• Nenhum resultado encontrado

2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.1. As Organizações Sem Fins Lucrativos (OSFL)

2.1.2. Abordagens económicas relativas às OSFL

Os contributos que os economistas deram para o estudo das OSFL é digno de destaque, sobretudo se for tido em consideração o facto de as OSFL serem tradicionalmente encaradas como instituições que se situam fora do âmbito da análise económica tradicional (Wallis, 2006). Speckbacker (2008) acrescenta que as abordagens económicas têm sido largamente utilizadas para explicar a existência e o funcionamento das OSFL. Pode se mesmo dizer que existe uma área de investigação específica na literatura económica: “The study of non-profit organizations is beginning to secure a mainstream niche in economic literature” (Steinberg, 1997:195).

De um ponto de vista histórico, o estudo das OSFL começou com o desenvolvimento deste tipo de organizações no pós-2ª Guerra Mundial. Nos anos sessenta do século passado estas organizações já possuíam dimensão e relevo na sociedade, principalmente nos setores da saúde e do ensino. Tendo esta situação tido impacto na definição das políticas públicas e no desenvolvimento da teoria económica sobre as OSFL (Hansmann, 1987; Weisbrod, 1988). Foi

nos anos setenta e início dos anos oitenta, do século passado, que surgiram as bases das atuais teorias económicas relativas às OSFL.

Para Hansmann (1987) as teorias económicas sobre as OSFL surgem habitualmente divididas em dois tipos. Teorias sobre o papel e enquadramento das OSFL na economia. Teorias sobre o comportamento destas organizações, quanto aos objetivos prosseguidos, às motivações dos dirigentes, à sua eficiência, e à sua comparabilidade com outras organizações. Sendo necessário conhecer os dois tipos de teorias para se entender o que são as OSFL.

Sobre o papel das OSFL Hansmann (1987) destaca as seguintes teorias: “Public Goods Theory”, “Contract Failure Theory”, “Subsidy Theory”, “Consumer Control Theory”. Quanto ao comportamento das OSFL este mesmo autor refere a existência de diversos modelos, em parte desligados das teorias sobre o papel das OSFL e geralmente focados num determinado tipo de organização/atividade – hospitais, universidades, etc. –. Uma vez que este tipo de organizações não procura o lucro, a otimização destes modelos está orientada para aspetos como a qualidade, a quantidade de serviço prestado, o orçamento a conseguir; ou para a minimização de custos e ineficiências.

Quando a unidade de análise é a OSFL, os contributos científicos interdisciplinares são frequentes. Avança-se recorrendo a contributos teóricos de outras áreas de investigação. Por exemplo, o trabalho de Salamon e Anheier (1998) e os que se lhe antecederam, mais ligados à área da sociologia, são reconhecidos por Steinberg e Young (1998) como úteis em áreas como a economia e a ciência política. Salamon e Anheier (1998) identificam na literatura cinco teorias que explicam a razão de ser das OSFL “Government Failure/Market Failure Theory”, “Supply-Side Theory”, “Trust Theory”, “Welfare State Theory”, “Interdependence Theory” e propõem uma sexta teoria: a “Social Origins Theory”. Steinberg e Young (1998) resumem as cinco teorias já existentes em quatro, denominando-as por: “Heterogeneity Theory”, “Supply-Side Theory”, “Trust Theory” e “Interdependence Theory”.

Wallis (2006) considera que os trabalhos de investigação económica sobre as OSFL se podem agregar em quatro correntes distintas. As duas primeiras procuram retratar a procura de OSFL – the “demand side of NPO”. Na primeira corrente surgem trabalhos que seguem Weisbrod (1975), nos quais se argumenta que a razão de ser das OSFL se deve a “falhas das organizações” públicas em fornecer melhores serviços em setores específicos (ex. colégios privados / ensino público). Na segunda corrente encontram-se trabalhos que, seguindo Hansmann (1987), centram a razão de ser das OSFL em “falhas do mercado” na satisfação das necessidades dos consumidores. A estas correntes teóricas fundamentadas em “falhas na procura” de bens e serviços juntam-se trabalhos que se fundamentam no “lado da oferta” de bens e serviços. Assim, na terceira corrente destacam-se as questões do empreendedorismo social e ideológico. Finalmente, a quarta corrente teórica caracteriza-se por modelos de

altruísmo e compromisso, agregando os trabalhos que procuram explicar porque é que os indivíduos oferecem o seu tempo, esforço e saúde por questões de caridade e altruísmo.

