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A política urbana no contexto neoliberal: planejamento urbano estratégico

1. POLÍTICA URBANA E DIREITO URBANÍSTICO

1.3. A política urbana no contexto neoliberal: planejamento urbano estratégico

Conforme debatido anteriormente, a positivação de conceitos ligados ao direito à cidade na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade é fruto de uma longa trajetória de luta pela reforma urbana. Não é possível, porém, ignorar as contradições geradas entre o momento político vivido pelo Brasil – fim da Ditadura Militar – com o contexto de crise econômica global, que culminou na adoção de preceitos neoliberais nos textos normativos, na estrutura administrativa e, consequentemente, na construção e efetivação de políticas públicas. A seguir abordaremos como o pensamento neoliberal interferiu no modo de pensar a política urbana no Brasil e quais as suas consequências, já que estamos tratando de um país subdesenvolvido.

Antes de adentrarmos no debate sobre como o neoliberalismo passou a permear todas as formas de sociabilidade e estruturas estatais, vale apresentar de forma breve o que para

105MALERONKA, Camila. Projeto e gestão na metrópole contemporânea: um estudo sobre as potencialidades do instrumento 'operação urbana consorciada' à luz da experiência paulistana. 2010. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, University of São Paulo, São Paulo, 2010. p. 31.

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muitos pesquisadores existiu antes dele: o fordismo. David Harvey, por exemplo, enxerga-o como algo além de organização do trabalho, ou sistema de produção: um modo de produção que molda o estilo de vida das pessoas, caracterizado pela produção e consumo de massas assalariadas. Sob uma perspectiva estética, a expressão do fordismo no urbanismo se dava pelo paradigma modernista. Com o seu colapso e as intensas mudanças políticas, sociais e econômicas alterou-se, também, o estilo de planejar a cidade e a própria estética das novas edificações. Elas assumiriam, portanto, um caráter pós-moderno.106 Influenciada por Harvey, Maleronka diz que:

O abandono progressivo do paradigma modernista em favor de novas formas de abordagem do objeto urbano coincide com o processo de integração dos mercados mundiais, de reestruturação produtiva e de crise fiscal das máquinas públicas que motivaram a adoção de um enfoque cada vez menos provedor e mais regulador da atuação estatal.107

Assim, além das mudanças na organização e funcionamento da administração pública, e nas próprias relações sociais, o neoliberalismo também deixou suas marcas na legislação urbanística e na própria organização da cidade. Nesse sentido, Harvey entende que:

No campo da arquitetura e do projeto urbano, considero o pós-modernismo no sentido amplo como uma ruptura com a ideia modernista de que o planejamento e o desenvolvimento devem concentrar-se em planos urbanos de larga escala, de alcance metropolitano, tecnologicamente racionais e eficientes, sustentados por uma arquitetura absolutamente despojada. O pós-modernismo cultiva, em vez disso, um conceito de tecido urbano como algo necessariamente fragmentado, um “palimpsesto” de formas assadas superpostas umas às outras e uma “colagem” de usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros. Como é impossível comandar a metrópole exceto aos pedaços, o projeto urbano deseja somente ser sensível às tradições vernáculas, às histórias locais, aos desejos, necessidades e fantasias particulares, gerando formas arquitetônicas especializadas, e até altamente sob medida, que podem variar dos espaços íntimos e personalizados ao esplendor do espetáculo, passando pela monumentalidade tradicional.108

Conforme ressalta Camila Maleronka, se antes havia o plano, “baseado em procedimentos racionais” e que “possibilitaria realizar a cidade ideal, com espaços perfeitamente controlados e ordenados”, como era o caso do urbanismo modernista, no pós modernismo ele é substituído pelos projetos urbanos. Valendo-se do conceito dado por Alain

106 HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo. Edições Loyola, 2017. pp, 45-69. 107 MALERONKA, Camila. op. cit. p. 40.

