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Urbanismo Modernista e Saúde em Curitiba

No documento DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2009 (páginas 102-108)

CAPITULO III CONTEXTO SOCIO HISTÓRICO DA ATENÇÃO À SAÚDE NO

3.5 SANITARISMO DESENVOLVIMENTISTA NOS ANOS 1960

3.5.1 Urbanismo Modernista e Saúde em Curitiba

No Paraná, escasseavam os recursos destinados à saúde pública. Os programas eram limitados às práticas profiláticas e preventivas das doenças de magnitude epidemiológica e social enquanto os recursos federais eram capitalizados pela rede hospitalar privada, enquanto

102 a cada ano, os hospitais públicos eram sucateados na sua capacidade de infra-estrutura ou tecnologia instalada. E assim se configurou o papel do Estado em um contexto em que, por fim, o setor privado se expandiu consideravelmente no Paraná.

No discurso de Ney Braga ao assumir o governo do Paraná em 1961, demonstra-se o componente ideológico-político que defende a ocupação dos setores privados no campo da assistência curativa aos doentes:

O grande crescimento demográfico das ultimas duas décadas agravou o problema de saúde no Paraná. A demanda de serviços ultrapassou de longe o nível de oferta que podia ser alcançado pelo Estado. Além disso, diversas doenças antes desconhecidas no território paranaense, aqui surgiram trazidas pela migração. Acreditamos que a função precípua do Estado no setor da saúde pública seja mais a de prevenir do que remediar. Cabe ao Estado organizar e manter os serviços de profilaxia e medicina preventiva [...] Neste critério adotado de concentrar os esforços do Estado no sentido da prevenção das doenças, excluindo-se o de hospitais com destinação específica (lepra, tuberculose, doenças transmissíveis agudas e mentais) atuará o Estado apenas como incentivador e orientador da iniciativa particular [...] (FERNANDES JUNIOR, 1987 p. 67)

Nesta citação, demonstra-se uma conjuntura política ideológica e de bases de consolidação do capitalismo no campo da atividade produtiva de saúde, em parceria com os governos alinhados à tendência de repasse de recursos públicos a iniciativa privada, como se demonstra:

Assim, instigada pelo Estado, a iniciativa particular começava nestes anos a se instalar no setor saúde no Paraná, tendo a seu encargo o inesgotável filão da chamada assistência curativa aos doentes. Eram então multiplicadas as pequenas casas hospitalares, geralmente ligadas a este e/ou aquele medico que já dispunha(m) de um capital acumulado na prática clínica no interior ou em Curitiba. Tal prática terá um significativo incremento na segunda metade dos anos 1960 e nas décadas seguintes, quando este setor de prestação de serviços médicos consumia a parcela de recursos orçamentários destinados à saúde no país. Nestes anos, o Estado atuará como um mero repassador de recursos à iniciativa privada no setor hospitalar, mantendo a seu encargo somente um atendimento ambulatorial precário e ineficiente, além das assim chamadas ações próprias da saúde pública. (FERNANDES JUNIOR, 1987 p. 68)

Na Secretaria Estadual de Saúde, foi criado o Departamento de Unidades Sanitárias (DUS), buscando uma política de incremento das atividades sanitárias desenvolvidas pelos postos e centros de saúde.

103 Em Curitiba, o urbanismo já começava a ser modernista, planejado, contínuo e ascendente, buscando operacionalização de políticas intersetoriais, desenvolvendo as características das gestões municipais. Com vanguarda e pioneirismo, desenvolvia-se tecnologias inovadoras, em diferentes áreas do plano diretor da cidade, com destaque para as vias de transportes e mais tarde para as políticas sociais – que são objeto específico deste estudo.

O chamado urbanismo modernista começou a ser desenvolvido na gestão do prefeito Ivo Arzua Pereira (1964-1968) a partir da revisão do primeiro plano diretor da cidade, implantado na década de 1940. Em julho de 1965, foi realizado o seminário Curitiba de Amanhã, agregando significativa representação de entidades como o Instituto de Arquitetos do Brasil, o Instituto de Engenharia, o Sindicato das Indústrias da Construção Civil, a Associação Comercial do Paraná, a Federação das Indústrias e a imprensa, bem como a administração municipal. O resultado foi a implantação de um grupo local, inicialmente denominado Assessoria de Planejamento e Pesquisa Urbana de Curitiba (Appuc) e em seguida, a partir da Lei 2.828/1966, Instituto de Planejamento e Pesquisa Urbana de Curitiba (Ippuc).