Tendo por base as denominações mais frequentes na literatura (Hansmann, 1987; Salamon e Anheier, 1998; Steinberg e Young, 1998), sintetizam-se na Tabela 1 as principais teorias económicas relativas às OSFL, tendo em conta que as denominações utilizadas na literatura variam ligeiramente de uns autores para outros.

Tabela 1 – Principais teorias económicas relativas às OSFL.

Referências Teorias Económicas sobre as OSFL Weisbrod (1975);

Kingma (1997).

The Public Goods Theory

(Government Failure/Market Failure Theory; Heterogeneity Theory)

A teoria dos bens públicos sugere que as OSFL servem como produtores de bens públicos14. As entidades governamentais fornecem bens públicos apenas até ao nível em que estes satisfazem o votante mediano. As OSFL tendem a servir a procura residual de bens públicos, de uma população heterogenia, não satisfeita pelas entidades governamentais ou pelos mercados, ou seja quando existe uma “falha governamental” ou “falha do mercado”.

Young (1981); James (1987); Ben-Ner e Van Hoomissen (1991); Badelt (1997). Supply-Side Theory

Esta abordagem teórica apresenta uma explicação pelo “lado da oferta” para a emergência das OSFL. Segundo esta teoria, a explicação pelo “lado da procura”, segundo a qual as OSFL procuram ultrapassar as falhas da oferta governamental e dos mercados não é suficiente, há que ter em conta, também, o lado da oferta. Existem razões ideológicas, religiosas, altruístas, caritativas e outras que motivam o empreendedorismo social e ideológico, que levam a que se “movam montanhas” na angariação de recursos e ao nível dos processos; nomeadamente cativando diversos stakeholders, conseguindo apoios, encurtando e evitando despesas. Arrow (1963); Hansmann (1980, 1987, 2003); Fama e Jensen (1983); Krashinsky (1986); Ortmann e Schlesinger (1997).

Trust Theory - (Contract Failure Theory)

Uma terceira teoria para justificar a criação das OSFL assenta na falha dos contratos e/ou na falta de confiança na oferta de bens e serviços. A assimetria de informação tratada pela teoria da agência coloca-se no fornecimento de determinados bens ou serviços. O consumidor não consegue controlar tecnicamente a relação entre o serviço prestado e o preço cobrado. Assim sabendo o consumidor que pode ser enganado por quem quer obter lucros, haverá a preferência por organizações sem fins lucrativos, onde a restrição da não distribuição de resultados gera uma maior confiança na conformidade entre a qualidade e/ou quantidade do serviço ou bem fornecido e o respetivo contrato/preço estabelecido. Existe assim uma “falha dos mercados” que é resolvida pelo “lado da procura” através das OSFL. Alguns autores contestam esta teoria, dado existirem setores de atividade onde coexistem organizações com fins lucrativos e OSFL.

Salamon (1987a, 1987b)

Interdependence Theory - Welfare State Theory

A evolução das sociedades tem levado a grandes mudanças nas funções suportadas pelas estruturas tradicionais, como a família, a Igreja e os “senhores

14 Um “bem público” segundo Hansmann (1987) é aquele que reúne dois atributos: 1º - o custo de fornecer o bem a várias pessoas não é superior ao de o fornecer a uma única pessoa, dado que a utilização do bem por uma pessoa não interfere com a respetiva utilização em simultâneo por outras pessoas; 2º - uma vez fornecido o bem a uma pessoa não é fácil evitar que outras o consumam também (ex.: controle da poluição do ar, defesa contra um ataque nuclear).

feudais”. Muitas dessas funções têm sido transferidas para o Estado, dando origem à criação de diversas parcerias entre o Estado Providência15 e as OSFL. As parcerias entre o Estado e as OSFL para a prossecução de fins sociais, nomeadamente através da atribuição de subsídios do Estado às atividades das OSFL, são por um lado o reconhecimento da importância destas organizações na sociedade, mas também representam o reconhecimento de que ainda existem muitas falhas no voluntariado.

Salamon (1998); Steinberg e Young (1998);

Wagner (2000).

Social Origins Theory

O maior ou menor desenvolvimento das OSFL é influenciado pela sociedade onde se insere. O tipo de regime político historicamente predominante – liberal, corporativista, estadista, social-democrata – e a respetiva visão da sociedade, influenciam o modo de desenvolvimento dessa sociedade, conduzindo a uma maior ou menor existência e relevância das OSFL.

