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2. Politica Externa e Inserção Internacional brasileira nos anos 1990 e 2000: Principais diretrizes, estratégias de inserção internacional e a influência dos

2.1. Política Externa Brasileira e inserção internacional no governo FHC

Nos anos 1990, a política externa brasileira ganhou destaque dada a ênfase em processos de integração regional, à abertura comercial e às negociações multilaterais. Com a diminuição das tensões Leste-Oeste, o Brasil inicia uma nova fase de política externa onde se preocupou em possuir uma integração internacional mais proativa, em detrimento de uma posição histórica dos governos militares brasileiros que davam sentido para políticas protecionistas, voltadas para uma ideia de autonomia pela distância34.

Entre os estudos e debates produzidos a partir da análise comparada das políticas externas dos governos FHC e Lula - suas principais diretrizes, repercussões e atuações diplomáticas - podemos perceber algum consenso a respeito de uma clara diferenciação de posicionamento entre os formuladores e executores da política externa dos respectivos governos em relação às estratégias de inserção internacional a serem seguidas pelo país35.

O discurso oficial no governo Fernando Henrique Cardoso pregava uma maior participação brasileira no sistema político internacional através da intensificação de sua integração no modelo político-econômico liberal (reafirmando temas como democracia, o livre-mercado, respeito ao direito internacional, a importância dos regimes

33PAPE, Robert Anthony (2005). “Soft Balancing against the United States”.International Security,

Volume 30, Number 1, pp.7-45. MIT Press

34Idem.

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MAPA, Dhiego (2010). Inserção Internacional no Governo Lula: Interpretações Divergentes. Revista PolíticaHoje,Vol.34(19),n.1.

internacionais e de organizações multilaterais), numa tentativa de reforçar o papel brasileiro como ator importante na economia, no comércio e na governança global36.

No plano multilateral, os analistas de política externa observam que o governo FHC adota uma postura moderada, atribuindo ao direito internacional um papel importante de interlocução com os países centrais do SPI. Neste sentido o governo FHC aceitava a divisão do poder político no campo internacional, as assimetrias na balança de poder, como sendo estas as regras do jogo, cabendo ao Estado brasileiro potencializar o uso dos mecanismos e dos instrumentos de mediação à seu favor37.

Com a Globalização, o peso das questões econômicas, ambientais, comerciais e de competitividade e interdependência estatal38 aumenta, observando-se no campo das relações Internacionais através uma mudança de importância estratégica entre os temas citados acima em relação aos temas ligados à segurança internacional que ditavam à época da Guerra Fria. De forma resumida, podemos elencar as alterações oriundas desta mudança de estratégia no âmbito brasileiro em dois campos: no campo politica interna e da politica externa.

No campo da politica interna destacam-se as medidas neoliberais adotadas no intuito de uma maior integração internacional, como a liberalização cambial, liberalização de importações, liberalização de investimentos estrangeiros, privatização de empresas estatais e a renegociação da dívida externa. No campo da formulação da politica externa, nota-se uma reforma do Ministério das relações Exteriores (MRE), criando-se departamentos, divisões e subsecretarias articuladas entre o governo e sociedade civil onde se pudessem discutir os temas desta “nova agenda” internacional.

Na perspectiva do governo FHC, a visão de futuro era fundamental diante de um ambiente desfavorável, contra o qual a diplomacia deveria atuar a longo prazo, buscando adaptar-se às mudanças. O objetivo não seria a adaptação passiva, mas, no limite do próprio poder, articulado com o interesse de outros estados e forças, o de redirecionar e reformar o ambiente, buscando a possibilidade de participação nos assuntos internacionais por meio da elaboração de regimes mais favoráveis aos

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LAMPREIA, Luís Felipe (1998). Op. Cit.

37 CERVO, Amado (2003). Relações Internacionais do Brasil: Um Balanço da Política exterior da Era

Cardoso. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 45 (1): 5-35.

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KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. (1989).Power and interdependence. 2. ed. Glenview: Scott, Foresman and Company.

interesses brasileiros. Regimes internacionais que, “mesmo não sendo ideais,

representam um inequívoco aprimoramento na matéria”39

(Lafer, 1993, pp. 46-47). Ao aderir, o Brasil estaria garantindo um marco legal internacional para a busca da concretizaçãodos seus interesses nacionais. A reiteração de conceitos como o de global

trader, a interpretação do Mercosul como plataforma de inserção competitiva no plano

mundial, sendo prioritária, mas não excludente, a ideia da possibilidade de integração com outros países e regiões40, representam o lado pragmático do paradigma renovado que permaneceria durante o governo FHC.

