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Entendendo nosso parceiro: Uma breve introdução histórica sobre a china contemporânea.

2.1. Política Externa e Inserção Internacional Chinesa: A ascensão (ou reinserção) chinesa no sistema internacional (Zhongguo)

2.1.2. Entendendo nosso parceiro: Uma breve introdução histórica sobre a china contemporânea.

Como expomos anteriormente, entendemos que uma mera análise empírica sobre nossa relação bilateral com a China não poderia deixar de vir acompanhada de uma breve apresentação de um contexto histórico mais abrangente. Além disso, o uso da

palavra “breve” no contexto histórico chinês deve ser relativizado, haja vista a amplitude histórica que este país possui8.

Devido ao pouco espaço disposto nesta pesquisa, optamos por iluminar mais especificamente, o passado chinês relacionado às duas questões envolvidas com nosso tema central: A grande disputa interna por uma unificação nacional política e territorial perdida com o fim da Dinastia Qing, seguido por um período de fragmentação, e o tormentoso relacionamento chinês com as nações ocidentais no passado. Estes pontos são importantes para entendermos primeiramente o comportamento chinês em sua política externa e em segundo lugar, o reposicionamento da China no sistema econômico internacional globalizado.

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Para se ter uma ideia, dentro do estudo clássico da História da China, só a parte denominada

contemporânea se alarga por mais de quatro séculos, iniciando-se com o fim da Era Ming e começo da Dinastia Qing, no final do século XVI.

Figura 2.1: Mapa da China Contemporânea

FONTE: http://www.worldatlas.com/webimage/countrys/asia/cnlarge.htm

A questão da unificação chinesa é importante, primeiro, para entendermos como é que o Partido Comunista Chinês nasceu, e em segundo lugar, numa tentativa de “desocidentalizar” a visão comum de que o sistema político implementado pelo Partido Comunista Chinês foi imposto à população chinesa em geral de forma arbitrária - sem que houvesse (e ainda há) um mínimo consentimento e respaldo popular acerca de seu funcionamento.

Nosso segundo tema – as relações chinesas com países estrangeiros – é importante no sentido que através desta reconstrução pode-se entender melhor o comportamento atual chinês, suas ressalvas e suas ações no campo da política

internacional que muitas vezes parecem conservadores, até mesmo inaceitáveis do ponto de vista ocidental.

A Dinastia Qing (1644-1912) conseguiu governar o vasto território chinês durante séculos, porém, uma fonte de problemas durante seu reinado sempre fora o equilíbrio entre o poder central- reservado à etnia Manchu, e as diversas lideranças locais espalhadas por todo o território. A falta de diálogo entre o poder central e as lideranças locais causou a degradação do tecido político e econômico chinês, foi robustecida por uma presença cada vez mais ativa dos povos estrangeiros – basicamente europeus e americanos – que acabaram por difundir entre a sociedade chinesa ideais de raiz tipicamente ocidentais, como democracia, república, livre-mercado, individualismo, entre outros, que iam de encontro com toda a estrutura organizacional político-social clássica chinesa.

De forma simplificada, a decadência do império Qing teve uma correlação forte com a incapacidade de seus dirigentes em conseguir situar de forma clara o império chinês na nova configuração econômica mundial de então. O mercantilismo tinha diminuído os espaços internacionais de tal forma que já não era mais possível de manter a China fora do contexto econômico internacional.

Até então, o Estado Qing não tinha um Ministério das Relações Exteriores. Os negócios com os povos não chineses eram conduzidos por uma variedade de departamentos e órgãos que, de diversas maneiras, insinuavam ou afirmavam a inferioridade cultural e a marginalidade geográfica dos estrangeiros. No Norte, as relações com os mongóis e russos eram feitas através do Lifan Yuan (Departamento de Assuntos Fronteiriços). Já os contatos com missionários europeus eram supervisionados pela Casa Imperial. O contato com os povos não chineses da Coréia e do Sul, Vietnam e Tailândia era intermediado pelos funcionários do Ministério dos Rituais (Spence, 1995). Essas três linhas gerais da administração das relações estrangeiras compartilhavam de premissas fundamentais chinesas de grande importância. Na raiz dela estava a presunção de que a China era o reino Central (Império do Meio) e que os demais países sempre estiveram na periferia. O conhecimento real dos povos mais afastados também era muito fantasioso e espetacular. Desse modo, os governantes Qing nunca tiveram interesse nos ganhos relativos ao comércio exterior e tinha controle absoluto dos estrangeiros que comerciavam com a China. Com a expansão marítima,

este corpo de práticas adotadas pelo governo Qing não demoraria a se chocar com as principais potências europeias, ávidas por novos mercados e produtos.

