• Nenhum resultado encontrado

A década da Atenção Primária à Saúde

No documento DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2009 (páginas 112-117)

CAPITULO III CONTEXTO SOCIO HISTÓRICO DA ATENÇÃO À SAÚDE NO

3.6 O PERÍODO DO TECNICISMO MODERNISTA

3.6.2 A década da Atenção Primária à Saúde

Podemos considerar que em Curitiba as ações de Atenção Primária à Saúde (APS) tiveram inicio em 1973, com a implantação dos núcleos comunitários. Nos primeiros anos da década 1970, existiam seis núcleos comunitários, todos localizados em áreas periféricas, com atenção às famílias em suas múltiplas necessidades básicas, de forma intersetorial e multidisciplinar, viabilizada pela adequação dos recursos. Trabalhava-se integrando as áreas das políticas setoriais: educação, assistência comunitária e saúde. Todas essas áreas atuavam no mesmo espaço, em instalações que abrigava um centro de saúde, uma escola e um centro social. Como relata Coriolano Caldas Silveira Motta, então diretor geral do Departamento de

4 Uma experiência de mobilização comunitária: em carta assinada por nove mil pessoas mobilizadas pela

Associação de Moradores da Vila São Pedro, enviada em meados de 1979 a Jaime Lerner, prefeito municipal de Curitiba, reivindicaram-se melhorias na infra-estrutura: a construção de um hospital era de maior importância para o povo, em seguida o saneamento básico para uma população de aproximadamente 30 mil habitantes. Após alguns meses, obteve-se como resposta a construção em alvenaria e com todas as dependências necessárias para funcionamento de um posto comunitário de atenção primária à saúde, edificado pela PMC no centro do bairro. Decorrido um mês, informou-se que o projeto havia sido modificado a fim de torná-lo mais prático e rápido, visto que a necessidade do povo era de urgência: a construção seria pré-fabricada e ao mesmo tempo já se procedia ao treinamento de funcionários e iniciava-se o cadastramento das famílias moradoras na área. Passado mais um mês, outra mudança - pela falta de verbas, a construção não fora iniciada, mas o posto seria ativado provisoriamente em uma casa alugada por seis meses, a partir de janeiro de 1980.

112 Bem-estar Social,

A ideia dos núcleos comunitários e seus programas básicos, nascida no início de 1973, no Departamento de Bem-estar Social, proporcionou um novo enfoque para a problemática social do município de Curitiba, constituindo o ponto central de orientação das ações em educação, saúde e promoção social. (CURITIBA, 1979) Desenvolviam-se estratégias para a educação integral da comunidade, com unidades operacionais que executariam a política de serviço social, educacional e de saúde no âmbito das regiões em que se localizavam. Insere-se aí o pressuposto da territorialização da gestão do trabalho intersetorial e comunitário.

Até 1974, Curitiba contava com 5 unidades sanitárias (US) e 12 consultórios odontológicos (CO) de responsabilidade da gestão municipal, sendo que no período seguinte, até 1979, somaram-se 10 US e 13 CO.

Na mesma época, houve experiências semelhantes em outras localidades. Em 1977, um grupo de profissionais de saúde da região de Campinas, São Paulo, estruturou uma proposta de medicina comunitária que era influenciada pela experiência desenvolvida inicialmente em Londrina, Paraná.5 O grupo de Campinas, composto por médicos recém- formados pela Unicamp, colocava a municipalização do atendimento como estratégia central para a melhoria da saúde da população. A proposta foi apresentada e aceita pela prefeitura de Campinas, implantando-se as primeiras unidades de saúde comunitária, localizadas em áreas de risco epidemiológico-social: regiões de baixa renda e favelas da periferia da cidade.6

A proposta de atenção primária à saúde implantada em Curitiba teve, em sua origem, influência de municípios brasileiros que já estavam trabalhando com medicina comunitária. Na medida em que tais experiências antecedem a Conferência de Alma-Ata (1978) e o movimento da reforma sanitária (anos 1980), marcos políticos e ideológicos para concretização dos sistemas municipais de saúde, constata-se que já havia incipientes iniciativas e propostas para atenção primária (ainda que esse conceito não fosse utilizado à época) em alguns municípios brasileiros. Provavelmente sem consciência disso, eles constituíram, em sua especificidade, uma semente de reversão do modelo vigente na esfera nacional ou mesmo foram os municípios que historicamente exemplificaram a possibilidade

5 Coordenada pelo médico Nelson Rodrigues dos Santos, que mais tarde retornou à Unicamp, iniciando um

trabalho em Paulínia, São Paulo, influenciando o grupo da região de Campinas na estruturação da proposta da medicina comunitária no município.

