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2. Politica Externa e Inserção Internacional brasileira nos anos 1990 e 2000: Principais diretrizes, estratégias de inserção internacional e a influência dos

2.2. Política Externa Brasileira e inserção internacional no governo Lula

Com o início do governo Lula, criou-se uma forte expectativa sobre os caminhos da politica brasileira, tanto no nível nacional quanto internacional. Embora o cenário internacional inicial não tenha sido muito diferente do governo FHC, as mudanças percebidas no governo Lula tiveram algumas diretrizes diferentes como uma defesa mais enfática da igualdade e do equilíbrio internacional, buscando uma crítica mais assertiva das assimetrias norte-sul no SPI e o aumento e a diversificação das relações bilaterais e multilaterais de forma a aumentar o peso do país nas negociações politicas e econômicas internacionais. Estas diretrizes convergiam para uma ação diplomática mais densa e articulada no intuito de aproveitar as possibilidades de um maior intercâmbio econômico, financeiro, tecnológico e cultural. Estes seriam os preceitos básicos da

estratégia de Autonomia pela Diversificação50. No governo Lula, opera-se uma mudança relativa de discurso, que por um lado reafirma a adesão brasileira aos regimes internacionais, porém adota uma posição mais crítica em relação às assimetrias e desigualdades do sistema internacional. Neste sentido, a postura política do governo Lula em relação à política externa procurou expandir as relações brasileiras com os países em desenvolvimento, organizando novos grupos de discussão, reforçando acordos cooperativos e diversificando parcerias comerciais no intuito de aumentar o poder de negociação nos organismos multilaterais.

No governo Lula percebe-se uma mudança de posição tanto no corpo diplomático quanto o discurso presidencial, que passa a adotar uma posição mais crítica em relação às desigualdades do SPI, defendendo a soberania e uma maior igualdade entre os países. Destaca-se neste campo uma articulação mais ativa do governo Lula no campo das relações bilaterais, procurando desenvolve-las com países emergentes e outras potências médias, enquanto que o governo FHC limitou-se ao aprofundamento das relações com as potências médias da União Europeia.

Em seu discurso após a vitória no pleito eleitoral de 2002, Lula fez questão de salientar as diretrizes em política externa, ressaltando o comprometimento com a integração sul-americana e com o compromisso brasileiro em fortalecer e democratizar os organismos internacionais, sobretudo com a ONU51. Em sua posse, Lula deixa claro também que a “a ação diplomática do Brasil seria um instrumento do desenvolvimento

nacional”52

, e este desenvolvimento se daria em três pilares: comércio exterior, capacitação de tecnologias avançadas e busca de investimentos produtivos. Sempre pautado na luta contra o protecionismo e no aumento da exportação nacional.

Na ocasião, Lula também deixa claro o objetivo de aprofundar as relações com países de peso internacional proporcional ao brasileiro, os Brics: “Aprofundaremos as

relações com grandes nações em desenvolvimento: a China, a Índia, a Rússia, a África do Sul, entre outros.” 53

. Neste sentido, observa-se logo em seu primeiro discurso como

50Idem.

51

Discurso do Presidente Eleito Luiz Inácio Lula da Silva, "Compromisso com a Mudança". São Paulo, 28/10/2002. Disponível em:http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discurso.

52

Discurso do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão de Posse, no congresso Nacional. Brasília, 01/01/2003. Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos.

presidente da República uma nova perspectiva de ampliação e diversificação da área de atuação brasileira no exterior, buscando um diálogo mais abrangente com os países em desenvolvimento a partir de uma linha de raciocínio de que esta aproximação daria ao Brasil uma melhor capacidade de defender seus interesses no plano multilateral. Sem que para isto houvesse necessidade de se romper as relações conquistadas com mundo desenvolvido.

Esta nova abordagem sobre as diretrizes brasileiras de política externa estariam delineadas por uma estratégia econômica que procura expandir o comércio de exportações com o estabelecimento de parcerias com paísesde economias complementares à Brasileira, por um lado, e por outro, fortalecer as capacidades de barganha dos países do “Sul”, como um bloco, durante as negociações de caráter comercial nos organismos multilaterais.