O primeiro grande choque com o ocidente se deu por causa da comercialização do Ópio, vindo da Índia. A companhia das Índias Orientais (Inglesa) obteve o monopólio da compra do ópio indiano e depois vendeu a licença para mercadores selecionados, conhecidos como “navegadores nativos”. A Inglaterra não queria se envolver diretamente com a venda do narcótico. Depois de vender o ópio na China, os mercadores depositavam a prata recebida na base da Companhia das Índias Orientais, em Cantão e por elas recebiam uma carta de crédito a ser compensada na volta ao continente indiano. Desse modo estabeleceu-se um comércio triangular entre Inglaterra, Índia e China, onde a China comprava o ópio dos comerciantes indianos, que trocavam as moedas por créditos a serem recebidos dos ingleses no seu retorno. Por sua vez os ingleses se beneficiavam da triangulação ao garantir a manutenção da prata em território chinês para a compra de outros produtos, como chá e seda9.

Em 1815, a Companhia das Índias Orientais inglesa enviou uma missão à China que ficou conhecida como missão Amherst. O Objetivo de tal empreitada era aumentar os privilégios comerciais ingleses, abrir mais portos e estabelecer uma residência diplomática na China. Porém, a expedição acabou sendo frustrada logo na chegada em solo chinês. Cansado pela longa jornada marítima, o comandante, Lorde Amherst, foi obrigado a prestar o kowtow em audiência imperial no mesmo dia em que chegou a Pequim, antes mesmo de poder descansar. Ao solicitar um tempo para que se recuperasse, foi ameaçado e depois expulso do Império.

O episódio relatado por Spence (1995), abordado no parágrafo acima, é importante para que entendamos um pouco de como foram complexas as primeiras relações com nações estrangeiras na China moderna no inicio do século 19. Até então, os impérios chineses anteriores estavam acostumados a terem relações apenas com nações fronteiriças ou bem próximas.

O episodio acima culminou no que conhecemos como Guerra do Ópio, e o resultado foi a primeira grande anuência chinesa para com os estrangeiros. As concessões do Governo chinês para o comercio com a Inglaterra ficou estabelecido no

Tratado de Nanquim e estabelecia, entre outras coisas: 1) a abertura de cinco cidades

chinesas para a residência de súditos britânicos e a criação de consulados em cada uma delas; 2) Concessão da ilha de Hongcong ao império britânico; 3) Abolição do sistema de monopólio chinês sobre o comercio. A partir do Tratado de nanquim, seguiram-se tratados com os EUA e França nos mesmos moldes e nas mesmas regiões liberadas para os Ingleses.

Estes acontecimentos, atrelados a incapacidade do governo central em manter uma unidade, desencadearam uma série de revoltas em toda china continental, a população passava por inúmeros problemas em conseguir manter o próprio sustento, o que gerou apelos por uma nova China, mais cosmopolita e de acordo com as novas exigências mundiais.

Neste novo contexto de abertura estrangeira, a esperança dos políticos mais progressistas da China desencadeou um processo de análise crítica da situação chinesa. Com isso, muitos intelectuais, altos burocratas e grandes negociantes passaram a lutar para o estabelecimento de uma República viável em lugar do desacreditado sistema imperial. Exigiam a criação de um novo modelo governamental que seria capaz de transformar o país em um Estado-Nação moderno (dentro de um modelo tipicamente ocidental).

Com o levante dos boxers, o Imperador Qing viu-se incapaz de exercer suas funções e foi destituído para que em seu lugar fosse instalada a República Popular da China. Um parlamento em Pequim, composto de uma coletiva formada por delegações de todas as províncias, seria capaz de manter uma ponte de diálogo amplo entre o centro e a periferia e daria margem à possibilidade de atender melhor os problemas específicos de cada região. A representatividade destas delegações seria garantida através de um eleitorado amplo garantindo voz aos mais variados interesses inerentes à uma nação vasta e heterogênea como a China.

Em 1902, em meio a uma grande agitação popular em torno da primeira eleição nacional da China, o líder político da maioria nacionalista é assassinado. O presidente provisório, Yuan Shikai e o seu Partido Nacionalista (Guomingdang) recém-formado não obteve apoio de todos os generais e nem capacidade política para manter uma união central apoiada pelos partidos então formados. Dessa forma, o poder político ficou descentralizado nas mãos das elites provinciais e com os líderes militares que

ascenderam com a desordem nacional. Do ponto de vista internacional, o Japão – que despontava como potência emergente – invade o território chinês tomando parte da Manchúria (região nordeste da China). O Japão estava convicto em se lançar no continente asiático e promover o seu estilo de desenvolvimento econômico, social e político como sendo o estilo clássico a ser perseguido pelas outras nações asiáticas.

