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Novos meios de comunicação, publicidade e marketing no contexto do capitalismo

CAPÍTULO 3: Capitalismo, meios de comunicação e marca publicitária: as teias do

3.4. Novos meios de comunicação, publicidade e marketing no contexto do capitalismo

Cabe-nos agora investigar como a identificação entre mercado e meios de comunicação e o apagamento das fronteiras entre realidade social e imagem se expressam no mundo globalizado onde a evolução técnica deu origem aos aparelhos digitais multimidiáticos interconectados em rede que, rapidamente, integraram-se ao sistema de mídia tradicional e, consequentemente, à realidade cotidiana. Quais as relações que esses novos meios de comunicação estabelecem com o modo de produção do terceiro estágio do capitalismo?

Uma dessas relações expressa-se, certamente, na comercialização de produtos pela Internet, cujo potencial foi descrito por Anderson (2006) como a estratégia da “cauda longa”. Acompanhando a tendência à personalização e estilização de mercadorias do capitalismo atual já descrita no presente capítulo, a “cauda longa” diz respeito à ideia de que com os baixos custos de armazenamento dos produtos físicos (uma vez que, tratando-se de um sistema de entrega à domicílio, pode-se encomendá-lo do fabricante apenas quando a compra já estiver consumada) aliado ao baixo custo de distribuição dos produtos digitais (como e-books14, filmes, músicas ou aplicativos15) seria possível comercializar uma grande variedade de produtos, cada um em pequenas quantidades, contrariando a lógica de massa dos hits (vender poucos produtos em grandes quantidades).

Já Pariser (2011) chama atenção para a atual radicalização da tendência à personalização dos anúncios publicitários. Segundo o autor, ao utilizar os serviços de empresas como Google ou Facebook, o usuário tem suas informações pessoais registradas e compiladas em perfis individuais, a partir das palavras que digita nos campos destinados a realizar buscas, enviar emails ou mensagens instantâneas. Esses dados são padronizados por um mecanismo baseado am algoritmos matemáticos que seleciona anúncios publicitários que se adequem ao perfil em questão e os exibe ao usuário ao longo de sua navegação por outros sites, inclusive. Cabe pensar que se os canais abertos de televisão e as estações de rádio fornecem sua programação gratuitamente é porque são pagos pela publicidade que neles veicula seus anúncios. Google, Facebook, Youtube, blogs e até mesmo sites de jornais são igualmente gratuitos. Contudo, quem os utiliza paga um preço ainda maior do que a exposição aos merchandisings ou aos intervalos comerciais: sua privacidade torna-se a moeda de troca

14 Livro vendido em formato digital.

que enriquece as empresas de Internet com a comercialização de anúncios “ultrapersonalizados”.

Mas a vantagem que o amplo acesso às informações depositadas na Internet representa para as empresas não se resume somente aos anúncios. Conforme nos mostra Fontenelle (2002), as características da nova forma de produção está concentrada muito mais na veiculação da mercadoria como imagem do que no seu produto final, seja ele material como um carro, ou imaterial como os produtos da indústria cultural. A importância da circulação da imagem das mercadorias leva ao surgimento de “analistas simbólicos”, profissionais capacitados para cuidar do controle e do acesso à informação, da análise de dados e de sua interpretação, com a finalidade de responder tanto às variações do mercado quanto às mudanças e manifestações culturais (tarefa inegavelmente facilitada pelas redes sociais da Internet), e assim construir o posicionamento da marca no mercado. A geração de valor para as empresas passa a depender mais desse tipo de trabalho do que da categoria clássica do trabalho produtivo, que obviamente não desaparece, mas perde força no seu papel de criação de valor:

A nova atividade produtiva passa a se estruturar em torno de uma série de relações estabelecidas nas várias fases que compõem a “economia da informação”, nas quais o que conta, fundamentalmente, é o trabalho conceitual e interativo, ou seja, inserido em redes de informação, nas quais o próprio “consumo da rede cria riqueza, a transação se transforma no produto (COCCO apud FONTENELLE, 2002, p. 167- 168).

