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A Saúde Pública nos Anos 1950

No documento DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2009 (páginas 96-100)

CAPITULO III CONTEXTO SOCIO HISTÓRICO DA ATENÇÃO À SAÚDE NO

3.4 CONTEXTO SÓCIOPOLÍTICO DA DÉCADA DE 1950

3.4.1 A Saúde Pública nos Anos 1950

Em 1950, foi realizada a 2.ª Conferência Nacional de Saúde, no Rio de Janeiro. Seus temas versavam sobre o fortalecimento dos estudos sobre o quadro sanitário, bem como se apontava um conjunto de normas para resolução dos problemas de saúde no Brasil. As duas primeiras Conferências foram decisivas para a discussão de implantação do Ministério da Saúde, o que se tornou realidade em 1953, durante o segundo governo Vargas.

O Ministério da Saúde foi implantado numa conjuntura de ineficiência causada pela burocracia, o clientelismo e a precariedade dos financiamentos. Era inoperante a política de saúde, com incapacidade para o ordenamento e a expansão de serviços, a contratação e a qualificação de recursos humanos, a aquisição de equipamentos e insumos, resultando em agravamento da crise do setor de saúde:

96 Além das dificuldades técnicas e operacionais do Ministério da Saúde, outro fenômeno que interferia na política oficial de saúde era o clientelismo: os partidos ou os líderes políticos trocavam ambulâncias, leitos hospitalares, profissionais da saúde e vacinas – muitas vezes em números bem superiores à demanda de uma região – por votos e apoio nas épocas eleitorais. Ao mesmo tempo, outras áreas permaneciam totalmente sem assistência médico-sanitária. Com esse tipo de interferência política, importantes projetos de saneamento eram interrompidos, além de ser constante a substituição dos ministros da Saúde. Nas duas primeiras décadas de aprovação, esta pasta teve 19 titulares. (BERTOLLI FILHO, 2004, p. 41-42)

Bertolli Filho apresenta dados da precariedade das condições de vida no ano de 1955, demonstrando que “a esperança média de vida de um brasileiro era: 51 anos em Porto Alegre, 49 anos em Belém e 37 anos em Recife”. Apresenta também um quadro que relaciona os índices de mortalidade infantil por mil nascidos vivos em 18 capitais brasileiras, sendo que em Natal eram 421,6; em Salvador, 353,5; Teresina, 325,3; Belém, 263,6; Curitiba, 143,3; Rio de Janeiro (na época, o Distrito Federal), 112,2; São Paulo, 86,5.

Como resposta da sociedade, a década foi marcada por movimentos populares urbanos e rurais que denunciavam a falta de compromisso do governo em relação às condições de trabalho, a posse da terra, a moradia, a alimentação e a saúde, entre outras carências que colocavam grande parcela da população em uma condição de miséria e morte. Uma experiência significativa foi produto da atuação política das Ligas Camponesas, que buscavam organizar os camponeses em torno da luta pela reforma agrária e tiveram sua origem nas antigas Ligas Camponesas da década de 1930, originárias da ação do Partido Comunista do Brasil. Com a volta do partido à legalidade em 1945, as Ligas Camponesas foram extintas, sobrevivendo algumas, até a ditadura militar dem 1964.

Bertolli Filho (2004, p. 41-42) menciona manifestações políticas como as Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião, de grande expressão e força no Nordeste, movimento que denunciava as alianças do governo brasileiro com o modelo capitalista, a conduta de descaso em relação aos altos índices de mortalidade infantil, fome e miséria no meio urbano e rural. Em carta a um bispo, Julião expõe a situação de miséria vivida pelos camponeses:

