aquisição do objeto para logo dele se descolar, como uma obsolescência programada, e empurrar a outro ato" (RAMOS, 2010, p. 176). Há um hiato entre o gozo outrora prometido pela publicidade e aquilo que o sujeito de fato experimenta. O objeto proporciona “um gozo pontual, que embora necessário para levar o processo para a frente é por isso mesmo feito para ser breve” (LUSTOSA, 2009, p. 50). O capitalismo depende da renovação da demanda de consumo para escoar o excesso produtivo e manter a mais-valia em circulação. Em sua meta infinita de acumulação de capital, é fundamental para a conservação do funcionamento do sistema a produção de objetos descartáveis cujo tempo de satisfação proporcionado seja curto, para assim abrir espaço novamente à falta-a-gozar. “A latusa não tem razão alguma para se limitar em sua multiplicação”, afirma Lacan (1969-1970/1992, p. 172). O sujeito do Discurso do Capitalista é, portanto, um consumidor insaciável, fixado em posições alienantes de gozo pela acelerada multiplicação dos objetos tecnocientíficos de consumo.

Em relação aos outros discursos, o Discurso do Capitalista faz cair a barreira que antes separava o sujeito do gozo ($<>a), barreira que tinha como função “designar que entre o gozo que um discurso torna possível e a verdade daquilo que é esperado como gozo, existe sempre um hiato” (SOLER, 2011, p. 61). O objeto a não é propriamente um objeto, mas a falta que suporta a fantasia e impulsiona o desejo do sujeito. O apagamento de qualquer vestígio de impossibilidade de acesso do sujeito ao gozo mediante a conjugação do objeto a como artefato técnico e mercantil leva ao rechaço da castração, uma vez que todo gozo estaria inteiramente disponível pela via do consumo destes objetos – ao menos para aqueles que podem pagar por eles.

[...] instaura-se um circuito ininterrupto em que se eludem as limitações, tudo se torna possível. Com o reposicionamento das flechas, a circulação entre os quatro lugares no algoritmo torna-se contínua ($ → S1 → S2 → a → $...). Não há uma posição inicial nítida, como o agente nos outros discursos. [...] Nenhuma posição está isolada, cada termo alimenta outro e é alimentado por outro: não há mais a disjunção de impotência entre a produção e a verdade (CASTRO, 2012, p. 3).

Por escrever somente o laço de cada sujeito com certo objeto mais-valia o discurso do capitalista escreve o laço entre parte alguma (SOLER, 2011). Castro (2012) afirma que a partir de um mecanismo homólogo ao do fetiche na perversão4, no capitalismo é proposto ao

4 Não se trata aqui da estrutura clínica perversa, mas sim de possíveis características caras à perversão no laço

(29)

sujeito neurótico que tampone a falta com este ou aquele objeto, aproximando a noção psicanalítica de fetiche do fetiche da mercadoria de Marx. Enquanto no marxismo o fetiche oculta o que é das relações de produção (a extração de mais-valia da qual se apropria o capitalista), na psicanálise o fetiche oculta a falta (“castração”) em torno da qual se articula a rede simbólica do sujeito atravessado pela linguagem (ZIZEK, 1996). Mas entendemos ser importante ressaltar que o rechaço da castração revela-se não só pela negação da impossibilidade de preencher a falta por meio de um objeto fetichizado, como também pela própria promoção do discurso capitalista no tecido social: o capitalista sabe da impossibilidade de um discurso sem laço, mas propõe mesmo assim um discurso que não promove laço. O capitalista “sabe que não é possível gozar tudo, porém, rompe os limites ao gozo, levando o sujeito à crença de que é possível gozar, e mais-ainda, e sempre” (COUTINHO JORGE; BASTOS, 2009, p. 30).