Um dos pontos mais fortes em que se observa uma clara diferenciação das políticas externas entre os governos é o campo da cooperação bilateral e multilateral. De certo modo, se traçarmos uma linha imaginária onde em um extremo colocássemos as aproximações e no outro extremo situássemos os contrastes entre as políticas externas dos governos FHC e Lula, teríamos no extremo das proximidades a questão das negociações comerciais multilaterais, onde ambos os governos adotam posturas semelhantes, em convergência com a postura histórica da diplomacia brasileira. Tomemos como exemplo o forte ativismo brasileiro na OMC em ambos os governos. No outro extremo, das diferenças, poderíamos situar a questão das estratégias de inserção internacional e das cooperações internacionais. Principalmente no que tange às relações com outros países periféricos, as chamadas relações Sul-Sul54.

Dentro deste escopo, o de criação de desenvolvimento de parcerias estratégicas com países em desenvolvimento pode ser bem exemplificado a partir das ações diplomáticas voltadas para criação de coalizões como o G-20, o foro IBAS (Índia, Brasil, Africado Sul) e da cúpula América do sul-Países Árabes. Desse modo, a politica externa do governo Lula, pautava-se por uma ação diplomática mais abrangente que o governo FHC, na tentativa de criar condições estruturais em que o Brasil pudesse abrir novos espaços internacionais que fornecessem alternativasa relação assimétrica com o “centro” capitalista - as nações com maior poder econômico, político e tecnológico.

Segundo Amado Cervo, o governo Lula apresenta uma mudança de modelo de inserção internacional centrado em quatro linhas de perspectiva55:

1. a recuperação do universalismo e do bilateralismo (restringido no governo FHC), a partir de uma ação diplomática que procurou diversificar suas parcerias com países africanos, asiáticos e árabes; 2. Priorização da integração estratégica sul-americana;

3. Combate as dependências estruturais e instrumentalização do desenvolvimento nacional;

4. Manutenção do acumulado histórico, principalmente o compromisso com a “ideologia” desenvolvimentista.

Na mesma linha de interpretação, Paulo Vizentini observa em sua análise que a politica externa do governo Lula apresenta três dimensões: a) Dimensão econômica (realista); b)Dimensão política (resistência) e c) Dimensão social (propositivista)56. Em relação ao primeiro aspecto, é necessário manter abertos os canais de negociação com o Primeiro Mundo, obtendo recursos (investimentos e tecnologia),negociando a dívida externa e sinalizando que o governo deseja cumprir os compromissos internacionais, sem nenhuma ruptura brusca. A diplomacia política, por sua vez, representa um campo de reafirmação dos interesses nacionais e de um verdadeiro protagonismo nas relações internacionais, com a intenção real de desenvolver uma “diplomacia ativa e afirmativa”, encerrando uma fase de estagnação e esvaziamento.57

A segunda dimensão está ligada à uma devolução ao MRE de uma posição estratégica na formulação e execução da política exterior. Já a terceira dimensão, a social, está ligada a proposta do governo Lula em construir uma agende internacional

55CERVO, Amado Luiz. “Editorial - A Política Exterior: de Cardoso a Lula”. Revista Brasileira de

Política Internacional, vol. 46, nº 01, jan-jun 2003, p. 5-11. Disponível em:

http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v46n1/a01v46n1.pdf.

56VIZENTINI, Paulo Fagundes. “De FHC a Lula: uma década de política externa(1995-2005)”. Civitas–

Revista de Ciências Sociais, v. 5, n. 2, jul-dez 2005, p. 381-397.Disponível

em:http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/9/1602.

que busque “corrigir as distorções criadas pela globalização, centrada apenas em

comércio e investimentos livres.”58

Dentro desta última dimensão podemos elencar as medidas anunciadas como a revalorização do mercado doméstico e da capacidade de poupança interna, de uma economia de produção e de combate aos fatores internos que debilitam uma ação internacional mais qualificada (como desigualdade social, desemprego, criminalidade, fraqueza e desordem administrativa e caos fiscal), são evidências da construção de tal projeto. As políticas sociais, energéticas, urbanas, fundiárias e produtivas representam uma vontade política neste sentido.

Neste campo, da conjugação entre politica externa e situação domestica, podemos elencar a análise de Soares de Lima (2006) a respeito da repercussão que a politica externa do governo Lula causou nos debates eleitorais das eleições presidenciais brasileira em 2006, em que foi candidato à reeleição. A autora nos relata como a escolha política de aumentar a relação com países em desenvolvimento, em detrimento das relações com países ricos gerou muita polêmica à época.