6 É interessante observar que em 1977 o médico curitibano Paulo de Barros Carvalho foi trabalhar na região de

Campinas, estabelecendo, a partir de então, um vínculo com aquele grupo, e também com os municípios de Mogi-Mirim e Itapira, desenvolvendo uma atuação microrregional. Posteriormente, tais contatos mostraram-se importantes para Curitiba.

113 de redefinição dos sistemas de saúde, tornando-os mais próximos e comprometidos com as necessidades de saúde da população brasileira:

[...] Curitiba viu, de certo modo, confirmadas suas iniciativas germinais quando a Conferência de Alma-Ata, em 1978, ratificou no plano internacional muitas medidas já tomadas em âmbito municipal. O acerto das estratégias locais é ainda mais relevante quando se lembra que tais estratégias representavam claramente uma contratendência ao contexto brasileiro. (PEDOTTI; MOISÉS, 2000, p. 8)

Já se discutia naquela época que a implantação de unidades de saúde sob a responsabilidade dos municípios deveria garantir a facilidade de acesso para a população, a universalidade, o atendimento integral, o trabalho em equipe multidisciplinar e a participação da comunidade. Esses pontos orientaram a implantação do primeiro projeto de atenção primária à saúde em Curitiba, em 1979.

A segunda gestão Lerner criou, em 1979, o Departamento de Desenvolvimento Social (DDS), voltado para o desenvolvimento de políticas sociais que priorizassem as populações de baixa renda. O órgão possuía um comando tripartido: Diretoria de Saúde, responsável pela prestação de assistência médica e odontológica; Diretoria de Desenvolvimento Comunitário, que coordenava os trabalhos dos centros sociais urbanos, creches e núcleos comunitários; e Diretoria de Promoção Social, que atendia as demandas da população das áreas de ocupação irregular, ou seja, as favelas da região periférica.

Naquele momento, foi elaborada, para Curitiba a Proposta de Implantação de um Modelo de Atenção Primária na Área da Saúde.7 Reforçada pelo apoio do médico Paulo Gustavo de Barros Carvalho, esse documento teve por base os princípios, fundamentos, estratégias técnicas e políticas do modelo Alma-Ata, somados ainda às experiências práticas de Campinas e Itapira, em São Paulo.8 Em termos gerais, o objetivo era buscar o engajamento da administração municipal em uma “atuação consequente”, cumprindo um papel significativo no sistema de atenção médica e odontológica. Os recursos municipais investidos no setor saúde deveriam ser orientados para a criação e a manutenção de uma rede de atenção primária para a população da periferia, ocupada por agrupamentos excluídos dos serviços de saúde.

A estrutura operacional dos postos de saúde foi composta pelos serviços médicos e por um conjunto de programas de assistência à saúde cujo objetivo era o acompanhamento

7 O jornalista Luiz Carlos Zanoni, chefe do Departamento de Desenvolvimento Social (DDS), convidou o

médico Armando M.B. Raggio para assumir a Diretoria de Saúde, iniciando assim um período de acumulações significativas na gestão tenopolítica do setor de saúde em Curitiba.

8 A equipe médica inicial foi composta pelos profissionais Isamu Ito, Angelo Cól, Romeu Bertol, Wanda

114 contínuo de grupos populacionais mais vulneráveis às condições de adoecer ou morrer, para os quais se deveriam articular medidas de prevenção e cura. Os programas eram direcionados à assistência das crianças de 0 a 14 anos, em todas as fases: do nascimento, pré e período escolar, além da assistência à gestante. Também se visava às ações de prevenção das doenças do adulto, principalmente hipertensão arterial, diabetes, tuberculose e hanseníase.

No período, foram gestadas e implantadas as primeiras estratégias de mudança de modelo assistencial, com estruturação da atenção à saúde com ênfase em um território que, definido e denominado como área de abrangência da unidade de saúde, era de responsabilidade de uma equipe de saúde afinada com os pressupostos da APS. Os auxiliares de saúde foram selecionados entre os moradores das áreas de abrangência e deveriam ter treinamento em serviço, após uma capacitação inicial.

