• Nenhum resultado encontrado

5. Política externa independente (“Autonomia pela diversificação”)

3.3. Institucionalização das relações (1974-1990)

Uma década após a instauração do regime militar no Brasil, as relações diplomáticas foram efetivamente abertas através de um conciso comunicado conjunto, assinado pelo então Ministro das relações Exteriores da república federativa do Brasil, Antonio F. Azeredo da Silveira e o então Vice-Ministro do Comércio Exterior da República Popular da China, Chen-Chieh, em Brasília no dia 15 de Agosto de 1974:

“O Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China, em conformidade com os interesses e os desejos dos dois povos, decidem estabelecer relações diplomáticas em nível de Embaixadas, a partir desta data.

O Governo da República Federativa do Brasil reconhece que o Governo da República Popular da China é o único Governo legal da China. O Governo chinês reafirma que Taiwan é parte inalienável do território da República Popular da China. O Governo brasileiro toma nota dessa posição do Governo chinês.

Os dois Governos concordam em desenvolver as relações amistosas entre os dois países com base nos princípios de respeito recíproco à soberania e à integridade territorial, não-agressão, não-intervenção nos assuntos internos de um dos países por parte do outro, igualdade e vantagens mútuas e coexistência pacífica.

O Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China concordam em trocar Embaixadores dentro do mais breve prazo possível e emprestar um ao outro toda a assistência necessária para a instalação e funcionamento das Embaixadas em suas respectivas capitais.” 67

Do ponto de vista político, a importância do comunicado reside no reconhecimento do governo de Pequim como o legítimo governo da China - e não o governo de Chiang, em Taiwan. Tal relação deveria servir, pela ótica brasileira, para reafirmar a presença autônoma e aumentar o prestígio brasileiro no sistema internacional.

Do ponto de vista prático, as relações entre países se desenvolveram lentamente. O primeiro acordo comercial só veio a ser assinado em Pequim no dia 7 de janeiro de

67

MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos- internacionais/bilaterais/1974/b_47/

197868. A partir de então, a corrente de comércio sino-brasileiro começou a evoluir de forma gradual, indo de US$ 19,4 milhões em 1974 para US$ 202 milhões em 1979. Dentre os produtos mais comercializados destacaram-se os produtos primários como algodão, farelo de soja e açúcar pelo lado brasileiro enquanto elementos químicos e farmacêuticos foram os produtos mais importados pelo Brasil da China.69

Na década de 1980, o diálogo entre os países passou a evoluir de forma mais consistente. Da parte chinesa, com a morte de Mao (1976) e o início da era Deng Xiaoping (a partir de 1978), o governo chinês adota uma estratégia diferente de Desenvolvimento, denominada “Quatro Modernizações” 70. A partir de então, o comprometimento chinês com a modernização de seus eixos econômico-produtivos através da dominação de tecnologias avançadas, passou a ter maior preponderância do que o fator ideológico em sua politica externa. No lado brasileiro, os parcos resultados alcançados através do alinhamento com países desenvolvidos levaram o Brasil a investir em outro tipo de politica externa, agora voltada mais para o seu aspecto regional. Aumentaram-se os laços com a América do Sul e Latina e formou-se um novo eixo bilateral em especial com a Argentina. Em paralelo, objetivou-se em termos internacionais aprofundar o estreitamento de relações com outras nações que se identificassem com a realidade socioeconômica brasileira fora da América do Sul, incluindo-se nesta gama os países asiáticos como a China.

Neste sentido, as afinidades entre os países levam à assinatura em 1984 de um

“Protocolo entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a Comissão Estatal de Ciência e Tecnologia no Campo da Cooperação Científica e Tecnológica”, que, de acordo com o seu artigo segundo visava o acordo cooperativo nas

seguintes modalidades:71

a) Intercâmbio de informações e de documentação científica e técnica;

68

MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos- internacionais/bilaterais/1978/b_1

69 BECCARD, Danielly (2011). O que esperar das relações Brasil-China?.In: Revista de Sociologia e Politica

V.19 n° Suplementar: 31-44.

70

Cf. Capítulo dois, seção um.

71

MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos- internacionais/bilaterais/1984/b_51

b) Realização de conferencias, reuniões cientificas, cursos, seminários e simpósios;

c) Intercambio de cientistas, pesquisadores, professores e técnicos de alto nível (doravante denominados "especialistas");

d) Realização de projetos conjuntos de pesquisa cientifica e de desenvolvimento tecnológico nos setores de interesse comum;

e) Outras formas de cooperação a serem acordadas entre as Partes Contratantes.

Em 1985, em um “Memorando de entendimento” também observamos o alargamento das relações através da “satisfação pela ampliação de seu relacionamento em três

novas áreas: consular, cultural e militar”. 72 No mesmo memorando observa-se também uma vontade em expandir o comércio e a cooperação. Assim: “Dentro desse

espírito, e com vistas à contribuir positivamente para o pleno aproveitamento das perspectivas de expansão do intercâmbio, em nível compatível com as potencialidades e complementaridades das economias dos dois países, o Governo brasileiro:

a)concorda em elevar suas compras de petróleo bruto da República Popular da China para o nível de 3 milhões de toneladas em 1986 e, se possível, manter essa meta para 1987 e 1988.