A consolidação de conceitos ou sua renovação não se pretendiam neutras. Incorporar o conceito de global trader significava que o Brasil tinha interesses globais, e assim poderia assumir posições e agendas diversificadas, buscando mercados e relações sem vincular-se a um único parceiro. Nesse sentido, explica-se o comportamento não institucionalista no caso do Mercosul e, ao mesmo tempo, institucionalista na agenda multilateral, particularmente perante as organizações mundiais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) ou a OMC. A opção deum

global trader é pela liberalização comercial multilateral em que seus ganhos podem ser

maximizados41. O MRE manteve na década de 1990, e até o final da gestão FHC, o princípio de que “a solução global deve ser o objetivo”42

, ou seja, na formulação de diplomatas, optar pela Alca ou pela área de livre comércio com a União Europeia implicava contribuir para o estabelecimento e para o pleno funcionamento de um regime internacional de liberalização comercial.

Na gestão FHC, consolida-se a estratégia de autonomia pela participação, embora sua evolução tenha sido paulatina desde o governo Sarney através de mudanças internas que respaldassem uma adesão aos valores prevalecentes no cenário internacional43.Se observarmos o gráfico 1 , nota-se claramente uma correlação entre a evolução de volume comercial brasileiro, e o reenquadramento estratégico de inserção internacional. As politicas de liberalização comercial do governo FHC se espelham

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LAFER, Celso. (1993), “Política externa brasileira: três momentos”. Série Papers da Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung, 4.

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BRASIL. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (MRE). (1993), A inserção internacional do Brasil: a gestão do ministro Celso Lafer no Itamaraty. Brasília, MRE

41TulloVigevani, Marcelo F. de Oliveira e Rodrigo Cintra (2003). Política externa no período FHC: a busca

de autonomia pela integração

42Brasil, MRE, 1993, p. 199

claramente no aumento do fluxo comercial, com o impacto no saldo sendo inversamente proporcional ao aumento das importações.

A opção pela aproximação e integração com os países do primeiro mundo, por parte da politica exterior do governo de Fernando Henrique, transformou a balança comercial brasileira, antes promotora da produção interna, em “variável dependente da estabilidade de preços”44

. O que provocou um aumento do fluxo de capitais e da dependência financeira, além da dependência empresarial e tecnológica, com efeitos negativos para a economia nacional.45

A associação com o capital externo resulta em um fortalecimento do poder de barganha das classes dominantes que historicamente sempre buscavam alianças externas para se fortalecerem frente às demandas dos segmentos sociais populares. A busca de aliança com o capital externo nasce do receio ou medo de nossa burguesia em relação às demandas populares, o que se deve ao contexto histórico específico do país em que não ocorreu a radicalização da luta de classes, como ocorreu nos países centrais do

44CERVO, Amado Luiz. “Editorial - A Política Exterior: de Cardoso a Lula”. RevistaBrasileira de Política Internacional, vol. 46, nº 01, jan-jun 2003, p. 5-11. Disponívelem:http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v46n1/a01v46n1.pdf.

capitalismo europeu46. Em função deste fato, a burguesia nacional opta por buscar alianças externas na resolução das questões sociais internas, em vez de se buscar composições internas, através de concessões às reivindicações populares.

As alianças externas podiam se materializar em apoio militar, como no caso da implantação do regime militar em 1964. Ou, ao contrário, poderiam se apresentar de uma forma mais sutil e imperceptível pela via econômica. É o caso, por exemplo, nos anos 1990, do enfraquecimento das demandas populares como consequência dos processos de liberalização financeira e comercial que debilitam o poder de barganha dos sindicatos. Ou seja, as classes mais atingidas em processos que envolvam a integração econômica à comunidade internacional são os segmentos populares que não podem contar com uma rede de proteção social eficiente.

O receio de que as mudanças externas pudessem induzir transformações sociais internas leva à conformação de uma mentalidade extremamente conservadora e avessa a rupturas entre nossa burguesia, que opta pela continuidade e obediência às regras do jogo impostas pelo grande capital internacional. Ou seja, qualquer tentativa de disciplinar ou enquadrar o capital internacional – por mais discreta que possa parecer – aparece no olhar subjetivo de nossa burguesia como uma diferenciação do sistema capitalista que poderia redundar em transformações internas de fortalecimento das demandas populares, sobre as quais os segmentos desta burguesia poderiam perder o controle.