A criação do Ippuc representou a constituição de uma escola técnica de planejamento urbano, pautada pela “modernidade urbana” que então se buscava na sociedade brasileira. O plano diretor de Curitiba foi revitalizado em outras bases: definição do crescimento linear da cidade, alocação de vias de circulação rápidas no sentido centro-bairro, extensão e adequação das áreas verdes preservando a paisagem urbana. Delinearam-se políticas sociais integradas e foi criado o primeiro plano municipal de saúde pública, com ênfase nas questões de saúde e meio ambiente. Pautado em ensaios de organização e gestão de uma tecnocracia urbana, foi desenvolvido um sistema municipal de saúde cujo fundamento desencadeava uma cultura institucional de gestão pública, de base municipal, diversa da tendência de privatização vivida no cenário nacional.

Em Curitiba, o planejamento urbano se dá pela construção permanente da cidade como um todo orgânico intersetorial, que pulsa e traduz as necessidades da população residente na periferia, protagonizando o espaço das políticas públicas a ela direcionadas. A partir das “necessidades” da razão técnica e dos interesses institucionais, iniciou-se um processo de interlocução nos limites de uma conjuntura autoritária de relações do Estado com a comunidade, na dimensão do saber e do poder popular cooptados.

Para melhor compreender o desenvolvimento da política de saúde no município, devem-se evidenciar conjunturas econômicas, políticas e sociais que a determinaram. Cada

104 gestão na prefeitura responde às demandas da área por meio estabelecendo um projeto político estratégico, definindo prioridades, recursos financeiros e desenvolvimento do potencial técnico e humano.

O início da atuação do município de Curitiba na saúde pública ocorreu em 1963, por meio de uma parceria com a Secretaria de Saúde Pública do Paraná, quando o então Departamento de Educação, Recreação Orientada e Saúde da Prefeitura inaugurou o Centro de Treinamento Tarumã. Talvez a iniciativa tenha sido determinante para que, nos anos seguintes, as unidades sanitárias fossem alocadas em espaços compartilhados com as escolas públicas, origem e característica da atenção à saúde no município.

O referido departamento municipal foi transformado em Departamento de Bem-estar Social e em 14 de novembro de 1964, foi inaugurada a sua primeira unidade sanitária, localizada em espaço da Associação de Moradores do Bairro e denominada US Municipal Cajuru, sendo fruto de uma reivindicação da comunidade local. A primeira equipe de saúde foi formada por um engenheiro sanitarista, um médico, auxiliares de saneamento e visitadores sanitários.

Foi criada a Divisão de Odontologia Escolar, dando início ao trabalho odontológico na proposta de atenção a crianças na faixa etária escolar. Em 1966, ocorreu o primeiro levantamento epidemiológico na área de odontologia por meio dos consultórios instalados em três escolas periféricas do município.

Em seguida, foi inaugurada a Unidade Sanitária do Pilarzinho, também atendendo a reivindicação comunitária, e, mais tarde, as unidades São Braz, Vila Leão, Atuba, Tapajós e Uberaba. Todas essas unidades, distribuídas por diferentes regiões da periferia da cidade, atendiam à população mais carente com medicina preventiva e curativa, binômio propagado naquele período.

Ainda no ano de 1966, houve a criação de uma fábrica de elementos sanitários,3 a contratação de um engenheiro sanitário, quatro auxiliares de saneamento básico, seis vigilantes sanitários, um médico, um dentista e um assistente administrativo, demonstrando a perspectiva de uma abordagem multidisciplinar e intersetorial, característica das estratégias de ações de saúde mais amplas, com foco nas questões de base estrutural e qualidade do meio ambiente urbano.

No período, as intervenções do setor saúde eram desenvolvidas em equipamentos sociais descentralizados, alocados em dependências de escolas públicas na periferia de

3 Fábrica de elementos sanitários: estrutura industrial de fabricação de módulos sanitários (fossas sépticas) para

105 Curitiba, inversamente ao modelo de alocação dos postos de assistência médica do Inamps e dos serviços de saúde dos sindicatos de trabalhadores, que se localizavam sempre em regiões centrais das cidades.