As duas empresas operadoras, Petrobrás e Sinochen, manterão entendimentos a respeito dos tipos de petróleo a serem fornecidos em 1986, assegurada à Petrobrás a importação de uma quantidade mínima de petróleos leves, igual à recebida em 1985.

A Parte brasileira tem o direito de, através de entendimentos prévios entre a Petrobrás e a Sinochen, reexportar para terceiros mercados a quantidade adicional adquirida em 1986.

72

MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos- internacionais/bilaterais/1985/b_57

b)manifesta o interesse em adquirir carvão metalúrgico da República Popular da China, em quantidades a serem negociadas, e de acordo com especificações técnicas a serem definidas. Neste contexto, as empresas operadoras brasileiras registram a intenção de receber, desde já, missões técnicas, amostras e "trial cargoes",para aprofundar a discussão sobre o assunto;

c)toma nota do interesse do Governo da República Popular da China em exportar arroz, milho e algodão e, a esse respeito, assegura que, na hipótese de o Brasil vir a importar esses produtos, para complementar parcialmente o abastecimento doméstico, as ofertas chinesas serão estudadas com todo o interesse, no melhor espírito de contribuir para a diversificação do comércio. Nesse sentido, o Governo da República Federativa do Brasil expressa sua satisfação em ver concretizadas as primeiras operações de compra de arroz chinês, no volume de 32.000 toneladas;

d)em apoio ao esforço de promoção do intercâmbio bilateral, propõe o aprofundamento das discussões em torno da questão do frete marítimo, de modo a favorecer, tanto quanto possível, o barateamento dos produtos comercializados entre os dois países;

e)manifesta o interesse no desenvolvimento de um programa de cooperação tecnológica e econômica, no setor de transportes, com ênfase, numa fase inicial, nas modalidades portuária e rodoviária. Com esse objetivo, os Governos da República Federativa do Brasil e da República Popular da China comprometem-se a tomar as providências cabíveis, com vistas à troca de missões técnicas, para dar seguimento às discussões sobre o assunto.”73

Já o Governo da República Popular da China “expressa sua disposição em

colaborar com o Governo da República Federativa do Brasil, com vistas à implementação dos propósitos enunciados no parágrafo anterior” e:

a)concorda em que suas compras de produtos siderúrgicos brasileiros para 1986 – incluídas neste total as compras de ferro-gusa – sejam superiores às de 1985, e, se possível, manter esse novo volume, em 1987 e 1988;

b)concorda em elevar suas compras de minério de ferro brasileiro ao nível de 2,5 milhões de toneladas em 1986, e, se, possível, manter ou ampliar esse volume em 1987 e 1988;

c)toma nota do interesse brasileiro em exportar 50 mil toneladas de celulose .para a República Popular da China em 1986 e, a esse respeito, assegura que as propostas brasileiras serão estudadas com todo o interesse;

d)concorda em importar, com esforços, em 1986, 50 mil toneladas de alumínio de lingote ao Brasil;

e)manifesta o interesse em continuar a adquirir toras de madeira brasileira, em quantidades a serem definidas. O Governo brasileiro toma nota do interesse chinês por esse produto e assegura que serão concedidas facilidades às empresas brasileiras, para que vendam o produto à República Popular da China, enquanto permanecer a autorização temporária de exportação pelo Brasil;

f)toma nota do interesse brasileiro em exportar diversos tipos de veículos e bens de consumo brasileiros; e

g)manifesta a intenção de continuar a adquirir, em 1986, produtos petroquímicos brasileiros, se possível em quantidades equivalentes à média dos dois últimos anos.”74

Como podemos perceber, as relações sino-brasileiras no campo comercial evoluíram bastante, alcançando em meados de 1980 o recorde na corrente de comercio entre os países, elevando a China ao segundo maior mercado asiático para as exportações brasileiras, atrás do Japão.

A década de oitenta também foi palco do mais bem sucedido acordo de cooperação em ciência e tecnologia que o Brasil e China fizeram até hoje. A proposta de construção conjunta de satélites de sensoriamento remoto – China-Brazil Earth

Resource Satellite (Cbers) – lançada em 1988, insere-se dentro do contexto em que as

duas nações pretendiam há época: de inserirem-se de forma autônoma frente às nações desenvolvidas e suas restrições à aquisição de tecnologias impostas em seus acordos. O protocolo estabelecia a aprovação do Relatório de Trabalho sobre a Pesquisa e Produção Conjunta do Satélite Sino – Brasileiro de Recursos da Terra, assinado em Beijing, no dia 04 de março de 1988, pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST). E designava o Instituto de Pesquisas Espaciais do Brasil (INPE) e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST) como entidades executoras para a pesquisa e produção conjunta do Satélite Sino – Brasileiro de Recursos da Terra, cabendo-lhes celebrar os atos necessários para a execução do projeto para a pesquisa e produção conjunta do Satélite de Recursos da Terra.75

Entre o fim da década de 1980 e 1993, as relações sino brasileiras arrefeceram devido a problemas internos em cada país. No Brasil, crises financeiras e a reforma política (processo de redemocratização, moratória da divida externa, e hiperinflação) fizeram que o Estado diminuísse sua atenção externa. Enquanto isso, na China pressões internas para uma inclusão maior dos seus cidadãos (na politica a e na nova diretriz econômica), assim como o fim da USSR, fizeram com que a China se fechasse durante algum tempo para o mundo.