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Avitabile, Maleronka os define como uma “medida de iniciativa pública, que tem por objeto a definição de uma área e de uma estratégia que visa induzir ali certas dinâmicas urbanas”.109

Maleronka demonstra como interpretações mais recentes enxergam plano e projeto urbano como integrantes, em uma relação de horizontalidade, já que o projeto, fragmentado, deve estar alinhado ao plano, que possui uma visão integral110. Entretanto, o que interessa destacar é como a mudança no cenário econômico reverberou na forma de organização do espaço público. Ermínia Maricato critica que “o urbanismo brasileiro (entendido aqui como planejamento e regulação urbanística) não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade, apenas”.111

Nesse contexto, Carlos Vainer nota a recorrência do conceito de planejamento estratégico, que passou a ocupar o lugar deixado pela “derrocada do tradicional padrão tecnocrático-centralizado-autoritário” do planejamento urbano modernista, que mostrava alinhamento com o pensamento que moldou a Reforma Administrativa Burocrática de Getúlio Vargas, no final da década de 1930.112 Pedro Novais Lima Junior define e contextualiza o planejamento urbano estratégico da seguinte forma:

O planejamento estratégico teve origem no meio empresarial, como proposta de ajustes organizacionais (o ambiente interno) para que as grandes corporações pudessem enfrentar a crescente competição no mercado internacional (o ambiente externo).113

Transpondo o conceito de planejamento estratégico para a política urbana, nesses mesmos moldes de “ambiente interno” e “ambiente externo”, temos que o contexto externo se apresenta como uma acirrada competição. Assim, para ser “melhor” e mais atrativa que as outras cidades, é preciso que cada poder público municipal trabalhe no âmbito interno para fortalecer seus pontos fracos e maximizar os pontos fortes.

109 AVITABLE. Alain. La mise em scène du projet urbain. Pour une structuration des marches. Paris, L’Harmattan, 2005. apud. MALERONKA, Camila. op. cit. p. 43.

110 MALERONKA, Camila. op. cit. p, 44.

111 MARICATO, Ermínia. “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil”. p. 121-188. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia (Org.). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 8ª ed. Petrópolis: Vozes. 2013. p, 122.

112 VAINER, Carlos. “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano”. v., p. 75-104. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia (Org.). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos, 8ª ed., Petrópolis, Vozes, 2013, p. 76.

113 LIMA JUNIOR, Pedro Novais. Uma estratégia chamada planejamento estratégico: deslocamentos espaciais e atribuições de sentido na teoria do planejamento urbano. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003. p, 3.

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Percebe-se que, além de o receituário neoliberal baseado no Consenso de Washington ter influenciado fortemente a Reforma Administrativa gerencial da década de 1990 no Brasil, ele também influenciou a maneira de pensar o planejamento urbano. Foi transposta para a ideia de política urbana a própria ideia de identificação da administração pública com a iniciativa privada. Pedro Lima Junior menciona que, com frequência, exige-se do poder público as noções de eficiência e eficácia, bem como a noção de “flexibilidade de seu processo decisório, indicando-o como padrão a ser perseguido”.114

No que diz respeito à importação da lógica neoliberal ao planejamento urbano, logo após a promulgação de uma Constituição Federal baseada em preceitos do estado de bem estar social, Laísa Stroher diz que:

[...] ao mesmo tempo que ocorreu a emergência de uma agenda de efetivação de direitos urbanos via políticas públicas após a crise dos anos 1980, também se observou a emergência da ideia de entrada do capital privado em setores anteriormente associados ao setor público. A própria construção do Estatuto da Cidade (lei federal nº 10257/2001) ilustra bem esse cenário, com a incorporação das operações urbanas consorciadas; espécies de PPP, inspiradas nas experiências internacionais de grandes projetos urbanos.115

Maleronka completa da seguinte forma:

No contexto da Reforma do Estado, em que a viabilização de políticas públicas enfrentou desafios que obrigaram os governos a buscar soluções inovadoras, a parceria público-privada surge, justamente, como uma dessas soluções, capaz de conciliar interesses políticos imperativos de curto prazo e metas de longo prazo. 116

Laísa Stroher, valendo-se dos estudos elaborados por Alvim, Abascal e Moraes caminha no mesmo sentido:

O paradigma do Novo Urbanismo, discutido por Alvim, Abascal e Moraes (2011) com base em Ascher (2010), defende que o planejamento estratégico possui vantagens (como maior adaptação às crises, através de um modelo de intervenção mais flexível com um programa de curto prazo) em relação ao

114 Ibid. p, 4.

115 STROHER, Laisa Eleonora Maróstica. Operações urbanas consorciadas com Cepac: uma face da constituição do complexo imobiliário-financeiro no Brasil?. In: Cadernos Metrópole., v. 19, n. 39, p. 455-477, 2017. p, 460.

