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2. OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS

2.1. Definição e desenvolvimento conforme o Estatuto da Cidade

A Operação Urbana Consorciada está no rol do que o Estatuto da Cidade, lei federal 10.257/2001, classifica como instituto político e jurídico a ser utilizado como instrumento de política urbana131. Os artigos que conferem as diretrizes básicas para a criação de uma OUC encontram-se na “Seção X” do Estatuto da Cidade e vão do art. 32 ao 34-A. Embora o espaço dedicado às Operações Urbanas seja curto na lei supracitada, conforme veremos no decorrer deste trabalho, trata-se de um instituto jurídico complexo e que gerou intensas críticas.

O seu conceito jurídico é dado pelo próprio Estatuto da Cidade, em uma seção específica, dentro do capítulo que aborda os instrumentos de política urbana:

Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.132

Ao estudar detalhadamente as Operações Urbanas Consorciadas, Karlin Olbertz problematiza a insuficiência desse conceito legal para fins de definição do instituto. Isso

131 Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas.

§ 1o Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

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porque, além de outros instrumentos de política urbana também poderem apresentar complexidade e amplitude tal qual uma OUC, tampouco basta dizer que uma intervenção urbanística também não tomará como seus os objetivos de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.133 A Olbertz diz ainda que:

A operação urbana consorciada não pode ser considerada obra pública (ao menos na sua versão convencional) em virtude da sua complexidade conceptual, social de avaliação de riscos e organizacional. Tampouco pode ser considerada regulamentação do solo e da propriedade privada, pois se opõe à atividade de mero controle urbano, demandando intervenções e órgãos gerenciais particularizados.

Em suma, as operações urbanas consorciadas recortam uma área da cidade (o objeto da operação) e aplicam-lhe uma ordenação diferenciada quanto ao uso e ocupação do solo. Essa ordenação é diferenciada porque não corresponde à ordenação até então vigente para o local.

Além disso, as operações propõe transformações para a área focalizada, não apenas decorrentes da nova ordenação, mas também de medidas interventivas, tais como a ampliação do sistema viário, a recuperação de construções e de áreas degradadas, a criação de espaços de lazer, a construções de habitações de interesse social, etc. 134

No presente trabalho, levando-se em consideração a crítica feita por Olbertz sobre a insuficiência da definição legal para conceituar o que é uma Operação Urbana Consorciada, optamos por fazê-lo ao final deste subtítulo, após ser feita uma breve apresentação sobre esse instrumento e o que diz o Estatuto da Cidade sobre ele.

Um dos fatores que contribuem para que seja feita certa confusão sobre a definição de uma OUC está na determinação, conforme dispõe o caput do Art. 32 do Estatuto da Cidade, dela ser criada através de lei municipal específica, baseada no plano diretor da cidade. Hely Lopes Meirelles135 completa:

A lei municipal poderá prever, dentre outras medidas, a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerando o impacto

133 OLBERTZ, Karlin. Operação urbana consorciada. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Acesso em: 20 mai. 2019. p, 38.

134 Ibid. pp, 45-46.

135 É preciso levar em consideração que o Hely Lopes Meirelles faleceu em 1990, quando as Operações Urbanas Consorciadas ainda não haviam sido instituídas. Todos os comentários feitos sobre as OUCs, bem como demais instrumentos novos criados com o Estatuto da Cidade, foram incluídos nas edições posteriores a 2002 de “Direito Municipal Brasileiro”, cuja primeira edição data de 1957.

58 ambiental delas decorrentes; a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente.136

Uma alteração feita no Estatuto da Cidade pela Lei 12.836/13 incluiu um inciso no rol de medidas que podem ser previstas nas OUCs. Tal dispositivo versa sobre a concessão de incentivos a operações urbanas que utilizem tecnologias visando a redução de impactos ambientais e que comprovem a utilização, nas construções e uso de edificações urbanas, de tecnologias que reduzam os impactos ambientais e economizem recursos naturais, especificadas as modalidades de design e de obras a serem contempladas137.

Insta ressaltar que, inicialmente, o Estatuto da Cidade previa como competência exclusivamente municipal a elaboração de uma lei específica que delimitasse uma área para a aplicação de operações consorciadas, com base nos seus respectivos planos diretores. Entretanto, a partir de 2015, a Lei Federal 13.089/15 (ou Estatuto da Metrópole) incluiu no Estatuto da Cidade a possibilidade de também os governos estaduais criarem operações urbanas consorciadas138 em regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas já instituídas por lei complementar estadual139. As disposições dos artigos que versam sobre as OUCs, no que couber, devem ser aplicadas às Operações Urbanas Consorciadas interfederativas.

