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Certificado de Potencial Adicional de Construção (Cepac), o “Solo Criado” das

2. OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS

2.3. Certificado de Potencial Adicional de Construção (Cepac), o “Solo Criado” das

Conforme mencionado anteriormente, o Estatuto da Cidade prevê a existência e a emissão do Certificado de Potencial Adicional de Construção (Cepac) como mecanismo para viabilizar a operacionalidade de uma Operação Urbana Consorciada:

Art. 34. A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.

Trata-se de uma importante e polêmica ferramenta instituída para financiar uma OUC. Já mencionamos acima que as Operações de maior sucesso econômico utilizam o Cepac como principal ferramenta de cobrar a contrapartida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados que se beneficiarão com a flexibilização das normas de zoneamento. Porém, antes de explicá-la melhor, é necessário darmos um passo para trás e abordar a regulação dos limites de construção, uso e ocupação do solo.

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Conforme mencionado na seção anterior, usualmente, os planos diretores municipais e as leis de zoneamento, por previsão do próprio Estatuto da Cidade, podem prever a possibilidade de flexibilização dos índices que delimitam o coeficiente de aproveitamento do solo urbano. O principal instrumento que possibilita essa operação é a chamada outorga onerosa do direito de construir (OODC)178, também conhecida por Solo Criado. Assim como uma Operação Urbana Consorciada, a OODC é igualmente considerada um instituto jurídico-político para a concretização de políticas urbanas179.

Essa outorga onerosa do direito de construir pode, então, ser concedida pelo próprio município, mediante o pagamento de um valor previamente estipulado. Renato Cymballista e Paula Santoro, ao tratarem desse instrumento, dizem que:

Trata-se de um dispositivo que reconhece a separação entre o direito de propriedade e o direito construtivo, e atribui ao poder público a propriedade sobre os direitos construtivos e a faculdade de vendê-los àqueles que desejarem exercê-la na propriedade urbana. 180

Já nas palavras de Henrique Lopes Dornelas, a outorga onerosa do direito de construir pode ser conceituado como:

[...] o resultado de construção praticada em volume superior ao permitido nos limites do coeficiente único de aproveitamento. Tudo quanto se construa, além do quantum convencionado em tal coeficiente, inclusive no andar térreo, é entendido, como Solo Criado.181

O Estatuto da Cidade diz ainda que os recursos obtidos com a adoção da outorga onerosa serão aplicados para regularização fundiária, execução de programas e projetos habitacionais de interesse social, constituição de reserva fundiária, ordenamento e

178 A OODC passou a ser debatida e utilizada na década de 1980 por municípios como São Paulo, São Bernardo do Campo e Porto Alegre, “onde a dinâmica imobiliária significava a explicitação de grandes interesses do capital imobiliário sobre algumas regiões da cidade”. Cf.: SANTIN, Janaína Rigo. MARANGON, Elizete Gonçalves. O estatuto da cidade e os instrumentos de política urbana para proteção do patrimônio histórico: outorga onerosa e transferência do direito de construir. História (São Paulo), v. 27, n. 2, 2008. pp. 89-109. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/his/v27n2/a06v27n2.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2019. p, 108.

179 Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

180 SANTIN, Janaína Rigo. MARANGON, Elizete Gonçalves. O estatuto da cidade e os instrumentos de política urbana para proteção do patrimônio histórico: outorga onerosa e transferência do direito de construir. História (São Paulo), v. 27, n. 2, 2008. pp. 89-109. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/his/v27n2/a06v27n2.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2019. p, 101.

181 DORNELAS, Henrique Lopes. Aspectos jurídicos da outorga onerosa do direito de construir–solo criado. Jus Navigandi, 2003. Disponível em: <encurtador.com.br/ao145>. Acesso em: 20 mai. 2019. p, 3.

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direcionamento da expansão urbana, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes, criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental, proteção de áreas de interesse histórico e cultural ou paisagístico182. Entretanto, ao realizarem uma análise crítica acerca da OODC, Cymballista e Paula Santoro apontam que “o instrumento só tem potencialidade de aplicação em grandes cidades, onde instala-se o mercado imobiliário mais dinâmico”.183

É interessante notar que, assim como a Operação Urbana Consorciada e o Cepac, o instituto do Solo Criado foi inserido no Estatuto da Cidade apenas após ter sido experimentado em grandes centros urbanos. Segundo Wilderode, uma das justificativas é que a OODC tem relação profunda com projetos que visam melhorar as oportunidades do mercado imobiliário184.