Desse modo, na sociedade de consumo onde impera a descartabilidade e a velocidade das transações, sejam elas monetárias, de mercadorias ou de informações, os múltiplos signos que compõem as imagens das mercadorias circulam “aparentemente descoladas do mundo material da produção, embora fortemente conectadas ao circuito mercantil” (p. 289). Contudo, a autora destaca o paradoxo da marca publicitária nesse contexto: a aceleração e descartabilidade características desse período, em conjunção com fatores como a competição acirrada e a difusão do acesso a informações que atestam tendências em relação aos gostos e estilos (para o qual as redes sociais da Internet são um termômetro extremamente mais preciso do que as antigas metodologias das pesquisas de mercado), leva a uma dissolução geral das formas e representações identitárias que, ao modo de uma cadeia metonímica, se sucedem ininterruptamente, acompanhando o ritmo veloz da produção e do consumo. De certa forma, é o que vemos nos portais, sites de notícias, e nas redes sociais da Internet, onde a incessante atualização do conteúdo (texto, imagem, áudio e vídeo) promove a circulação global sem

precedentes históricos de qualquer tipo de informação. Com isso, a autor propõe que o nome da marca é o que pode ser entendido como ponto fixo, o aspecto de permanência ,“enquanto as imagens podem se suceder e se referir umas às outras ininterruptamente” (p. 286). O nome da marca é um significante-mestre (ZIZEK, 1991), aquele que se refere a uma cadeia de significantes, S2, para que estes últimos se reconheçam na unidade se seu campo. É um significante vazio, oco, que se liga ao imaginário metonínimco multimidiático, à circulação ininterrupta de signos por todo o sistema dos meios de comunicação atuais, de massa ou não, sob a batuta da publicidade e do marketing. Fontenelle afirma que a marca

Ao mesmo tempo em que precisa insistir no discurso da flexibilidade, da pluralidade, da liberdade de escolhas, da fugacidade dos modos de vida, também reforça o padrão, que é, em si mesmo, repetição. Uma tensão permanente que leva a marca a atuar em dois níveis: no deslocamento incessante das imagens e na fixação do seu nome (FONTENELLE, 2002, p. 294).

O nome da marca parece assim ser o elemento que conjuga o aumento do potencial técnico de circulação das imagens com a necessidade de produção do consumo através da sua intensa repetição, funcionando como um elemento de fixidez, uma “ilusão de forma” diante da “aceleração da aceleração” do capitalismo e da “cultura do descartável” a ele inerente. Fixidez que, por sua vez, procura se instalar em um lugar bem específico, segundo os profissionais da área: a “mente” do consumidor16.

A aceleração e a descartabilidade características do capitalismo contemporâneo e, portanto, expressas no sistema de mídia globalizado, produzem consequências para os sujeitos. Como já vimos no capítulo 1 quando abordamos o Discurso do Capitalista, o consumo pauta-se pela tomada do objeto de consumo como se fosse o objeto a perdido, o que gera a produção incessante da falta-a-gozar. A obsolescência e descartabilidade das mercadorias aliada à sua veloz e ininterrupta reposição reforçam e intensificam o vazio estrutural dos sujeitos. Assim também se dá com as imagens dos meios de comunicação. Na identificação entre mercado e meios de comunicação, a mídia converte-se em objeto de consumo e acompanha assim o ritmo da produção. A reprodução acelerada de imagens da televisão e a velocidade com que a informação é consumida na Internet acabam por destituir o sujeito de sua singularidade.

16 Não à toa, “Top of mind” (Topo da mente) é o nome da premiação anual que aponta as marcas mais lembradas

pelos consumidores brasileiros, realizada pelo jornal Folha de São Paulo. Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/produtos/topofmind

[...] é o tempo do estímulo e da informação que dita o ritmo da percepção e do pensamento; o tempo da satisfação possível é, do mesmo modo, submetido ao ritmo do consumo. O desejo, enquanto tal, precisa da história do particular e de suas mediações com a cultura para preencher-se, expressar-se e realizar-se. O encantamento não existe sem o tempo da rememoração (RAMOS, 2008b, p. 92).