Ainda quanto às medidas que podem ser previstas nas Operações Urbanas, chamam atenção a alteração dos índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, alteração de normas edilícias e a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente. Isso decorre da falta de tais medidas justificarem a própria razão de ser das OUCs.

Conforme detalharemos adiante, o modelo de Operação Urbana Consorciada estabelecida no Estatuto da Cidade surgiu com base em institutos semelhantes testados na cidade de São Paulo no decorrer da década de 1990 e início dos anos 2000. Na capital paulista, algumas leis municipais, como a Lei de Zoneamento de 1972, mas não só, delimitaram o potencial construtivo da terra urbana, de modo que, em determinados momentos, os interesses do setor imobiliário e da construção civil foram atingidos.

136 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2013; e SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2018. p, 554.

137 Art. 32, §2º e incisos I a III do Estatuto da Cidade. 138 Art. 34-A do Estatuto da Cidade.

139 A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 25, §3º, que a criação de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes pode (e deve) ser realizada mediante lei complementar estadual, a fim de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

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De acordo com Nádia Somekh, o coeficiente de aproveitamento em determinada região da cidade pode ser utilizado como forma de aumentar o ganho dos proprietários da terra e agentes da especulação imobiliária com a exploração máxima do seu potencial construtivo.140 Com uma legislação urbanística que os engessa, é interessante para os setores da construção civil e da especulação imobiliária se mobilizarem para que haja flexibilização desses índices. Karlin Olbertz diz que:

Na operação urbana consorciada, haverá a superveniência de uma ordenação especial, disposta no plano da operação, e que não corresponderá à disciplina até então vigente para a área delimitada. Essa ordenação especial do solo servirá de indicativo para investimentos da iniciativa privada, pois permitirá excessos e usos até então proibidos pelas normas edilícias e pelo zoneamento local.141

Sendo assim, não é preciso ir muito longe para concluir que é mais fácil flexibilizar os índices de potenciais construtivos de uma área delimitada dentro da malha urbana do que alterar a Lei de Zoneamento para a cidade inteira. A Operação Urbana Consorciada parece, então, cair como uma luva para alguns proprietários de terras e agentes privados dos setores imobiliário e da construção civil.

No que diz respeito à previsão legal de uma OUC poder regularizar construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente, dentro dos limites da sua área, conforme a lei específica que a criar, pode-se observar outro mecanismo de altíssimo interesse para construtoras e incorporadoras imobiliárias. Ao analisar o surgimento das OUCs Água Espraiada e Faria Lima, Mariana Fix observou que, ainda no período de aprovação das Leis que autorizavam o seu funcionamento, já existiam projetos de edifícios que superavam o coeficiente de aproveitamento e a altura previstos na Lei de Zoneamento, bem como algumas construções já em andamento que também contrariavam a legislação urbana vigente à época.142

Retomando a análise do que diz o Estatuto da Cidade sobre a OUC, observa-se uma imposição legal para que a lei específica que vá aprovar uma operação urbana consorciada contenha um plano indicando a presença de requisitos mínimos: I) a definição da área a ser

140 SOMEKH, Nádia. A desverticalização de São Paulo. 1987. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 1987. p, 168.

141 OLBERTZ, Karlin. op. cit. p. 37.

142 FIX, Mariana. Parceiros da exclusão: duas histórias da construção de uma “nova cidade” em São Paulo: Faria Lima e Agua Espraiada. São Paulo: Boitempo. 2001. p, 60.

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atingida; II) o programa básico de ocupação da área; III) o programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação; IV) as finalidades da operação; V) um estudo prévio de impacto de vizinhança; VI) a contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I, II e III do § 2o do art. 32 do Estatuto da Cidade; VII) a forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhada com representação da sociedade civil; e VIII) a natureza dos incentivos a serem concedidos aos proprietários, usuários permanentes e investidores privados, uma vez atendido o disposto no inciso III do § 2o do art. 32 desta Lei.143

Há uma razão para que esses tenham sido os requisitos mínimos apresentados pelo Art. 33 do Estatuto da Cidade e que devem estar presentes no plano da Operação Urbana Consorciada. Conforme já foi explanado anteriormente, a OUC é um instrumento jurídico e político de transformação urbana que visa a melhoria na infraestrutura urbana de um local específico da cidade. Karlin Olbertz diz que:

[...] para que seja possível a concretização dos objetivos de melhoria e valorização, o setor focalizado pela operação receberá um plano próprio, excetuado do plano diretor do Município. E esse plano específico será executado mediante a aplicação de recursos públicos e privados, cuja alocação dependerá do manejo dos parâmetros urbanísticos prévios e da negociação de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo do local, sem prejuízo de outras medidas de relativização e de obrigações de urbanificação.144

Assim, faz sentido que o plano deva definir a área que será atingida, o seu programa básico de ocupação, as suas finalidades e sua forma de controle, por exemplo. Há, todavia, alguns outros requisitos que ultrapassam a obviedade e que expressam a perniciosidade das Operações Urbanas. Merecem destaque, então, as exigências constantes nos incisos III e VI do artigo supracitado.