É, portanto, o medo da generalização do conflito e fortalecimento das classes sociais populares que tornam nossa burguesia extremamente conservadora e contrária a qualquer processo de ruptura com as diretrizes do grande capital internacional. Este receio da burguesia nacional quanto às transformações sociais se deve a falta de tradição em lidar com o conflito social.47

Assim, o retorno à uma ordem democrática, a crise do Estado e do modelo de industrialização protegida e a abertura econômica vão redundar em uma importância renovada da política doméstica no processo de formação da política externa, com duas implicações que se reforçam: a potencial diminuição da autonomia decisória prévia do MRE na condução da politica externa e a politização da política externa, em função do seu novo componente distributivo, com a possibilidade da criação de novas coalizões

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Gustavo Viana Machado A internacionalização da economia brasileira nos anos 90 Revista de economia heterodoxanº 10, ano VII • 2008

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Gustavo Viana Machado A internacionalização da economia brasileira nos anos 90 Revista de economia heterodoxanº 10, ano VII • 2008

favoráveis a mudanças do status quo, em face dos incentivos e restrições presentes nos planos doméstico e internacional.

A principal consequência da liberalização política e da abertura econômica foi ter modificado a natureza da politica externa que, além de representar interesses coletivos no plano mundial, passou a ter que negociar interesses setoriais, inserindo-se no conflito distributivo interno. Nesta nova dinâmica, a sustentação de determinada ação tende a adquirir uma dinâmica própria, e o chefe do governo passa a se encarregar da compatibilização dos dois níveis (o coletivo e o setorial) 48.

Como vimos, no governo FHC esperava-se que a articulação do Estado brasileiro às normas internacionais ocidentais de politicas tanto internas quanto externas, resultaria em uma participação mais efetiva na politica e na economia internacional. Esta expectativa se demonstrava em uma ênfase maior na articulação cooperativa brasileira com os países desenvolvidos, e com os países latino-americanos através do MERCOSUL. Para o governo FHC, os ganhos decorrentes do binômio participação-integração, corolário da adesão ao mainstream internacional, deveriam ser sustentados por capacitação em termos de elevados níveis de especialização, particularmente para as negociações comerciais e econômicas. Portanto, alcançar resultados favoráveis ao país e a cada um dos setores interessados seria contemporaneamente o resultado da adesão aos regimes e da competência em utilizar-se deles. Ao mesmo tempo, a adequação do Estado para o contexto negociador e a capacidade dos atores privados de responder adaptando-se aos novos patamares mostrou-se insuficiente. Muitas vezes, as posições brasileiras mantiveram-se defensivas. Em outros, a decisão ofensiva concentrou-se em áreas com competitividade, como a agricultura, mas que não podem representar o conjunto dos interesses nacionais, mesmo quando muito importantes.49

Dentro deste escopo, as relações com a China tiveram incremento expressivo, crescendo em importância nos oitos anos de FHC e alcançando em 2002 a significativa posição de segundo partner comercial do Brasil. O significado desse desenvolvimento é abrangente, não apenas econômico, mas político e estratégico. Essa relação, do ponto de vista brasileiro, concretiza as ideias de universalismo, global player e global trader. O Brasil apresenta-se como interlocutor global, buscando maximizar vantagens em

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Soares, de lima, 2000. Instituições democráticas e politica exterior

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TulloVigevani, Marcelo F. de Oliveira e Rodrigo Cintra (2003). Política externa no período FHC: a busca de autonomia pela integração

diferentes áreas, não apenas no comércio, mas também na área de ciência e tecnologia. Ganhou destaque nessa relação a cooperação bilateral no desenvolvimento de tecnologia de satélites. As relações diplomáticas foram consolidadas. FHC viajou à China e recebeu duas vezes Jian Zemin. Na viagem ao Brasil do presidente chinês, em meio à crise do contencioso sino-americano provocado pela invasão do espaço aéreo chinês por um avião dos Estados Unidos, o governo de Washington solicitou a intervenção brasileira para facilitar uma solução. O Brasil manifestou claramente seu apoio, sendo um dos primeiros a fazê-lo, à entrada da China na OMC, e as negociações desenvolveram-se no sentido de adaptar as preferências bilaterais às regras da organização, o que implicou concessões recíprocas entre China e Brasil. Em Genebra, houve esboços de coordenação de políticas na organização, visto o parcial paralelismo de interesses decorrentes de algumas características comuns, como a existência em ambos os países de amplos mercados consumidores, e por serem os dois receptores de grandes fluxos de investimentos externos diretos. As diferentes inserções na economia internacional não permitiu, porém, uma coordenação consistente. As exportações brasileiras para a China duplicaram durante os mandatos de FHC. O protocolo de cooperação para pesquisa espacial, no âmbito do Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica de 1982, rendeu seus primeiros frutos quando pôs em órbita o primeiro satélite sino-brasileiro Cebrs de uma série de quatro, produzindo conhecimento e riqueza para os dois países. Feiras de negócios de empresas brasileiras foram realizadas na China e vice-versa.