(30)

mercadoria-fetiche – onde a propaganda5 está situada como uma rede cultural de distribuição de montagens perversas de gozo. Os objetos-mercadoria fazem então a função de instrumentos do saber do capitalista, saber este sobre o gozo do funcionamento coletivo que não é outro senão o da própria economia. Quanto mais se afirme e se assegure de que estão todos juntos no mesmo laço, na mesma fantasia, conectados a um único Outro sem furos (como quer a retórica publicitária), melhor a montagem funciona e mais o próprio neurótico se configura ele próprio como instrumento deste saber (CARDOZA, 2009).

Numa tal montagem, os sujeitos reconhecem-se apenas como meros instrumentos, engrenagens do “maquinário produtor de gozo do capitalista” (COUTINHO JORGE; BASTOS, 2009, p. 30), o que converte cada um em um “explorador em potencial de seu semelhante para dele obter um lucro de um sobretrabalho não contabilizado” (QUINET, 2006, p. 39), lucro que se transforma em mais e mais consumo. Tal análise dos modos de relação entre os sujeitos no capitalismo converge com a de Soler (2011), para quem o “individualismo louco de nosso tempo” (p. 63), onde os sujeitos não têm diante de si como projeto senão “o sucesso pessoal, a promoção pessoal ou a derrota” (p. 63), é resultado do laço social desfeito pelo discurso do capitalista. A autora cunha o termo “narcinismo”, neologismo formado pelos termos narcisismo e cinismo, para caracterizar sujeitos que parecem só ter por causa a si mesmos e que se devotam apenas ao próprio gozo. A esse respeito, também disserta Braunstein (2010):

O sujeito, na cegueira de suas demandas, sem sabê-lo, inconsciente, acreditando na força do “eu”, faz atuar a ordem do mestre. O agente do discurso capitalista ($ ┐) “faz semblante” de ser o mestre, acredita não estar sujeitado a nada. [...] é o sujeito que a fenomenologia sociológica de nosso tempo, influenciada pela psicanálise, chama “narcisista”. O narcisismo seria a apresentação clínica induzida pela dominância do discurso do capitalista. (BRAUNSTEIN, 2010, p. 152)

Reduzidos ao status de indivíduos, os sujeitos são incitados pela via do consumo a se realizarem enquanto tal, cada um com seus objetivos pessoais, como em um “autismo induzido”, um “empuxo-ao-onanismo” que faz a economia do desejo do Outro (QUINET, 2006). Assim, produz-se uma massa de indivíduos (SOLER, 2011) cujas relações tendem a se manifestar de modo instrumental, “estimulando a ilusão de completude não mais com a

5 Ramos (2010) utiliza o termo “propaganda” referindo-se especificamente aos comerciais veiculados pelos

(31)

constituição de um par, mas sim com um parceiro conectável e desconectável ao alcance da mão” (QUINET, 2006, p. 37).

1.3. O Discurso da Histérica no capitalismo e no ciberespaço

(32)

sujeito histérico propõe-se à tarefa impossível de fazer o mestre desejar saber, saber sobre o mal-estar, sobre o objeto perdido inacessível e irrecuperável.

$ S1 a S2

Figura 6 - Discurso da Histérica

Sendo um tipo de laço social (o Discurso da Histérica não se confunde com a histeria enquanto categoria clínica) esse discurso pode ser percebido toda vez em que um agente aponta para a impossibilidade de qualquer sistema que se diz fechado, denunciando o que fica de fora na tentativa do mestre de tudo governar (CARDOZA, 2009). Lacan (1969-1970/1992) afirma que a histérica “quer um mestre sobre o qual ela reine. Ela reina, e ele não governa” (p. 136). Nesse sentido, o sujeito paradoxalmente questiona a autoridade do mestre ao mesmo tempo em que precisa demandar dele um saber para sustentar seu desejo. Aos estudantes aspirantes a revolucionários que o interpelavam em 1969 durante uma sessão em Vincennes, Lacan disse que o que eles almejavam com sua revolta era um novo mestre. Por outro lado, o Discurso da Histérica é aquele que pretende desestabilizar a ordem, colocando em voga a dimensão do ingovernável, daquilo que escapa tanto à linguagem no nível do sujeito (lembremos que o Discurso do Mestre é o discurso do inconsciente), quanto às instâncias de controle no nível da sociedade

