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Operações urbanas consorciadas em São Paulo : prevalência dos interesses econômicos / Beatriz Sakuma Narita

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Academic year: 2022

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO (PPGDPE)

BEATRIZ SAKUMA NARITA

OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS EM SÃO PAULO: prevalência dos interesses econômicos

SÃO PAULO 2020

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO (PPGDPE)

BEATRIZ SAKUMA NARITA

OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS EM SÃO PAULO: prevalência dos interesses econômicos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico (PPGDPE) da Universidade Presbiteriana Mackenzie como parte das exigências a obtenção do título de Mestra em Direito Político e Econômico.

Linha de pesquisa: Poder econômico e seus limites jurídicos.

Orientador: Prof. Dr. José Francisco Siqueira Neto Coorientador: Prof. Dr. Rodrigo Oliveira Salgado

SÃO PAULO 2020

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N231o Narita, Beatriz Sakuma.

Operações urbanas consorciadas em São Paulo : prevalência dos interesses econômicos / Beatriz Sakuma Narita.

175 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2020.

Orientador: José Francisco Siqueira Neto.

Coorientador: Rodrigo Oliveira Salgado.

Referências bibliográficas: f. 159-175.

1. Operação Urbana Consorciada. 2. Cepac. 3. Planejamento urbano. I. Siqueira Neto, José Francisco, orientador. II. Salgado, Rodrigo Oliveira, coorientador. III. Título.

CDDir 341.374 Bibliotecária Responsável: Eliana Barboza de Oliveira Silva - CRB 8/8925

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AGRADECIMENTOS

Ao meu caríssimo orientador, Prof. José Francisco Siqueira Neto, por todas as conversas, indagações, esclarecimentos, críticas e, sobretudo, apoio em todos os momentos dessa pesquisa.

Ao Prof. Rodrigo Oliveira Salgado, que têm acompanhado minha jornada acadêmica desde os tempos da graduação e a quem muito me honra por ter me coorientado durante esta pesquisa e também composto a banca de qualificação.

Ao Prof. Luís Fernando Massonetto e à Prof. Lilian Regina Gabriel Moreira Pires, que gentilmente aceitaram ao convite para compor a banca examinadora. Durante a pesquisa, seus apontamentos foram uma grande contribuição para meu crescimento científico e intelectual.

Ao corpo docente da Faculdade de Direito, a quem devo minha formação. Me orgulha muito ser parte da história dessa instituição. Agradeço especialmente às Professoras Susana Barbosa e Irene Nohara e aos Professores Silvio Almeida, Júlio Velozzo, Gilberto Bercovici e Marco Braga.

Ao corpo técnico/administrativo da secretaria do Programa de Pós Graduação de Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela prontidão com que sempre me atenderam no decorrer deste Mestrado.

Às queridas amigas Melissa Cambuhy, Tamires Gomes Sampaio, Beatriz Prates e Luiza Morales, com quem tenho o prazer e o privilégio de compartilhar os espaços e os sonhos por uma sociedade melhor desde os tempos do movimento estudantil.

Aos amigos do Disparada, Luiz Roque, Isabela Lofrano, Beatriz Miquelin, Alvaro Padilha, Augusto Almudin, Pedro Davoglio, Ricardo Begosso, Renato Zaccaro, Amanda Salgado e Vitor Moraes, pelo companheirismo e por todo o apoio dado no decorrer da pós- graduação.

A Percival de Brites Figueiredo, Bete Ganan, Poliana Ganan de Brites Moura Prata, Lílis Ganan de Brites Figueiredo, Danilo Moura Prata e Luís Renato Ramos Lopes, pela acolhida e pelo carinho.

À minha família, Milton Yoshio Narita, Julia Tomoko Sakuma e Raul Sakuma Narita, minha base. Obrigada por estarem sempre ao meu lado, apoiando todas as minhas decisões.

Também agradeço à Mayara Pádua Barbosa, presente que meu irmão deu à nossa família.

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Ao Alexandre Ganan de Brites Figueiredo, meu amor, pelo dia a dia, pelas conversas que muito me inspiram e motivam, pelo afeto, pela compreensão e pela leitura atenta e comentários a este trabalho.

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RESUMO

A presente dissertação de mestrado tem como objetivo realizar uma análise crítica do instituto Operação Urbana Consorciada. Criada em São Paulo, no decorrer da década de 1990, a OUC foi posteriormente incluída no Estatuto da Cidade como um dos institutos jurídicos e políticos capazes de viabilizar a execução de políticas urbanas. O trabalho parte da hipótese de que a OUC foi incapaz de atender aos princípios constitucionais e suas diretrizes para a política urbana, pois trata-se de um instrumento concebido com a finalidade de criar novos espaços de expansão para o mercado imobiliário. Para demonstrar essa tese, o trabalho apresenta a evolução da abordagem do Estado brasileiro sobre a questão urbana até culminar na promulgação da Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade. Além disso, analisa o conceito, a natureza jurídica e a instrumentalização da Operação Urbana Consorciada para, depois, apresentar e discutir todas as OUCs existentes na cidade de São Paulo. Conclui, então, que somente as Operações localizadas em áreas de alto interesse do mercado imobiliário apresentaram resultados econômicos positivos. Entretanto, ao transformarem esteticamente a paisagem urbana com edifícios comerciais e residenciais de alto padrão, as OUCs não foram capazes de integrar harmonicamente essas regiões com o restante da cidade, ressaltando os problemas de desigualdade urbana já existentes. Por fim, a pesquisa procura demonstrar que, tendo em vista as alterações realizadas pelo Plano Diretor Estratégico de 2014, da capital paulista, há a preferência na utilização de outros instrumentos que não as OUCs para viabilizar a execução da política urbana.

Palavras-Chave: Operação Urbana Consorciada. Cepac. Planejamento urbano.

