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A Política de Saúde no Paraná e em Curitiba

No documento DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2009 (páginas 120-125)

CAPITULO III CONTEXTO SOCIO HISTÓRICO DA ATENÇÃO À SAÚDE NO

3.7 CONTEXTO SOCIO-POLITICO E SAÚDE: ANOS 1980

3.7.1 A Política de Saúde no Paraná e em Curitiba

Enfrentava-se, nos anos 1980, um período de correlações de forças, de paralelismo e fragmentação dos serviços de saúde entre esferas federal, estadual e municipal (Ministério da Saúde e Inamps, Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, Prefeitura Municipal de Curitiba por meio do Departamento do Desenvolvimento Social e Diretoria da Saúde). Havia concentração de recursos para os procedimentos médicos hospitalares nos serviços conveniados ao Inamps, demonstrando que a correlação de forças para mudar essa lógica teria que ser enfrentada, seja pelo Sesb ou pela SMS Curitiba, conforme relatório apresentado na época:

120 O Inamps responde pelo maior volume de consultas (87,5%) realizadas na capital, embora nesse total esteja incluída a população que vem de outros municípios e estados procurar atendimento. A Secretária da Saúde e Bem-estar Social (Sesb), através da Fundação de Saúde Caetano Munhoz da Rocha (FSCMR), mantém em Curitiba dez centros de saúde. Destes, quatro se destacam por estarem localizados em pontos estratégicos de confluência e por disporem de serviços mais complexos. O Centro de Saúde Metropolitano responde por 55% do total de consultas médicas realizadas pela rede da Sesb em Curitiba. Três outros centros de saúde – Manoel de Abreu, Ouvidor Pardinho e Campina do Siqueira – se diferenciam dos demais por se situarem em pontos próximos a terminais de transporte e pelo fato de já contarem com um número de médicos (cinco a oito) muito superior ao restante da rede. Alem do Centro de Saúde Metropolitano, o Manoel de Abreu é o único que atende pacientes de fisiologia, área onde existe um sistema de referência formal e eficiente. Nas demais unidades da rede estadual o número de médicos varia de um a dois (período parcial) e a proporção de pessoal auxiliar também não é constante: de cerca de dois funcionários por médico, em Vila Fanny, até 4,5 no C.S.da Vila Guairá. (CURITIBA, SMS, 1983)

Essas e outras condutas de política gerencial e técnica assistencial resultavam em dificuldades por conta dos poucos recursos financeiros alocados na estrutura estadual (Sesb/FCMR) e no Departamento do Desenvolvimento Social e Diretoria da Saúde em Curitiba para o enfrentamento dos graves problemas de saúde coletiva e atenção primária implantados na década de 1970.

De acordo com o cadastro de estabelecimentos de saúde de 1982, Curitiba dispunha de 68 hospitais, sendo 60 privados e apenas 8 públicos. Quase todos possuíam convênio com o Inamps, a maioria localiza-se na parte central da cidade e três deles eram hospitais-escola, vinculados aos cursos de medicina da Universidade Federal do Paraná, da Universidade Católica do Paraná e da Faculdade Evangélica. Dispunha-se de 8.105 leitos, distribuídos em psiquiatria (1.965), oncologia (212), tisiologia (73) e leitos gerais (5.855), o que corresponde a um coeficiente de 4,67 leitos por mil habitantes quantidade bem superior ao parâmetro preconizado pela OMS (dois leitos por mil habitantes).

A Secretaria de Estado da Saúde mantinha três hospitais: Vitor Amaral (maternidade), Osvaldo Cruz (doenças infecciosas) e o Sanatório do Portão, além do Centro Psiquiátrico Metropolitano. Com a finalidade de racionalizar recursos, diminuir a ociosidade e garantir internação à clientela das unidades básicas de saúde, foram feitas algumas readequações nesses três hospitais. Assim, o foi transformado no Hospital Geral do Portão.

Na Secretária da Saúde e Bem Estar Social (Sesb), foi criada a Central de Medicamentos (Ceme), com a finalidade de pesquisar e produzir medicamentos essenciais e abastecer a rede básica, ampliando a autonomia em relação à esfera federal. Assim, esse foi um período de enfrentamento tanto da pressão das empresas multinacionais que dominam o

121 mercado dos medicamentos como de interesses políticos na gestão estatal – sendo que este dois fatores perduraram nas décadas seguintes.