Está presente no próprio conceito legal da Operação Urbana Consorciada e na ideia de requalificação do espaço urbano que as transformações por ela propostas ocorrerão em área onde provavelmente existem proprietários, moradores e usuários permanentes. Assim, a depender das melhorias projetadas pelo Poder Público para a OUC, as chances de ser necessário promover a desapropriação, seja ela parcial ou integral, dos imóveis existentes na

143 Art. 33, incisos I a VIII do Estatuto da Cidade. 144 OLBERTZ, Karlin. op. cit. p, 37.

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área da OUC são bem altas. Por envolver direitos reais e possessórios, fica justificado que o Estatuto da Cidade exija a apresentação de um programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada por uma OUC.

Por fim, o outro requisito que deve estar presente no plano de uma OUC, conforme o Estatuto da Cidade, e que chama a atenção quando se analisa esse instituto com um olhar mais atento é a contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I, II e III do § 2o do art. 32 do Estatuto da Cidade, que preveem basicamente flexibilização das regras de aproveitamento, uso e ocupação do solo.

Ao refletir sobre a obrigatoriedade da contrapartida supracitada, Toshio Mukai diz que se os proprietários ou usuários permanentes não contribuírem no início, estarão “se locupletando ilicitamente em detrimento do prejuízo dos demais empreendedores”, já que o objetivo de uma OUC, além de alcançar “transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”, é também facilitar a obtenção de lucro com eventual revenda de imóveis construídos na área delimitada na lei específica.145

A reflexão de Toshio Mukai está em total consonância com o principal objetivo da OUC: a valorização ambiental. Muito embora José dos Santos Carvalho Filho leia a valorização ambiental como uma tentativa de “tornar o ambiente da cidade mais próximo às demandas sociais do local, sejam de que natureza forem, de forma a dispensar o maior bem-estar possível a todos os que desfrutam da cidade”146, defende-se, aqui que ela trata, na verdade, de um eufemismo do legislador para não deixar a explícita a expressão “valorização imobiliária” no texto da lei.

Olbertz, no mesmo sentido de Carvalho Filho, também enxerga a valorização ambiental como um objetivo “que não se restringe à preservação dos recursos naturais, mas abrange tudo o que possa oferecer bem-estar no âmbito do espaço habitável”.147 Entretanto, levando-se em consideração que os principais trunfos de uma Operação Urbana Consorciada são a flexibilização dos índices e características de parcelamento, uso e ocupação de solo e subsolo, e a regularização de construções e edifícios que descumpriam a legislação urbana antes da

145 MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade: anotações à Lei nº 10.257, de 10-7-2001. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 29.

146 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p, 222.

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aprovação de uma lei que institui uma OUC, sustenta-se aqui que a valorização ambiental é, sim, valorização imobiliária.

Retornando ao texto da lei, verifica-se que houve uma preocupação do legislador em deixar claro que os recursos obtidos pelo Poder Público municipal na forma das contrapartidas supracitadas serão aplicados exclusivamente na própria operação urbana consorciada (Art. 33, §2º). Alexandre Levin completa:

As contrapartidas servirão para financiar a reurbanização da área objeto da operação e possibilitar, ao mesmo tempo, a captura da valorização imobiliária pela Administração, em homenagem aos princípios da “justa distribuição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização” (Estatudo da Cidade, Art. 2º, IX) e da “recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos” (Art. 2º, XI).

[...] Vale ressaltar que a contrapartida apresentada pelo interessado não tem necessariamente caráter pecuniário. O particular pode arcar com uma contraprestação em bens, em construção ou em serviço, por exemplo.148

Destaca-se, ainda, que a lei que aprovar uma OUC deverá indicar de forma precisa a forma de cálculo dessas contrapartidas. Segundo Diogenes Gasparini, esse cálculo deve ser feito “mediante fórmulas matemáticas, levando em conta o incremento patrimonial auferido pelo interessado”.149 Alexandre Levin completa dizendo que o valor “não pode ser arbitrado caso a caso, sob pena de ferir o princípio da isonomia, dado que diferentes interessados no mesmo benefício não podem estar sujeitos ao pagamento de contrapartidas diversas ou desproporcionais”.150

Sendo assim, e levando-se em consideração que são os proprietários, os usuários permanentes e os investidores privados que podem ser beneficiar diretamente dos benefícios urbanísticos da uma Operação Urbana Consorciada, faz sentido que o parágrafo 1º do Art. 33 do Estatuto da Cidade defina, então, que os recursos supracitados obtidos pelo Poder Público sejam aplicados exclusivamente na própria OUC.