51 modo tradicional de planejamento (planejamento integrado). Tais vantagens, se bem geridas, poderiam contribuir decisivamente para amenizar as contradições urbanas e conferir maior qualidade urbanística às cidades, no entendimento dos autores.117

A noção de parceria público-privada será melhor abordada no capítulo 2. Entretanto, vale ressaltar que é possível tratá-las tanto em sentido estrito (nos termos da Lei de Parcerias Público Privadas – Lei 11.079/2004), como também em sentido amplo (definido por Carlos Ari Sundfeld como “os múltiplos vínculos negociais de trato continuado estabelecidos entre a Administração Pública e particulares para viabilizar o desenvolvimento, sob responsabilidade destes, de atividades com algum coeficiente de interesse geral”118). Neste capítulo, para compreendermos a ideia de planejamento urbano estratégico, nos valeremos de seu sentido amplo.

Dito isso, destacamos as impressões de Mariana Fix, ao analisar a junção de interesses entre iniciativa privada e poder público na criação de alternativas para a transformação do espaço urbano:

Os instrumentos de “parceria” tomam como justificativa a crise fiscal, diante da qual o Estado não teria mais condições de financiar as obras urbanas, e portanto deveria assumir o papel de “promotor” (“normativo”, “regulador”, “indutor”), ou seja, de criar as condições que facilitem a instalação da oferta de infraestrutura pela própria iniciativa privada. Desse modo, uma nova forma de associação entre o público e o privado com o Estado seria o melhor caminho, talvez o único possível, para empreender a reordenação do espaço e adequá-lo às novas demandas da economia global.119

É interessante notar que, além dessa parceria se mostrar como uma alternativa que resolve dois problemas de uma só vez, voltamos nossa atenção à ideia de fragmentação do tecido urbano apontada por David Harvey, em relação ao urbanismo pós-moderno. Maleronka alerta para o fato de que “a parceria público-privada foi introduzida na prática urbanística muito atrelada à noção de projeto urbano”120:

117 STROHER, Laisa Eleonora Maróstica. op. cit. p, 465

118 SUNDFELD. Carlos Ari. “Guia Jurídico das Parcerias Público-Privadas”. In: SUNDFELD. Carlos Ari (org.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 22.

119 FIX, Mariana. Parceiros da exclusão: duas histórias da construção de uma “nova cidade” em São Paulo: Faria Lima e Agua Espraiada. São Paulo: Boitempo, 2001. p. 71.

120 MALERONKA, Camila. Projeto e gestão na metrópole contemporânea: um estudo sobre as potencialidades do instrumento 'operação urbana consorciada' à luz da experiência paulistana. 2010. Tese (Doutorado em

52 Nas últimas décadas, a forma de atuação do Poder Público sobre o espaço urbano mudou, assumindo um enfoque mais mercadológico e setorizado, em contraposição ao planejamento tradicional, com foco na ordenação da totalidade do espaço urbano.121

Conforme veremos nos próximos capítulos, as Operações Urbanas Consorciadas, especialmente as paulistanas, com foco nas da Faria Lima e Água Espraiada, são um reflexo do ideário neoliberal, do planejamento urbano estratégico e de projeto urbano focalizado, não levando em consideração a estrutura da cidade como um todo.

