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Analise de Politica Externa: A influência das elites políticas e econômicas nacionais na política externa estatal.

Como última instancia analítica, objetiva-se nesta seção elencar sinteticamente o papel das elites nacionais na condução da politica externa. O pressuposto central de nossa pesquisa seria de que as relações bilaterais sino-brasileiras na primeira década do século XXI passaram por “adequações” que alteraram o eixo central da relação bilateral – fixado na parceria cooperativa técnico-científica nos anos 1990 para o campo do comércio (e dentro deste campo ainda ocorreu um desnivelamento forte entre os países baseado em um processo de complementaridade tipicamente desigual).

Estas adequações teriam em sua origem, de um lado a reconfiguração dos eixos produtivos internacionais, onde a China conseguiu se reposicionar como a maior produtora de produtos manufaturados em uma relação simbiótica com os EUA - tema que no próximo capítulo abordaremos melhor.

Do outro lado, no plano nacional, temos a consolidação no governo Lula de uma política macroeconômica embasada na manutenção dos privilégios e incentivos a dois grandes grupos setoriais: O setor bancário e o setor dos agronegócios. Nossa hipótese de pesquisa seria de que estes dois fenômenos, um a nível internacional e outro a nível nacional, possibilitaram o engendramento deste contexto.

Nesta seção tentaremos expor mais explicitamente como as teorias de análise de política externa conseguem explicar mais especificamente o relacionamento entre as elites políticas e econômicas nacionais e como esse relacionamento possibilita a reordenação dos objetivos da política externa.

Dentro do estudo e da análise em Economia Política Internacional, existe um debate mais específico que vem sendo discutido por várias escolas e paradigmas diferentes. De forma geral, como vimos anteriormente, nos debates sobre EPI não resta nenhuma dúvida sobre a centralidade do Estado Nacional como ator fundamental no

sentido de dar projeção e defender os diversos interesses nacionais no campo internacional. Porém, mesmo reconhecendo o Estado como uma peça chave para se pensar sobre as conexões entre a política e economia global e os interesses dos governos nacionais, uma pergunta se faz pertinente: Seria o Governo nacional o único ator a ser analisado como ponto focal nas relações interestatais? Qual o papel das elites políticas e econômicas nacionais na formulação das diretrizes de política externa?

Do ponto de vista realista, os estados seriam os primeiros e mais importantes pontos de análise e, assim sendo, as políticas públicas seriam os lugares onde se deve olhar. A análise seria então direcionada para o entendimento em quais seriam as fontes e quais as implicações de um determinado comportamento do Governo.

Em outras escolas de pensamento, como a britânica, autores como Susan Strange e Robert Cox divergem desta linha de pensamento realista e procuram mostrar que a análise pode ser muito mais abrangente do que a conformação entre estado e suas políticas, relevando a importância de outros atores não estatais no processo. A Teoria Crítica tende a focar nas relações entre as fronteiras estatais em outras formas além da ação estatal como objeto de investigação.

Neste caso, o trabalho de autores como Peter Katzenstein (1978) e Ronald Rigowsky (1989), que enfatizam a influencia de fontes domésticas na política externa econômica dos países nos concede uma visão mais completa a respeito das fontes não governamentais na moldura do comportamento político dos governos.

Dentro do amplo escopo das Relações Internacionais, podemos distinguir níveis analíticos que são mais comumente utilizados. Dentro da corrente Realista, o modelo de analítico de Kenneth Waltz (1959), baseado em uma categorização “imagética” tricotômica poderia explicar as causas da guerra através de um ordenamento em de suas plausibilidades ao: i) Nível individual (natureza humana); ii) Nível das estruturas dos Estados Nacionais ( organização interna dos países); ou iii) Nível Interestatal ( organização externa aos Estados).

O terceiro nível imagético de Waltz corresponde ao nível estrutural de análise, focando-se no Estado Soberano como sendo um ator racional e unitário. Neste nível, a abordagem metodológica tende a entender os propósitos analíticos em questão (as

preferências governamentais) como sendo constantes, endógenas, ao invés de variáveis, ou exógenas.