No que diz respeito à Operação Urbana Consorciada, conforme mencionado acima, o Estatuto da Cidade prevê uma figura semelhante à outorga onerosa do direito de construir. Segundo, Laisa Stroher “as OUCs baseiam-se no instrumento da outorga onerosa do direito de construir, com a diferença de que os recursos arrecadados só podem ser investidos na área da OUC”185.

É importante ressaltar, porém, que a diferença entre a OODC e o Cepac vai muito além do nome atribuído ao instrumento e da área de aplicação dos recursos arrecadados. O que importa aqui é o modus operandi dos Cepacs: eles podem ser negociados na bolsa de valores, em leilões públicos e podem ser comercializados em mercados secundários, antes de serem vinculados a um empreendimento dentro da área de intervenção.

Os Cepacs são emitidos pelo poder público. Conforme o site da Prefeitura Municipal de São Paulo, são títulos mobiliários e cada um deles “equivale a uma determinada quantidade

182 Artigos 31 e 26, incisos I a IX do Estatuto da Cidade.

183 SANTIN, Janaína Rigo. MARANGON, Elizete Gonçalves. O estatuto da cidade e os instrumentos de política urbana para proteção do patrimônio histórico: outorga onerosa e transferência do direito de construir. História (São Paulo), v. 27, n. 2, 2008. pp. 89-109. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/his/v27n2/a06v27n2.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2019. p, 101.

184 WILDERODE, Daniel. “Operações Interligadas: Engessando a Perna de Pau”. p. 43-55. In: ROLNIK, Raquel e CYMBALISTA, Renato (orgs.). Instrumentos Urbanísticos contra a exclusão social. São Paulo: Instituto Pólis, 1997. p, 47.

185 STROHER, Laisa Eleonora Maróstica. Operações urbanas consorciadas com Cepac: uma face da constituição do complexo imobiliário-financeiro no Brasil?. In: Cadernos Metrópole., v. 19, n. 39, p. 455-477, 2017. p. 460.

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de metros quadrados de construção adicional ou a modificação de usos e outros parâmetros para um terreno específico”186.

Ao descrever brevemente as funções do Cepac, o Prospecto de Registro da Operação Urbana Consorciada Faria Lima diz ainda que:

Cada CEPAC pode ser utilizado: (i) como área de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a Operação Urbana Consorciada; (ii) como uso não previsto pela legislação ordinária de uso e ocupação do solo, respeitadas as determinações previstas na lei específica da Operação Urbana Consorciada; e (iii) como parâmetro urbanístico que supere as restrições impostas a cada zona pela lei de uso e ocupação do solo.187

De acordo com o mesmo documento, a distribuição do Cepac pode ocorrer de modo público ou privado188. Para que seja pública, a distribuição será realizada por meio de um ou mais leilões no Mercado de Balcão Organizado da B3,189 a depender do registro prévio na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para financiamento das intervenções a que se destinam. Quanto ao modo privado, o documento determina que:

Os CEPAC serão colocados privadamente quando forem utilizados diretamente para pagamento de obras e desapropriações previstas nas Intervenções a que se destinam, bem como para o oferecimento em garantia de financiamentos obtidos junto a instituições financeiras para custeio das referidas Intervenções.190

A B3 diz ainda que, tanto no mercado primário como no secundário, “os investidores podem adquirir os Cepacs (...) através do sistema eletrônico de negociação PUMA Trading

186 GESTÃO URBANA DA PREFEITURA DE SÃO PAULO. Operações urbanas. Disponível em: <https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/estruturacao-territorial/operacoes-urbanas/>. Acesso em: 20 mai. 2019.

187 PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Prospecto de Registro da Operação Urbana Consorciada

Faria Lima. São Paulo, 2004. Disponível em:

<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/arquivos/cep ac/oucfl_prospecto.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2019. p, 30.

