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2.1. Política Externa e Inserção Internacional Chinesa: A ascensão (ou reinserção) chinesa no sistema internacional (Zhongguo)

2.1.3. A política externa da República Popular da China RPC (1949 em diante)

A partir da instauração da RPC, como vimos anteriormente, os processos decisórios que ditaram os rumos da nação passaram a ser promovidos por apenas um ator político, o Partido Comunista Chinês (PCC). Desta forma, embora o partido contasse com uma estrutura institucional que apoiasse todo o tipo de planejamento estatal no que tange a formulação de política públicas, a palavra final do tocante a integralização de uma ação recaía sobre seu líder Mao Zedong, presidente do partido e líder na nação comunista.

Historicamente, todo o processo de revolução pretendido pelo PCC foi realizado com o apoio da União Soviética, que ajudou o partido comunista durante toda a guerra civil contra o partido nacionalista e os invasores estrangeiros via empréstimos, armamentos e pessoal qualificado. Esta aproximação ideológica fez com que o intercâmbio entre as duas nações continuasse naturalmente com a instauração da República.

Neste sentido, os primeiros anos da República Popular podem ser descritos por uma forte política de alinhamento com a União Soviética e a partir de uma mútua dedicação de ambas as partes em difundir e exportar a revolução comunista para outras partes do globo terrestre. Ao mesmo tempo, as relações internacionais chinesas refletiam um profundo ressentimento com o ocidente, especialmente com os Estados Unidos da América, que ao final da guerra civil chinesa em 1949 passaram a apoiar abertamente (inclusive militarmente) o líder exilado do partido nacionalista (Guomingdang),Chiang Kai-shek e o seu governo constituído na ilha de Taiwan.

As primeiras percepções da república popular chinesa a respeito do sistema internacional foram influenciadas por dois eventos que provocaram uma análise

bastante cética a respeito do dos benefícios de algumas organizações internacionais para o país15. A primeira foi a frustrada tentativa inicial de se obter um assento nas Organizações das Nações Unidas (ONU) em reconhecimento da sua vitória sobre o partido nacionalista chinês (Guomingdang), que ainda era visto como o legítimo governo chinês por grande parte dos países ocidentais. Durante a década de 1950, sem conseguir conciliar os interesses de ambos os lados, que reivindicavam o reconhecimento, a ONU acabou optando por reconhecer Taiwan como o verdadeiro representante chinês, principalmente pelo apoio do a EUA. A única exceção à época foi o governo do Reino Unido, que em janeiro de 1950 optou por conceder um reconhecimento de jure do governo da República Popular, devido a óbvios interesses comerciais com o país.

Outro evento que teve muita influencia na suspeição chinesa em relação às instituições internacionais, e que contribuiu para a manutenção do distanciamento chinês do sistema internacional foi a guerra da Coréia (1950-1953). Com a invasão do norte comunista no sul da Coréia, e se aproveitando de uma saída temporária da União Soviética do Conselho de Segurança da ONU, os EUA conseguiram aprovar uma intervenção no território coreano por meio de uma missão de paz. Os Estados Unidos esperavam que a RPC, desordenada devido a todo o processo de guerra civil, não fosse capaz de arregimentar qualquer tipo de ajuda no território vizinho. Porém, o governo chinês de Mao achou que se os EUA conseguissem neutralizar a invasão comunista norte-coreana no sul do país, teriam capacidade de montar uma base de mísseis em território coreano, e consequentemente atacar o território chinês com mais facilidade. A entrada da China no conflito balanceou a guerra e fez com que o confronto fosse suspenso ,em 1953, sem que nenhuma das partes ganhasse território sobre a outra16.

A institucionalização alinhamento chinês para com a União Soviética foi codificado em 1956 no primeiro Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês. Liu Chaoqi, estadista chinês, em discurso confirmou que as prioridades da política externa chinesa incluiriam um reforço dos laços entre a China e a União Soviética e seus aliados, além de se opor as práticas imperialistas a partir do suporte as tendências dos países em desenvolvimento por independência e descolonização. O congresso também marcou a introdução oficial dos “cinco princípios de coexistência pacífica”, uma das

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Marc Lanteigne -chinese foreign policy an introduction 2009

bases do pensamento chinês em política externa que perduraria muito além da era maoísta. Deve-se notar que, embora á época o partido adotasse uma política de alinhamento com a USSR, os cinco princípios deixavam uma brecha para a cooperação com países não-socialistas.

