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Marketing: desvendando a psicologia do consumidor ou forjando a sociedade de

CAPÍTULO 2: Tecnologias do desejo: as transformações dos meios de comunicação e as

2.2. Marketing: desvendando a psicologia do consumidor ou forjando a sociedade de

Segundo Silva (2008), o uso da publicidade remonta a períodos longínquos da história. Há registros de inscrições em muros gregos e romanos, com mensagens de cunho eleitoral ou anunciando a venda de escravos. O uso de anúncios orais também atravessou a Antiguidade e a Idade Média como forma de propagar discursos de cunho político – como no caso dos arautos que tornavam públicos os atos dos governos – ou mesmo para anunciar mercadorias e espetáculos públicos. Até o final da Idade Média, o uso da oralidade ou as inscrições em muros ou materiais como papiro eram os únicos suportes da comunicação de tipo publicitária.

A primeira grande inovação tecnológica a alterar os rumos da publicidade foi a invenção da imprensa por Gutemberg no século XV e sua consequente difusão pela Europa no século seguinte. A partir daí, a publicização de uma mensagem deixa de estar condicionada à presença de produtor e consumidor ao mesmo tempo e no mesmo espaço compartilhado. Ainda no século XV começam a circular os jornais impressos na Inglaterra e, logo em seguida, anúncios começam a ser veiculados nesse suporte. Na França do século XVIII tem início o fortalecimento da síntese entre imprensa e publicidade, quando a publicidade passa a ter na imprensa sua principal fonte de visibilidade e a imprensa passa a ter na publicidade sua mais importante fonte de renda (SILVA, 2008).

Com o desenvolvimento do capitalismo culminando na Revolução Industrial, a antiga produção artesanal é gradativamente substituída pelos processos fabris. A multiplicação da capacidade de produção reserva um lugar importante à publicidade, que assume a tarefa de estimular o consumo em massa das mercadorias produzidas em larga escala. A partir de meados do século XX, áreas como publicidade, marketing, design e administração foram constituindo-se como campos autônomos e de extrema importância para a economia. Esse desenvolvimento deve-se em grande parte ao fato de que, a partir de um certo grau de industrialização alcançado até a metade do século passado, foi preciso dirigir os investimentos

para a expansão do setor terciário (serviços) para que o capital pudesse girar . Em outras palavras, o esgotamento do modelo que enfatizava a produção e a ética do trabalho nas sociedades capitalistas gerou a demanda por estratégias que alavancassem o consumo do excedente produtivo. A demanda dos donos do capital passou a se concentrar então na produção de saberes cujo desafio era a construção de um ambiente social que gerisse, além da ética do trabalho, a incitação ao consumo. (SAFATLE, 2005)

Na década de 20, Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud, começava a transformar a relação entre mercado e espaço público nos Estados Unidos, com o claro objetivo de “produzir consumidores” (FONTENELLE, 2008). Até essa época, os anúncios publicitários atinham-se à função de descrever as vantagens de cada produto, como durabilidade ou funcionalidade, e a persuadir argumentativamente seus potenciais compradores a adquirí-los. Valendo-se da teoria psicanalítica e das considerações de Freud sobre as relações entre a vida pusional, suas origens no processo civilizatório e seus efeitos nos fenômenos de massa, Bernays foi um dos principais mentores da construção de um discurso social que transformaria a relação das pessoas com os produtos do capitalismo: transportando-a do âmbito das necessidades para o dos desejos. Quando perguntado por representantes da indústria de tabaco como poderiam fazer para que as mulheres também se tornassem consumidoras de cigarros, Bernays propôs a seguinte estratégia: o cigarro, por seu formato, era um símbolo fálico por excelência, e bastaria que fosse associado de algum modo à emancipação feminina para que as mulheres adquirissem o comportamento de fumar. Assim, na ocasião de um grande desfile nacional em Nova Iorque, Bernays avisou à imprensa local a respeito de um grande acontecimento que se daria durante a parada. Assim, o que estampava os jornais na manhã seguinte era o registro fotográfico de diversas mulheres bonitas e elegantes acendendo seus “cigarros da liberdade”. Desse modo, Bernays ajudou a moldar um modelo de publicidade que, ao invés de abordar o consumidor pela via das características da mercadoria para persuadi-lo a comprar, passa a fazê-lo pela via da incitação dos desejos – no exemplo acima, o desejo feminino de possuir um falo – os quais a mercadoria promete satisfazer.

Tal cultura, segundo Gorz (2005, p. 48), deveria “produzir desejos e vontades de imagens de si e dos estilos de vida que, adotados e interiorizados pelos indivíduos, transformam-nos nessa nova espécie de consumidores que não necessitam daquilo que desejam, e não desejam aquilo de que necessitam” (FONTENELLE, 2008, p. 8).