188 Ibid. p, 19.

189 Importante lembrar que a data do Prospecto de Registro da OUC Faria Lima referenciado acima é 26 de outubro de 2004, sendo que foi atualizado em julho de 2008. Nessa época, a bolsa de valores de São Paulo, popularmente conhecida como Bovespa, ainda não chamava-seB3 (Brasil, Bolsa e Balcão), nome que surgiu após a fusão entre a BM&FBovespa e a Cetip, em 2017.

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System (da B3)”.191 Além disso, já que a ideia do Cepac é justamente a sua negociação na bolsa de valores, a B3 apresenta, também, uma lista de vantagens para os investidores:

Oportunidade para os investidores que acreditam na valorização imobiliária da região alvo dos projetos da prefeitura, dado que se houver a valorização, provavelmente os CEPACs poderão ser vendidos no mercado secundário por um valor superior ao da aquisição.

Flexibilidade no desenvolvimento de projetos do mercado imobiliário. A permissão para construção de áreas adicionais ou modificações de uso do imóvel pode significar um diferencial nos projetos imobiliários realizados pelas construtoras, gerando um diferencial competitivo frente aos imóveis padrões.

Diversidade de investimentos no mercado imobiliário.192

Conforme visto acima, na outorga onerosa do direito de construir, o ponto chave do instrumento é justamente poder aumentar os limites construtivos de determinado lote que, antes, eram engessados pelas normas de zoneamento de um determinado município. Na operação urbana consorciada, entretanto, a possibilidade de negociação do Cepac na B3 acaba sendo um atrativo maior que a própria possibilidade de flexibilizar os potenciais construtivos do solo.

Nesse sentido, ao analisar de forma crítica as Operações Urbanas Consorciadas e os Cepacs, Laisa Stroher afirma que:

O Cepac é mais um dos produtos financeiros que pretendem conectar os interesses dos agentes do mercado imobiliário (proprietários de terra, construtoras, incorporadoras, empreiteiras) e do mercado financeiro (possíveis investidores), ao mesmo tempo que visa prover os governos locais com recursos para financiar bens públicos.193

Maricato e Ferreira enxergam o Cepac como uma “forma de arrecadação mais rápida dos recursos oriundos da venda de benefícios” urbanísticos.194 Sendo assim:

191 B3. Cepac. São Paulo, 2019. Disponível em: <http://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/negociacao/renda-variavel/cepac.htm>. Acesso em: 20 mai. 2019.

192 B3. Cepac. São Paulo, 2019. Disponível em: <http://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/negociacao/renda-variavel/cepac.htm>. Acesso em: 20 mai. 2019.

193 STROHER, Laisa Eleonora Maróstica. Operações urbanas consorciadas com Cepac: uma face da constituição do complexo imobiliário-financeiro no Brasil?. In: Cadernos Metrópole., v. 19, n. 39, p. 455-477, 2017. p, 460.

194 MARICATO, Ermínia. FERREIRA, João Sette Whitaker. “Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?” In: OSÓRIO, Letícia Marques (org.). Estatuto da

79 Por essa lógica, o Poder Público define um estoque edificável “a mais” na área da operação, lançando antecipadamente no mercado financeiro títulos equivalentes ao valor total desse estoque. Evidentemente, a grande vantagem desse sistema para o Poder Público é a possibilidade de antecipação de arrecadação, que passa a ser feita independentemente do ritmo de andamento da operação.195

Antes mesmo que o Cepac pudesse ser consolidado em lei, Mariana Fix, ao estudar as Operações Urbanas Consorciadas Água Espraiada e Faria Lima, já notara o seguinte:

[...] Como qualquer título financeiro, seu preço era variável: poderia cair, se a Prefeitura emitisse muitos títulos e não houvesse procura, ou subir, se a mudança de zoneamento ou algum atrativo provocasse muito interesse no mercado imobiliário.

[...] A polêmica em torno do CEPAC devia-se principalmente à desvinculação que o título criava entre a compra do Potencial Construtivo (direito adicional de construir) e a posse do lote. Qualquer um poderia comprar o título, independente de ter ou não um lote na região, gerando um novo tipo de especulação imobiliária “financeirizada”.196

É importante ressaltar que, embora esse modelo de Cepac tenha sido criado na Operação Urbana Consorciada Faria Lima, em 1998, sua regulamentação ocorreu somente com o Plano Diretor Estratégico paulistano de 2002 e só pôde ser implementada integralmente em 2004, após sua inclusão no Estatuto da Cidade e com a normatização da CVM, na Instrução 401. A primeira OUC a utilizar os Cepacs após a completa regularização foi a da Água Espraiada que, segundo Lima Neto, Krause e Balbim acabou “resultando em uma financeirização do potencial construtivo e da expansão urbana”197.