A paz no campo, excelência. Eu sei bem disso. Odeio essa paz com o mesmo ódio que dedico à escravidão, ao atraso, à fome, à miséria e ao latifúndio. De que é feita essa paz? Essa paz é feita do silêncio de milhões anjinhos que, ao invés de se agasalharem em casinhas higiênicas, com o tecido cobrindo-lhes a nudez e o leite nutrindo-lhes o estômago, vão pelos caminhos e veredas, estendidos em toscos caixõezinhos, em busca dos cemitérios das vilas e das cidades, todos eles aniquilados pela fome. Essa paz é feita do silêncio que a mulher camponesa, envelhecida aos 30 anos, tece com as contas d’água que lhe saem dos olhos diante da procissão macabra dos seus anjinhos de mãos entrelaçadas e olhos fundos, que a

97 morte, sem piedade, vai ceifando. Essa paz é feita do silêncio do camponês expulso pelo capanga, pela polícia e até pela justiça do pedaço de chão onde nasceu e que é carne, sangue e osso do seu corpo esquálido, vida de sua vida perdida, por que levantou um dia a voz contra o cambão, ou o aumento do foro, ou o exagero da vara, ou o vale do barracão, ou mil outras formas cruéis de espoliação do seu trabalho. (apud BARRETO, 1963, p. 125-26)

As causas estruturais dessa situação estavam no modo de produção capitalista e na cultura política do Estado brasileiro, com seu impacto mais direto na mortalidade geral e infantil. O Estado respondia às reivindicações agregando forças não para combater suprimir as causas da fome, da miséria e das doenças, mas para combater os movimentos sociais e suas lideranças, que buscavam reformas de base ligadas à posse da terra, à educação, a habitação, o trabalho, a saúde etc.

A Secretaria de Saúde do Paraná coordenava o planejamento e a execução dos serviços de saúde no estado buscando o enfrentamento de dificuldades assim descritas pelo Dr. Jaime Drummond de Carvalho, diretor do Departamento de Saúde, em entrevista citada, por Fernandes Junior:

Sabíamos, desde o inicio, que poderíamos construir equipar e manter mais do dobro do número de unidades, se optássemos pelas unidades simples, sem despendermos recursos na construção das enfermarias. A demanda por novas unidades era enorme e, com os parcos recursos da Secretaria, não tínhamos como atendê-la, mesmo que nos limitássemos aos postos de saúde comuns. (apud FERNANDES JUNIOR, 1987, p. 52)

Em 1956, no governo de Moysés Lupion, foi aprovado o Decreto 2.359, ampliando e conferindo nova distribuição administrativa aos serviços sanitários estaduais. Depois, foi assinado o Decreto 3.171, que descrevia a classificação das unidades sanitárias, alocadas de acordo com a densidade demográfica e as características da localidade: sede distrital, cidades maiores, médias e menores. Fernandes Júnior apresenta uma descrição mais pormenorizada:

I. Centros de saúde, localizados nas sedes distritais, cuja capacidade instalada contava com três médicos sanitaristas, três médicos clínicos, um dentista, um enfermeiro de saúde pública, cinco visitadoras sanitárias, três atendentes, dois laboratorista, cinco guardas sanitários, dois auxiliares de escritório, dois serventes e um motorista.

II. Os postos de higiene tipo A, sediados em 120 cidades menores no interior do estado. Contava com uma equipe mínima prevista: um médico, um atendente, um guarda sanitário e um servente.

98 III. Os postos de higiene tipo B, alocados em 17 cidades de médio porte do estado. Contava com um quadro de pessoal: dois médicos, uma visitadora sanitária, dois atendentes, dois guardas sanitários,um dentista e um servente.

IV.Os postos de higiene tipo C, alocados em seis cidades maiores do estado.Contava com uma equipe formada por um médico sanitarista, um médico clínico, três visitadoras sanitárias, três guardas sanitários, um auxiliar de escritório, dois atendentes, um laboratorista, um dentista, e um servente. (FERNANDES JUNIOR, 1987, p. 56)

Os problemas enfrentados pelos postos de higiene e centros saúde estavam relacionados à política nacional de saúde: falta de recursos financeiros para manutenção do quadro de recursos humanos e desenvolvimento continuado de programas de saúde. Havia regiões no Paraná que apresentavam intenso crescimento populacional em decorrência do processo de ocupação do solo e do desenvolvimento agrícola, especialmente no norte e oeste do estado.

