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2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.4. Considerações finais

No capítulo de introdução destacaram-se quatro grandes áreas para a revisão da literatura a efetuar: “OSFL”, “Avaliação do Desempenho”, “stakeholders” e “Prestação de Informação" (Reporting).

No que respeita às abordagens económicas das OSFL, conclui-se que estas existem e subsistem em consequência de diversos fatores:

• as entidades governamentais só fornecerem bens públicos até um determinado nível, pelo que surgem as OSFL para servir a procura residual de bens públicos de uma população heterogénea, não satisfeita pelas entidades governamentais ou pelos mercados, ou seja quando há uma “falha governamental” ou uma “falha do mercado” (Weisbrod, 1975; Kingma, 1997);

• razões ideológicas, religiosas, altruístas, caritativas e outras que motivam o empreendedorismo social; havendo assim iniciativa do lado da oferta (Young, 1981; James, 1987; Ben-Ner e Van Hoomissen, 1991; Badelt; 1997);

• haver pessoas e entidades que acham que poderão ser enganadas na aquisição de bens e serviços a empresas que pretendem obter lucros, preferindo adquiri-los a OSFL que lhes garantem maior conformidade entre a qualidade e/ou quantidade do serviço ou bem fornecido e o contrato estabelecido (Arrow, 1963; Hansmann, 1980, 1987, 2003; Fama e Jensen, 1983; Krashinsky, 1986; Ortmann e Schlesinger, 1997);

• o desenvolvimento da sociedade tem levado à eliminação de funções tradicionalmente suportadas pelas estruturas familiares ou pela Igreja; em substituição têm assumido estas funções o Estado Providência e as OSFL (Salamon, 1987a, 1987b);

• o regime político predominante numa sociedade e a respetiva visão do mundo, influenciam o modo como se desenvolve essa sociedade, e o maior ou menor apoio à existência de OSFL (Salamon, 1998; Steinberg e Young, 1998; Wagner, 2000);

• em alguns setores de atividade as OSFL beneficiam de subsídios estatais, estimulando- se a proliferação destas organizações em detrimento das organizações com fins lucrativos (Hansmann, 1980, 1987; Fama e Jensen, 1983);

• como forma de controlar a qualidade do serviço ou produto consumido, surgem OSFL, geralmente sob a forma de clubes, associações ou cooperativas, em que os interessados se juntam e controlam diretamente o serviço/produto fornecido (Ben-Ner, 1986); • as pessoas / organizações preferem confiar certas atividades a OSFL; elas, pessoas /

organizações são generosas, doando tempo e dinheiro às OSFL; e elas, pessoas / organizações identificam e materializam nas OSFL as suas crenças ideológicas (Rose- Ackerman, 1996).

A abordagem contabilística feita ao longo deste capítulo às OSFL, permitiu realçar a diversas questões, merecendo destaque:

• as razões para uma contabilidade específica nas OSFL; • as especificidades da contabilidade nas OSFL;

• as dificuldades de normalização da contabilidade nas OSFL;

• o enquadramento normativo das OSFL em países como os Estados Unidos da América (EUA), o Reino Unido (RU), a Espanha e Portugal;

• a utilização da contabilidade de fundos nas OSFL; • a contabilidade social e a sua aplicabilidade nas OSFL;

• a questão da prestação de contas e da responsabilização (accountability) nas OSFL; • a análise e controlo da informação divulgada pelas OSFL;

• a relevância da Contabilidade de Gestão para as OSFL; • a ligação da contabilidade das OSFL com diversas teorias.

Também outras áreas disciplinares se têm interessado pelas OSFL. A sociologia tem servido para explicar as práticas das OSFL e sua interação com o ambiente social onde se inserem, principalmente através de três teorias: a teoria institucional, a teoria da estruturação e a

teoria da dependência dos recursos (Helmig et al., 2004). Na área do marketing, sugerindo e explicando práticas de gestão das OSFL, em tópicos como: a comunicação, o marketing estratégico, a angariação de fundos e o marketing relacional. A contribuição da teoria da agência (Jensen e Meckling, 1976; Fama e Jensen, 1983) tem também sido significativa em diversos estudos sobre as OSFL.