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ABSTRACT

This dissertation aims to perform a critical analysis of the political and legal institute Consortium Urban Operation. Created in São Paulo during the 1990’s, the CUO was later included in the City Statute as one of the legal and political institutes capable of enabling the implementation of urban policies. The paper assumes that the CUO is unable to meet constitutional principles and guidelines for urban policy, because it is an instrument conceived with the purpose of creating new expansion spaces for the real estate market. In order to demonstrate this thesis, the paper presents how the Brazilian state approached the urban issue until it culminated in the promulgation of the Federal Constitution of 1988 and the City Statue. In addition, it analyzes the concept, the legal nature and the instrumentalization of the Consortium Urban Operation to present and discuss all the existing CUOs in the city of São Paulo. It concludes, then, that only the Operations located in areas of high interest of the real estate market presented positive economic results. However, by aesthetically transforming the urban landscape with upscale commercial and residential buildings, the CUOs were unable to harmoniously integrate these regions with the rest of the city, highlighting the existing problems of urban inequality. Finally, the research seeks to demonstrate that, in view of the changes made by the Strategic Master Plan of 2014, from São Paulo’s capital, there is a preference for the use of other instruments rather than the CUOs to enable the implementation of urban policy.

Key-Words: Consortium Urban Operation. Cepac. Urban planning.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 3.1 Construção do instrumento “operação interligada” a partir dos conceitos de solo criado e operação urbana desenvolvidos na década de 1970

...94

Quadro 3.2 Relatório Financeiro (31.10.2019) – Operação Urbana Consorciada Faria Lima

...128

Quadro 3.3 Quadro de monitoramento dos Projetos de Intervenção Urbana (2019)

...149

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 Operações Urbanas Consorciadas na Macroárea de Estruturação Metropolitana

...88

Ilustração 2 Perímetro da Operação Urbana Centro e Lotes lindeiros incluídos na Operação Urbana

...101

Ilustração 3 Áreas das Operações Urbana Anhangabaú e Centro ...102 Ilustração 4 Operação Urbana Consorciada Centro na Macroárea

de Estruturação Metropolitana criada no Plano Diretor de 2014

...108

Ilustração 5 Perímetro da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada

...113

Ilustração 6 Perímetro da Operação Urbana Consorciada Faria Lima

...123

Ilustração 7 Perímetro da Operação Urbana Consorciada Água Branca

...134

(11)

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 3.1 Evolução da taxa Selic (1995-2019) ...86 Gráfico 3.2 Distribuição dos recursos por tipo de intervenção

(habitação) – Operação Urbana Consorciada Centro

...109

Gráfico 3.3 Distribuição dos recursos por tipo de intervenção (geral) – Operação Urbana Consorciada Centro

...110

Gráfico 3.4 Distribuição dos recursos por tipo de intervenção (geral) – Operação Urbana Consorciada Água Espraiada

...116

Gráfico 3.5 Evolução da quantidade de Cepacs negociados em leilão – Operação Urbana Consorciada Água Espraiada

...118

Gráfico 3.6 Evolução da quantidade de Cepacs vinculados – Operação Urbana Consorciada Água Espraiada

...119

Gráfico 3.7 Distribuição dos recursos por tipo de intervenção (geral) – Operação Urbana Consorciada faria Lima

...127

Gráfico 3.8 Distribuição dos recursos por tipo de intervenção (geral) – Operação Urbana Consorciada Água Branca

...137

Gráfico 3.9 Evolução de arrecadação – Operação Urbana Consorciada Água Branca

...139

Gráfico 3.10 IBGE – Evolução da frota de veículos (2006-2018) ...143 Gráfico 3.11 Evolução de arrecadação – Operação Urbana

Consorciada - Município

...147

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEL – Áreas de Estruturação Local AIU– Áreas de Intervenção Urbana ANC – Assembleia Nacional Constituinte

APEOP – Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas BC – Banco Central

BNH – Banco Nacional de Habitação CA – Coeficiente de aproveitamento

Cepac – Certificado de Potencial Adicional de Construção CET – Companhia de Engenharia de Tráfego

CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano CNLU – Comissão Normativa de Legislação Urbanística Copom - Comitê de Política Monetária

CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos CVM – Comissão de Valores Mobiliários

DER – Departamento Estadual de Rodagem EMURB – Empresa Municipal de Urbanização FNRU – Fórum Nacional da Reforma Urbana HIS – Habitação de Interesse Social

IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil IAP – Institutos de Aposentadorias e Pensões IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico

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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IE – instituto de Engenharia

Ipase - Instituto de Previdência e Aposentadoria dos Servidores do Estado LPUOS – Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo MEM – Macroárea de Estruturação Metropolitana

MNRU – Movimento Nacional pela Reforma Urbana Munic - Perfil dos Municípios Brasileiros

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OODC – Outorga Onerosa do Direito de Construir OUC – Operação Urbana Consorciada

OUC-AB – Operação Urbana Consorciada Água Branca

OUC-ACLO – Operação Urbana Consorciada Antônio Carlos / Pedro I -Leste-Oeste OUC-AE – Operação Urbana Consorciada Água Espraiada

OUC-C– Operação Urbana Consorciada Centro OUC-FL – Operação Urbana Consorciada Faria Lima OUC-PM– Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha OUI – Operação Urbana Interligada

PCB – Partido Comunista do Brasil PDE – Plano Diretor Estratégico PIU – Projeto de Intervenção Urbana

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMSP – Prefeitura Municipal de São Paulo

PPP – Parceria Público Privada

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PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira PT – Partido dos Trabalhadores

SECOVI - Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis SEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento

SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo SFH – Sistema Financeiro da Habitação

SHRU – Seminário de Habitação e Reforma Urbana SP – Urbanismo – São Paulo Urbanismo

SP Obras – São Paulo Obras VGV – Valores Gerais de Venda

ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social ZEPEC – Zona Especial de Preservação Cultural ZM – Zona Mista