Em cada sociedade existe uma complexa rede de organizações, envolvendo as OSFL, que num âmbito alargado formam a esfera pública. Estas recebem influência dos contextos históricos, nomeadamente dos regimes políticos, em que estas evoluíram.

Os críticos desta teoria recordam que existem outros fatores históricos e culturais a influenciar as sociedades como a geografia, a demografia e o desenvolvimento tecnológico. Hansmann (1980, 1987); Fama e Jensen (1983). Subsidy Theory

Em alguns setores de atividade as OSFL beneficiam de subsídios estatais, provocando-se assim a proliferação destas organizações face às organizações com fins lucrativos.

Ben-Ner (1986). Consumer Control Theory

Como forma de controlar a qualidade do serviço ou produto consumido, surgem OSFL, geralmente sob a forma de clubes, associações ou cooperativas, em que os interessados se juntam e controlam diretamente o serviço/produto fornecido.

De acordo com Hughes (2006) a utilidade da teoria económica reside na sua capacidade em descrever os aspetos comuns num setor caracterizado por uma grande diversidade (OSFL), permitindo deste modo uma gestão eficiente dos recursos e a formulação de políticas públicas orientadas para a consecução dos objetivos sociais. No setor das OSFL a teoria económica ajuda a compreender os incentivos e a eficiente utilização dos recursos, desde a avaliação de desempenho dos dirigentes até ao estudo dos efeitos dos impostos nos donativos.

Na literatura económica sobre as OSFL é comum assumir-se a necessidade de maior investigação, principalmente no que respeita ao seu funcionamento interno. Até porque a heterogeneidade destas organizações tem dificultado a obtenção e generalização de conclusões (Hansmann, 1987; Anheier e Ben-Ner, 1997; Du Bois et al., 2003; Helmig et al., 2004). Neste sentido, Steinberg e Young (1998) destacam a importância de se aproveitarem os dados recolhidos em anteriores investigações, testando-se proposições já desenvolvidas como por exemplo: a correlação entre o emprego nas OSFL e as respetivas despesas operacionais; os determinantes dos rendimentos e/ou outputs das OSFL; os modelos de comportamento financeiro das OSFL; os modelos de risco financeiro das OSFL; a inter-relação entre as fontes

de rendimento das OSFL; os determinantes dos donativos e voluntariado nas OSFL; as diferenças entre as OSFL situadas em diferentes culturas / setores de atividade no que respeita aos inputs, salários, eficiência e desempenho.

As OSFL existem e subsistem no contexto económico, recorrendo a diversas vias de financiamento, essencialmente alicerçadas no altruísmo das pessoas e no facto de as pessoas / organizações preferirem confiar certas atividades a OSFL. As pessoas / organizações manifestam a sua generosidade doando tempo e dinheiro às OSFL. A intervenção dos governos, as características da população, a natureza dos serviços/produtos fornecidos influenciam a maior ou menor dimensão das OSFL mas não são de todo determinantes para a sua existência/sobrevivência (Rose-Ackerman, 1996).

No âmbito económico, a generalidade da investigação em torno das OSFL têm-se centrado em questões globais como a definição, a procura de serviços e a respetiva oferta. As questões microeconómicas e de funcionamento interno das OSFL tem recebido menor atenção na literatura científica (Helmig et al., 2004). As abordagens de gestão surgem em tópicos como: a governação (Eldenburg et al., 2004; Lopes, 2007), o planeamento estratégico (Stone e Brush, 1996; Moore, 2000; Miller, 2002), a contabilidade e auditoria (Hyndman, 1990; Jegers e Houtman, 1993; Connolly e Hyndman, 2000, 2004; Jegers, 2002; Torres e Pina, 2003), a gestão financeira (Chang e Tuckman, 1990, 1991, 1994; Wedig, 1994; Wedig et al., 1996; Nonprofit Finance Fund, 2001, 2002; Miller, 2003, 2004a, 2004b, 2005; Jegers e Verschueren, 2006; Young, 2006). Sendo a contribuição da teoria da agência significativa (Jensen e Meckling, 1976; Fama e Jensen, 1983).

Dada a crescente importância das OSFL na economia, torna-se relevante a prestação de informação sobre o seu desempenho, e a análise do papel da contabilidade e da auditoria nos processos de produção de informação e de certificação da mesma (Jegers, 2002).