No que concerne a avaliação do desempenho das OSFL procurou-se identificar o “estado da arte”, em aspetos como a mensuração do desempenho, a eficácia organizacional, a avaliação dos outcomes, a relação com a teoria dos stakeholders, a prestação de informação aos stakeholders. Constata-se que a avaliação do desempenho organizacional tem sido tratada essencialmente numa perspetiva interna, com a finalidade de servir a gestão e aqueles que tem poder de decisão interna na organização. Nesta perspetiva as necessidades de informação têm sido tratadas pela contabilidade de gestão, no âmbito do controlo de gestão, através dos denominados sistemas de avaliação de desempenho. Contudo diversos autores (Stewart, 1984; Hyndman, 1990; Hyndman e Anderson, 1995; Zimmermann e Stevens, 2006; Barman, 2007) alegam que também existe a necessidade de avaliação do desempenho por parte de outros interessados na organização. Especialmente para as OSFL é premente a necessidade e o dever de “prestar contas” (accountability) aos stakeholders, acerca do desempenho da organização tendo em conta indicadores financeiros e não financeiros (Eccles, 1991; Martin e Kettner, 1997; Ittner e Larcker, 1998a; Connolly e Hyndman, 2000, 2004; Fishel, 2004; Flöstrand e Ström, 2006; Moxham e Boaden, 2007).

A investigação sobre a avaliação do desempenho na organização tem-se entrecruzado e evoluído em conjunto com a investigação sobre a eficácia organizacional (Henri, 2004). Neste contexto, outra temática relevante tem sido a avaliação dos resultados da organização a médio e longo prazo (outcomes). No âmbito das OSFL torna-se particularmente relevante a medição e avaliação dos seus esforços, pois em muitas destas organizações a importância do seu serviço só se evidencia a médio e longo prazo, sendo os respetivos resultados (outcomes) fruto de bens intangíveis produzidos e de difícil mensuração.

Os sistemas de avaliação do desempenho organizacional, como o Tableau de Bord, o Balanced Scorecard, e o Performance Prism, utilizam uma lógica de causalidade, dissecando e construindo, através de modelos e indicadores, cadeias de causas e efeitos no desempenho organizacional, tornando-o mais mensurável, percetível, comunicável e gerando referências para a gestão das organizações (Kasperskaya, 2006). A generalidade das investigações dá a primazia ao Balanced Scorecard (Marr e Schiuma, 2003). Este sistema tem evoluído em diversas vias, sendo utilizado para efeitos de comunicação com os stakeholders da organização (Ferreira, 2009).

Porém, a avaliação do desempenho das OSFL, como das organizações em geral, continua a ser uma questão polémica, longe de gerar consensos. Reconhece-se que cada organização é um caso e consequentemente pode merecer tratamento diferente (Sawhill e Williamson, 2001; Moore, 2003; Colcord, 2005; Micheli e Kennerley, 2005; Kasperskaya, 2006; Carvalho, 2008, Moxham, 2009).

A consideração do interesse e da satisfação dos stakeholders tem sido um elemento relevante no âmbito da prestação de informação interna (Friedman e Miles, 2006). Esta informação pode também ser útil na prestação de informação à generalidade dos stakeholders, quer ela se exija por uma via normativa (mais externa) como por um interesse instrumental (mais interno). Diversos trabalhos abordam a adaptação dos sistemas actuais para tratar a informação a divulgar sobre o desempenho da organização (Ittner e Larcker, 1998a, 1998b; Copenhagen Charter, 1999; Eccles et al., 2001; Maines et al., 2002; Nickols, 2002; Belal, 2002; Perrini e Tencati, 2006).

A teoria dos stakeholders diz-nos que se deve ter em conta não somente a satisfação dos detentores do capital (shareholders) mas sim a de todos os grupos ou indivíduos que são afetados ou podem afetar a realização dos objetivos da organização (os stakeholders) (Freeman e Reed, 1983; Freeman e McVea, 2001; Friedman e Miles, 2006). Na linha de Donaldson e Preston (1995), a teoria dos stakeholders tem aplicabilidade em três campos alternativos: descritivo, instrumental e normativo. Como abordagem descritiva e empírica, a teoria dos stakeholders descreve e explica, as características específicas e os comportamentos das organizações. Como abordagem instrumental a teoria dos stakeholders utiliza modelos que examinam e ligam, a gestão dos stakeholders e o desempenho da organização. Como abordagem normativa a teoria dos stakeholders interpreta e define a função da organização, incluindo os princípios morais e/ou filosóficos, a serem seguidos pela gestão.

O como prestar informação aos stakeholders, que lhes facilite a avaliação do desempenho e a tomada de decisões, é a finalidade a que se pretende chegar com o presente trabalho. Ora a informação produzida e divulgada por parte das OSFL deve ser tal que com ela, os seus stakeholders possam formar julgamentos e tomar decisões sustentadas, se gere confiança e se sirva o interesse público (da generalidade dos stakeholders). A partir da revisão de literatura – principalmente no âmbito da prestação de contas (accountability) – sobressaem algumas conclusões a ter em conta:

• A prestação de contas por uma OSFL é influenciada por um conjunto de forças e de interesses que a envolvem – legais, políticas, socioculturais, económicas e outras –, pressionando-a a atuar de determinado modo.