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 15

1. POLÍTICA URBANA E DIREITO URBANÍSTICO ... 22

1.1. Urbanização e reforma urbana no Brasil ... 22

1.2. Regime jurídico da produção social do espaço urbano ... 34

1.3. A política urbana no contexto neoliberal: planejamento urbano estratégico ... 47

2. OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS ... 56

2.1. Definição e desenvolvimento conforme o Estatuto da Cidade ... 56

2.2. Problemas de definição e instrumentalização ... 64

2.3. Certificado de Potencial Adicional de Construção (Cepac), o “Solo Criado” das Operações Urbanas Consorciadas ... 74

3. OPERAÇÕES DE SÃO PAULO ... 86

3.1. As origens do instituto ... 87

3.2. As experiências paulistanas ... 97

3.2.1. Centro ... 97

3.2.2. Água Espraiada ... 109

3.2.3. Faria Lima... 118

3.2.4. Água Branca ... 128

3.3. A prevalência dos interesses econômicos ... 138

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 153

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 158

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15

INTRODUÇÃO

A presente dissertação de mestrado tem como objetivo realizar uma análise crítica do instituto Operação Urbana Consorciada (OUC). Criada em São Paulo, no decorrer da década de 1990, a OUC foi posteriormente incluída no Estatuto da Cidade como um dos institutos jurídicos e políticos capazes de viabilizar a execução de políticas urbanas. O foco foi dado às experiências paulistanas, pois, além de São Paulo ser o berço da OUC, trata-se também da cidade que mais a utilizou. A pesquisa investiga as questões jurídicas, políticas e econômicas acerca desse instituto e, dentro de seus limites, também analisa o impacto que referido instrumento causou na (re)configuração do espaço urbano de São Paulo após sua implementação. Assim, mostra-se necessário compreender, dentre outras coisas, tanto o arcabouço jurídico que sustenta as Operações Urbanas Consorciadas, como o contexto político e econômico da época de seu surgimento e evolução na capital paulista.

A pesquisa aqui apresentada justifica-se porque, durante quase 20 anos, as OUCs foram tratadas como o grande instrumento urbanístico para reestruturação urbana em São Paulo. No entanto, conforme será apresentado no decorrer deste trabalho, as críticas às Operações eram fortes mesmo antes da sua consolidação no Estatuto da Cidade. As OUCs foram acusadas, por exemplo, de não promoverem inclusão social, aumentarem o controle do setor privado na política urbana e fazerem o Poder Público investir em obras que ampliariam a concentração de renda em uma cidade que já apresentava enormes problemas de desigualdade socioespacial. Após anos de disputas em torno das OUCs, foi promulgado o Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2014, cujas mudanças impactaram todo o modo de se formular e operacionalizar a política urbana em São Paulo.

É importante destacar que, para a elaboração deste trabalho, parte-se da premissa de que a formação dos centros urbanos possui essência econômica, produto das relações sociais, uma vez que são os locais onde as relações de troca de excedente de produção podem ser realizadas. E, muito embora a formação de cidades não seja um fenômeno capitalista, os processos de urbanização o são. Quanto à isso, David Harvey afirma que “desde que passaram a existir, as cidades surgiram da concentração geográfica e social de um excedente de produção”. Porém, sob o capitalismo, essa situação passa a apresentar uma dinâmica diferente. Na eterna busca pelo lucro, é inerente ao sistema o estímulo à formação de excedente de produção. Assim, Harvey completa dizendo que “o capitalismo está

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16 eternamente produzindo os excedentes de produção exigidos pela urbanização [...] e o capitalismo precisa da urbanização para absorver o excedente de produção que nunca deixa de produzir” 1. Bercovici e Salgado, valendo-se de Lefebvre, completam dizendo que “o corrente modo de produção integrou a cidade ao processo produtivo, deixando de compor apenas uma utilidade à reprodução social e tornando-se produto do modo de produção”2.

Nesse contexto, a ordenação jurídica do território que, desde meados da década de 1950, é chamada de Direito Urbanístico, é a responsável por regular a acumulação e a distribuição do excedente econômico no espaço3. Sabe-se que, mesmo à época da colonização, havia disposições sobre a regulação do território, cuja preocupação era a extração das riquezas naturais e a manutenção do domínio da Coroa Portuguesa. Entretanto, conforme Carlos Ari Sundfeld, é apenas a partir da década de 1930, quando o Brasil passou por uma enorme reconfiguração econômica, demográfica e estatal, que se pode falar em um Direito Urbanístico. Isso porque trata-se do reflexo, “no mundo jurídico, dos desafios e problemas derivados da urbanização moderna”4.

Essa questão fica ainda mais clara após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que previu em seu título da Ordem Econômica e Financeira um capítulo referente à política urbana. Devendo a Constituição ser interpretada de forma sistemática, não é possível, então, tratar das questões urbanas sem levar em consideração as demais disposições sobre a ordem econômica e os objetivos da República. Assim, fica evidente que a política urbana deve ser articulada visando a diminuição das desigualdades sociais e regionais, a garantir o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e marginalização, dentre outros.

No que diz respeito especificamente à política urbana na Constituição, chama-se a atenção para o artigo 182, cujo caput afirma que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes”.

1 HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

p, 30.

2 BERCOVICI, Gilberto. SALGADO, Rodrigo Oliveira. “Direito urbanístico como regulação econômica do espaço”. pp, 253-273. In: KELLER, Rene José. BELLO, Enzo (org.). Curso de Direito à Cidade: teoria e prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p, 253

3 Ibid. p, 254.

4 SUNDFELD. Carlos Ari. “Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais”. In: DALLARI, Adilson de Abreu.

FERRAZ, Sério (coord.). Estatuto da Cidade: comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p, 46.

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17 A lei responsável por fixar as diretrizes gerais de política urbana mencionada na redação do artigo supracitado foi promulgada mais de 10 anos após a consolidação da Constituição de 1988, recebendo o nome de Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01). Nelson Saule Júnior relata que, durante todo esse tempo, o processo legislativo para a sua aprovação foi amplamente discutido por “diversos atores sociais como o Fórum Nacional de Reforma Urbana, instituições de classe como o IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), os Governos Municipais e os agentes privados representantes do setor imobiliário e da construção civil”5, como consequência do processo de redemocratização do Brasil.