(33)

resposta real à entrada na linguagem. Acometido de um estado de permanente insatisfação ao mesmo tempo em que lhe é prometido o gozo pleno pela via do consumo, o sujeito pode assumir uma posição histérica: demandar das empresas (que produzem as mercadorias) que dêem conta do seu furo mediante um saber que elas seriam capazes de produzir (AGUIAR; LAPORTA, 2013). E por que o sujeito consumidor julga que as empresas seriam capazes de produzir esse saber? Ora, porque é disso que o convencem seus porta-vozes na sociedade, a publicidade e o marketing. Mediante uma análise dos slogans dos comerciais de TV, Ramos (2008a) encontrou o que chamou de um “discurso de regulação social do gozo que pressupõe um saber gozar” (p. 46). Observando algumas das frases analisadas como “A sua melhor diversão”, “O sol na sua medida” e “Mexa-se e pegue a sua”, concordamos com o autor que essa interpelação do sujeito realizada pelas propagandas comerciais visa “implantar no outro uma convicção sobre o saber de seu gozo para levá-lo à ação imediata e irrefletida, isto é, ao consumismo” (RAMOS, 2010, p. 133). Apesar de o autor não trabalhar o Discurso da Histérica neste contexto, pensamos ser plausível concluir o seguinte: se os produtores das mercadorias-gadgets apresentam-se como capazes de fornecer ao consumidor aquilo tudo o que ele sempre quis, então nada mais lógico do que esse consumidor, em estado de permanente falta-a-gozar, deles continuar a exigir a produção de tal saber sobre seu gozo.

Segundo Castro (2009b), no atual contexto do consumo de massas, a demanda histérica também pode aparecer no âmbito do laço social dirigindo-se aos significantes-mestre (S1) com os quais os sujeitos se identificam no capitalismo – entre eles os modelos identitários expostos nas publicidades comerciais cultivados a partir do estabelecimento dos nichos de consumo e as figuras idealizadas da indústria cultural (como cantores, atores e celebridades em geral) cujas imagens são objeto de incessante veiculação midiática. O mesmo autor (2009c) indica que se mostram presentes, também no ciberespaço, as personagens midiáticas já famosas na televisão ou no rádio. De fato, redes sociais como Facebook e, principalmente Twitter (PRIMO, 2010), abrigam perfis de celebridades midiáticas que, com a ajuda dessas ferramentas, amplificam a divulgação da sua imagem e estabelecem contato direto com seu público. Observamos o Discurso da Histérica quando, por exemplo, um adolescente que se identifica com um astro da música pop ou um jogador de futebol, indaga diretamente seu ídolo em alguma dessas redes sociais.

(34)

se pode encontrar na Internet é aquele para quem o sujeito histérico se dirige em busca de modelos identitários que o definam:

O Outro é antes de mais nada uma bateria de significantes, portanto construir uma identidade implica multiplicar exaustivamente os significantes, num esforço para captar neles aquilo que se é, aquilo de que se gosta, aquilo que se faz. Exemplos de exposição de si são as páginas pessoais, os blogs, os microblogs, as redes sociais. Compensar a imaterialidade do meio por intermédio de um turbilhão de palavras mimetiza o comportamento da histérica, que se desvia da sexualidade através de sua proverbial loquacidade (CASTRO, 2009c, p. 9).

Trabalharemos mais largamente com o Discurso da Histérica no capítulo 4. Contudo, o sujeito que deposita significantes na Internet parece estar hoje sendo convidado por um agente sem rosto a fazê-lo, que se apropria dos seus significantes para interesses que vão além da exibição de si ou da composição identitária. É o que discutiremos no subcapítulo seguinte.