Do ponto de vista da perspectiva das políticas comparadas, o comportamento estatal também pode ser estudado de “dentro para fora”, ou seja, concentrando-se nas características internas do Estado, mais do que no ambiente externo. Convencionalmente chamado de nível doméstico de análise nas Relações Internacionais, este seria equivalente ao segundo nível imagético proposto por Waltz. Dando atenção às interações estratégicas entre todos os atores domésticos – sejam eles governamentais ou não – objetiva-se verificar a influência destes atores na condução da política externa, assim como verificar as configurações institucionais em que os interesses diversos dos grupos dominantes são mediados e convertidos em políticas (Cohen, 2008:120).

Nos debates sobre teoria das Relações Internacionais mais clássicos, as abordagens sistêmicas e domésticas em variados níveis foram utilizadas, de forma que os mesmos acabaram sendo acompanhados e utilizados nos estudos de Economia Política Internacional.

A análise da influência das estruturas domésticas na política externa como unidade de análise em EPI foi influenciada por Katzenstein de forma importante. Em seu livro Between Power and Plenty (1978), partindo da premissa de que as respostas das políticas estatais dos países industrializados para o enfrentamento da crise energética gerada pelo choque do petróleo seriam insuficientes, o autor percebe que elas variavam bastante de um país para outro. Mas por quê? Segundo o autor, a resposta poderia ser encontrada na análise das estruturas políticas domésticas onde se pode encompassar as coalizões governamentais que definem os objetivos políticos e a organização institucional em que se condicionam os instrumentos políticos (Katzenstein, 1978). Assim, nas palavras do autor:

“International explanations do not adequately explain why an international challenge, such as the oil crisis, elicitsdifferent national responses. Despite the enormous growth of different forms of international interdependencies and transnational relations, the nation-state has reaffirmed its power to shape strategies of economic policy… Today’s international political

economy remains unintelligible without systematic analysis of domestic structures.” (Katzenstein, 1978:4-5)

Trinta anos após esta afirmação, em 2008, a crise financeira internacional ainda suscita os mesmos tipos de indagações, provando a força explicativa e explanatória das estruturas domésticas. Nossa aproximação com os preceitos de Katzenstein também emergem da perspectiva histórica no sentido de definir os padrões de análise. Para o autor“[The] Contemporary structures are rooted in some of the major historical

transformations of the past” (Katzenstein, 1978:323).

Indo nesta direção a abordagem de Robert Putnam (1988) também pode ajudar a iluminar as a análise de nossa pesquisa. Conhecida como “two-level game”, a abordagem de Putnam enfoca o papel dos governos nacionais como mediadores entre as forças externas e internas. Desse modo este “jogo de dois níveis” seria, do lado nacional, jogado entre as autoridades públicas e os setores sociais mais influentes, enquanto pelo lado internacional, o jogo seria entre governantes dos Estados. Assim, o comportamento de um Estado poderia ser entendido como um produto dos esforços dos

policymakers em intermediar os interesses entre os dois níveis.

Estas linhas de análise foram bem condensadas por Ronald Rogowsky (1989) em seu livro Commerce and Coalitions. Em seu modelo de análise, as políticas domésticas de comércio refletem diretamente o posicionamento de classes ou grupo dominantes. Neste modelo, as políticas comerciais adotadas pelos países refletem diretamente o embate interno entre os grupos, ou classes de importadores de matéria-prima, de um lado, e dos exportadores do outro.

Para fins de nossa pesquisa, acreditamos que a análise em dois níveis (nível sistêmico - internacional e estrutural – doméstico) seria interessante no sentido de explicar:

1) Através de uma perspectiva histórica, a (re) inserção da China na economia mundial a partir da década de 1980, e como esta ascensão provocou mudanças em todo o eixo produtivo mundial;

2) Como estas mudanças podem ser contextualizadas com a evolução das relações bilaterais sino-brasileiras; e sua respectiva mudança entre as décadas de 1990 e 2000.

3) Qual foi a influência dos blocos políticos e econômicos dominantes na mudança de perspectiva no tocante as relações sino-brasileiras na década de 2000.

Capitulo 2:

2.1. Política Externa e Inserção Internacional Chinesa: A ascensão (ou reinserção)