A velocidade com que se apresentam os estímulos midiáticos na contemporaneidade só pode possibilitar seu consumo imediato, uma vez que eles se tornam obsoletos logo após sua apreensão instantânea. Tal limitação perceptiva favorece às imposições dos modelos administrados da indústria cultural. O espírito dos meios de comunicação poderia ser traduzido nas palavras de Horkheimer e Adorno (1944/1985): “Nada deve ficar como era, tudo deve estar em constante movimento. Pois só a vitória universal do ritmo da produção e reprodução mecânica é a garantia de que nada mudará, de que nada surgirá que não se adapte” (p. 126). Disso também se aproveitam as marcas publicitárias, que se apresentam aos sujeitos como um possível componente identitário em meio ao contínuo fluxo de informações e imagens.

No caso da marca, apesar da exata consciência do que ela significa, é essa imagem que ele, o sujeito, toma de empréstimo para significar uma certa experiência de vida. Por isso mesmo, a marca precisa se construir e permanecer através da “mídia- realidade”, já que é essa última que alimenta o faz-de-conta. Em outras palavras, mesmo que o sujeito não acredite nos discursos e imagens veiculados pela marca, ele sabe que, no mundo atual, estar na imagem é existir e, fora disso, não dá pra fazer parte dele. A mídia fornece as imagens, os modelos, a legitimação do que seja a realidade. E é exatamente nisso que se transforma a realidade (FONTENELLE, 2002, p. 270).

Para Fontenelle (2002), ao consumirem as marcas para definirem a si mesmos, servindo-se dos modelos identitários por elas propostos, os sujeitos convertem-se em meios pelos quais as imagens das marcas circulam e proliferam. “Assim, qualquer um que faça uso da imagem de marca para construir a sua própria imagem acaba dando uma volta a mais no parafuso que sustenta a marca e a perpetua” (p. 272), o que, portanto, não os exime de sua responsabilidade no processo.

Nas redes sociais da Internet, especificamente, esse processo parece tomar dimensões ainda maiores. Essas ferramentas permitem que seus usuários veiculem todo tipo de conteúdo multimidiático por meio de perfis personalizados construídos pelos próprios sujeitos. Assim, é possível manipular o que pode ser visto ou não pelos outros e enviar esses conteúdos a todos os perfis a ele conectados da forma e na quantidade desejada pelo usuário. Muito já se escreveu a respeito do “narcisismo” característico da época atual e de suas relações com a

valorização da “autoimagem” do eu presente no fenômeno das redes sociais17. Entretanto, preferimos abordar essa questão pelo viés do laço social, uma vez que conforme discutimos no capítulo 1, concordamos com Braunstein (2010) para quem o narcisismo “seria a apresentação clínica induzida pela dominância do discurso do capitalista”, onde o sujeito, “acreditando na força do “eu”, faz atuar a ordem do mestre”18 (p. 152). A ordem do mestre é a ordem que interpela os sujeitos isoladamente para que consumam, para que se devotem individualmente a seus próprios gozos (SOLER, 2011). Propomos que nas redes sociais os sujeitos consomem a imagem midiática produzida pelos outros sujeitos ao mesmo tempo em que produz imagens para eles. É esse, para nós, o sentido da frase de Keen (2009) sugerindo que, na Internet, “a platéia dirige o espetáculo”. Contudo, temos que entender o espetáculo aí, diferentemente do autor, como uma relação entre pessoas mediada por imagens fundidas a uma realidade de empuxo ao consumo. Isso significa que, de certa forma, a produção de conteúdo nas redes sociais da Internet, por mais que seja feita por aqueles que antes permaneciam passivos diante do conteúdo midiático de massa e que agora se vêem também na condição ativa, é atravessada pelas mesmas identidades massificadas que compõem o universo do consumo – dos modelos da indústria cultural às imagens das marcas. É preciso lembrar que empresas dos mais variados ramos, jornais, revistas e celebridades utilizam as redes sociais para se promover e multiplicar sua visibilidade, valendo-se da reprodução dos conteúdos que publicam pelos usuários comuns às suas redes pessoais de contatos. E quanto maior for a circulação desses conteúdos pela rede, mais todo esse processo estará obedecendo à lógica do capital.