Mobilizada pelas gestões de Luis Cordoni Junior na Secretaria Estadual de Saúde do Paraná e de Armando M. B. Raggio na superintendência da FCMR, com apoio da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Osvaldo Cruz, ampliaram-se as estratégias de formação de sanitaristas, como também se deu início, em 1985, à mobilização estadual, entre outras estratégias para expandir o movimento sanitarista no Paraná e preparar o caminho para realização da 8.a Conferencia Nacional de Saúde, cuja ênfase foi na formação de sanitaristas.11

O desenvolvimento da gestão urbana e do sistema municipal de saúde foi marcado por significativos espaços de organização e mobilização comunitária, bem como de política partidária, em todas as regiões da cidade. As associações de moradores lutavam enfaticamente pelo direito da posse de terra e melhorias na infra-estrutura urbana como escolas, creches e unidades de saúde, impulsionando respostas mais democráticas da administração pública. Esse processo repercutiu positivamente nas políticas setoriais, com destaque para a saúde e a educação na rede municipal.

A rede de atenção primária à saúde contava com os serviços básicos desenvolvido pela Associação de Proteção à Maternidade e à Infância Saza Lattes. Fundada em Curitiba em 1954, essa entidade filantrópica foi parceira inicialmente das gestões estaduais e, com a municipalização, da SMS de Curitiba. Atuando de forma complementar, dando cobertura à demanda espontânea da população em ações de atenção básica à saúde nas cinco décadas seguintes, nos seus clubes de mães ela desenvolveu prioritariamente os serviços de puericultura e atividades assistenciais.

Filiado ao PMDB, Maurício Fruet foi prefeito de Curitiba de 1983 a 1986, desenvolvendo uma proposta política de compromisso e interlocução com os interesses populares. Seu governo deu sequência às prioridades indicadas no plano diretor da cidade, implantado de forma irreversível pela gestão Lerner. No debate político da administração Fruet, que se opunha a Jaime Lerner, afirmava-se que o plano diretor dava mais atenção ao espaço físico da cidade, com poucas intervenções no âmbito dos problemas sociais, e assim foi adotado um novo estilo administrativo, priorizando a definição e a implantação de um conjunto de políticas setoriais para atendimento das demandas sociais. Foi um momento

11 Esta pesquisadora fez parte da primeira turma de profissionais do primeiro curso descentralizado da Escola

Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), realizado pela SESA FCMR em Curitiba em 1985-86 e incentivado pelo professor Sérgio Arouca, presidente da Ensp/Fiocruz.

122 político marcado por forte apelo social e maior afinidade com os movimentos populares. Buscou-se definir na implantação de equipamentos sociais nas regiões periféricas da cidade e houve significativa expansão no número de creches, mercados populares e programas para recuperação de menores abandonados. Segundo as diretrizes do partido, foram desenvolvidos programas de cunho social, buscando marcar uma diferença em relação às administrações anteriores e demonstrar maior sensibilidade às demandas populares, com o compromisso de atender as reais necessidades da população.

Muitos dos problemas sociais do período decorriam da expansão populacional, uma vez que Curitiba ultrapassava a marca de um milhão de habitantes. As questões mais polêmicas referiam-se à regulamentação de moradias populares, principalmente na região sul da Cidade. O perfil da cidade apresentava-se modificada pelo significativo adensamento populacional das ultimas décadas.

Foi uma gestão que se aproximou dos movimentos sociais e das organizações populares, mais especificamente das associações de moradores, em grande número e muito atuantes naquele momento. Foi em tais espaços que a administração municipal buscou efetivar uma estratégia de gestão popular por meio do levantamento de demandas das comunidades, discutindo as estratégias e soluções, determinando a alocação de recursos e serviços públicos.

A prefeitura enfrentava dificuldades quanto aos recursos advindos do governo federal e como estratégia mediadora para trabalhar com a mobilização popular instalou postos avançados de serviços públicos municipais nos bairros da periferia da cidade.

Com expressiva representação popular e política, a gestão Fruet estabeleceu uma capacidade e plano de governo para reivindicar maiores investimentos públicos das instancia estadual e federal, assim consolidando diferentes formas de integração e de realização de projetos intersetoriais. Foi um momento de avanços no modelo de saúde hierarquizado, regionalizado, com integração político-administrativa e participação popular.