Entretanto, pensando no desenvolvimento da cidade como um todo, especialmente no que diz respeito à urgência da política urbana em corrigir as distorções do crescimento da

148 LEVIN, Alexandre. Operação urbana consorciada: concertação público-privada para a justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística. 2014. 234 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. p, 173.

149 GASPARINI, Diogenes. O Estatudo da Cidade. São Paulo: NDJ, 2002. p, 184. 150 LEVIN, Alexandre. op. cit. p, 174.

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cidade, questiona-se se não seria melhor se o legislador tivesse optado por alocar tais recursos em uma espécie de fundo de investimentos mais amplo. Assim, seria possível que os recursos obtidos pudessem ser reinvestidos em outras áreas da cidade que talvez precisassem de mais infraestrutura do que a área da OUC.

No município de São Paulo, por exemplo, existe o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb)151, cujo objetivo é financiar investimentos na cidade em conformidade com o Plano Diretor Estratégico e o Plano de Metas do Município. Insta salientar que a outorga onerosa do direito de construir é a sua principal fonte de recursos. Isso significa que a municipalidade pode, com a venda de potencial construtivo acima do coeficiente básico previsto na legislação que define regras de zoneamento, realizar uma melhor distribuição espacial de infraestrutura.

Caso os recursos obtidos pelos benefícios urbanísticos adquiridos em sede de uma OUC pudessem ser redistribuídos para outras áreas da malha urbana, poderia ser evitado o que Ermínia Maricato chamou de “ilhas de primeiro mundo”, ou “bairros de alta qualidade de vida urbana”, áreas da cidade que surgiram para atender principalmente aos interesses da elite econômica, sejam elas bairros residenciais ou comerciais.152

O instituto urbanístico da outorga onerosa do direito de construir será abordado de modo um pouco mais detalhado mais adiante. Porém, por hora, basta ressaltar que a sua função é basicamente a mesma do certificado de potencial adicional de construção (Cepac), instrumento que os municípios mais utilizam como a contrapartida prevista no Estatuto da Cidade para viabilizar uma Operação Urbana Consorciada.153

Assim, sendo instrumentos com objetivos semelhantes (pagamento pela possibilidade de construir além do coeficiente definido como básico e até seu limite máximo), a dúvida está na razão de o legislador ter optado por definir que os valores obtidos com a venda de Cepacs tenham que ser revertidos apenas para a área da própria Operação Urbana Consorciada, ao passo que os valores obtidos com a venda de Outorga onerosa do direito de construir (OODC) – instituto que discutiremos mais adiante – podem ser revertidos para outras áreas da malha urbana.

151 PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Fundurb: Acompanhamento dos Projetos Aprovados. São

Paulo, 2019. Disponível em:

<https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/urbanismo/participacao_social/fundos/fundurb/index.php?p =177712>. Acesso em: 20 mai. 2019.

152 MARICATO, Ermínia. Metrópole na periferia do capitalismo. São Paulo: Hucitec. 1996. p, 47. 153 LEVIN, Alexandre. op. cit. p, 174.

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Essa é uma questão a ser discutida no decorrer do trabalho. Por hora, uma resposta possível é a que vai ao encontro da hipótese central da presente pesquisa. A OUC definida no Estatuto da Cidade é fruto direto das já mencionadas Operações Urbanas Consorciadas Faria Lima e Água Espraiada, sendo que nelas os interesses de mercado prevaleceram sobre os interesses sociais. O material de pesquisa levantado para este trabalho indica que os agentes diretamente envolvidos na sua criação aparentemente atuaram no sentido de fazer com que todos os recursos por eles investidos ficassem retidos na área da própria Operação, a fim de maximizar seus lucros. Sendo um instrumento feito quase que sob medida, a OUC não é capaz de atender aos princípios constitucionais e diretrizes de política urbana existentes na legislação que a sustenta.

A hipótese descrita acima ganhará mais densidade na análise da criação e venda dos certificados de potencial adicional de construção. Ante a sua complexidade, esse instrumento será abordado em um subtítulo próprio. Neste momento, faz-se suficiente apenas a sua apresentação: o Estatuto da Cidade, a fim de viabilizar a operacionalidade da Operação Urbana Consorciada, prevê que a lei municipal que a aprovar poderá prever a emissão de