1.5. O discurso dos mercados: os gadgets no comando

Na sequência deste trabalho, iniciaremos a discussão a respeito do marketing viral a partir do que a psicanálise conceitua como laço social – os discursos – em sua relação com as características próprias ao tempo histórico no qual vivemos. Partimos, neste primeiro capítulo, do Discurso do Mestre em sua homologia com a relação entre o capitalista e o trabalhador na produção de mais-valia; seguimos para o Discurso Universitário do mestre moderno ou do mestre pervertido, dissertamos sobre a “corruptela” do Discurso do Mestre no Discurso do Capitalista e, por último, comentamos as afinidades entre o consumo e o Discurso da Histérica. No encerramento deste capítulo, achamos pertinente tecer ainda alguns comentários a respeito da possível presença no laço social contemporâneo do Discurso do Analista, porém de modo bastante distinto, ou mesmo oposto àquilo que se opera na prática clínica da psicanálise.

(35)

(FREUD apud LACAN, 1955/1998, p. 404). Ou seja, Lacan está sem dúvida falando do discurso do analista, mas de uma versão totalmente consagrada ao discurso do capitalista, onde no lugar de agente opera o semblante de objeto, o mais-de-gozar, o a (LACAN, 1972/1978). Lacan não retoma mais a questão ao longo de sua obra, mas Braunstein (2010) a desenvolve de maneira muito interessante aos nossos propósitos neste trabalho, uma vez que o autor entende que o discurso dos mercados parece “dominante nas formações sociais da primeira década de um novo século e também, muito previsivelmente, nas que virão” (p. 163), apontando o início do século XXI como o período em que esse tipo de laço estaria operando de forma mais intensa.

a $ S2 S1

Figura 7 - Discurso do Analista

(36)

para o autor, o discurso capitalista por excelência6), e agora destes para o discurso dos mercados. Ou seja, para Braunstein (2010), se houve na passagem do feudalismo para o capitalismo a substituição do mestre (senhor feudal) pelo saber (capitalista) enquanto agentes dos discursos dominantes, agora assistimos à troca do saber pelo objeto a – a misteriosa entidade mercadológica portentora de uma “ordem enunciada em surdina, que pode ser sanguinária, a do supereu: ‘Goza!’” (p. 155). Na atualidade, é a mercadoria quem impõe condições.

O autor segue sua argumentação sobre o discurso dos mercados destacando os matemas e suas respectivas funções. No lugar da verdade está o saber (S2), o saber da ciência que inventa os gadgets e que se encarrega de multiplicá-los. Trata-se do

[...] aparato de produção de conhecimentos que é a base do edifício da sociedade pós-industrial. É a ciência, esse saber autônomo, que se especializa sem cessar, com sua expansão tão ilimitada como avassaladora [...] . A ciência como uma “empresa” que marcha de modo imprevisível, que se dá seus próprios fins, que obedece a suas próprias leis, “espontaneamente”, e é ignorante de suas determinações sociais e políticas. Uma “ideologia da foraclusão do sujeito” cuja máxima expressão se encontrará na doxa econômica que postula que os mercados funcionam sozinhos, regidos por suas próprias leis, independentemente da vontade de seus atores e daqueles que são afetados pelos movimentos do capital. A ciência econômica, propomos, é o paradigma de uma atividade humana produtora de saber que faz ver a história como efeito de processos ingovernáveis e, por isso mesmo, fatais (BRAUNSTEIN, 2010, p. 157).

O outro para quem esse discurso se dirige é o sujeito ($), marcado pela divisão e por uma falta-a-gozar como no Discurso do Capitalista. Sujeito que crê na sua autonomia enquanto consumidor assim como na pretensa liberdade de escolha que a multiplicidade de marcas e gadgets aparenta proporcionar.