Imersa em um turbilhão político, as décadas de 1910 até 1940 foram atravessadas por intensas batalhas internas. O país fora praticamente dividido em áreas controladas ou por países estrangeiros ao longo da costa sudeste – onde emergiram grandes cidades comerciais - ou controlados por generais - os chamados “senhores da

Guerra”. Muitos intelectuais chineses observavam a esta situação com perplexidade e,

temendo que a unidade territorial chinesa estivesse prestes a ser desmantelada, começaram a estudar todo o tipo de teoria política e organizacional, examinado criticamente a natureza de seu próprio tecido social e debater os valores de novas formas organizacionais, educacionais e todo o sentido de progresso inerentes aos países ocidentais.

Muitos destes intelectuais foram atraídos para as doutrinas marxistas, por meio de uma aproximação com agentes nacionais da União Soviética. Em 1920 já havia no seio da sociedade chinesa a formação de um núcleo do que no ano seguinte viria a ser o Partido Comunista Chinês (PCC). Em Julho de 1921 ocorreu a primeira reunião do partido. Segundo Spence10 o Partido Comunista Chinês ainda permanecia como uma força minúscula no cenário nacional, contando então com duzentos membros, excetuando aquelesvivendo no exterior.

Embora o Guomingdang (Partido Nacionalista) tivesse muito mais prestígio e seguidores, o Partido Comunista foi capaz de dar expressão às aspirações da China no combate ao despotismo dos Senhores da Guerra, das elites latifundiárias e ao imperialismo estrangeiro, além de conseguir dar voz a incipiente, mas já explorada classe operária das cidades costeiras chinesas.

Esta realidade foi capaz de atrair o Guomingdang, fazendo nascer uma aliança que foi possível devido ao desespero geral inerente a grande parte da sociedade civil chinesa, que se via em uma realidade oprimida entre os regimes militaristas e o

imperialismo estrangeiro (que dispunha de privilégios especiais desde os tratados feitos após a Guerra do Ópio). Diante desta situação, comunistas e republicanos não tinham opção a não ser se juntar de forma a incitar o espírito e as capacidades humanas e intelectuais dos chineses contra os inimigos e conseguir uma reunificação territorial. Ideologias à parte, o acordo visava a reunificação através de ações militares e reformas sociais. Reuniram e treinaram uma nova elite militar e formaram associações rurais que se uniram aos operários das cidades litorâneas. Este trabalho obteve êxito em diversas partes em 1926, porém no ano seguinte as divergências políticas em relação ao caminho a ser seguido pelo novo Estado acabaram com os comunistas sendo esmagados e desmembrados pelas forças nacionalistas. O que sobrou de suas fileiras foi obrigado a se refugiar no interior central da China, região montanhosa e extremamente isolada.

O Guomingdang conseguiu consolidar seu domínio sob diversas áreas importantes e, em 1928 unificaram parte da China novamente sob uma única bandeira. O novo presidente, Chiang Kai-shek concentrou-se na implementação de uma série de reformas institucionais e no desenvolvimento da infraestrutura do interior chinês. Também foram feitos esforços para melhorias nos serviços urbanos e no sistema educacional. As zonas em poder dos países estrangeiros não foram afetadas pela reforma, visto que algumas, como os EUA e Alemanha foram importantes parceiros durante o período, contribuindo com dinheiro e pessoal especializado para a reconstrução de um país arrasado pelos anos de fragmentação. O Japão, por outro lado continuava intransigente, mantendo um governo títere ao longo da região dominada da Manchúria11. Entre 1920 e 1930, a Alemanha auxiliou o governo de Nanquim (Chiang Kai-Tchek) nos assuntos militares e de infraestrutura militar. Foi um aliado importante no preparo da guerra contra o PCC, conhecida como a “longa marcha”.

Na década de 1930, o tumultuado processo de tentativa de reforma político- econômica do Partido Nacionalista continuou, porém de forma desorganizada e em paralelo à inúmeros conflitos com o Japão, o PCC e tendo que manter sob controle os

Senhores da Guerra. Em 1937, Chiang Kai-shek deflagrou o seu plano de guerra total

ao Japão (em aliança com o PCC), porém seu resultado acabou com qualquer chance se criar um Estado-Nação forte e centralizado na China. O efeito desta ofensiva total contra o Japão foi desastroso e, em um ano, o Japão conseguiu dominar todo o Leste da

China, privando o Guomingdang dos maiores centros industriais e das terras mais férteis do território chinês. Além disso, a tomada territorial fez com que o governo de Chiang tivesse que ser realocado em Chongqing, região central 1600 km acima do rio Yangzi, impossibilitando o contato do governo como o resto do mundo12. Da mesma forma, os comunistas se viam isolados em sua base em Yan’an, situados na província de Shaanxi. Nesse ínterim, os comunistas se preocuparam em reagrupar o pessoal restante e criaram grandes centros administrativos (chamados sovietes) nas zonas rurais isoladas baseados em uma mistura de reforma agrária e guerra de guerrilhas13. Durante os primeiros anos da frente única contra o Japão, comunistas e nacionalistas conseguiram manter um diálogo. O PCC abrandou suas práticas de reforma agrária e moderou o discurso retórico socialista nas comunidades que iam conquistando paulatinamente. O Guomingdang tentava dar força as reformas econômicas e administrativas. Mas no início da década de 1940, em 1941, os dois partidos voltaram a se enfrentar, imaginando uma possível guerra civil após a expulsão dos japoneses.