Controvérsias à parte, é importante salientar o compromisso do Governo com a consolidação das prerrogativas democráticas estabelecidas, na tentativa de estabelecer um padrão de continuidade que possibilitou a vinculação das ações internacionais – no sentido crítico das desigualdades sistêmicas em variados campos – com um esforço interno de combate as desigualdades sócias e compromisso com a diminuição da miséria.

Este discurso crítico a respeito das desigualdades no âmbito internacional estaria vinculado a uma mudança do sentido que o governo Lula entenderia como desenvolvimento nacional. A crítica às vulnerabilidades externas e ao compromisso da política externa com o interesse nacional sempre esteve ligada às questões mais econômicas e sociais. Esta premissa socioeconômica estaria vinculada ao contexto geopolítico estável em que o país esteve inserido historicamente. Do ponto de vista regional e continental, o Estado brasileiro se encontra em relativa segurança desde o inicio do século XX. No começo do século passado, o país já havia solucionado pacificamente todas as disputas territoriais com países vizinhos e o processo de

consolidação do Estado nacional brasileiro se deu se deu em um contexto marcado por resoluções diplomáticas, com poucos conflitos militares abertos.

Este contexto em que o país se encontrava, “geopoliticamente satisfeito”, possibilitou o crescimento de uma política externa voltada para os condicionamentos do desenvolvimento econômico interno e as conjunturas críticas que permeavam o modelo a ser seguido. As conjunturas críticas geralmente são geradas pela combinação de transformações sistêmicas e domésticas – momentos nos quais padrões dominantes de desenvolvimento econômico interno e a inserção internacional consequente destes padrões chegam a um esgotamento e uma nova coalizão sociopolítica emerge, alterando tanto a política econômica externa quanto interna.

No contexto brasileiro do século XX, destacamos duas conjunturas críticas que influenciaram uma mudança de rumo: a crise do modelo agroexportador em 1930 e sua substituição por um modelo baseado na industrialização por substituição de importações (ISI); e na década de 1990, o esgotamento do modelo Industrialização protegida e a consequente adoção de um modelo de integração competitiva com a economia global.

A primeira conjuntura possibilitou que o Brasil se industrializasse rapidamente durante a segunda metade do século XX. O modelo de ISI (que tinha como premissas básicas o papel central do Estado na regulação e no planejamento econômico nacional e na provisão de incentivos produtivos; alto grau de protecionismo; e promoção da participação de investimentos estrangeiros diretos em setores industriais escolhidos como preferenciais pelo Estado59.

Porém, as condições internacionais que possibilitam o nascimento e florescimento de tal modelo podem evoluir ou desaparecer de acordo com a dinâmica histórica. Mas esta dinâmica não leva necessariamente ao desaparecimento simultâneo de instituições, interesses e ideias associadas a tal modelo. No caso brasileiro, nos ajuda a explicar a estabilidade e continuidade do modelo de ISI aspectos como os interesses materiais e valores da coalizão social dominante que apoiava o modelo e as resistências paradigmáticas das formas e ideias antigas continuaram a exercer sobre a visão de mundo das autoridades brasileiras.

A segunda conjuntura, mais recente, se dá pela conformação de aspectos internos e externos ao Brasil. No lado interno, podemos destacar em primeiro lugar o contexto político – o processo de transição do fim do regime militar que governou o país entre 1964 e 1985 para a democracia. Em segundo lugar, o aspecto econômico de instabilidade estrutural advinda da crise fiscal do Estado e do esgotamento do modelo de ISI. No plano internacional, o fim da Guerra Fria e o processo de interdependência econômica resultante da globalização, levaram a conformação de um contexto que levou ao desenvolvimento do modelo de “Autonomia pela Participação” (que explicamos mais detalhadamente na seção anterior sobre política externa do governo FHC).

O ponto que queremos salientar aqui é que embora a década de 1990 possa ser considerada como uma nova conjuntura crítica, tal conjuntura não propiciou um consenso claro e inconteste como a conjuntura critica anterior, criando uma nova realidade interna em que os dois modelos anteriormente citados lutam pela preponderância de um sobre o outro. De um lado temos um modelo “novo”, em que a busca por uma maior credibilidade internacional estava atrelada a necessidade de se enxergar o país pela perspectiva dos seus potenciais parceiros. Sob esta ótica, países como o Brasil, que não teriam as condições realistas clássicas de poder, deveriam optar pelo caminho da institucionalidade, aderindo e se conformando as regras e instituições internacionais. Do outro lado teríamos uma perspectiva que pretendia dar ênfase a uma maior autonomia e ênfase internacional através de uma política desenvolvimentista ativa e que possibilite uma maior articulação com países em situação similar e a construção de um projeto nacional que busque a resolução das desigualdades sociais domésticas.

