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A Profecia Revolucionária

No documento O Homem Revoltado - Albert Camus.pdf (páginas 117-124)

A profecia de Marx é também revolucionária em seu princípio. Já que toda realidade humana encontra sua origem nas relações de produção, o devir histórico é revolucionário porque a econo­ mia o é. Em cada nível de produção, a economia suscita os anta­ gonismos que destroem, em benefício de um nível superior de produção, a sociedade correspondente. O capitalismo é o último desses estágios de produção, porque produz as condições em que todo antagonismo será resolvido e em que não haverá mais eco­ nomia. Nesse dia, nossa história tornar-se-á pré-história. Sob outra perspectiva, esse esquema é o de Hegel. A dialética é considera­

da soH' o ângulo do espírito. Certamente, o próprio Marx nunca

falou em materialização (sic) dialética. Ele deixou para os seus herdeiros o cuidado de celebrar essa monstruosidade lógica. Mas ele diz ao mesmo tempo que a realidade é dialética e que ela é econômica. A realidade é um perpétuo devir, sublinhado pelo choque fértil de antagonismos resolvidos a cada vez em uma sín­ tese superior que suscita, ela própria, o seu contrário, fazendo novamente avançar a história. O que Hegel afirmava sobre a rea­ lidade rumo ao espírito, Marx afirma-o sobre a economia rumo à sociedade sem classes; toda coisa é ao mesmo tempo ela própria

e o seu contrário, e e

\

ta contradição obriga-a a tornar-se outra

coisa. O capitalismo, por ser burguês, revela-se revolucionário, abrindo caminho para o comunismo.

A originalidade de Marx reside em afirmar que a história é ao mesmo tempo dialética e economia. Hegel, mais soberano, afirma­ va que ela era ao mesmo tempo matéria e espírito. Aliás, ela não podia ser matéria senão na medida em que era espírito, e vice-ver­ sa. Marx nega o espírito como substância última e afirma o mate-

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rialismo histórico. Pode-se assinalar de imediato, com Berdiaeff, a impossibilidade de conciliar a dialética e o materialismo. Só pode haver a dialética do pensamento. Mas o próprio materialismo é uma noção ambígua. Até para formar esta palavra, já é preciso di­ zer que há no mundo algo mais do que a matéria. Com mais razão ainda, esta crítica aplica-se ao materialismo histórico. A história, precisamente, distingue-se da natureza pelo fato de transformá-la pelos meios da vontade, da ciência e da paixão. Marx não é portan­ to um materialista puro, pela razão evidente de que não existe ma­ terialismo puro nem absoluto. Ele o é tão pouco que reconhece que, se as armas podem garantir a teoria, a teoria pode do mesmo modo dar origem às armas. Seria mais correto chamar a posição de Marx de determinismo histórico. Ele não nega o pensamento; ele o imagina determinado, de modo absoluto, pela realidade exterior. "Para mim, o movimento do pensamento não é mais que o reflexo do movimento real, transportado e transposto para o cérebro do homem." Esta definição particularmente rudimentar não tem ne­ nhum sentido. Como e por que um movimento externo pode ser "transportado para o cérebro"; esta dificuldade não é nada diante da que constitui, a seguir, a definição da "transposição" desse mo­ vimento. Mas Marx tinha a filosofia limitada de seu século. O que ele quer dizer pode ser definido em outros planos.

Para ele, o homem é só história e, particularmente, história dos meios de produção. Marx observa efetivamente que o homem dis-

'-- tingue-se do animal pelo fato de produzir os seus meios de subsis­ tência. Se ele não come, não se veste nem se abriga, ele não existe. O primum vivere é sua primeira determinação. O pouco que ele pensa nesse momento tem relação direta com as suas necessidades inevitáveis. Marx demonstra em seguida que essa dependência é constante e necessária. ''A história da indústria é o livro aberto das faculdades essenciais do homem." Sua generalização pessoal con­ sistirá em tirar dessa afirmação, aceitável de modo geral, a condu-

são de que a dependência econômica é única e suficiente, o que ainda está para ser demonstrado. Pode-se admitir que a determi­ nação econômica desempenhe um papel capital na gênese das ações e dos pensamentos humanos, sem por isso concluir, como Marx, que a revolta dos alemães contra Napoleão pode ser explicada uni­ camente pela falta de açúcar e de café. De resto, o determinismo puro é também absurdo. Se assim não fosse, bastaria uma única afirmação verdadeira para que, de conseqüência em conseqüência, se chegasse à verdade total. Como isso não acontece, ou bem nunca pronunciamos uma só afirmação verdadeira, nem mesmo a que situa o determinismo, ou então nos ocorre dizer a verdade, mas sem conseqüências, e o determinismo é falso. No entanto, Marx tinha suas razões, estranhas à lógica pura, para proceder a uma simplificação tão arbitrária.