Fruto dessas discussões, o Estatuto da Cidade prevê um rol de instrumentos que são essenciais para a formulação e implementação das políticas urbanas. Nesse contexto, Raquel Rolnik e Nelson Saule Jr. encararam a sua promulgação com ar esperançoso, pois poderia viabilizar “a promoção da reforma urbana nas cidades brasileiras, contribuindo para mudar o quadro de desigualdade social e de exclusão da maioria da nossa população” 6. Entretanto, 18 anos após sua entrada em vigor, percebe-se que, na verdade, muitos desses instrumentos conflitam com as próprias diretrizes gerais que norteiam o Estatuto. Isso porque, na prática, vários deles desenham um modelo de política urbana que aumenta as desigualdades socioespaciais. Os estudos analisados para a elaboração desta pesquisa indicam que o instituto jurídico e político da Operação Urbana Consorciada insere-se nesse contexto.

José Afonso da Silva comenta que, apesar de ter sido previsto como instrumento de política urbana na legislação brasileira apenas em 2001, a OUC já não era novidade para o Direito Urbanístico. Em São Paulo, desde a década de 1980, um instituto muito parecido (e que deu origem à Operação prevista no Estatuto da Cidade), já era utilizado sob o nome de

“Operação Urbana Interligada”7. Conforme relata Mariana Fix, desde o Plano Diretor da gestão Mário Covas (1983-1986), tal Operação se mostrava como uma “ação conjunta dos setores públicos e privado, destinada à melhoria do padrão de urbanização”8.

O Estatuto da Cidade acabou relacionando o referido instituto no seu rol de instrumentos políticos e jurídicos (artigos 32 a 34-A), estabelecendo o seu conceito e um regramento mínimo para sua criação e utilização. Segundo a letra da lei, a definição para Operação Urbana Consorciada é a seguinte: “considera-se operação urbana consorciada o

5 SAULE JÚNIOR, Nelson; ROLNIK, Raquel (Org.). Estatuto da Cidade: novos horizontes para a reforma urbana. São Paulo: Cadernos Pólis, 2001. p, 10.

6 Ibid. p, 34.

7 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2018. p, 362.

8 FIX, Mariana. Parceiros da exclusão: duas histórias da construção de uma “nova cidade” em São Paulo: Faria Lima e Agua Espraiada. São Paulo: Boitempo, 2001. p, 77.

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18 conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”.

De acordo com os incisos do Art. 32, §2º, a OUC permite, dentre outras coisas, a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, as alterações de normas edilícias e a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente9. Isso faz com que as Operações Urbanas se mostrem de grande interesse e relevância principalmente para os setores da construção civil e imobiliário, que passam a poder construir empreendimentos acima dos limites previstos pelo Poder Público local, potencializando seus lucros.

Resta notar que, conforme versa o caput do artigo 32, a criação de uma Operação Urbana Consorciada deve ser feita através de lei municipal específica, baseada no plano diretor do município. Nesse sentido, o art. 33 define em seus incisos os requisitos mínimos a serem elencados na lei que deseja instaurar uma área de Operação Urbana. Dentre eles destacam-se a definição da área a ser atingida, o seu programa básico de ocupação, um programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada, as suas finalidades, a contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios decorrentes da flexibilização das regras de uso e ocupação do solo e a forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhada com representação da sociedade civil.

A flexibilização dos índices de aproveitamento, uso e ocupação do solo mencionada acima também está prevista no Estatuto da Cidade em outro instituto denominado “outorga onerosa do direito de construir” (artigos 28 a 30). Por meio dela, os interessados em ultrapassar os limites determinados em lei pelo Poder Público municipal, podem fazê-lo mediante o pagamento de uma contraprestação pecuniária. Nas Operações Urbanas Consorciadas, tal outorga onerosa recebe o nome de Certificado de Potencial Adicional de Construção (Cepac).

Na cidade de São Paulo, conforme o Prospecto de Registro da Operação Urbana Consorciada Faria Lima, a regulamentação do Cepac se deu apenas a partir do Plano Diretor

9 As leis de zoneamento e os planos diretores municipais estabelecem os coeficientes de uso e aproveitamento do solo e subsolo. Geralmente, são índices de difícil alteração, porém há figuras jurídicas que permitem a sua flexibilização.

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19 Estratégico de 2002 e pela Lei municipal nº 13.769/04, que criou a OUC Faria Lima10. É importante salientar que tanto o documento supracitado, quanto as legislações urbanísticas já mencionadas autorizam a livre negociação dos Cepac na bolsa de valores após processo de leilão público no Mercado de Balcão Organizado da B3 (antiga Bovespa).

A partir disso, alguns pesquisadores como Mariana Fix, Camila Maleronka, Ermínia Maricato e João Sette Whitaker Ferreira indicam o alinhamento desse instrumento de política urbana na lógica da globalização do capital financeiro. Lendo-se a Operação Urbana Consorciada como uma espécie de parceria público-privada latu sensu também é possível afirmar que a própria Operação Urbana é um instrumento legal alinhado à lógica neoliberal.

Assim, observa-se que as OUCs Faria Lima e Água Espraiada foram responsáveis pelo deslocamento das atividades financeiras da Avenida Paulista para as margens do rio Pinheiros, permitindo a criação de um amplo ‘centro’ de serviços terciários naquela região.

Estudos indicam que esse deslocamento e a criação de uma nova centralidade econômica na cidade, visceralmente ligado à especulação e valorização imobiliária, criaram uma miragem de primeiro mundo em uma cidade da periferia do capitalismo. A isso, soma-se a ideia de ajuste espacial (spatialfix) trabalhada por David Harvey, cuja ideia é a de que o capitalismo apresenta um ímpeto de resolver suas tendências a crises também através da expansão e reestruturação espacial11.

Sendo assim, a hipótese que se tem é a de que a Operação Urbana Consorciada é incapaz de atender aos princípios constitucionais e suas diretrizes para a política urbana, pois trata-se de um instrumento concebido com a finalidade de criar novos espaços de expansão para o mercado imobiliário. Pela sua estrutura e lógica, para que uma OUC seja interessante para a iniciativa privada, os interesses econômicos/de mercado devem prevalecer sobre os interesses sociais.

