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As relações bilaterais sino-brasileiras no século XXI: Da parceria estratégica à preponderância comercial?

5. Política externa independente (“Autonomia pela diversificação”)

3.5. As relações bilaterais sino-brasileiras no século XXI: Da parceria estratégica à preponderância comercial?

O contexto politico e econômico no início dos anos 2000 podem ser considerados de forma bastante distinta do que se apresentou nos anos 1990. A perspectiva harmoniosa e interconectada difundida após o fim da Guerra Fria na década de noventa chega ao final do decênio sendo bastante contestada. Se do ponto de vista ideológico, houve uma diminuição dos conflitos e dos dilemas capitalismo x socialismo, observa-se uma retomada de questões envolvendo o nacionalismo e religiosidade. Por exemplo, os movimentos fundamentalistas islâmicos, que ressurgem com força.

Do ponto de vista do sistema político internacional, a preponderância unilateral exercida pelos EUA a partir do fim da Guerra Fria possibilitou que o país exercesse o papel hegemônico em relação a mediação dos conflitos internacionais de acordo com os seus interesses, de certa forma deslegitimando ou cooptando os foros internacionais como a ONU. Do ponto de vista econômico, esta preponderância possibilitou ao país uma articulação de uma ordem econômica neoliberal, como a transformação do GATT em OMC e a imposição da mediação das distribuições financeiras entre países pelo FMI e Banco Mundial no sentido de obrigar países periféricos em situação de vulnerabilidade a abrir suas economias e diminuir o papel ativo do Estado na sua regulação.

Com a apresentação de resultados ineficazes em países em que este “modelo” imposto pelos EUA foi implementado, observou-se na virada do século uma mudança de postura no âmbito internacional, onde países em desenvolvimento, passaram a fazer duras criticas a sua utilidade e função. Diante disso, a restruturação da ordem internacional em direção à um sentido mais multipolar e democrático passou a ser defendida pelos países em desenvolvimento. Suas reivindicação iam em direção à uma maior democratização dos centros decisórios internacionais, sejam nas questões politicas, econômicas, sociais ou militares.

Neste contexto internacional é que são fundamentadas as novas relações bilaterais entre Brasil e China, como um reflexo do aumento da importância que estes dois países passam a exercer neste cenário. A evolução da importância no campo da politica e da economia internacional certamente se fez influente sobre as intensificações

das articulações políticas e, principalmente, nas trocas comerciais, como veremos mais adiante.

O início da década de 2000 foi marcado, nas relações sino-brasileiras, pela visita do então Chefe do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) Tang Jiaxuan ao Brasil. No mesmo ano, ocorre a abertura do primeiro escritório da EMBRAER na China, sediado em Pequim. Neste mesmo ano, a China torna-se nossa maior parceira comercial na Ásia, ultrapassando o Japão.

Em 2001, o então presidente chinês Jiang Zemin vem ao Brasil. Àquela época, véspera da entrada da China na OMC, Jiang chega em Brasília para encontrar-se com o presidente Fernando Henrique Cardoso e debater importantes temas bilaterais, como a ampliação do relacionamento econômico e comercial e a intensificação dos processos relacionados à cooperação científica e tecnológica, e as conjunturas politicas e econômicas da Ásia e da América Latina.

Em 2003, toma posse o presidente Lula, inaugurando uma nova linha de politica nas relações bilaterais. No mesmo ano, foi lançado o segundo satélite oriundo do programa aeroespacial sino-brasileiro, o CBERS-2. No mesmo ano os governos assinam um “Memorando de Entendimento em Cooperação Técnica e Científica no Campo dos Recursos Hídricos”79, com objetivo de ampliar os já existentes laços sino-brasileiros de cooperação técnica e tecnológica na utilização, administração e desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos e estabelecer uma relação cooperativa em longo prazo em base de igualdade e benefício mútuo e promover um Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica no Campo dos Recursos Hídricos entre os Governos de ambos os países no futuro. Esta parceria se daria nos seguintes campos:

1.legislação, regulamentação e políticas de gestão de recursos hídricos;

2.sistemas e mecanismos de gestão de recursos hídricos, arranjos institucionais e operacionais;

3.manejo e utilização integrados da água no nível de bacias hidrográficas e em escala regional;

79

MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos- internacionais/bilaterais/2003/b_64

4.desafios da gestão de recursos hídricos e enfoques inovadores para suprimento de água em regiões semi-áridas;

5.planejamento, desenho, construção e administração de projetos de transferência de água a longa distância;

6.proteção de recursos hídricos, provisão de água e tratamento de efluentes; 7.sistemas de alerta e previsão de inundação e técnicas de prevenção e mitigação de desastres;

8.monitoramento hidrológico e informacional, GIS e Sistema de Informação de Água; e

9.ciência e tecnologia, educação, treinamento e construção de capacidade no campo da administração da água.