Mas a organização de um sistema descentralizado, integrado e democrático tinha como entrave a cultura (por décadas) dominante na estrutura da política de saúde no Brasil. O desafio consistia em desconcentrar o poder centralizador, defendido por segmentos representantes do Inamps. Os gestores das instâncias estaduais e municipais desenvolveram então um conjunto de estratégias de gestão colegiada entre as instituições, incluindo o Inamps, a fim de viabilizar a implantação das diretrizes da 8.a Conferencia: universalização e a equidade no acesso aos serviços, a integralidade dos cuidados, a regionalização dos

123 No contexto das políticas públicas municipais, foi implantado o Projeto Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada (Cura), com recursos técnicos e financeiros do Banco Mundial, possibilitando a mais significativa expansão do número de unidades de saúde, equipamentos e recursos humanos para aumentar a cobertura da APS no município, a partir da segunda metade da década de 1980. Houve ainda um convênio com o gestor federal (Inamps), permitindo a melhoria e a manutenção da infra-estrutura dos equipamentos de saúde, bem como a estruturação de uma rede de apoio laboratorial e a distribuição de medicamentos da Ceme, alocada na Sesa.

Estes argumentos foram usados como eixos estruturantes na campanha eleitoral, a primeira com voto direto depois da ditadura militar. Roberto Requião, do PMDB, foi escolhido para a prefeitura de Curitiba e em sua gestão ocorreu significativa reforma administrativa na prefeitura da capital.

Em 2 de janeiro de 1986, a Lei 6.817 criou a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) em substituição à Diretoria de Saúde (DDS). A nova estrutura determinou avanços significativos na agregação de força política e administrativa para o setor. Naquela época, a rede municipal de saúde contava com 42 centros de saúde e 20 clínicas odontológicas (CO). Todos os CS trabalhavam com abrangência territorial, área delimitada para atenção à saúde dos moradores.

Ganharam destaque os programas de caráter social, enfatizados nos discursos oficiais, como na Secretaria de Abastecimento a distribuição subsidiada de alimentos (os “sacolões” e “mercadões” populares); na Secretaria da Criança, a implantação de um significativo número de creches e a e o acolhimento de crianças que viviam na rua.

Ainda sob essa lógica foram criadas as “freguesias”, destinadas a materializar a participação popular na administração pública. Tais órgãos assumiram a função de subprefeituras nos bairros, tendo [...] um papel de concorrentes não só da câmara de vereadores, nas funções afetas à representação popular, mas até do próprio Ippuc, por meio de uma política paralela de atendimento às demandas sociais. Também para elas se dirigiu um número substancial de técnicos do Ippuc, desiludidos com o esvaziamento do órgão. (OLIVEIRA, 2000, p. 105)

A gestão do prefeito Roberto Requião, de 1985 a 1988, foi marcada pela continuidade do trabalho anterior, acrescida de maior interlocução entre o poder público e as comunidades. Foram criadas as ouvidorias, que se constituíam estratégias de mediação e encaminhamentos de propostas construídas com a comunidade, possibilitando o exercício da participação popular na gestão da cidade.

124 Com a assinatura do convênio das ações integradas de saúde, implementou-se o repasse de recursos financeiros ao município, contribuindo na expansão da rede de unidades de saúde, na melhoria da infra-estrutura assistencial, no incremento do apoio laboratorial (ampliação do laboratório próprio) e na disponibilidade de medicamentos para atenção básica.

Foi uma década de consolidação e expansão da Rede Municipal de Saúde de Curitiba, que em 1989 já contava com 53 unidades saúde e 34 clínicas odontológicas, na maioria funcionando em estrutura construída pela prefeitura municipal. Também foi o momento da municipalização da saúde, desenvolvendo uma expressiva participação de trabalhadores de saúde, movimentos populares e entidades privadas, dando à política setorial a legitimidade necessária aos embates com as estruturas centralizadoras das instâncias federal e estadual.

No final da década, a maioria das unidades de saúde funcionava em prédio próprio, com dimensões que variavam entre 223 e 439 metros quadrados de área construída. Sem dúvida o período demarcou a expansão tanto da rede física quanto de recursos humanos nos serviços de saúde em Curitiba.

No documento DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2009 (páginas 120-125)