É importante destacar que, apenas 5 OUCs possuem Cepacs listados e em processo de leilão e negociação na B3. São as Operações Água Branca, Água Espraiada, Faria Lima, Linha Verde e Porto do Rio de janeiro. As três primeiras são de São Paulo/SP, a quarta, de

Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para a cidade brasileira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris

Editor. 2002. Disponível em:

<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:vCaP9lcTbtcJ:www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/j_ whitaker/operacoes.doc+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 28 mai. 2019. p, 8.

195 Ibid. p, 8.

196 FIX, Mariana. Parceiros da exclusão: duas histórias da construção de uma “nova cidade” em São Paulo: Faria Lima e Agua Espraiada. São Paulo: Boitempo. 2001. p, 104.

197 LIMA NETO, Vicente Correia; KRAUSE, Cleandro Henrique; BALBIM, Renato Nunes. “Instrumentos urbanísticos à luz dos planos diretores: uma análise a partir de um circuito completo de intervenção”. In: Texto para discussão. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília, 2014. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/2905/1/TD_1943.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2019. p, 25.

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Curitiba/PR e a última, do Rio de Janeiro/RJ198. Chama-se atenção, porém, ao fato de que essas Operações com Cepacs listadas no site da B3 não são as únicas instituídas por leis municipais no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, além das OUCs Água Branca, Água Espraiada e Faria Lima, também existe em vigência a OUC Centro (Lei nº 12.349/1997)199, que utiliza apenas a outorga onerosa como contrapartida financeira.

A justificativa mais fácil para a não utilização de Cepacs na OUC Centro poderia ser a data de promulgação da lei que a institui, já que em 1997 os Cepacs ainda não haviam sido regulamentados (pelo contrário, conforme relatou Fix, sua criação era amplamente discutida e criticada200). Entretanto, conforme veremos no momento oportuno, a explicação parece estar mais alinhada à falta de interesse do mercado imobiliário.

Outra operação urbana consorciada em vigência e que não consta no site do B3 é a OUC Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre - RS, que está em vigência desde 2009.201 Assim como a OUC Centro de São Paulo, segundo a lei complementar nº 630/2009, a emissão de Cepacs também não é utilizada como contrapartida em troca dos benefícios urbanísticos que a Operação proporciona202.

Em Belo Horizonte, constam dois projetos de lei que visam a criação de operações urbanas consorciadas, sendo que em ambas a intenção da municipalidade é utilizar Cepacs. Um dos projetos de lei era o PL 865/2013, que previa a criação da OUC Estação Barreiro. Ele não chegou a ser aprovado e, até a data de redação deste trabalho, encontrava-se arquivado203. O outro é o projeto de lei que previa a OUC-ACLO (Antônio Carlos / Pedro I -Leste-Oeste), antiga operação urbana Nova BH, que também não chegou a ser aprovado. Os motivos foram

198 B3. Cepacs listados, 2019. Disponível em: <http://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/negociacao/renda-variavel/cepac/cepacs-listados/faria-lima/>. Acesso em: 20 mai. 2019.

199 Está em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo, desde 2015, o Projeto de Lei nº 723/2015, que criaria a OUC Bairros do Tamanduateí. Ela será o instrumento de viabilização do Projeto de Intervenção Urbana Bairros Tamanduateí.

200 FIX, Mariana. Parceiros da exclusão: duas histórias da construção de uma “nova cidade” em São Paulo: Faria Lima e Agua Espraiada. São Paulo: Boitempo. 2001. p, 104.

201 PORTO ALEGRE (Prefeitura). Operação Urbana Consorciada Lomba do Pinheiro. Porto Alegre, 2009. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/spm/default.php?p_secao=1080. Acesso em: 10 jun. 2019.