Outro aspecto importante a destacar é que no DDS havia participação conjunta e democrática dos técnicos, tanto no planejamento como na execução das ações, constituindo-se em exercício de prática intersetorial que historicamente determinou avanços nas políticas públicas no município.

As principais características da estruturação dos serviços de saúde eram

• a localização de todas as unidades de saúde na periferia da cidade, atendendo uma população mais carente;

• a medicina preventiva e curativa;

• a baixa participação comunitária organizada;

• inexistência de articulação formalizada com outras instâncias de serviços de saúde no município;

• participação da Secretaria do Estado da Saúde e Bem-estar (Sesb) no provimento de vacinas, exames laboratoriais e medicamentos, que eram repassados ao município.

A proposta de APS não implicou em imediata expansão estrutural da rede de serviços, sendo que o município encerrou a década de 1970 com seis postos de saúde, a maioria deles ainda funcionando nos núcleos comunitários. Nas escolas municipais, as crianças eram atendidas pelo programa de odontologia.

As diretrizes do documento Proposta de Atuação da Diretoria de Saúde, de novembro de 1979, estabeleceram parâmetros para o desenvolvimento das atividades da rede de postos

115 de saúde em Curitiba, reportando-se ao projeto Vizinhanças como eixo central da gestão municipal naquele momento:

O projeto Vizinhanças engloba todas as atividades das unidades sociais da Prefeitura Municipal de Curitiba. Expressa, principalmente, uma política e uma atitude de intervenção social. Parte da percepção e sistematização das necessidades reais da população, traduzindo-as em propostas de trabalho conjunto. Cada grupo de atividades constitui um programa contendo uma especificidade conforme a natureza do problema a que está afeto e um caráter geral que permite a integração deste com os demais tipos de propostas sociais. Poder-se-ia considerar esse aspecto geral, que deve garantir a unidade entre todas as atividades dos equipamentos sociais, como o componente básico do projeto. Esta unidade é efetivada através de um método de trabalho coparticipativo da população em todas as etapas das atividades. (CURITIBA, 1979)

Considerando que o projeto Vizinhanças contribuía para a melhoria da qualidade de vida da população, adotou-se como estratégia de intervenção omodelo de atenção primária à saúde, suprindo as necessidades básicas de um modelo de intervenção municipal na área da saúde.

A criação de uma rede de atenção primária que representasse não apenas a extensão de cobertura dos serviços de saúde mas também um significativo impacto junto à população a ser beneficiada, corrigindo as distorções existentes no setor de saúde, foi demarcada inicialmente por algumas diretrizes:

• democratização da atenção médica;

• extensão de cobertura e hierarquização dos níveis de atenção; • medicina integral;

• participação comunitária; e • delegação de funções na equipe.

Mais especificamente, os desafios eram consolidar a adoção do modelo de atenção primária à saúde; modificar a forma de atuação das equipes, construindo uma intervenção como base em um território epidemiológico e social; implantar o atendimento programado à gestantes, crianças, adultos e portadores de doenças crônicas como hipertensão e diabetes;

116 expandir a cobertura de imunização de doenças por vacinas; investir na educação em saúde. Em determinados períodos, a Secretaria Municipal de Saúde tomou como referência paradigmas inovadores do saber e fazer da prática em saúde e consolidou concepções e metodologias que implementaram a organização, o funcionamento e os resultados do campo institucional ainda hoje. Portanto, a origem do sistema municipal de saúde foi pautada pelos paradigmas da atenção primária á saúde (APS) consolidados na Conferencia de Alma-Ata em 1978.

As primeiras unidades de saúde foram alocadas nas regiões periféricas da cidade, local de concentração populacional mais excluída das condições de acesso aos serviços de saúde, iniciando e permanecendo hegemonicamente como uma função de comando político municipal da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, que se responsabiliza por um território com diferentes questões sociais a serem trabalhadas por um conjunto de políticas públicas além da política de saúde. As unidades são reconhecidas, desde seu inicio, como a “porta mais democrática e acessível” para o acolhimento dos problemas indiferenciados que se relacionam aos determinantes de condições de saúde das pessoas, famílias e comunidades específicas.

No documento DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2009 (páginas 112-117)