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A prestação de contas (accountability) das OSFL

2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.3. A teoria dos stakeholders e a prestação de informação nas OSFL

2.3.6. A prestação de contas (accountability) das OSFL

A prestação de contas por uma OSFL é influenciada por uma constelação de forças que a envolvem – legais, políticas, socioculturais, económicas e outras –, pressionando-a a atuar de determinado modo, realizando umas atividades e deixando de realizar outras, para que preserve a confiança pública e sirva o interesse público. Por um lado há um conjunto de regras, procedimentos, exigências, sanções, impostas externamente e internamente. Por outro há um julgamento público, uma opinião pública, a influência da comunicação social, os pareceres emitidos por entidades de supervisão, e também, o julgamento direto de utentes, de entidades governamentais (que atribuem subsídios), de patrocinadores, de beneméritos e de outros stakeholders, que influenciam a vida da OSFL. A prestação de contas é pois influenciada por uma conjugação de forças e de interesses (Kearns, 1996).

Para uma resposta eficiente a prestação de contas (accountability) das OSFL deve focar-se em três áreas: recursos, processos e resultados (resources, processes and outcomes) (Kearns, 1996). A prestação de contas sobre os recursos ou ativos da organização, os rendimentos e as despesas, os controlos existentes para prevenir fraudes, desperdícios e abusos. A prestação de contas sobre os processos seguidos pela organização, se foram seguidos os adequados, previstos e autorizados, se existem controlos, auditorias, avaliações e formação relativas aos processos adotados. A prestação de contas sobre os resultados conseguidos pela organização, face à sua missão, à satisfação dos beneficiários, à relação custo-benefício e ao planeamento inicial.

Assim a prestação de contas (accountability) de uma OSFL deve, por um lado preservar a confiança pública na organização, e por outro servir o interesse público face às expectativas na organização (Kearns, 1996). Embora em termos práticos estas duas situações não se distingam, em termos teóricos é importante distingui-las. A confiança pública na organização mantém-se desde que esta cumpra a sua missão, que cumpra os compromissos assumidos com

os stakeholders e que prossiga uma gestão defensável. O interesse público da organização pode ter diferentes perspetivas, consoante as expectativas, as necessidades, os interesses, que os stakeholders têm face à mesma. Uma organização pode gerar confiança pública e em geral não servir o interesse público (cumpre tudo mas não serve os interesses de uma parte substancial da comunidade). E vice-versa, pode servir os interesses gerais e não cumprir com o estabelecido.

A prestação de contas embora deva funcionar de um modo integrado, pode ser observada ou tratada sob várias perspetivas. São tradicionalmente apontadas três perspetivas que Kearns (1996) retrata como sendo as três dimensões de um cubo, evidenciando a sua integração, e a resposta a três questões: A quem prestar contas? Como é que a organização o vai fazer? Deve prestar contas sobre o quê?

Quanto à primeira questão “A quem prestar contas?” identificam-se várias posições na literatura. Segundo Kearns (1996), a exigência ou a solicitação ou o interesse na prestação de contas (accountability) pode ser da autoridade máxima externa, da autoridade máxima interna e do público em geral. Para Najam (1996) e Ebrahim (2003a) esta exigência, solicitação ou interesse pode vir de cima, sendo fornecida num sentido ascendente (upward) – a stakeholders como os fundadores, os beneméritos, os patrocinadores, as agências governamentais –; pode também vir de baixo, resultando uma accountability descendente (downward) – a stakeholders como aqueles a quem a OSFL presta serviço –; pode ainda vir de dentro da organização (to self), dos respetivos gestores, administradores, pessoal, voluntários e outros intervenientes para a realização da missão. No presente estudo assume-se a posição de Franco (2004a) identificando os interessados na prestação de contas como sendo todo e qualquer stakeholder da organização.

Quanto à segunda questão “Como é que a organização o vai fazer? Najam (1996) e Ebrahim (2003a) consideram que esta pode ser mais funcional, centrada na utilização dos recursos e nos resultados a curto prazo, ou ser mais estratégica, direcionada para o longo prazo, para os impactos estruturais e contextuais da organização. Para Kearns (1994, 1996) a resposta da organização pode ser estratégica, com sentido proactivo, ou pode ser tática, com sentido reativo. Em Franco (2004a), na resposta a esta questão, opta-se pela designação de “postura da organização”, classificando-a entre proactiva ou reativa.