O sujeito barrado comandado pelos objetos de consumo do mercado produz nesse discurso significantes-mestre (S1), evoca no lugar da produção os Nomes-do-Pai com os quais se identifica. Para o autor, estes são os Nomes-do-Pai que, ao sujeito, “puderam dar continuidade à sua existência, em meio à desorientação geral, à pululação de ofertas significantes e à falta de garantias de todas elas” (p. 157). Entendemos que essas características da sociedade atual citadas pelo autor convergem com a análise de Fontenelle (2006) sobre os desdobramentos do processo de “fetichização da cultura” mediante o desenvolvimento da indústria cultural – processo estudado a fundo por Horkheimer e Adorno (1944/1985) desde a década de 307 – onde a quase totalidade das dimensões da cultura passam

(37)

a estar condicionadas pelo capital. Segundo a autora, a fetichização tinha como objetivo dar forma ao mundo moderno após o fim da época feudal, com novas instituições, valores e crenças – o que compreendemos como a produção de novos significantes-mestres que substituíssem as figuras de autoridade religiosas e dos sistemas monárquicos, uma vez que o S1 é o significante que intervém em uma cadeia de significantes e a ordena (LACAN, 1969-1970/1992). Entretanto segundo Fontenelle (2006), desde o final do século XX, assistimos a uma implosão dessas formas produzidas, “um novo estágio do capitalismo marcado por aceleração e descartabilidade permanentes” (p. 42) onde as referências de outrora se enfraqueceram e as identidades tornaram-se voláteis. A autora sustenta que a publicidade e o marketing se valem justamente desse contexto – que eles próprios ajudaram a produzir - para ocupar com as marcas o lugar das antigas formas e ordenações. O espetáculo das marcas entrelaçado aos ícones e celebridades da indústria cultural, compõe a nova sociedade onde estar na imagem coincide com a própria existência, o que produz “um sujeito marcado o tempo inteiro pela necessidade da performance”, para o qual interessam “as máscaras, os disfarces, a capacidade de exercer diferentes papéis, o tempo inteiro, para poder ser captado pelo outro enquanto uma imagem de si mesmo” (p. 42). Argumentaremos adiante no capítulo 3 que as redes sociais da Internet são ferramentas sem precedentes em favor do exercício técnico de manipulação da auto-imagem endereçada ao Outro pelos sujeitos. E não seria essa condição do sujeito na contemporaneidade a mesma que leva Braunstein (2010) a apontá-lo como aquele que “atomizado e isolado pelos dispositivos que o excluem do laço social [...] aferra-se a identificações que satisfaçam sua necessidade de cumprir com algo ou com alguém” (p. 158)?

A Internet opera frequentemente como agente ou semblante que se dirige ao sujeito e lhe propõe as opções de significantes uns (S1) que o representarão mediante a criação de comunidades virtuais em que não é necessário pôr o corpo e nas quais a imagem pode ser ajustada à vontade. Ele e ela se perguntam “Quem sou?”. E a resposta é “Tu podes escolher quem és, se optas por um dos significantes de identificação que te são oferecidos Uma vez que escolhas teu S1, saberás quem és” (BRAUNSTEIN, 2010, p. 158, grifos do autor).

(38)

como “personalização” da busca que apresenta resultados relacionados com as informações pessoais anteriormente registradas) ou através da exposição à publicidade também “personalizada”, baseada nestes mesmos dados (PARISER, 2011). É curioso notar que há em Lacan, ainda no Seminário 17 (pouco mais de dois anos antes da conferência de Milão), a alusão – certamente irônica – à criação de uma máquina eletrônica que registrasse os ditos dos analisandos e produzisse a partir deste registro a própria resposta do analista:

O analista que escuta pode registrar muitas coisas. Com o que um contemporâneo médio é capaz de enunciar, se não esta acautelado, pode-se fazer o equivalente a uma pequena enciclopédia. Isto daria uma enormidade de claves, se estivesse registrado. Poder-se-ia mesmo, depois de construir isso, mandar fazer uma pequena máquina eletrônica. Esta, aliás, é a ideia que alguns podem ter - constroem a máquina eletrônica graças à qual o analista só tem que retirar o ticket para dar-Ihes a resposta (LACAN, 1969-1970/1992, p. 35).