Apoiada nas ciências antropológicas, sociológicas e principalmente psicológicas em sua aliança com as tendências estatísticas das pesquisas de mercado, a publicidade passou a segunda metade do século XX a se aperfeiçoar na direção de um saber técnico-científico especializado em interpelar os sujeitos em seus mais íntimos impulsos. Um grande exemplo segundo Fontenelle (2008) foi Ernest Dichter, psicólogo austríaco exilado em solo norte- americano nos anos 30, pioneiro na aplicação de conceitos psicanalíticos no estudo do comportamento do consumidor, fornecendo a análise do modo como valores e crenças dos indivíduos eram projetados nos objetos. Além da psicanálise, estudos em psicologia comportamental também ajudaram a construir teorias sobre associações mentais que induzem a ações de compra a partir do planejamento cuidadoso da manipulação dos estímulos nos anúncios e estratégias publicitárias.

[...] o marketing orientado para o consumo voltou sua atenção para a compreensão da psique de seus potenciais alvos, focando nos processos mentais que governam o ato de olhar vitrines, comprar e usar um determinado produto. Daí porque um contemporâneo estudioso do marketing – Ries (2006) – afirma que “praticamente todo princípio de psicologia tem uma aplicação em marketing [...] o estudo do marketing começa com o estudo da psicologia” (FONTENELLE, 2008, p. 148).

No que tange aos anúncios publicitários, a aliança entre ciência e capitalismo permitiu um giro no modo com que se concebia a relação entre produção e consumo. Quando as práticas comerciais passam a se organizar não mais em função da produção predominantemente, mas da psicologia do “mercado consumidor” a partir da elaboração de técnicas e estratégias de interpelação dos potenciais compradores baseadas em estudos científicos, tem origem o que viríamos a conhecer como marketing. (FONTENELLE, 2008)

Desde meados do século XX a excitação dos desejos mediante composições audiovisuais que se encadeiam a ícones e significantes culturalmente compartilhados - e que em sua retórica comunicacional pretendem endereçar-se aos indivíduos de modo particular – dá a tônica nos anúncios publicitários de jornais, revistas, outdoors, ou na programação de rádio e de televisão. Tanto as paisagens públicas quanto os ambientes privados foram sendo aos poucos inundados por estímulos perceptivo-sensoriais cuja função é capturar a atenção dos sujeitos para uma pseudonarrativa de seus desejos, oferecendo ao final a via para a realização dos mesmos, a saber, a aquisição da mercadoria anunciada. Contudo, como aponta Silva (2008) a prática do advertising (que se tornou hegemônica nos países capitalistas e alcançou seu auge nas últimas décadas do século XX) contém em si mesma seu limite: a

exposição exaustiva dos sujeitos à publicidade cotidiana, evolvendo os mais variados contextos de interpelação – desde os outdoors nas ruas, passando pelos anúncios televisivos (entre e intraprogramas), até a publicidade em banheiros e assentos de avião – é expressão de uma concepção estratégica que preza o excesso de estímulos como caminho para a fixação de uma marca e/ou produto na “mente” do consumidor. Com o passar do tempo, essa concepção de marketing nomeada pelo autor norte-americano Seth Godin (apud SILVA, 2008) de marketing de interrupção – para designar a abordagem publicitária que se vale da interrupção da atividade do cliente para expô-lo a estímulos que o induzem à compra -, começa a ter sua eficácia e pertinência questionadas por teóricos e profissionais do setor. Diversos fatores são ressaltados por Silva (2008) para justificar a demanda de empresas e agências de publicidade por maneiras alternativas de pensar o marketing. O autor cita, por exemplo, pesquisas que apontam para o crescente número de pessoas que trocam de canal ou abaixam o volume da televisão na hora dos intervalos comerciais, ou para o fato de que a saturação da exposição a mensagens publicitárias não garante que a mensagem consiga os “impactos desejados”, uma vez que muitas pessoas não prestariam atenção à maioria dos anúncios a que são expostas. Além disso, a insistência no marketing dirigido às massas e baseado na exaustão de estímulos acarretaria ainda mais custos com plataformas de mídia. Ao mesmo tempo, as inovações tecnológicas que, a partir da década de 90, ampliaram de modo nunca visto a velocidade e o alcance do compartilhamento de informações entre as pessoas abriu novas possibilidades para a publicidade, que viu na Internet o meio de comunicação ideal para a intensificação de uma antiga forma de propaganda (no sentido original de “propagar” uma mensagem): a propaganda boca-a-boca que, apesar de espontânea e comprovadamente eficaz, não era passível de controle e mensuração de resultados até então (SILVA, 2008).