A partir do bombardeio de Pearl Harbor, também em 1941, e a consequente entrada dos Estados Unidos na II Guerra, o contexto chinês se modificou positivamente. De um lado, o Japão iniciou uma nova frente de batalha no pacífico, o que o fez realocar estrategicamente suas forças, retirando grande parte do contingente em solo chinês para pontos no Oceano Pacífico. Por outro lado, a China passou a ser tratada como uma “Grande Potência” pelos Aliados e recebeu assessoria militar, empréstimos maciços e equipamentos e combustível. Essas assistências foram concedidas apenas ao Guomingdang, que foi reconhecido como governo legal da China. Os comunistas, em Yan’an tiveram de sobreviver de forma bem rústica, voltando ao padrão radical de confisco de terras e redistribuição de modo a fortalecer o apoio popular no campo.

Depois de demoradas discussões entre os Aliados, em janeiro de 1943, o sistema de extraterritorialidade nos locais dominados por estrangeiros foi abolido em comum acordo14. Em dezembro de 1943, Chiang Kai-Tchek reuniu-se com o presidente americano e primeiro ministro inglês - Franklin Delano Roosevelt e Winston Churchill, respectivamente – na conferência do Cairo, onde os líderes estipularam a devolução da

12 (SPENCE, 1995:421) 13 (SPENCE, 1995:382) 14(SPENCE, 1995:453)

Manchúria e Taiwan ao controle dos nacionalistas (Partido Nacionalista, o Guomindang) depois do fim da segunda Guerra Mundial.

A guerra civil entre o PCC e o Guomindang prosseguiu no pós Segunda Guerra, agora pela luta do controle dos espaços antes controlados pelos japoneses. Os EUA estavam do lado do Partido Nacionalista, embora observassem a sua falta de controle na gestão central do país. Do ponto de vista macroeconômico nesta época foi criado o renminbi (nova moeda popular), como tentativa de conter a hiperinflação advinda da escassez de produtos e investimentos militares, causada pela guerra civil. Os comunistas ainda contavam com o auxílio (bem mais modesto) dos agentes da União Soviética.

Ao final da II Guerra Mundial , em 1945, o Guomingdang encontrava-se desmoralizado internamente pelos longos anos de luta armada e o seu governo enfraquecido por conflitos políticos dentro do próprio partido. Tentando ocupar o “vácuo” estabelecido com a retirada do Japão, o restabelecimento do controle das áreas nipônicas foi feito em desordem devido a falta de pessoal treinado para ocupar os cargos vagos e recursos para a reconstrução da sociedade destruída pelos longos anos de fragmentação. Os comunistas, por sua vez, também se viam em situação precária. Porém, agiram com rapidez para tomar todas as áreas que pudessem dos japoneses derrotados e assegurar uma base firme de apoio popular no Norte da China. Por estratégia, optaram por se concentrar na região da Manchúria, onde viam um importante centro para acumular forças para um ataque final conta Chiang Kai-shek. Em 1948, as forças de Chiang, na Manchúria foram desbaratadas e sua própria base de poder via-se desgastada pela desestruturação socioeconômica. O contexto macroeconômico de hiperinflação e a revolta cada vez maior de intelectuais, estudantes, classes profissionais e trabalhadores urbanos fez com que suas forças remanescentes se desintegrassem. Ao final do ano, Chiang retirava-se com seus partidários para a ilha de Taiwan.

Ao mesmo tempo, no dia 1 de outubro de 1949, Mao Zedong declarava em Pequim a fundação da República Popular da China (RPC). Com a capital em Pequim e como bandeira, a estrela dourada de cinco pontas, com quatro estrelas secundárias que representam a estrela grande o PCC e as quatro menores, as quatro classes constitutivas do novo regime: a burguesia nacional; a pequena burguesia; os operários e os camponeses. Inicia-se assim uma nova era na história da China moderna.

Como vimos, o percurso de unificação chinesa foi um período bastante atribulado e penoso. Muitas vidas foram ceifadas ao longo deste caminho e o país encontrava-se em estado de calamidade. Veremos adiante como este processo influenciou os projetos de reestruturação da política externa chinesa durante a era de Mao no poder, e, mais adiante, como a China optou por reestruturar mais uma vez sua trajetória no final do século XX.