Contudo, – e aqui podemos começar a distinguir o Discurso do Analista do discurso dos mercados – ao contrário do saber insabido do psicanalista que não atua com o saber senão com a ignorância, o gadget não sabe que não sabe pois o saber (S2) que o comanda é o da ciência da programação digital, que já estipula respostas prévias e é incapaz de reconhecer atos falhos ou chistes, apenas contrassenhas. Em oposição ao manejo do psicanalista que não dá respostas nem atende à demanda do sujeito (apenas aponta para os significantes do desejo em sua singularidade radical), o objeto tecnológico se anuncia como um aparato de realização da fantasia que limita o sujeito à sua identidade de consumidor, de target, a quem resta sempre reproduzir significantes massificados mesmo que sob a máscara da diferença ou da liberdade de escolha: “tenho...”, “pareço-me a...”, “estou no rol dos...”, “sou um discípulo de...”, “um crente em...”, um membro de...”, um consumidor de...”, etc. Para Braunstein (2010), assim como ocorre no Discurso do Analista, o discurso dos mercados histericiza o outro, introduzindo o Discurso da Histérica onde o sujeito é o agente. A diferença está no fato de que o sujeito do consumo supõe um grande Outro no objeto tecnológico ao qual se dirige, um mestre capaz de produzir saber sobre suas demandas e satisfazê-las. Já no caso do psicanalista, o sujeito demanda a um suposto mestre o saber sobre seu sofrimento – lugar que o analista recusa, confrontando o analisando com seus próprios significantes, trazendo à tona o saber do inconsciente.

(39)

novo saber que resultará da experiência analítica e que fará do sujeito alguém distinto do que era antes (BRAUNSTEIN, 2010, p. 162).

(40)

CAPÍTULO 2: Tecnologias do desejo: as transformações dos meios de comunicação e as estratégias de incitação ao consumo

2.1. Propaganda e Publicidade

Conforme afirma Simões (2006), não existe consenso nos países de língua latina em relação aos sentidos e às diferenças entre publicidade e propaganda, frequentemente confundidos e usados para designar a mesma coisa. Segundo o Dicionário de Comunicação de Rabaça e Barbosa (2001), o termo propaganda tem origem

do latim propagare, que quer dizer “multiplicar”, por reprodução ou por geração, “estender”, “propagar”. Foi introduzido nas línguas modernas pela Igreja Católica. O conceito esteve essencialmente ligado a um sentido eclesiástico até o século XIX, quando adquiriu também um sentido político (RABAÇA; BARBOSA, 2001, p.598).

Já o termo publicidade

tem origem no francês publicitè, que por sua vez se origina do latim publicus, que quer dizer público [...] . Designando a princípio o ato de tornar público (em sentido jurídico), adquiriu no século XIX também um sentido comercial: qualquer forma de divulgação de produtos ou serviços através de anúncios geralmente pagos e veiculados sob a responsabilidade de um anunciante, com objetivo de interesse comercial (RABAÇA; BARBOSA, 2001, p.598).

Os temos em inglês propaganda, publicity e advertising possuem sentidos distintos. O

dicionário da American Marketing Association (2013) define propaganda como “as ideias, informações, ou outro material comumente disseminado pela mídia em um esforço de convencer as pessoas sobre uma dada doutrina ou ponto de vista” 8, o que remete o termo tanto ao uso político quanto às estratégias de persuasão características deste tipo de prática. Já a publicidade é definida como a “comunicação não-remunerada de informação sobre a empresa ou produto, geralmente em alguma forma de mídia”. Segundo Ries e Ries (apud FONTENELLE, 2008), faz-se publicidade quando os meios de comunicação veiculam informações positivas sobre determinadas marcas. “Trata-se de se criar acontecimentos que

8 Esta e as demais citações do referido dicionário em língua inglesa foram livremente traduzidas para esta

(41)

façam com que um determinado produto ou marca apareçam em meio aos dados de ‘realidade’” (p. 156). Já o advertising, segundo a AMA, refere-se à

veiculação de anúncios e mensagens persuasivas no tempo ou espaço comprados em qualquer mídia de massa por empresas, organizações sem fins lucrativos, agências do governo e indivíduos que procuram informar e/ou persuadir membros de um particular nicho de mercado ou audiência acerca de seus produtos, serviços, organizações ou ideias (AMERICAN MARKETING ASSOCIATION, 2013).