Para elucidarmos a questão, é preciso abordar, também, o anseio das grandes cidades pós-modernas em tornarem-se “cidades globais”122. Sobre o assunto, Mônica de Carvalho diz o seguinte:

O tipo ideal que se construiu para definir a cidade global partiu das características comuns observadas nas metrópoles que sofreram o impacto da globalização da economia. O que foi a princípio compreendido como especificidade histórica vivida por algumas metrópoles passou a se constituir em atributo a partir do qual se poderia designar como “global” determinadas cidades. Seria, portanto, “global” a cidade que se configurasse como “nó” ou “ponto nodal” entre a economia nacional e o mercado mundial, congregando em seu território um grande número das principais empresas transnacionais, cujas atividades econômicas se concentrassem no setor de serviços especializados e de alta tecnologia, em detrimento das industriais [...].123

Em São Paulo, Mariana Fix observou a construção de grandes complexos edilícios de características pós-modernas (tanto esteticamente, como também em sua estrutura interna, com equipamentos de segurança de alta tecnologia etc.), também denominados por ela de

História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, University of São Paulo, São Paulo, 2010. p. 47.

121 Ibid.p. 47.

122 A própria expressão “cidades globais” possui relação com as transformações da economia mundial ocorridas a partir da década de 1970. Entretanto, o termo possui forte carga ideológica. Amplamente relacionada à ideia de planejamento estratégico e marketing urbano, serve como um fenômeno que se propõe a transformar o espaço urbano, mas sem alterar verdadeiramente suas estruturas. Em São Paulo, a ideia de “cidade global” indica a construção de um pensamento voltado a impulsionar o seu crescimento nos moldes do empresariado imobiliário paulistano. Cf. FERREIRA, João Sette Whitaker. São Paulo: o mito da cidade-global. 2003. Tese (Doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. p, 55/p, 261.

123 CARVALHO, Mônica de. Cidade Global: anotações críticas sobre um conceito. São Paulo Perspec., São

Paulo, v. 14, n. 4, p. 70-82, Oct. 2000. p. 72. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392000000400008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 10 de junho de 2019.

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“megaprojetos”124. A sua construção, fazia parte da vontade do Poder Público e da iniciativa privada de transformarem a capital paulista em uma cidade global. Fix diz que:

[...] dentro da dinâmica de transnacionalização da economia dos países centrais, são os “megaprojetos” que passam a abrigar as grandes corporações, além de uma série de serviços relacionados aos negócios internacionais, como, por exemplo, empresas de consultoria, auditoria ou finanças.125

Mais adiante, ela completa:

A multiplicação de megaprojetos, como grandes torres de escritório, hotéis, casas de espetáculo, shopping centers e complexos de uso misto, característica da produção das bases hospedeiras produzidas na semiperiferia do capitalismo durante a globalização, aconteceu no Brasil de forma concentrada no tempo e no espaço: na década de 1990 e em um trecho da cidade de São Paulo.126

É importante destacar que, para que a cidade possa atrair para si essas empresas transnacionais, e, consequentemente, atrair o prestígio e todos os benefícios econômicos que elas trazem consigo, o poder público precisa incorporar a lógica do planejamento urbano estratégico. Nesse sentido, Carlos Vainer tece a tese de que as cidades devem se transformar, ao mesmo tempo em mercadoria, empresa e pátria, mesmo que em um primeiro momento isso possa soar contraditório.

A cidade assume a forma de mercadoria a partir do momento em que passa a ser obrigada a “vender-se” para atrair os investimentos do capital interacional. Ou seja, o espaço urbano deve ser organizado de tal forma, que passe a oferecer estrutura o suficiente para abrigar os interesses de seus “compradores”. Vainer diz que:

Tem-se aqui o perfeito e imediato rebatimento, para a cidade, do modelo de abertura e extroversão econômicas propugnado pelo receituário neoliberal para o conjunto da economia nacional: o mercado externo e, muito particularmente, o mercado constituído pela demanda de localizações pelo grande capital é o que qualifica a cidade como mercadoria.127

124 FIX, Mariana. Parceiros da exclusão: duas histórias da construção de uma “nova cidade” em São Paulo: Faria Lima e Agua Espraiada. São Paulo: Boitempo. 2001. 116.