Estes campos de cooperação seriam desenvolvidos a partir do intercâmbio da informação e literatura dos campos mencionados acima, da discussão e execução de projetos cooperativos bilaterais e no intercâmbio de instituições e projetos de pesquisa.

O ano de 2004 foi um ano importante em diversos sentidos para a relação brasil- China. Historicamente, representaram a conclusão de trinta anos de estabelecimento de relações diplomáticas, celebradas com visitas recíprocas do presidente Lula à China em Maio e do presidente Hu ao Brasil em Novembro. Naquela oportunidade, as visitas representam o entusiasmo da comunidade empresarial brasileira pelo mercado daquele país, principalmente no setor do agronegócio. Estes empresários enxergavam a abertura e expansão do mercado interno chinês para no campo da agricultura como uma opção ao protecionismo crônico dos mercados desenvolvidos europeus e americano.

A viajem do presidente Lula à China foi considerada como uma das mais importantes em sua gestão. Sua comitiva contava com nove ministros de Estado, seis governadores e aproximadamente 400 empresários. O principal objetivo da viajem era salientar ao governo e empresariado chinês a importância estratégica e comercial que o Brasil se propunha a conceder à China neste novo período. Na ocasião, num discurso em Xangai Lula reivindica “uma nova geografia do comércio mundial”80.Sob um clima

extremamente otimista quanto a capacidade de colaboração e cooperação chinesa em

80

Balanço de política externa 2003-2010. MRE, 2003. Disponível em:

http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/visitas-internacionais-do- presidente-lula-e-visitas-ao-brasil-de-chefes-de-estado-e-de-chefes-de-governo-2003-a-2010

termos recíprocos, o Brasil entendia que a China possuía condições de colaborar com o progresso, principalmente no que se refere à investimentos em infraestrutura e na obtenção de produtos brasileiros.

E um comunicado conjunto81, se expressa mais especificamente estes interesses, como destacaremos abaixo:

i. O estabelecimento da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação, a fim de orientar e coordenar o desenvolvimento do relacionamento entre os dois países.

ii. A adoção de um quadro regulatório para dar sustentação à cooperação relacionada às aplicações de sensoriamento remoto ampliará ainda mais os feitos já alcançados e permitirá disponibilizar a terceiras partes os serviços gerados pelo Programa CBERS.

iii. Aprimoramento qualitativo e pelo desenvolvimento estável a longo prazo da cooperação econômico-comercial bilateral.

iv. Constituição do Conselho Empresarial Brasil-China, que agrupa firmas brasileiras e chinesas de grande expressão.

v. Reafirmação, por parte do Brasil, da sua posição sobre o princípio de "uma só China" e ser o Governo da República Popular da China o único governo legal da China, posicionamento esse que vem orientando a política externa brasileira nos últimos 30 anos.

vi. Defesa da democratização das relações internacionais e de um sistema internacional multipolar como fatores fundamentais para enfrentar ameaças e desafios globais e regionais por meio da prevenção e da solução pacífica de controvérsias e com base no respeito à igualdade soberana e ao direito internacional.

vii. Apoio à autoridade das Nações Unidas e ao seu papel central na manutenção de paz e segurança internacional e na promoção do desenvolvimento. Nesse contexto, expressaram a necessidade de reforma das Nações Unidas, inclusive a do Conselho de Segurança, de forma a torná-lo mais representativo e democrático, promovendo as reformas necessárias e adequadas naquele órgão, que deem maior papel aos países em desenvolvimento.

viii. Reforço da cooperação da comunidade internacional com vistas a promover o desenvolvimento econômico e social e a erradicar fenômenos como pobreza,

81

MRE, DAI – Divisão de atos internacionais . Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos- internacionais/bilaterais/2004/b_39

discriminação, desigualdade, entre outros. A parte chinesa expressou sua apreciação pelo empenho positivo do Presidente Lula no combate à pobreza. As duas partes convieram em reforçar o intercâmbio e a cooperação entre os dois Governos nesse campo com o fim de reduzir a pobreza em âmbito global. ix. Manifestaram sua disposição em continuar a fortalecer a coordenação entre si

na Rodada de Doha e impulsionar as negociações com vistas a alcançar os resultados que reflitam interesses de todas as partes, em especial do mundo em desenvolvimento, para que ela se torne verdadeiramente numa Rodada do Desenvolvimento.

x. Manifestaram sua não conformidade com a politização da questão dos direitos humanos e com a adoção de critérios seletivos. Reiteraram também sua intenção de fortalecer o intercâmbio e a cooperação entre si no campo dos direitos humanos.

xi. As duas partes consideraram que a união e a cooperação dos países em desenvolvimento nas respectivas regiões beneficiam a promoção da estabilidade e desenvolvimento regional.