202 A lei complementar nº 630/2009 parece confundir as transformações urbanas a serem feitas em decorrência da Operação com as contrapartidas (Art. 11). Mais adiante, ela prevê algumas regras em percentagem para definir as contrapartidas, mas não deixa claro se são via OODC ou outro mecanismo de compensação pecuniária. 203 BELO HORIZONTE (Câmara Municipal). Projeto de Lei 865/2013. Belo Horizonte, 2013. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-proposicoes/projeto-de-lei/865/2013. Acesso em: 12 jun. 2019.

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as disputas políticas oriundas de intensas críticas feitas pela sociedade civil, observando os resultados segregadores das OUCs Porto Maravilha, Faria Lima e Água Espraiada204.

Conforme pôde ser visto acima, grande parte das críticas sobre o modo de financiamento das Operações Urbanas Consorciadas dizia respeito ao alinhamento da política urbana à ideologia neoliberal, inserindo-a no processo de financeirização global. Quanto a isso, Stroher diz que a partir especialmente da década de 1990:

O debate sobre a financeirização destaca a centralidade da terra e do ambiente construído para o salto de capital fictício nas últimas décadas, por meio da criação de uma enorme variedade de instrumentos que ligam o fundiário e o imobiliário ao mercado de capitais, como: a securitização das hipotecas habitacionais, das rendas provenientes de aluguéis, dos impostos ligados ao imobiliário e fundiário.205

A partir desses instrumentos, agentes de mercado financeiro, investidores no mercado de capitais etc. passaram a “participar dos jogos especulativos imobiliários locais, alterando a estrutura do conflito sobre a produção do espaço”. Isso fez com que assuntos de escala local e até nacional passassem a ser menos definidores das políticas urbanas do que os interesses ditos globais206. É preciso destacar, ainda, que sendo o Brasil um país subdesenvolvido, a forma como esse processo de financeirização ocorre aqui difere dos países desenvolvidos:

Em relação ao contexto brasileiro, essas transformações não ocorrem nos mesmos termos, visto que o País nunca viveu um regime de acumulação semelhante ao fordista keynesiano. Em distinção ao Estado de Bem-Estar Social, vigorou no Brasil, entre os anos 1930 e início dos anos 1980, um modelo específico de Estado Nacional Desenvolvimentista, que associou elevadas taxas de crescimento econômico a um processo intenso de polarização socioespacial. Portanto, os impactos do urbanismo neoliberal e da financeirização no Brasil podem ser entendidos mais como um reforço da lógica seletiva de intervenção territorial do Estado, do que, de fato, como uma ruptura com o padrão que vigorou nos anos guiados pelas políticas desenvolvimentistas.207

204 NOVA BH/ACLO. OUC BH Interdisciplinar. Belo Horizonte, 2014. Disponível em: <http://oucbh.indisciplinar.com/?page_id=998>. Acesso em: 12 jun. 2019.

205 STROHER, Laisa Eleonora Maróstica. Operações urbanas consorciadas com Cepac: uma face da constituição do complexo imobiliário-financeiro no Brasil?. In: Cadernos Metrópole., v. 19, n. 39, p. 455-477, 2017. pp, 457-458.

206 Ibid. p, 458. 207 Ibid. p, 459.

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No que diz respeito à análise dos Cepacs das OUCs de São Paulo, Stroher alerta para o seguinte fato:

É notável, contudo, a ausência de análises mais detalhadas a respeito do Cepac na experiência paulista no que corresponde à formação de um mercado de investidores do título na bolsa de valores. Embora haja evidências de que esse mercado seja pequeno, não há dados que permitam avaliar possíveis tendências (como a evolução do número e do valor das transações, perfil dos compradores, entre outros) e suas motivações. Essa análise poderia contribuir para entender em que medida o Cepac está facilitando a penetração dos agentes financeiros nesses casos. Mesmo que não haja um mercado secundário desenvolvido, o arranjo institucional do Cepac pode favorecer a um acirramento da lógica de gestão orientada pela rápida valorização imobiliária, na medida em que a possibilidade tanto de haver correção do seu valor mínimo nos sucessivos leilões, como de promover maior interesse na compra do título (tendo em vista financiar as intervenções previstas) está atrelada à dinâmica de valorização imobiliária.208

Nesse mesmo trecho, Laisa Stroher inclui duas notas de rodapé indicando que, no caso paulistano, parece haver poucos indícios de que exista a formação de um mercado de