Situar a origem do homem na determinação econômica é limi­ tar o homem a suas relações sociais. Não há homem solitário, esta é a descoberta incontestável do século XIX. Uma dedução arbi­ trária leva então a dizer que o homem só se sente solitário na socie­ dade por motivos sociais. Se, na verdade, o espírito solitário deve ser explicado por meio de algo que esteja fora do homem, este está a caminho de uma transcendência. O social, ao contrário, só tem o homem como autor; se, além disso, se pode afirmar que o social é ao mesmo tempo criador do homem, chega-se à explicação total que permite expulsar a transcendência. O homem então, como quer Marx, "é autor e ator de sua própria história". A profecia de Marx é revolucionár

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porque completa o movimento de negação que começou com a filosofia das luzes. Os jacobinos destroem a

transcendência de um deus pessoal, mas substituem-na pela transcendência dos princípios. Marx cria o ateísmo contemporâ­ neo destruindo também a transcendência dos princípios. Em 1 7 89, a fé é substituída pela razão, mas essa própria razão, em sua rigi­ dez, é transcendente. De maneira mais radical do que Hegel, Marx

destrói a transcendência da razão, precipitando-a na história. An­ tes deles, ela era reguladora; ei-la conquistadora. Marx avança mais do que Hegel e dá a entender que o considera um idealista (coisa que ele não é ou, pelo menos, não mais do que Marx é materialis­ ta), precisamente na medida em que o reino do espírito restitui, de certa forma, um valor supra-histórico. O capital retoma a dialética do domínio e da servidão, substituindo a consciência de si pela autonomia econômica, o reino final do Espírito absoluto pelo ad­ vento do comunismo. "O ateísmo é o humanismo intermediado pela supressão da religião; o comunismo é o humanismo interme­ diado pela supressão da propriedade privada." A alienação religio­ sa tem a mesma origem que a alienação econômica. Só se acaba com a religião realizando a liberdade absoluta do homem quanto a suas determinações materiais. A revolução identifica-se com o ate­ ísmo e com o reino do homem.

Eis por que Marx é levado a ressaltar a determinação econô­ mica e social. O seu esforço mais profícuo foi revelar a realidade que se esconde por trás dos valores formais, de que fazia alarde a burguesia de seu tempo.

É

bem verdade que a sua teoria da misti­ ficação é ainda válida porque é válida universalmente, aplicando­ se também às mistificações revolucionárias. A liberdade reverencia­ da pelo Sr. Thiers era uma liberdade de privilégio consolidada pela polícia; a família exaltada pelos jornais conservadores mantinha-se sob condições sociais em que mulheres e homens desciam seminus

'--às minas, amarrados na mesma corda; a moral prosperava na pros­ tituição operária. Que as exigências da honestidade e da inteligên­ cia tenham sido utilizadas para fins egoístas pela hipocrisia de uma sociedade medíocre e gananciosa, eis uma desgraça que Marx, in­ comparável quando se trata de abrir os nossos olhos, denunciou com uma veemência desconhecida até então. Essa denúncia indig­ nada acarretou outros excessos que exigiram uma nova denúncia. Mas antes de mais nada é preciso saber, e dizer, onde ela nasceu,

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no sangue da insurreição esmagada em 1 834 em Lyon e, em 1 87 1 , na ignóbil crueldade dos moralistas de Versalhes. " O homem que nada tem, hoje nada é." Se esta afirmação é falsa, era ao menos quase verdadeira na sociedade otimista do século XIX. O extremo esvaziamento do poder que a economia da prosperidade trouxe iria forçar Marx a colocar em primeiro plano as relações sociais c

econômicas, exaltando mais ainda a sua profecia do reino do ho­ mem.