125 Ibid. p, 116. 126 Ibid. p. 160. 127 Ibid. p, 80.

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A construção dos megaprojetos insere-se mais especificamente dentro desse contexto. A peculiaridade da cidade de São Paulo, por estar inserida em um país periférico, se dá no sentido em que a sua inserção dentro da economia globalizada ocorre somente como a receptora dos padrões de consumo impostas pelos países centrais. Isso significa que, visando atingir o objetivo da cidade como mercadoria, a tendência é que a instalação dos megaprojetos aconteça em regiões nobres da cidade, ou que tenham a projeção de serem valorizadas.128

Vale ressaltar que a cidade não é uma mercadoria como todas as outras. Dentre diversos aspectos, pode ser destacado o fato de que a sua promoção é, na realidade, autopromoção. Ou seja, a fim de que possa ser objeto de interesse dos investimentos do capital internacional, a cidade assume também o caráter de empresa.

Nesse sentido, a fim de que seja legitimada a gestão urbana empresarial e o casamento entre o Poder Público e os interesses privados, os governos locais passam a disseminar a ideia de que dessa forma poderá ser aumentada a eficiência econômica da cidade, cujos frutos poderão ser revertidos em melhorias sociais. A prática, porém, demonstra que o retorno à sociedade ocorre somente nas regiões que já eram privilegiadas.

Quanto a isso, observa-se que, apesar de o discurso neoliberal levantar avidamente a bandeira da não intervenção estatal, pela demora na taxa de retorno e pelo alto risco de se investir em determinadas operações, a atuação do Estado na economia se mostra muito bem vinda quando o seu papel é o de agente facilitador. Conforme expressa Vainer, dentro desse contexto, no âmbito urbano, o “novo conceito de planejamento impõe novos atores; o ‘market lead city planning’ exige que os protagonistas das ações e decisões sejam os mesmos que protagonizam as peripécias do mercado”.129 Ao encarar a dinâmica da cidade como sendo semelhante à dinâmica de uma empresa, o protagonismo supracitado trata então de ser absorvido pela figura do businessman e da atuação mais ativa do setor privado nas ações públicas. Assim, aparecem as parcerias público-privadas e as Operações Urbanas Consorciadas.

Conforme explicita Carlos Vainer, fica constituído, então, o terreno para a consolidação da terceira faceta da cidade dentro do planejamento estratégico neoliberal. A população citadina, ao incorporar a noção de que há uma crise urbana, ou seja, ao adquirir a percepção

128 FIX, Mariana. op. cit. pp, 109-135.

129 VAINER, Carlos. “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano”. pp. 75-104. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia (Org.). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos, 8ª ed., Petrópolis: Vozes. 2013. p, 87.

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de que há falência da máquina pública em relação às políticas urbanas, passa a aceitar a ideia de que devem ser tomadas medidas para saná-la. Lança-se mão de um sentimento cívico de crença no futuro da cidade. Ocorre que, dentro do contexto em que essa ideia de cidade-pátria é instaurada, já prevalece a imagem de que é o planejamento urbano estratégico (neoliberal) quem apresenta as soluções para a crise.

Na prática, porém, essa solução não acontece. E segundo Ermínia Maricato, muito embora a utilização de planos alinhados à noção de planejamento estratégico neoliberal tenha se demonstrado quase inútil do ponto de vista prático da intervenção democrática urbana, “a tentativa de resolver problemas com legislação” urbana foi retomada continuamente. Uma das grandes críticas traçadas por Maricato é que os Planos Diretores do século XX, por exemplo, foram elaborados “por especialistas pouco engajados na realidade sociocultural local”130. “O processo não avança pela evolução e aperfeiçoamento das ações, mas parece estar sempre recomeçando do zero”.

Os estudos feitos por Carlos Vainer, Mariana Fix, Camila Maleronka, João Sette Whitaker Ferreira, Mônica de Carvalho e Ermínia Maricato, por exemplo, indicam um alinhamento das Operações Urbanas Consorciadas com todos os pontos até agora apresentados: planejamento urbano estratégico, projeto urbano se sobrepondo ao plano, construção de “megaempreendimentos” na tentativa de inserção de São Paulo na classe das “cidades globais” e parceria entre o poder público e a iniciativa privada na realização de políticas urbanas.

130 MARICATO, Ermínia. “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil”. pp. 121-188. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia (Org.). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 8ª ed. Petrópolis: Vozes. 2013. pp, 139-151.

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