• A resposta da organização pode ser mais funcional, centrada na utilização dos recursos e nos resultados a curto prazo, ou ser mais estratégica, direcionada para o longo prazo

(Najam, 1996; Ebrahim, 2003a). Esta resposta pode ser estratégica, no sentido proactivo, ou ser tática, no sentido reativo (Kearns, 1994, 1996).

• Segundo Kearns (1996), a prestação de contas das OSFL deve focar-se em três áreas: recursos, processos e resultados (resources, processes and outcomes). Para o efeito as OSFL tomam por base standards explícitos e standards implícitos. Os primeiros decorrem de regras explícitas, pré-estabelecidas, formalizadas, por exemplo, através de legislação, regulamentos e contratos. Os segundos decorrem de normas implícitas e enraizadas, em códigos profissionais, valores sociais, crenças, pressupostos, que formam a consciência do que é o interesse público e a confiança pública numa organização (Kearns, 1994, 1996).

• Segundo Ebrahim (2003a), os mecanismos da prestação de contas são: os relatórios e outras declarações de informação; os questionários e avaliações do desempenho; a participação/envolvimento dos interessados; a autorregulação; e as auditorias sociais. Cada mecanismo tem características que tipicamente se adequam a quem servem (upward, downward, to self), aos incentivos que têm para prestar contas (internos ou externos) e à resposta da organização (funcional ou estratégica).

• As OSFL tipicamente estão imbuídas de um espírito de voluntariado, caracterizado por um sentido de responsabilidade para com a comunidade envolvente, o que segundo Fry (1995) gera uma abertura à prestação de contas (accountability). Ainda segundo o mesmo estudo nas OSFL manifesta-se mais fortemente o “sentido de responsabilidade” (“felt responsibility”), um estado intrínseco e subjetivo de aceitação da responsabilidade, propiciando uma maior abertura e responsabilização pela prestação de contas (accountability), do que noutros tipos de organizações. A prestação de contas (accountability) resulta de uma dinâmica social e as OSFL estão geralmente abertas a que se realizem “conversações para a prestação de contas” (“conversations for accountability”), entre os stakeholders e os gestores das OSFL, gerando-se um sentido de parceria, de aliança, de responsabilidade partilhada (Fry, 1995).

• Recomenda-se que a prestação de contas da OSFL resulte de um sistema que inclua os interesses de informação da generalidade dos stakeholders. Sistema focado no longo prazo, tendo em vista o cumprimento da missão, propiciando a aprendizagem, a melhoria e a inovação na organização. Para isso a prestação de contas das OSFL deverá ser feita numa perspetiva integrada, enquadrada no contexto específico de cada organização e por isso tendo características próprias consoante o tipo de organização (Ebrahim, 2003a, 2005), ou através de um padrão universal (Farkas e Molnár, 2005). • Vários trabalhos (Hyndman e Anderson, 1995, 1998; Connolly e Hyndman, 2000; 2004;

AECA, 2000; Torres e Pina, 2003) apresentam evidências que indicam que nos relatórios para o exterior há vantagem em complementar a tradicional prestação de informação de cariz financeiro com informação não financeira, devendo os relatórios conter informação relativa aos recursos/inputs, aos processos/atividades, aos resultados

imediatos/outputs, aos resultados futuros/outcomes, à economia, à eficiência e à eficácia da OSFL.

A partir da revisão de literatura efetuada verifica-se que a problemática da avaliação do desempenho das OSFL na perspetiva dos seus diversos interessados (stakeholders) está em grande parte por resolver. Evidenciando-se pistas de investigação em aberto nas seguintes áreas:

• A tipificação/classificação dos stakeholders das OSFL;

• A informação relevante para os stakeholders a fim de avaliarem o desempenho e tomarem decisões face à organização (por tipo de stakeholder);

• Os critérios/fatores chave para os stakeholders para avaliarem o desempenho e tomarem decisões face à organização (por tipo de stakeholder);

• Os indicadores mais adequados para a avaliação do desempenho da organização por cada tipo de stakeholder;

• A adaptabilidade das metodologias de avaliação do desempenho organizacional existentes para a prestação de informação aos stakeholders em geral;

• As linhas gerais e características de um modelo de prestação de informação aos stakeholders, que sirva para a avaliação do desempenho e a tomada de decisão destes face à organização: por OSFL, por setor de atividade, para as OSFL em geral.

É no colmatar destas lacunas de investigação que o trabalho empírico que a seguir se apresenta se insere.