O objetivo geral deste trabalho é, então, investigar os limites jurídicos, políticos e econômicos da Operação Urbana Consorciada, com foco nas experiências paulistanas. A fim de alcançar o objetivo central, são esses os objetivos específicos a serem tratados no decorrer da pesquisa: a) investigar em qual contexto político e econômico surgiram as OUCs; b)

10 PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Prospecto de Registro da Operação Urbana Consorciada

Faria Lima. São Paulo, 2004. Disponível em:

<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/arquivos/cep ac/oucfl_prospecto.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2019.

11 HARVEY. David. “Globalization and the spatial fix”. In: Geographische revue, v. 2, n. 3, p. 23-31, 2001. p, 24.

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20 verificar as características específicas de cada OUC vigente em São Paulo, a fim de indicar o maior ou menor grau de seu sucesso financeiro e de transformação urbana; c) verificar se o Cepac cumpriu seu papel de gerar mais valor enquanto instrumento arrecadatório passível de negociação no Mercado de Balcão organizado da B3; d) a partir dos resultados obtidos com a análise de cada uma das OUCs paulistanas, verificar se o interesse social do instrumento foi atendido. A dúvida sobre a efetividade das OUCs enquanto instrumento democrático do poder público para a reestruturação espacial, mesmo que seja apenas em uma área delimitada da malha urbana, foi a grande norteadora dessa pesquisa.

Para atingirmos os objetivos propostos, a dissertação foi estruturada em três capítulos.

Sem esgotar o assunto, em todos eles buscou-se apontar e, quando pertinente, criticar a bibliografia já existente sobre o objeto e temas correlatos. Também foram amplamente utilizados documentos fornecidos pelo Poder Público paulistano sobre as Operações Urbanas Consorciadas.

No primeiro capítulo, a fim de apresentarmos as bases da política urbana no Brasil, realizamos um breve panorama histórico sobre a luta pela reforma urbana e a evolução da legislação que regulava a questão urbana no país. Assim, chegamos à Constituição Federal de 1988 e ao Estatuto da Cidade que, muito embora contenham normas avançadíssimas no que diz respeito ao Direito à Cidade, têm sido insuficientes para resolver os problemas urbanos.

Ademais, foi abordado como a recepção de preceitos neoliberais, em um contexto de financeirização global contribuiu para a manutenção desses problemas.

Nesse contexto, no capítulo seguinte analisamos a Operação Urbana Consorciada tal qual exposto em lei enquanto instrumento jurídico de política urbana. Assim, foi apontado o seu conceito, como ele é operacionalizado e quais foram os instrumentos que o antecederam.

Por ser um instrumento complexo, também foram feitas reflexões sobre seu conceito, natureza e instrumentalização, sendo que críticas e contradições foram apresentadas. Também abordamos o Certificado de Potencial Adicional de Construção, principal ferramenta de arrecadação de recursos para viabilizar as obras dentro de uma OUC.

Por fim, no terceiro capítulo analisamos as Operações Urbanas Consorciadas em vigência na cidade de São Paulo (Centro, Água Espraiada, Faria Lima e Água branca). Além de apresentarmos as especificidades de cada uma das leis que as criaram, também realizamos uma análise qualitativa dessas operações. Para tanto, tratamos de seus impactos na cidade de São Paulo, levando em consideração os motivos pelos quais elas foram criadas, o

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21 cumprimento ou não de seus objetivos e o atendimento do seu papel enquanto instrumento jurídico político para diminuir as desigualdades socioespaciais. Sem a pretensão de esgotar o assunto, ao final do capítulo foram discutidos alguns motivos pelos quais as Operações Urbanas Consorciadas não são utilizadas com o mesmo vigor em outros municípios e, mesmo em São Paulo, porque perderam o protagonismo para outros instrumentos urbanísticos após a criação dos Projetos de Intervenção Urbana (PIUs) pelo Plano Diretor Estratégico de 2014.

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22 1. POLÍTICA URBANA E DIREITO URBANÍSTICO

A Política Urbana, segundo o entendimento de Nelson Saule Júnior e Daniela Campos Libório di Sarno, é uma política pública que “materializa-se na forma de um programa de ação governamental voltado à ordenação dos espaços habitáveis, abrangendo, dessa forma, tanto o planejamento quanto a gestão das cidades”12. A Constituição Federal de 1988 foi pioneira ao incluir no título “Da Ordem Econômica e Financeira” um capítulo específico para tratar da Política Urbana – ou, política de desenvolvimento urbano.

Essa previsão no texto constitucional não ocorreu por acaso. Desde meados do século XX, várias organizações da sociedade civil e alguns setores do governo já se articulavam no sentido de desenvolver um programa de reforma urbana no país. O processo de industrialização e urbanização no Brasil, marcado pela desigualdade social, gerou uma série de demandas por habitação, saneamento básico, transporte, dentre outras. A seguir analisaremos a evolução do debate pela reforma urbana, que visava minimizar esses problemas.

1.1. Urbanização e reforma urbana no Brasil

O fenômeno da urbanização ocorre quando a população urbana cresce em um ritmo bem mais acelerado do que quando comparado ao crescimento da população rural. E, embora a formação de cidades não seja um fenômeno tipicamente capitalista, entende-se que o processo de urbanização o é. Portanto, seguindo José Afonso da Silva, trata-se de um acontecimento

“moderno”13.

Em relação ao Brasil, Milton Santos apontou que no século XVIII houve um ponto de virada quando a casa da cidade tornou-se a residência principal do fazendeiro/senhor de

12 DI SARNO, Daniela Campos Libório. SAULE JÚNIOR, Nelson. “Princípios e instrumentos de política urbana”. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). In:

Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em:

<https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/76/edicao-1/principios-e-instrumentos-de-politica-urbana>.

Acesso em: 05 de dez de 2019. p, 2.

13 Aqui, a expressão moderna é utilizada no sentido de “atual”, “recente”, e não no sentido histórico (que vai do fim da idade média até as revoluções do século XVIII). SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro.

6ªed.. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 20-21.