Compreende-se melhor então a explicação puramente econô­ mica de Marx sobre a história. Se os princípios mentem, somente a realidade da miséria e do trabalho é verdadeira. Se em seguida se puder demonstrar que ela basta para explicar o passado e o futuro do homem, os princípios serão destruídos para sempre, ao mesmo tempo que a sociedade que deles se beneficia. Este será o empreen­ dimento de Marx.

O homem nasceu com a produção e com a sociedade. A desi­

gualdade das terras, o aperfeiçoamento mais ou menos rápido do� meios de produção e a luta pela vida criaram rapidamente desi­ gualdades sociais que se cristalizaram em antagonismos entre a

produção e a distribuição; conseqüentemente, em lutas de classes. Essas lutas e esses antagonismos são a força motriz da história. A escravidão da Antiguidade, a servidão feudal foram etapas de uma longa estrada que leva ao artesanato dos séculos clássicos, em que o

produtor é o dono dos meios de produção. Nesse momento, a aber­ tura das vias mundiais, a descoberta de novos pontos de exporta­

ção uma produção menos provin

iana. A cont.rad.içã

?

o modo produção e as novas necess1dades da d1stnbmçao Já

anuncia o fim do regime da pequena produção agrícola e industrial. A revolução industrial, a invenção da máquina a vapor e a concor­ rência pelos novos pontos de exportação para as mercadorias le­

vam, necessariamente, à desapropriação dos pequenos proprietários e à constituição das grandes manufaturas. Os meios de produção

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ficam então centralizados nas mãos daqueles que conseguiram comprá-los; os verdadeiros produtores, os trabalhadores, só dis­ põem da força de seus braços, que eles podem vender ao "homem do dinheiro". O capitalismo burguês define-se, desta forma, pela separação do produtor e dos meios de produção. Desse antagonis­ mo vai surgir uma série de conseqüências inelutáveis que permi­ tem a Marx anunciar o fim dos antagonismos sociais.

À primeira vista, digamos de uma vez, não há razão para que o princípio firmemente estabelecido de uma luta dialética das classes deixe subitamente de ser verdadeiro. Ou ele é sempre verdadeiro ou nunca o foi. Marx diz efetivamente que não haverá mais classes após a revolução, assim como não houve ordens após 1 7 89. Mas as ordens desapareceram sem que as classes desaparecessem, e nada nos garante que as classes não darão lugar a um outro antagonismo social. O essencial da profecia marxista, no entanto, reside nessa afirmação.

O esquema marxista é conhecido. Marx, depois de Adam Smith

e de Ricardo, define o valor de toda mercadoria pela quantidade

de trabalho que a produz. A quantidade de trabalho, vendida pelo proletário ao capitalista, é em si mesma uma mercadoria cujo valor será definido pela quantidade de trabalho que a produz; em outras palavras, pelo valor dos bens de consumo necessários à sua subsis­ tência. Ao comprar essa mercadoria, o capitalista compromete-se a pagar o suficiente àquele que a vende, o trabalhador, para que este possa alimentar-se e se perpetuar. Mas ao mesmo tempo adquire o direito de fazer este último trabalhar pelo máximo de tempo que puder. E ele pode trabalhar por muito tempo, mais do que o neces­ sário para pagar a sua subsistência. Em uma jornada de doze ho­ ras, se a metade basta para produzir um valor equivalente ao valor dos produtos de subsistência, a outra metade são horas não pagas, uma mais-valia, que constitui o lucro próprio do capitalista. O in­ teresse do capitalista é portanto alongar ao máximo as horas de

trabalho ou, quando não o consegue mais, aumentar ao máximo o rendimento do operário. A primeira exigência é questão de po­ lícia e de crueldade. A segunda, de organização do traballho. Ela conduz em primeiro lugar à divisão do trabalho e, em seguida, à utilização da máquina, que desumaniza o operário. Por outro lado, a concorrência pelos mercados externos, a necessidade de inves­ timentos cada vez maiores em material novo produzem os fenô­ menos de concentração e de acumulação. Os pequenos capitalis­ tas são inicialmente absorvidos pelos grandes, que podem man­ ter, por exemplo, preços deficitários durante muito tempo. Uma parte cada vez maior do lucro é investida finalmente em novas máquinas e acumulada na parte estável do capital. Este duplo movimento precipita a derrocada das classes médias, que se unem ao proletariado, e concentra em seguida, em mãos cada vez me­ nos numerosas, as riquezas produzidas unicamente pelos prole­ tários. Desta forma, o proletariado cresce cada vez mais à pro­ porção que aumenta a sua decadência. O capital passa a concen­ trar-se apenas nas mãos de alguns senhores cujo poder crescente se baseia no roubo. Aliás, abalados pelas crises sucessivas, exce­ didos pelas contradições do sistema, esses senhores já não conse­ guem sequer assegurar a subsistência de seus escravos, que co­ meçam a depender da caridade privada ou pública. Fatalmente, chega o dia em que um imenso exército de escravos oprimidos se encontra diante de um punhado de senhores indignos. Este é o dia da revolução. ''A destruição da burguesia e a vitória do prole­ tariad�\são igualmente inevitáveis."