Não podemos deixar de ressaltar que todo o potencial comunicativo e interativo da Internet pode também favorecer a conjunção de forças na direção dos interesses dos sujeitos, proporcionando maior poder político em relação aos mandamentos dos mestres. Por razões diferentes entre si, assistimos em 2011, 2012 e 2013 uma série de manifestações pelo mundo

17 Ver Medeiros (2008).

18 Freud (1914/2006) cunha o termo narcisismo em um período muito específico de suas investigações teóricas,

para designar o momento em que a libido sexual deixa de se dirigir aos objetos (como a mãe), e passa a investir no eu como resposta do princípio de prazer às intervenções do princípio de realidade. Para Lacan (1949/1998), a formação do eu enquanto instância imaginária do sujeito se dá quando ele se identifica com a imagem do próprio corpo sob a chancela do olhar do Outro. Isso faz com que o sujeito suponha que, sabendo identificar seu corpo, ele saiba quem é, levando a imagem de si a ocupar o lugar do ser (um lugar, por definição, vazio): o eu, do ponto de vista da constituição subjetiva, constitui-se na ilusão da identidade de um sujeito que identifica seu ser à sua imagem (KEHL, 2004a, p. 98-99).

que utilizaram as redes sociais como plataforma de debate e estratégia de comunicação e organização. Algumas delas, como as que aconteceram na Tunísia, no Egito e na Líbia e ficaram conhecidas como “Primavera Árabe”, provocaram grandes mudanças e tiveram consequências políticas profundas. Outras como o movimento 15-M (Os indignados) na Espanha e Occupy Wall Street originário do “We are the 99%”, em Nova York ganharam versões em diversos países europeus e americanos, muito por conta da sua divulgação e articulação com movimentos locais por meio das redes sociais. Mesmo as grandes manifestações de junho de 2013 no Brasil só foram possíveis por conta dessas redes (XAVIER; FERREIRA-LEMOS, 2013).

Entretanto, sabemos que a possibilidade de maior circulação da informação também permite uma maior possibilidade de controle e vigilância na mesma medida. Por se tratarem de grandes empresas privadas, mesmo o conteúdo das informações trocadas e pesquisadas pelos usuários das mais populares redes sociais passa por uma espécie de “filtragem”, cujo critério passa longe das mãos dos usuários. A rede social e a página de busca mais utilizadas do mundo – respectivamente Facebook e Google – utilizam o mesmo recurso técnico que lhes proporciona gerar renda com anúncios “ultrapersonalizados” (os algoritmos matemáticos) para personalizar também o conteúdo que é exibido a cada usuário individualmente. Pariser (2011) alerta: já não existe um Google único. Isso significa que quando uma pessoa faz a busca por um termo na página da empresa estadunidense, ela obtém resultados de busca baseados no histórico de termos que o usuário digitou até mesmo em outras páginas. De modo similar, o Facebook também “filtra” as informações que cada usuário da rede social irá receber de acordo com sua atividade passada. Essa “filtragem” é realizada com o consentimento do usuário – uma vez que uma das condições para a utilização do serviço é a aceitação dos termos de uso – e segundo critérios definidos pela empresa, apesar de baseada na atividade do próprio usuário. “A democracia exige que nos baseemos em fatos compartilhados; no entanto, estão nos oferecendo universos distintos e paralelos” (p. 11).

Este capítulo se propôs a revisar as relações entre as características atuais do modo de produção capitalista, sua expressão na área do marketing e da publicidade e o modo com que ambos se apropriam dos meios de comunicação na contemporaneidade. Esse conteúdo nos auxiliará na tarefa do capítulo seguinte que se propõe a entender a inserção da estratégia do marketing viral no laço social atual.

CAPÍTULO 4: O marketing viral na Internet e os laços sociais no capitalismo