No ano da comemoração dos 35 anos de relações diplomáticas, em 2009, o presidente Lula realizou a sua segunda viajem oficial à China. Na ocasião, em outro comunicado conjunto82, podemos perceber algumas nuances relativas a mudança nas relações postas em exercício pelo governo Lula:

i. Foram assinados instrumentos de cooperação nas áreas política, jurídica, do comércio de produtos agropecuários, científica e tecnológica, espacial, financeira, de energia e de cooperação portuária, que aproximarão ainda mais os povos brasileiro e chinês.

ii. Destacaram o importante papel da COSBAN na orientação e coordenação das inúmeras vertentes do relacionamento bilateral. Manifestaram a intenção de ampliar o planejamento estratégico das relações Brasil-China, por meio de frequentes encontros de alto nível, que permitam intercambiar visões, não apenas sobre temas da agenda bilateral, mas também sobre as grandes questões internacionais e regionais de interesse comum. Mencionaram que essa interação deve ser complementada com o Diálogo Estratégico e as Consultas

82

MRE, DAI – Divisão de atos internacionais . Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos- internacionais/bilaterais/2009/b_6340

Políticas, bem como enriquecida por meio do Mecanismo Regular de Intercâmbio entre a Câmara dos Deputados do Brasil e a Assembleia Popular Nacional da China e de outros mecanismos bilaterais e contatos nas áreas de defesa e de assuntos jurídicos.

iii. Elaboração um Plano de Ação Conjunta entre os dois Governos, a ser implementado no período 2010-2014, que contemple, de forma abrangente, todas as áreas de cooperação bilateral existentes. Para tanto, instruíram os diversos órgãos e instituições integrantes da COSBAN a elaborar, em suas respectivas áreas de atuação, no mais breve prazo possível, o conteúdo do Plano de Ação Conjunta.

iv. Os dois Presidentes expressaram sua satisfação com a contínua expansão do intercâmbio econômico-comercial bilateral e se comprometeram a envidar esforços para promover ainda mais a diversificação das pautas e o incremento dos fluxos comerciais.

v. No âmbito do mecanismo do Diálogo Financeiro Brasil-China, manifestaram a disposição de intensificar o diálogo sobre as respectivas políticas macroeconômicas e de aprofundar a cooperação sobre temas financeiros internacionais, regionais e nacionais de interesse comum. As partes promoverão ainda mais a cooperação financeira entre os Bancos Centrais dos dois países, com vistas a intensificar o intercâmbio e o diálogo sobre assuntos tais como política monetária, cooperação monetária, estabilidade financeira e reforma do sistema financeiro internacional.

vi. Reconhecimento do papel estratégico da ciência e da tecnologia para as políticas de desenvolvimento e competitividade das economias de seus países. Assinalaram, ademais,que a cooperação bilateral é um instrumento-chave para a consecução desses objetivos. Dessa forma, expressaram sua grande satisfação com a assinatura do Plano de Trabalho em Ciência,Tecnologia e Inovação, para os próximos cinco anos, nas seguintes áreas de interesse prioritário: ciências agrárias, agro energia, energias renováveis, biotecnologia e nanotecnologia.

vii. Instalação, em 2010, inicialmente em Pequim, de Laboratório no Exterior (LABEX), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), em parceria com a Academia de Ciências Agrárias da China (CAAS).

viii. Estreitar a cooperação em educação, cultura, imprensa, turismo e esporte.

No primeiro comunicado, de 2004, observa-se uma tônica voltada para o aprofundamento das relações comerciais e técnico-científicas, a defesa de uma reforma

dos organismos multilaterais e a defesa dos Direitos Humanos Internacionais ( pela via da sua não-politização e pela adoção de critérios seletivos). No segundo comunicado, o Brasil já expressa sua preocupação com a promoção e diversificação da sua pauta exportadora para a China. Fato de grande destaque no ano de 2009 foi a recolocação da China como principal parceiro comercial do Brasil, ultrapassando os EUA, que historicamente vinha sendo o principal parceiro brasileiro.

De fato, a preocupação com a especialização complementar da pauta exportadora foi bastante enfatizada ao final da primeira década do século XXI. A principal crítica que se faz a evolução do intercambio comercial Brasil-China seria a dificuldade do Brasil em diversificas e agregar valor aos produtos exportados para a China. A composição da pauta exportadora brasileira ao país asiático se deteve, basicamente, em produtos de matéria-prima bruta e alimentícios, contrastando com o perfil global da pauta exportadora brasileira, um pouco mais equilibrada como vemos abaixo (Gráfico 3.2).

Gráfico 3.2: exportação brasileira por fator agregado – 1964-2010 (%)

Analisaremos abaixo como a evolução deste processo se deu em congruência com o processo inversamente proporcional de diminuição (ou especialização) dos acordos em cooperação científica e tecnológica.

3.6. A reprimarização da pauta exportadora e a especialização dos acordos