(24)

23 engenho, que só ia à propriedade rural no momento do corte e da moenda da cana. Porém, “foi necessário ainda mais um século para que a urbanização atingisse a sua maturidade, no século XIX, e ainda mais um século para adquirir as características com as quais conhecemos hoje”14. Por isso, pode-se dizer com Ruy Moreira que “historicamente [...]

sempre tivemos a cidade. O urbano, não”.15

Diferente dos países desenvolvidos, cuja urbanização ocorreu no século XIX, os países em desenvolvimento passaram por um processo de urbanização tardio, no decorrer do século XX. Milton Santos listou uma série de diferenças ao comparar ambos esses processos:

[Nos países industrializados], o início do processo de urbanização, examinado do ponto de vista demográfico, foi assinalado por a) uma taxa de mortalidade urbana geral e infantil muito elevada e mesmo mais elevada que a da zona rural; b) uma taxa de natalidade urbana menor que na zona rural;

c) uma evolução natural negativa ou pequena; e d) uma lenta evolução demográfica cujo ritmo se acelerou graças ao apelo ao êxodo rural, êxodo este que em grande parte contribui para a formação da população urbana.

Nos países subdesenvolvidos, a revolução urbana é caracterizada, ao contrário – do ponto de vista demográfico –, por: a) uma taxa de mortalidade geral e infantil muito pequena, muitas vezes menor que na zona rural, e por taxas elevadas de natalidade, em alguns casos maiores que nas zonas rurais;

b) uma evolução natural positiva e forte; e c) um grande apelo ao êxodo rural, êxodo este muitas vezes menor que o crescimento natural.16

A partir dos dados analisados por Santos e das conclusões às quais chegou, é possível intuir que, tendo processos de urbanização diferentes, as soluções para os problemas urbanos de cidades de países desenvolvidos e industrializados e de países subdesenvolvidos dificilmente serão iguais. Essa é uma questão importante, pois, conforme apresentado na introdução, as Operações Urbanas Consorciadas surgem a partir de inspirações estrangeiras, em um contexto em que o termo “cidades globais” ganhava espaço entre os planejadores e gestores urbanos.

Vale lembrar que, no caso do Brasil, as raízes escravocratas e o seu modelo de economia agrário-exportadora criaram problemas socioeconômicos que refletiram fortemente em seu processo de formação espacial, ecoando até hoje. No caso de São Paulo, por exemplo, Raquel Rolnik retrata como os entraves criados pela Lei de Terras de 1850 e a inexistência de

14 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Edusp, 2018. p, 22.

15 MOREIRA, Ruy. A formação espacial brasileira: contribuição crítica aos fundamentos espaciais da geografia do Brasil. Rio de Janeiro: Consequência, 2014. p, 289.

16SANTOS, Milton. Op. Cit. p. 35.

(25)

24 um projeto de inclusão dos ex-escravos após a promulgação da Lei Áurea (1888) geraram formas precárias e segregadoras de ocupação do solo urbano17. Eduardo Alberto Cuscé Nobre, por sua vez, afirma que:

[...] A conjunção dessas leis [Lei de Terras e Lei Áurea] com a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado do imigrante e a falta de uma política de inserção social dos ex-escravos, que representava por volta de metade da população da época, criaram grande parte dos problemas urbanos do país, que persistem até os dias de hoje18.

No decorrer dos séculos XIX e XX esse padrão de exclusão apenas piorou. Muito embora o índice de urbanização tenha sofrido poucas alterações entre o fim do período colonial até o fim do século XIX e tenha passado de 6,8% a 10,7% de 1880 a 1920, Santos destaca que “foram necessários apenas vinte anos, entre 1920 e 1940, para que essa taxa triplicasse, passando a 31,24%”19. Não é à toa, portanto, que muitas cidades brasileiras, especialmente os grandes centros urbanos, apresentam tantos problemas como inchaço urbano, ausência de saneamento básico universal, déficit habitacional, etc.:

Entre 1940 e 1980, dá-se verdadeira inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira. Há meio século atrás (1940), a taxa de urbanização era de 26,35%, em 1980 alcança 68,86%. Nesses quarenta anos, triplica a população total do Brasil, ao passo que a população urbana se multiplica por sete vezes e meia.20

Como bem destacado por Maria Cecilia Lucchese e Rossella Rossetto, “são cerca de 21 anos em que a população tornou-se majoritariamente urbana e as cidades explodiram em extensas periferias, quase todas sem infraestrutura e serviços necessários à vida cotidiana”21. Conforme escreveu Milton Santos:

17 ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo:

Studio Nobel: FAPESP, 1997. pp, 16-30.

18 NOBRE, Eduardo Alberto Cuscé. “O ideário urbanístico e a legislação na cidade de São Paulo: do Código de Posturas ao Estatuto da Cidade”. In: IX Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. São Paulo. 2006.

Disponível em: <http://www.labhab.fau.usp.br/biblioteca/textos/nobre_ideariourb.pdf>. Acesso em: 05 out.

2019. p, 2.

19 SANTOS, Milton. Op. Cit. p, 25.

20 Ibid. p, 31.

21 LUCCHESE, Maria Cecilia. ROSSETTO, Rossella. “A política urbana no governo militar (1964 – 1985)”. p, 35-81. In: BONDUKI, Nabil (org.). A luta pela reforma urbana no Brasil: Do Seminário de Habitação e Reforma Urbana ao Plano Diretor de São Paulo. São Paulo: Instituto Casa da Cidade, 2018. p, 35.