Simões (2006) argumenta que a “desordem” em relação ao significado dos termos no Brasil e nos países de língua latina em geral se deve à dificuldade em se achar esse terceiro termo que se refira à “publicidade comercial”9, tarefa que os países anglo-saxões – de onde se origina “a atividade comunicacional orientada para a eficiência do marketing de produtos distribuídos em grande escala” (p.198) – realizaram rapidamente. O autor conclui que

propaganda é a propaganda (política), publicity é a publicidade, que significa “tornar algo público”, e advertising é a publicidade comercial, atividade de mercado levada a cabo pela chamada iniciativa “privada”, mas que tem em seus estatutos a compra e a venda, relações impessoais que necessitam de mediação do Estado por serem levadas a efeito em público (SIMÕES, 2006, p. 198).

E complementa:

Desta forma, tanto “tornar público ações de esfera pública” como “anunciar transações comerciais” são forças comprometidas com o público e, portanto, são características da publicidade. Ambas são criações burguesas comprometidas com o racionalismo e com a modernidade; diferentes da propaganda, que fez parte do complexo de práticas dos regimes totalitários da primeira metade do século XX, exatamente contra os quais os regimes liberais de então guerrearam (SIMÕES, 2006, p. 198).

Fontenelle (2008) argumenta que o fato dos termos publicidade e propaganda serem tão frequentemente confundidos é vestígio do processo histórico cujo desenvolvimento e participação dessas práticas foi determinante, a saber, o forjamento do que conhecemos hoje como “sociedade do consumo”.

É exatamente esta confusão de termos que clarifica o ponto em questão aqui: o que se pretende mostrar é que a propaganda de Estado (ou política) pode ser – e foi – feita com a chancela do mercado e que isso teria começado a partir da formação da cultura de consumo, quando houve um esforço conjunto (do governo e de empresas) em implantar um novo modo de vida e de mentalidade, baseados no consumismo (FONTENELLE, 2008, p.156).

9 No presente trabalho, utilizaremos ambos os termos, advertising e publicidade comercial para referir-se ao

Referências

Documentos relacionados

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve como propósito apresentar o interesse de graduados do curso de Arquivologia, em relação à publicação de seus TCC’s após o término do

Desenvolver gelado comestível a partir da polpa de jaca liofilizada; avaliar a qualidade microbiológica dos produtos desenvolvidos; Caracterizar do ponto de

If teachers are provided with professional development opportunities that helps them develop a learning environment that is relevant to and reflective of students'

Sabe-se que as praticas de ações de marketing social tem inúmeras funções, dentre estas o papel de atuar na mudança de valores, crenças e atitudes, porém os alunos da

Esse tipo de aprendizagem funciona não no regime da recognição (DELEUZE, 1988), que se volta a um saber memorizado para significar o que acontece, mas atra- vés da invenção de

Os dados foram discutidos conforme análise estatística sobre o efeito isolado do produto Tiametoxam e a interação ambiente/armazenamento no qual se obtiveram as seguintes

D eve-se ta5 bem notar que em huma parte mui extença da Costa d’A frica, que está dividida em hum grande numero de Estados, todo o factor branco, ou N egro

Negativa a PRAÇA, não havendo a remição nem requerendo o credor a adjudicação dos bens penhorados, fica desde já designado LEILÃO NA MODALIDADE PRESENCIAL