O “grande salto adiante” (1958-1960) foi uma tentativa feita pelo regime maoísta para acelerar a transição do país para um verdadeiro comunismo e marca um verdadeiro ponto de virada no assuntos políticos internos e externos chineses. A agricultura foi coletivizada formalmente e os camponeses forçados a se agrupar socialmente em comunas, contribuindo para uma grande escassez de comida em que milhares de pessoas foram levadas à morte devido a inanição ou doenças vinculadas.

A desarticulação entre China e União Soviética começa a se desenhar com o a morte do líder soviético Joseph Stalin. Seu sucessor Nikita Khrushchev era visto por Mao como um líder fraco, por iniciar uma nova política para a nação soviética desviante da doutrina revolucionária soviética e aceitar uma coexistência pacífica com os EUA e o ocidente. Neste sentido, pode-se entender todo o processo do “Grande salto..” como uma maneira de se construir um modelo comunista propriamente chinês de desenvolvimento que se diferenciasse do modelo soviético. Outros incidentes como a demanda imediata de Khrushchev para que os chineses pagassem pelas armas vendidas pelos soviéticos durante a guerra da Coréia e a falta de suporte em duas tentativas frustradas de retomar Taiwan em 1954 e 1958. As crescentes críticas de Mao à Khrushchev fizeram com que a União Soviética retirasse todo o seu contingente atuando em território chinês em 1960. Assim, A RPC inicia a década de 1960 isolada tanto do ocidente quanto o Oriente, constituindo poucas relações diplomáticas mesmo com os países em desenvolvimento.

Outro ponto baixo da política externa chinesa na era maoista acontece durante a chamada Revolução Cultural. Com o fracasso do Grande Salto Adiante, Mao começa a se preocupar com a crescente insatisfação popular advinda das políticas econômicas e sociais. Além disso, o líder chinês ficou bastante impressionado com o tratamento dado a Stalin após a sua morte pelas autoridades soviéticas, que criticaram vorazmente o ex- líder. Mao começa a imaginar que a crescente insatisfação popular pudesse levar a sociedade chinesa a se desviar dos princípios comunistas. Com isso inicia uma tentativa de resgatar os valores comunistas através da Grande Revolução Cultural Proletária,

em 1966. A Revolução Cultural marca um ponto baixo na política externa chinesa porque devido as restrições impostas aos estrangeiros durante o período, visto que o país cortou inúmeros laços diplomáticos e permitiu a entrada de poucos observadores internacionais em seu território.

Em 1969, quando os rumos das políticas implementadas por Mao por meio da Revolução Cultural começaram a se mostrar desgastadas, começa a se delinear no horizonte novas perspectivas. Na época, Mao tinha concedido o lugar de ministro da Defesa para o revolucionário LinBiao. Porém, Lin começa a estruturar laços mais fortes com a ala mais extrema do partido e fomentar a sua própria base política. O desenrolar desta história ainda se mantêm incerto, porém o que se sabe é que em 1971, Lin é acusado de fomentar um plano para assassinar Mao e morre em um acidente aéreo em sua tentativa de fuga no deserto de Góbi. Com a sua morte inicia-se outra fase na história da política externa chinesa, com a promoção em seu lugar de Zhou Enlai, revolucionário mais moderado politicamente.

Em meados da década de 1970, a política externa chinesa começa a se movimentar, se distanciando aos poucos de uma interpretação do sistema internacional que levasse em conta somente os interesses e movimentações das duas superpotências em conflito aberto, Estados Unidos e União Soviética. Com a recuperação econômica em andamento na Europa e Japão, via implementação de políticas keynesianas no pós- segunda guerra mundial - via investimentos americanos principalmente – e o crescimento substancial de países emergentes no cenário econômico e político internacional como Índia, o sistema internacional começa a modificar o seu padrão bipolar. A China começa a aumentar a sua rede de relacionamentos com o s países em desenvolvimento, passando a se enquadrar também nesta categoria de países.

As relações internacional da China começam a se transformar a partir do rompimento de relações com a União Soviética, ruptura que foi bastante dura e que chegou a quase uma guerra nuclear entre as duas nações. A partir do momento em que o Partido Comunista Chinês se viu sem a sua maior parceira e grande investidora internacional, inicia-se um processo de tentar retomar paulatinamente o espaço perdido no Sistema político internacional. Esse movimento pode ser entendido através de uma ótica endógena – partindo de dentro do próprio partido – mas também de um ponto de vista exógeno.