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25 Desde a revolução urbana brasileira, consecutiva à revolução demográfica dos anos de 1950, tivemos, primeiro, uma urbanização aglomerada, com o aumento do número – e da população respectiva – dos núcleos com mais de 20 mil habitantes e, em seguida, uma urbanização concentrada, com a multiplicação de cidades de tamanho intermediário, para alcançarmos, depois, o estágio da metropolização, com o aumento considerável do número de cidades milionárias e de grandes cidades médias (em torno do meio milhão de habitantes). 22

As revoluções demográfica e urbana pelas quais o Brasil passou ocorreram também no esteio de grandes transformações na economia do país, iniciadas por Getúlio Vargas a partir da década de 1930. Sobre o assunto, Francisco de Oliveira diz que:

A revolução de 1930 marca o fim de um ciclo e o início de outro na economia Brasileira: o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial. Ainda que essa predominância não se concretize em termos de participação da indústria na renda interna senão em, 1956, quando pela primeira vez a renda do setor industrial superará a da agricultura, o processo mediante o qual a posição hegemônica se concretizará é crucial: a nova correlação de forças sociais, a reformulação do aparelho e da ação estatal, a regulamentação dos fatores, entre os quais o trabalho ou o preço do trabalho, têm o significado, de um lado, de destruição das regras do jogo segundo as quais a economia se inclinava para as atividades agrário-exportadoras e, de outro, de criação das condições institucionais para a expansão das atividades ligadas ao mercado interno.23

Dessa forma, como José Roberto Bassul destaca, “nosso processo de urbanização elevou drasticamente a demanda por empregos, moradia e serviços públicos nas áreas urbanas”24, determinado, em seu período de maior intensidade pela “hegemonia do setor industrial, um desdobramento do chamado modelo de substituição de importações”25. Ermínia Maricato completa:

A burguesia industrial assume a hegemonia política na sociedade sem que se verificasse uma ruptura com os interesses hegemônicos estabelecidos. Essa ambiguidade entre ruptura e continuidade, verificada em todos os principais momentos de mudança na sociedade brasileira, marcará o processo de

22 SANTOS, Milton. Op. Cit. p, 77.

23 DE OLIVEIRA, Francisco. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013. p, 35. 24 BASSUL, José Roberto. Reforma urbana e Estatuto da Cidade. EURE (Santiago), v. 28, n. 84, p. 133-144, 2002. p, 136. Disponível em: <https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?pid=S0250- 71612002008400008&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em 10 de nov de 2019.

25 SCHMIDT, Benício. FARRET, Ricardo. A questão urbana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. Apud.

BASSUL, José Roberto. op. cit.

(27)

26 urbanização com as raízes da sociedade colonial, embora ele ocorra em pleno século XX, quando formalmente o Brasil é uma República independente.26

Nesse sentido, essa mudança da predominância da estrutura agrário-exportadora brasileira para uma urbano-industrial não foi acompanhada pela realização de alterações no campo social, como por exemplo, a redução das desigualdades. Francisco de Oliveira demonstra como a modificação para esse novo modo de acumulação foi altamente baseada na intensa exploração da força de trabalho. No que diz respeito às cidades, ele completa:

As cidades são, por definição, a sede da economia industrial e de serviços. O crescimento urbano é, portanto, a contrapartida da desruralização do produto, e, nesse sentido, quanto menor a ponderação das atividades agrícolas no produto, tanto maior a taxa de urbanização. Portanto, em primeiro lugar, o incremento da urbanização no Brasil obedece à lei do decréscimo da participação da agricultura no produto total. Sem embargo, apenas o crescimento da participação da indústria ou do setor secundário como um todo não seria o responsável pelos altíssimos incrementos da urbanização no Brasil. Esse fato levou uma boa parcela dos sociólogos, no Brasil e na América Latina, a falar de uma urbanização com marginalização.

Ora, o processo de crescimento das cidades brasileiras – para não falar apenas do nosso universo – não pode ser entendido senão dentro de um marco teórico onde as necessidades da acumulação impõe um crescimento dos serviços horizontalizado, cuja forma aparente é o caos das cidades. [...]

mesmo uma certa fração da acumulação urbana, durante longo período de liquidação da economia pré-anos 1930, revela formas do que poderia chamar, audazmente, de “acumulação primitiva”. 27

Aqui, Oliveira se refere à construção de moradias por autoconstrução. Ou seja, quando os próprios trabalhadores, em dias em que não estavam exercendo trabalho remunerado (fins de semana, folgas, etc) construíram suas próprias casas, quer seja sozinhos quer seja em mutirões. Esse formato de autoconstrução foi posteriormente reivindicado por movimentos de lutas por moradia em programas habitacionais, em contraposição à participação de grandes construtoras. Entretanto, Oliveira alerta para o fato de que:

A habitação resultante dessa operação, se reproduz por trabalho não pago, isto é, supertrabalho. Embora aparentemente esse bem não seja desapropriado pelo setor privado da produção, ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois o seu resultado – a casa -

26 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2013. p, 17.

27 DE OLIVEIRA, Francisco. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013. p, 58-59.

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27 reflete-se numa baixa aparente do custo de reprodução da força de trabalho – de que os gastos com habitação são um componente importante - e para deprimir os salários reais pagos pelas empresas. Assim, uma operação que é, na aparência, uma sobrevivência de práticas de “economia natural” dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de trabalho.28

Ou seja, o país mudava drasticamente, mas a exploração intensa do trabalho não. Na relação tensa entre ruptura e continuidade, sobre a qual falava Maricato, prevaleceu, nesse sentido, a continuidade.

Ermínia Maricato menciona que “estamos diante da cidade resultante da ‘urbanização dos baixos salários’, que implica formas de produção ‘doméstica’ ou ‘pré-capitalistas’, mas funcionais e fundamentais para o processo de acumulação”29. As mazelas deixadas pelo modelo agrário-exportador brasileiro e a sua transformação para um modelo urbano-industrial calcado na intensa exploração da força de trabalho livre não poderia ter tido outro resultado que não o inchaço das cidades acompanhado de uma enorme desigualdade social. Como resultado desse processo, Lucchese e Rossetto indicam que:

Em 1984, a PNAD mostrava que 4 milhões de famílias urbanas brasileiras (25,6% do total) estavam incluídas nas camadas mais baixas de renda da população, isto é, recebiam até 2 salários mínimos mensais de renda familiar30. Somavam-se a estas, 7,9 milhões de famílias urbanas com renda entre 2 e 5 salários mínimos, perfazendo 34,5% do total de famílias que viviam em cidades. Nessas faixas de demanda concentrava-se o peso de déficit de moradias, que representava 88,9% do total de necessidades de moradias no Brasil.31