Mas, de qualquer forma, consolidava-se definitivamente a ênfase que a Secretaria conferia às unidades sanitárias, como principais veiculadoras das ideologias sanitárias do Estado. Entre as atividades previstas para as mesmas pelos órgãos centrais da instituição, destacava-se o controle das doenças transmissíveis, desde a imunização (BCG, antivariólica, antidiftérica e antipertussis, antitifóidica e, nos últimos anos desta década, a Salk), até a comprovação da doença, o isolamento do doente, seu acompanhamento domiciliar e a busca de seus comunicantes. A lepra, a tuberculose e as moléstias venéreas continuavam recebendo atenções especiais, através dos respectivos dispensários que, nestes anos, procuravam estender suas atividades às unidades com maiores recursos. (FERNANDES JUNIOR, 1987, p. 56)

Com o desenvolvimento e a expansão da infra-estrutura de serviços de saúde sob a responsabilidade da Secretaria de Estado, mais evidentes eram as dificuldades relacionadas à qualificação, a lotação e o compromisso dos trabalhadores de saúde com enfoque na saúde comunitária. A capacidade instalada de recursos humanos, equipamentos e insumos não respondia à demanda das comunidades.

Neste período, deu-se inicio à assistência à saúde para o binômio mãe e criança, com enfoque em pré-natal, parto e puerpério. Um novo sujeito passou a protagonizar o trabalho da política de saúde no Paraná: a Associação de Proteção à Maternidade e à Infância (APMIs), entidade de cunho assistencial-filantrópico, financiada com recursos municipais, estaduais e federais, bem como doações de particulares, atuava sob a gestão da sociedade civil e consolidava a proposta de trabalho em saúde com a participação da própria comunidade.

99 Essa foi a estratégia viável para estender a cobertura de serviços de saúde a um dos segmentos mais vulneráveis daquele período: mulheres e crianças. Em regiões especificas do Paraná, apresentavam-se índices superiores a cem e em outras acima de duzentas mortes se por mil nascidos vivos.

As ações de educação sanitária, fundamentadas na concepção e na prática da higiene, aliada à assistência em pré-natal, parto e puerpério, eram as práticas com vistas à redução da mortalidade infantil e materna. Os indicadores de mortalidade materna e infantil denunciam a precariedade dos serviços de saúde e das condições de vida da população paranaense. Essa situação fazia parte da agenda política como um dos problemas de saúde pública que comprometiam a gestão do estado.

A educação sanitária e a distribuição de leite em pó e vitaminas, linhas mestras de suas atividades, as APMIs, executoras dos programas do Departamento Estadual da Criança, somavam às práticas curativas, quase sempre severamente criticadas pelos dirigentes sanitários. Estes, ao pretenderem uma saúde pública fundamentalmente centrada em ações preventivas, desconheciam as angústias (não poucas e não raras) dos profissionais que trabalhavam em contato direto com a população, sem outros recursos terapêuticos a ela acessíveis. Tais práticas, paralelamente, às desenvolvidas pelos postos de higiene, foram progressivamente aceitas, como mandava o bom senso na época. (FERNANDES JUNIOR, 1987, p. 60)

Curitiba foi o berço de desenvolvimento e expansão do trabalho das APMIs, tendo em vista que não havia sido implantada uma estrutura de serviços de saúde sob a gestão municipal – o que só veio a ocorrer na década de 1960. Os postos de higiene e centro de saúde, responsabilidade do estado, priorizavam atenção às doenças endêmicas, enquanto as APMIs desenvolviam atenção a mães e crianças. Deu-se início à distribuição de leite em pó e vitaminas para combater os elevados índices de desnutrição da sua principal clientela, ou seja, a população pobre do meio urbano e rural. Havia produtos oriundos dos Estados Unidos, à época com grande interesse no desenvolvimento social para atingir o crescimento do capitalismo em nosso país.

No documento DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2009 (páginas 96-100)