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CONCEPÇÕES E RELAÇÕES DE TRABALHO

CAPITULO II PROCESSO DE TRABALHO E MODELOS DE ATENÇÃO EM

2.1 CONCEPÇÕES E RELAÇÕES DE TRABALHO

Para Marx, o homem é o primeiro ser que conquistou certa liberdade de movimentos face à natureza. Por meio dos instintos e das forças naturais em geral, a natureza dita aos animais o comportamento que eles devem ter para garantir a sobrevivência. O homem, entretanto, graças ao seu trabalho, conseguiu dominar em parte as forças da natureza, colocando-as a seu serviço. Como sujeito criador de valores de uso, a partir dos bens da natureza, e como sujeito do trabalho útil, o homem historicamente vem implementando as condições da própria existência nos diferentes contextos de organização e de desenvolvimento de sociedade.

O homem é sujeito de mediações com a natureza que o cerca, a qual inclui uma base de recursos materiais para a própria existência, e também de mediações entre seus pares, ampliando e transformando as condições da existência humana, como expõe Marx em O

capital afirmando que a manufatura separou o trabalhador dos meios de produção como quem aparta o caracol da sua concha. Ocorre que tal molusco, lembra o autor, não consegue sobreviver sem sua proteção natural e, dessa forma, o homem sofre com a separação daquilo que faz parte existencial de sua natureza, ou que é condição da existência humana.

57 Nessa passagem, Marx destaca que o homem sofre com a separação do seu hábitat: a terra, os instrumentos e os meios de produção material e subjetiva da vida. Tais bases relacionam-se com as condições históricas da natureza e de sua existência. Em outra passagem, descreve o homem vivendo e trabalhando em uma situação histórica específica, tendo que estabelecer novas e diferentes mediações com uma nova e diferente realidade, a qual apresenta novos objetos a serem apreendidos em um complexo contexto da existência material e subjetiva da condição humana.

As concepções teóricas de Marx tiveram seus intérpretes. Destaca-se, entre outros, Antunes na recente produção O caracol e sua concha: Ensaios sobre a nova morfologia do

trabalho (2005), obra em que apreende as transformações ocorridas no mundo do trabalho sob a égide do capitalismo contemporâneo como relações e processos significativos no âmbito das inovações tecnológicas que se relacionam à exploração e à acumulação do capital, não retirando do trabalho humano a qualidade de seu papel central:

Mas, em contraposição, quando a vida humana se resume exclusivamente ao trabalho, ela frequentemente se converte num esforço penoso, alienante, aprisionando os indivíduos de modo unilateral. Se, por um lado, necessitamos do trabalho humano e reconhecemos seu potencial emancipador, devemos também recusar o trabalho que explora, aliena e infelicita o ser social. Essa dimensão dúplice e dialética presente no trabalho é central quando se pretende compreender o labor humano. O que nos diferencia enormemente dos críticos do fim, ou mesmo da perda, de significado do trabalho na contemporaneidade. (ANTUNES, 2005, p. 13 e 14).

A tradição teórica marxista enfatiza a compreensão do processo de trabalho humano, constituído de conhecimentos e mediações realizadas na realidade concreta. Ao fim de cada processo de trabalho, é obtido um resultado que já estava construído na imaginação do homem, que se colocou na condição de sujeito trabalhador antes mesmo de ter começado o processo. Demonstra-se assim a capacidade consciente do processo de planejamento de suas ações. Por essa conduta, o homem não somente transforma o material mas também transforma os objetos de trabalho, concebendo um propósito que se corporifica em leis que orientam e justificam o próprio modus operandi, subordinado à vontade de realização.

Quando concebemos a forma contemporânea do trabalho como expressão do trabalho social, que é mais complexificado, heterogeneizado e ainda mais intensificado nos seus ritmos e processos, não podemos concordar com as teses que desconsideram o processo de interação entre o trabalho vivo e trabalho morto, entre a potência constituinte do trabalho vivo e a potência constituída do trabalho morto (...).Em verdade, o sistema de metabolismo social do capital necessita cada vez menos de trabalho estável e cada vez mais de trabalho parcial – part-time –, terceirizado, precarizado, dos trabalhadores hifenizados de que falou Huw Beynon,

58 da classe-que-vive-do-trabalho de que falei em Adeus ao trabalho? E que se encontra em explosiva expansão em todo o mundo produtivo e de serviços. (ANTUNES, 2005, p. 27; cf. BEYNO, 1998).

Tal subordinação não é apenas um ato momentâneo, mas uma linha que permeia e conduz as ações e o trabalho de outros homens, construindo novas bases da existência humana, descritas na história da humanidade. No processo de construção ou recriação da vida, o homem impõe uma energia física e mental. O desenvolvimento do trabalho com base no aporte tecnológico da maquinaria e nos dispositivos mecânicos automáticos, associados à indústria da informática e da robótica, constitui domínio do capitalismo na forma de capital fixo (trabalho morto). Em tal processo de produção, o trabalhador assume a condição de operar, regular e moldar o espaço, os instrumentos de produção, o ritmo e a destreza do trabalho necessário, complementando a função diretamente produtiva.

Por outro lado, a ação humana se configura em trabalho vivo, com sentido, intencionalidade, conhecimento, habilidade e competência humana, entre outros componentes associados.

Os processos e recursos de trabalho são colocados como eixo estruturante da capacidade produtiva, e da mesma forma se promove a reprodução da relação capital- trabalho, articula-se a dominação e a dependência da classe trabalhadora. Há apropriação da força de trabalho e da inteligência humana, dos recursos naturais ou sintetizados como matéria-prima de transformação em mercadoria, das tecnologias e estratégias de produção lucrativa, estimulando e direcionando as necessidades de consumo entre as populações de diferentes culturas, instaurando dependência e alienação.

A riqueza das sociedades regida pela produção capitalista configura-se em “imensa acumulação de mercadorias” (MARX, 1859, p. 3) e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza. Por isso, a esta investigação começa com a análise da mercadoria. A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz as necessidades humanas, seja qual for a natureza e a origem de tais necessidades provenham do estômago ou da fantasia, pois “Desejo envolve necessidade; é o apetite do espírito e tão natural como a fome para o corpo. [...] A maioria [das coisas] tem valor porque satisfaz as necessidades do espírito.” (Barbon apud MARX, 2006, p. 57). Não importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente como meio de subsistência ou objeto de consumo, ou indiretamente como meio de produção (cf. MARX, 2006, p. 57)

59 Sob tal perspectiva, a expansão do trabalho vai até os limites da possibilidade de acesso à matéria-prima e à mão-de-obra produtiva sob menor custo. Da mesma forma, encontra apoio por parte das nações para fazer valer a lógica do neoliberalismo, traduzida, entre outras características, pela desregulamentação dos direitos trabalhistas, a reconfiguração das relações de trabalho em um novo modo flexibilizado, possibilitando mais produtividade e lucro do capital. Esse modo de produção desconstrói a capacidade organizativa e coletiva da classe trabalhadora ao mesmo tempo em que limita o desenvolvimento criativo e de identidade individual do sujeito de mudanças. Esta última contradição, entre outras, apresenta-se como tendência vigente nas sociedades sob domínio do capitalismo contemporâneo, aliado a um Estado de direito fragilizado pela mesma lógica de dominação.