Nesse sentido, Bassul destaca ainda que:

Embora [nas décadas de 1980 e 1990] as taxas de crescimento demográfico tenham arrefecido e o vetor do incremento populacional tenha se deslocado das áreas centrais para as periferias das regiões metropolitanas, bem como para as cidades médias, a precariedade das condições de vida de grandes

28 Ibid. p, 59.

29 MARICATO, Ermínia. O Impasse da Política Urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2014. pp, 123-124.

30 Em novembro de 1984, o salário mínimo, conforme o Decreto nº 90301/84, era de Cr$ 166.560,00.

31 LUCCHESE, Maria Cecilia. ROSSETTO, Rossella. “A política urbana no governo militar (1964 – 1985)”. p, 35-81. In: BONDUKI, Nabil (org.). A luta pela reforma urbana no Brasil: Do Seminário de Habitação e Reforma Urbana ao Plano Diretor de São Paulo. São Paulo: Instituto Casa da Cidade, 2018. p, 35.

(29)

28 contingentes da população ainda constitui característica comum, e crescente, em todas as grandes concentrações urbanas no Brasil.32

Aqui, merece destaque o fato de que a demanda por moradias, especialmente aquelas voltadas à população de baixa renda foi o grande motor da luta pela reforma urbana no Brasil a partir da década de 1930. Nabil Bonduki aborda como a Revolução de 1930 e o golpe militar de 1964, na tentativa de lidarem com a grande massa urbana de baixa renda que só aumentava, acabaram transformando a noção de produção habitacional no Brasil. Como parte do projeto nacional-desenvolvimentista, o Governo Vargas compreendia a habitação como

“condição básica para a reprodução da força de trabalho e, portanto, como fator econômico na estratégia de industrialização do país” 33. Nesse período notou-se um forte estímulo à aquisição da casa própria por parte do governo, que à época era amplamente construída através de mutirões. Bonduki aborda tratar-se de uma mesma solução para dois problemas:

estimular a aquisição de uma casa – propriedade privada – faria com que os ânimos da massa urbana empobrecida não se rendessem tão facilmente à ideologia comunista (em uma época de popularidade do PCB). Além disso, como já bem assinalado por Oliveira, o estimulo à autoconstrução também era uma forma de reduzir os custos de reprodução da força de trabalho.

Nesse mesmo contexto, outra medida tomada pelo governo Vargas foi a Lei do Inquilinato, de 1942, que manteve o preço dos alugueis de imóveis residenciais estáveis por cerca de vinte anos e dificultou ações de despejo. Muito embora nenhuma posição oficial do governo tenha sido dada a respeito, Bonduki defende que

[...] a medida pode ser considerada a primeira iniciativa pública que introduziu de modo implícito, o conceito de função social da propriedade, [já que] criou uma severa limitação ao direito de propriedade e ao rentismo, sendo aplicada não à terra urbana, mas aos imóveis construídos com a finalidade de gerar uma renda34.

Pode-se destacar ainda que:

32 BASSUL, José Roberto. Reforma urbana e Estatuto da Cidade. EURE (Santiago), v. 28, n. 84, p. 133-144, 2002. p, 136. Disponível em: <https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?pid=S0250- 71612002008400008&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em 10 nov. 2019.

33 BONDUKI, Nabil Georges. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. p, 100.

34 Idem. “Do governo Vargas ao Seminário de Habitação e Reforma Urbanas: as tentativas pioneiras de enfrentar a questão urbana”. pp, 15-35. In: BONDUKI, Nabil (org.). A luta pela reforma urbana no Brasil: Do Seminário de Habitação e Reforma Urbana ao Plano Diretor de São Paulo. São Paulo: Instituto Casa da Cidade, 2018. p, 16.

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29 Embora a Lei do Inquilinato fosse um mecanismo de proteção aos inquilinos, que naquele momento eram os mais vulneráveis, contra os proprietários rentistas, teve, complementarmente, o objetivo de atrair para o setor industrial capitais que naturalmente tenderiam a se dirigir para o imobiliário. [...]

O investimento em casas de aluguel, até então muito atraentes, deixou de ser interessante, estimulando a aplicação de captais nos setores mais dinâmicos, sobretudo na indústria.35

Convergindo com o que foi abordado anteriormente por Oliveira, Bonduki diz que “o congelamento dos alugueis também se situa entre as medidas tomadas por Vargas para reduzir o custo de vida do trabalhador, ou seja, o custo de reprodução da força de trabalho”36. Entretanto, destaca-se que “os governos da chamada era Vargas não foram capazes de estruturar uma política nacional de habitação” coesa e articulada. Uma das contrapartidas da Lei do Inquilinato, por exemplo, foi o aumento cada vez maior do déficit habitacional, já que os investimentos na construção de casas de aluguel foram reduzidos.

Impossibilitados de aumentar o valor da locação, muitos proprietários passaram a recorrer ao despejo de seus antigos inquilinos como tentativa de conseguir com os novos, o aumento de seus rendimentos. Assim:

Se a situação dos já alojados era difícil frente à ameaça de despejos, os migrantes que chegavam em grande quantidade nas cidades não tinham alternativa senão buscar um lote periférico ou ocupar um pedaço de terra e, em ambos os casos, autoconstuir uma moradia precária. Assim, tanto os antigos inquilinos despejados como os novos habitantes das cidades acabaram por alimentar o chamado padrão periférico de crescimento urbano, baseado na formação de assentamentos precários e no auto-empreendimento da casa própria, alternativa que proliferou no período.37

Vale ressaltar que esse padrão periférico trazia consigo outros desafios além do problema da precariedade das unidades habitacionais. Esses assentamentos geralmente são formados ou em propriedades privadas ou em propriedades do poder público, que muitas vezes são áreas de proteção ambiental. Além da insegurança gerada em torno das ações de reintegração de posse, por serem ocupações informais, o próprio governo tem dificuldade em

35 Ibid. p, 17-18.

36 Ibid. p, 18.

37 Ibid. p, 20.

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