Assim, em Curitiba, destaca-se a tendência política de no setor de saúde o planejamento urbano oferecer equipamentos sociais alocados nas áreas periféricas da cidade, atendendo a uma população com renda mais baixa. Nessas comunidades, foram construídos escolas, creches e postos de saúde:

Como explicar, de outro modo, a implantação de postos de saúde, ou de unidades sanitárias, no bairro Cajuru e não no centro de Curitiba, contrariando tendências mercadológicas da época? Isso parece refletir um reconhecimento do papel do poder público no planejamento do espaço urbano e dos equipamentos sociais alocados, numa nítida apropriação da capacidade de direcionar o desenvolvimento social da cidade. Mais ainda, que outro motivo, senão uma clara orientação estratégica da atenção primária conduziu a implantação de consultórios odontológicos em escolas tais como Nossa Senhora da Luz ou Omar Sabbag? (PEDOTTI; MOISÉS, 2000, p. 7)

Para a gestão de 1968-1971, Omar Sabbag tornou-se prefeito por indicação do regime militar. Esse engenheiro sanitarista com trajetória profissional e política na empresa estadual de abastecimento e saneamento (Sanepar) assumiu a administração municipal tendo restrições às tendências dominantes na filosofia de trabalho e prática dos técnicos do Ippuc, que se empenhavam no planejamento urbano da cidade.

Para o prefeito, esses técnicos estavam mais voltados para preocupações estruturais e a estética da cidade, enquanto os problemas sociais mais graves permaneciam sem solução. Assim, em sua gestão ele teceu críticas à hegemonia dos planejadores urbanos modernistas, como eram considerados os técnicos do Ippuc. Tais divergências ideológicas influenciaram a vontade política do chefe do Executivo municipal e teve consequências na discussão e na implantação do plano diretor, que foi mantido por conta de uma fase de arrefecimento durante a gestão Omar Sabbag.

Porém, ainda assim se fortaleceu o papel do Departamento de Obras, enquanto o Ippuc entrou em um período de recessão, direcionando investimentos para a capacitação técnica de seus profissionais, bem como para a expansão dos recursos humanos contratando estagiários ou profissionais recém-formados na Universidade Federal do Paraná – e assim, pela formação e capacitação dos quadros, temos a formação de um grupo corporativo hegemônico que mais tarde se tornou um dos principais atores do desenvolvimento político, econômico e cultural da cidade.

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A gestão Omar Sabbag concentrou esforços para o desenvolvimento de ações programáticas voltadas a grupos de riscos, procurando atender às demandas das populações mais excluídas do acesso a bens e serviços públicos. Foi um período de projetos que deram prioridade assistencial aos cidadãos, intensificando o papel do Departamento de Bem-estar Social. Desenvolveu-se um conjunto de programas sociais junto às comunidades mais carentes e, especificamente na saúde, foram implantadas ações voltadas para os grupos de gestantes, lactentes, infantes, crianças e adultos, que passaram a ser vistos como prioridades da gestão pública, diferentemente das gestões anteriores, com preocupações mais centradas nos aspectos físico-estruturais da cidade.

Os postos de assistência médica (PAMs) eram administrados pela instância centralizadora de nível federal (Inamps) e concentravam poder político e financeiro. Consequentemente, definiam as estratégias de operacionalização dos programas e serviços de saúde. Convém ressaltar que, no período, ocorreram importantes mobilizações para reverter a centralização do planejamento e do financiamento da saúde pública – caso da 3.ª Conferência Nacional de Saúde, que entre seus temas abordou a municipalização da saúde como estratégia de democratização social.

A Constituição Federal de 1967-69 apenas enunciava a saúde como um direito do cidadão, reduzindo-a ao conceito de assistência sanitária hospitalar e médica preventiva (art. 165). A saúde era uma contraprestação que o Estado devia aos trabalhadores, que contribuíam para o novo sistema de previdência social, sendo restrita a esses trabalhadores e seus dependentes.

A Secretaria de Estado da Saúde Pública administrava, em Curitiba, os serviços de saúde preventiva e profilática das doenças coletivas. Ao mesmo tempo, priorizava o repasse de recursos orçamentários para a estruturação e a expansão do setor privado, responsável pelos serviços de maior complexidade da atenção secundária e hospitalar. A concentração de poder nas instâncias federal e estadual determinou o crescimento do setor privado, como também inviabilizou a expansão de serviços de maior complexidade no setor público, inclusive as iniciativas de estruturação de serviços básicos ambulatoriais sob a responsabilidade dos municípios. Por outro lado, a fragilidade da participação social e a desinformação foram determinantes para que os recursos públicos fossem alocados, de forma clientelística, sob o domínio privado.

Esta determinação política teve, nas décadas seguintes, consequências relacionadas principalmente à constituição de monopólios no setor privado, que foi se tornando

107 “proprietário” das estruturas e serviços de saúde de maior complexidade técnica, implementados com recursos públicos. Esse setor concentrou os maiores investimentos em volume de recursos financeiros do sistema de saúde, e permanece inclusive nos dias atuais, neste município.

No documento DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2009 (páginas 102-108)