Quanto à questão “Deve prestar contas sobre o quê?”, Kearns (1994, 1996) considera que pode ser sobre standards explícitos ou implícitos. Os primeiros decorrem de regras explícitas, pré-estabelecidas, formalizadas, por exemplo, através de legislação, regulamentos e contratos. Os segundos decorrem de normas implícitas e enraizadas, em códigos profissionais, valores sociais, crenças, pressupostos, que formam a consciência do que é o interesse público e a confiança pública numa organização. Com standards explícitos, se a resposta da

organização for tática/reativa, teremos uma prestação de contas legalista, resultante do cumprimento de regras (legal or compliance accountability); se a resposta da organização for estratégica/proactiva, teremos uma prestação de contas centrada na antecipação e argumentação (antecipatory or advocacy accountability). Com standards implícitos, se a resposta da organização for tática/reativa, teremos uma prestação de contas negociada ou de resposta a situações concretas (negociated or responsiveness accountability); se a resposta da organização for estratégica/proactiva, teremos uma prestação de contas discricionária, como resultado de sistemas de prestação de contas construídos com sentido crítico, que defendem a organização de acordo com um conjunto de critérios (discretionary or judgment accountability).

Ainda relativamente à questão “Deve prestar contas sobre o quê?”, Ebrahim (2003a) considera que existem incentivos externos e incentivos internos para prestar contas. Os incentivos externos podem ser, por exemplo, requisitos legais, exigências de algum financiador, ou serem mais subtis, como a erosão da confiança pública na organização. Por sua vez, os incentivos internos centram-se nos princípios e valores, que levam a organização a assumir que deve ser mais responsável, participativa e comprometida, em dimensões como as ambientais, sociais e éticas.

De um modo geral, Ebrahim (2003a) considera que a resposta às três questões pode ser obtida a partir de cinco elementos/mecanismos: relatórios e outras divulgações de informação; questionários e avaliações do desempenho; participação/envolvimento dos interessados; autorregulação; e auditorias sociais (reports and disclosure statements, performance assessments and evaluations, participation, self-regulation, and social audits). Cada mecanismo tem características que facilitam a sua adequação ao utilizador tipo (upward, downward, to self), aos incentivos que têm para prestar contas (internos ou externos) e à resposta da organização (funcional ou estratégica). Mais recentemente, Ebrahim (2010) procede a uma revisão destes mecanismos, sendo as “auditorias sociais” substituídas por um processo de aprendizagem contínua (adaptative learning) que permite uma análise e reflexão regular da situação, tendo em vista a realização da missão.

De um modo geral as OSFL estão imbuídas de um espírito de voluntariado, caracterizado por um sentido de responsabilidade para com a comunidade envolvente, o que segundo Fry (1995) facilita a prestação de contas (accountability). Este autor (Fry, 1995) apresenta o conceito de “sentido de responsabilidade” (“felt responsibility”) como um estado intrínseco e subjetivo que significa uma aceitação profunda da responsabilidade23 (parte interna do comportamento

responsável). Esta manifesta-se mais fortemente no âmbito das OSFL, propiciando uma maior abertura e responsabilização pela prestação de contas (accountability). Ainda segundo o

mesmo autor, a prestação de contas (accountability) resulta de uma dinâmica social pela qual se é impelido a prestar contas aos outros, por desvios entre a ação pela qual se é responsável e as normas e expectativas relevantes (parte externa do comportamento responsável). Assim sendo, as OSFL estão mais abertas a que se realizem “conversações para a prestação de contas” (“conversations for accountability”), entre os “principais” e os “agentes”, ou seja, entre os stakeholders e os gestores das OSFL, gerando-se um sentido de parceria, de aliança, de responsabilidade partilhada, em contraposição com a visão mais comum que focaliza toda a responsabilidade da prestação de contas nos gestores (agentes).

A missão das organizações desempenha um papel importante como referencial para a prestação de contas (accountability). Como refere Drucker (1989,1990) a razão de existir das OSFL está na sua missão específica, sendo ela que as conduz estrategicamente. Pelo que, como salienta Franco (2004a), a qualquer stakeholder, ou pelo menos à generalidade, interessa perceber o desempenho da organização face à sua missão, e então, numa postura proactiva (“resposta da organização”) será relevante que a OSFL preste contas deste desempenho. Na linha de pensamento de Kearns (1994, 1996), a missão pode surgir como um standard explícito se está formalizada pela organização ou como um standard implícito se ainda não está formalizada, assumindo a forma de “sentido de missão”. Assim, a missão porque reflete os interesses de vários atores em torno da organização torna-se um referencial fundamental da prestação de contas (Franco, 2004a).