Assim observa-se no governo Lula, um embate ideológico entre as convenções de desenvolvimento, como explica Fabio Erber60, em que “ a convenção institucionalista restrita, que privilegia a estabilidade de preços ao custo de um desenvolvimento também restrito, detém a hegemonia sobre a convenção desenvolvimentista/neodesenvolvimentista”61

, através de uma coalizão conservadora que sustenta seu argumento na premissa de que as classes sociais mais pobres seriam as mais prejudicadas pela alta da inflação.

60

ERBER, Fabio S. (2010). Convenções de desenvolvimento no Brasil contemporâneo: um ensaio de

economia política. Textos para discussão Cepal-Ipea, 13. Brasília, DF: CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA.

A convenção institucionalista restrita, conforme elencada por Erber, seria mantida do ponto de vista institucional pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central. Seus foco principal seria o estabelecimento de normas e organizações que garantam o correto funcionamento dos mercados, de forma que estes cumpram suas funções de alocar recursos do modo mais produtivo, gerando poupanças, investimentoe, em consequência, crescimento econômico sustentável. Para que isso ocorra, seriam essenciais a garantia dos direitos de propriedade e a redução dos custos de transação, que por sua vez, demanda instituições estatais eficientes. Como os mercados contemporâneos tem dimensão internacional, a abertura econômica comercial e de investimento seria essencial para o desenvolvimento62.

Neste contexto, caberia ao Ministério da fazenda o papel de promotor estatal de agente do Estado brasileiro como estipulante das diretrizes de políticas nas quais o Ministério executa tais diretrizes. Esse modelo seria destinado a evitar as ineficiências do suprimento direto de serviços por instituições públicas estatais para no sentido de garantir o regime de metas inflacionarias do Banco Central. Já o papel do Banco Central - de garantidor das metas inflacionárias – estariaM condicionadas pela estabilidade do “tripé” manutenção da taxa de juros-valorização cambial-metas fiscais primárias. No processo de estabilizar as metas inflacionárias, o Banco Central adota como dispositivo a manutenção de taxas de juros que, embora oscilantes, se mantiveram entre as mais altas do mundo. As altas taxas de juros permitem do lado cambial, a entrada de capitais estrangeiros especulativos, valorizando a taxa de câmbio da moeda nacional e assim, contendo os preções de bens e serviços comercializáveis internacionalmente. Do lado fiscal, obriga a política a estabelecer suas metas em termos primários, restringindo os gastos governamentais em investimentos para o pagamento dos juros da dívida pública.

As consequências desta prática macroeconômica geram perdedores e ganhadores. Segundo Erber, saem perdendo o Estado, elevando o pagamento dos juros da dívida e no setor privado, todos os que necessitam utilizar mecanismos de crédito de famílias empresas. O que geram como consequência a redução da demanda final de bens de consumo e da cadeia produtiva e investimentos de longo prazo. Além disso,

esta prática acaba encorajando o sistema financeiro a concentrar suas operações em títulos públicos em detrimento da concessão de crédito63.

Do lado beneficiário, destacam-se o sistema financeiro em sua totalidade – bancos, seguradoras, fundos de pensão, e as empresas exportadoras de commodities que se beneficiaram da valorização do Real, e pelo fato de serem geradores de caixa, da alta dos juros64. Como se pode perceber, existe uma ampla e poderosa constelação de interesses privados e públicos que se estruturou a partir da combinação juros-câmbio valorizado, estabelecendo uma convenção de que estes elementos seriam essenciais para o desenvolvimento do país.

Esta coalizão de interesses possui instrumentos para consolidar e difundir a convenção que vão do financiamento de campanhas políticas e relações com membros do congresso (lobby), aos enlaces entre burocracia e empresariado. Sem contar com o apoio da grande mídia, que difunde o modelo como estabilidade.

O outro modelo de convenção de desenvolvimento, o “neodesenvolvimentista” repousa sobre cinco pilares:

1. Investimentos em infraestrutura (energia, logística e saneamento);