Internamente, a partir da ascensão de Zhou Enlai dentro do PCC, inicia-se um processo de aproximação chinesa tanto dos organismos multilaterais quanto dos chamados países emergentes, agora já enquadrados dentro de um arranjo ideológico em que o governo chinês se enxerga como representante. Além deste novo contexto, Zhou torna-se o elemento fundamental durante todo o processo, fomentando conversas e encontros diplomáticos com representantes tanto dos ditos países emergentes, mas também de países europeus e dos EUA.

As perspectivas chinesas sobre as questões internacionais ganham uma nova perspectiva a partir do fim da Guerra-Fria. Com o aumento das relações sino- americanas, o enfoque político chinês no cenário internacional se modifica. Antes tratado através de uma perspectiva conceitual de ascensão e queda de potências hegemônicas, o governo chinês adota um discurso mais liberal de política externa. Neste novo projeto, as prioridades chinesas passam a ser: I) a preocupação de ser tratada seriamente como igual pelas potências dominantes e a necessidade de desempenhar um papel de liderança no mundo em desenvolvimento17; II) o interesse em garantir um ambiente pacífico na esfera regional e assegurar o acesso a recursos energéticos a nível internacional de modo a manter o seu alto nível de crescimento econômico18.

Neste sentido, o governo chinês passa a adotar uma posição um tanto quanto contraditória, porém consistente em matéria de política externa. No campo multilateral, exige e se compromete a manter um Sistema Político onde todos os Estados nacionais sejam tratados como iguais. Já no plano bilateral, o Estado chinês se apresenta como uma opção aos países “em desenvolvimento” não alinhados com o liberal- institucionalismo e seus requisitos básicos - como respeito aos direitos humanos internacionais e a democracia – como opção para a manutenção de relações econômicas e comerciais. Neste sentido a China tem usado a retórica das relações Sul-Sul e o seu respeito incondicional a soberania dos Estados Nacionais como subterfúgio para manter e fazer novos vínculos com países “embargados” comercial e politicamente por instituições multinacionais.

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FOOT, Rosemary. Estratégias chinesas em uma ordem global hegemônica: acomodação e hedging.In:

Os BRICs e a Ordem Global (2009). Rio de Janeiro, Editora FGV, 2009. pp. 128-129.

18

MENDES, Carmen Amado. Política externa chinesa: um jogo em vários tabuleiros. In:YANJIU, Jhonguo [ED.] (2008). Revista de Estudos Chineses.Instituto Português de Sinologia. PP. 233-234

Porém, esta contradição foi muito bem construída pelas elites políticas chinesas. Adotada como “Estratégia da Pomba da Paz”19

, devido à semelhança de seu desenho esquemático com o corpo de uma pomba de asas abertas (Figura 1), o comportamento internacional chinês no começo do século XXI pode ser muito bem interpretado através da visualização de seu esquema. Segundo o autor do estudo intitulado The modernization of China (2008)20, He Chuanqi, este relatório se baseia na experiência internacional dos últimos trezentos anos. Sua composição atual “apela à construção de um ambiente internacional a modernização da China e à cooperação de todos os Estados membros numa base de benefício mútuo” 21

19Idem. Pp 235-236 20

CHUANQI, He (2007).China Modernization Report 2008 - A study on the International

modernization.Disponível em: http://www.modernization.com.cn/cmr2008%20overview.htm. Acessado em 25/05/2011.

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Figura 2.2: Representação Gráfica da “Estratégia da Pomba da Paz”

FONTE: CASS, 2008. Disponível em: http://www.modernization.com.cn/cmr2008overview.htm

Por este diagrama, pode-se ter uma ideia melhor dos objetivos e prioridades internacionais do governo chinês. Na ponta superior, representando a cabeça da pomba, encontra-se a Organização das nações Unidas (ONU). No centro situa-se a região asiática (AsiaAssociation), nas asas direita e esquerda, respectivamente, Europa (Asia Europe Economic Cooperation – AEEC) e Estados Unidos (Asia Pacific Economic Cooperation – APEC). Na cauda, encontram-se respectivamente África, Oceania e América do Sul (Relação Sul-Sul). Diante deste diagrama, podemos perceber que no aspecto das prioridades, as relações Sul-Sul encontram-se ou no final, ou na base das relações internacionais chinesas.