É contudo necessário ter cuidado para que uma prestação de contas excessiva e rotineira não venha a pôr em causa a missão da organização. Conforme salienta Ebrahim (2005), principalmente em OSFL mais pequenas fortemente dependentes em termos de recursos de um ou outro apoiante, em que para o efeito se exige uma determinada prestação de contas segundo um modelo pré-estabelecido, geralmente focado no curto prazo, se a OSFL não estiver atenta, este tipo de prestação de contas pode gerar miopia na aprendizagem organizacional, pondo em causa uma visão de longo prazo e o cumprimento da missão. Pelo que Ebrahim (2005) recomenda que a prestação de contas da OSFL não seja limitada pelas relações, entre a OSFL e alguns stakeholders, mas sim que haja um sistema de prestação de contas que inclua os interesses de informação da generalidade dos stakeholders. Este autor recomenda ainda que o sistema esteja focado no longo prazo, tendo em vista o cumprimento da missão, propiciando a aprendizagem, a melhoria e a inovação na organização. Este risco também pode estar presente em situações de financiamento das OSFL pelas empresas, principalmente nas pequenas OSFL. A situação de dependência económica pode levar a que a organização distorça a “prestação de contas”, desviando-se da sua missão (Young, 2002).

A prestação de contas (accountability) das OSFL deverá ser feita numa perspetiva integrada, fazendo sentido com o contexto da organização e por isso tendo características próprias consoante o tipo de organização (Ebrahim, 2010). No estudo de Ebrahim (2003b) sobre

Organizações Não Governamentais (ONG) conclui-se que: a prestação de contas deve servir um amplo leque de stakeholders, com interesses e poderes diversos, em que o contexto relacional varia consoante o tipo de organização. A prestação de contas numa perspetiva integrada pode tornar-se complexa, uma vez que nas relações com os seus stakeholders, a OSFL poder funcionar numas como “principal” e noutras como “agente”. Os mecanismos e as características chave da prestação de contas de cada OSFL podem variar consoante o tipo de organização, pois os mesmos stakeholders terão poderes, influências e interesses diferentes consoante o tipo de organização. Por exemplo a prestação de contas deverá ser diferente consoante a OSFL em causa seja uma associação vocacionada para a autoajuda dos seus membros, seja uma prestadora de serviços vocacionada para o apoio caritativo, ou seja uma organização em rede vocacionada para a pressão política sobre uma determinada temática. A prestação de contas deve servir simultaneamente os interesses externos, muitas vezes impostos, e os interesses internos, face à responsabilidade de auto avaliação do desempenho, de se dar continuidade à organização, cumprindo a sua missão, finalidades e objetivos. Em Ebrahim (2010) sugere-se uma perspetiva integrada na prestação de contas, que englobe os vários interesses, pedidos e exigências de prestação de contas: com origem em diversos atores (upward, downward, internal), para diferentes fins de avaliação (financeiros, gestão, desempenho, missão) e requerendo respostas diferentes da OSFL (reativa/cumprimento ou proactiva/estratégica).

Também Farkas e Molnár (2005) defendem a utilização de sistemas integrados de prestação de contas (accountability) para cada OSFL mas vão mais longe defendendo a existência de um padrão universal para a prestação de contas pelas OSFL. Embora reconhecendo haver diferenças entre as OSFL, no que respeita às atividades desenvolvidas, à forma de organização, às diferenças de poder e de influência dos diversos stakeholders, etc., que dificultam o estabelecimento de padrões de prestação de contas, reconhecem ser possível encontrar padrões por setores de atividade e ainda que se podem definir padrões universais que sirvam as OSFL em geral.

Deste modo, o artigo de Farkas e Molnár (2005) pretende contribuir para a definição de um padrão universal de prestação de contas, ou como referem, um padrão dos padrões da prestação de contas nas OSFL (atendendo à possível definição de padrões por setores ou tipos de OSFL). Para o efeito os autores relacionam a prestação de contas (accountability) com a eficácia organizacional (organizational effectiveness), no que concerne a três abordagens relativas ao desenvolvimento de medidas de eficácia organizacional: “natural systems model”, “goal model” e “decision process model”. Identificam também seis áreas ou fatores chave com influência na eficácia organizacional das OSFL: angariação de fundos; a missão e relacionadamente, as políticas assumidas, os programas e os serviços prestados; as atividades de governo/gestão; a gestão financeira; a gestão dos recursos humanos; as relações públicas. Apresentam uma proposta de sistema geral padrão para a prestação de contas das OSFL que

envolve os seguintes tópicos: missão e programa; governação; finanças; angariação de fundos; práticas de gestão de recursos humanos; políticas de relações públicas e código de conduta a seguir. Este modelo foi mais tarde desenvolvido por Molnár (2008).