Es

a descrição, célebre a partir de então, ainda não se dá conta do fim dos antagonismos. Depois da vitória do proletariado, a luta pela vida poderia funcionar e dar origem a novos antagonismos. Intervêm então duas noções, das quais uma é econômica - a iden­ tidade do desenvolvimento da produção e do desenvolvimento da sociedade - e a outra, puramente sistemática - a missão do pro-

letariado. Essas duas noções se reúnem no que se pode chamar de fatalismo ativo de Marx.

A mesma evolução econômica, que na verdade concentra o ca­ pital em um pequeno número de mãos, torna o antagonismo ao mesmo tempo mais cruel e, até certo ponto, irreal. Parece que, no auge do desenvolvimento das forças produtivas, basta um peteleco para que o proletariado se veja na posse dos meios de produção arrebatados à propriedade privada e concentrados em uma única e enorme massa, doravante comum. A propriedade privada, quando está concentrada nas mãos de um único proprietário, não se separa da propriedade coletiva senão pela existência de um único homem. O resultado inevitável do capitalismo privado é uma espécie de capitalismo de Estado que, em seguida, basta ser colocado a servi­ ço da comunidade para que nasça uma sociedade em que capital e trabalho, confundidos a partir de agora, produzirão em um único movimento abundância e justiça.

É

em consideração a essa feliz saída que Marx sempre exaltou o papel revolucionário desempe­ nhado, inconscientemente, é verdade, pela burguesia. Ele falou de um "direito histórico" do capitalismo, fonte de progresso e ao mes­ mo tempo de miséria. A seus olhos, a missão histórica e a justifica­ ção do capital têm a tarefa de preparar as condições de um modo de produção superior. Esse modo de produção não é em si mesmo revolucionário, ele será apenas o coroamento da revolução. Por si

'---- sós, as bases da produção burguesa são revolucionárias. Quando

Marx afirma que a humanidade só se coloca enigmas que ela pode resolver, ele mostra ao mesmo tempo que o germe da solução do problema revolucionário encontra-se no próprio sistema capitalis­ ta. Recomenda portanto que se tolere o Estado burguês, e até mes­ mo que se ajude a construí-lo, em vez de voltar a uma produção menos industrializada. Os proletários "podem e devem aceitar a revolução burguesa como uma condição da revolução operária".

ALBERT CAMUS

neste ponto preciso, e não em qualquer outro, ele pôs o sistema à

frente da realidade. Ele nunca deixou de defender Ricardo, econo­ mista do capitalismo de Manchester, diante daqueles que o acusa­ vam de querer a produção pela produção ("Com toda a razão!", exclama Marx) e de querê-la sem se preocupar com os homens.

esse justamente o seu mérito", responde Marx, com a mesma

desenvoltura de Hegel. Que importa, na realidade, o sacrifício dos homens, se ele deve servir para a salvação da humanidade inteira! O progresso se parece "com esse horrível deus pagão que só queria beber o néctar no crânio dos inimigos assassinados". Pelo menos, ele é o progresso, que deixará de ser torturante, após o apocalipse industrial, quando chegar o dia da reconciliação.

Mas, se o proletariado não pode evitar essa revolução nem fur­ tar-se à posse dos meios de produção, saberá pelo menos usá-los para o bem de todos? Onde está a garantia de que, em seu próprio seio, não surgirão ordens, classes e antagonismos? A garantia está em Hegel. O proletariado é forçado a usar a sua riqueza para o bem universal. Ele não é o proletariado, ele é o universal em oposi­ ção ao particular, quer dizer, ao capitalismo. O antagonismo entre o capital e o proletariado é a última fase da luta entre o singular e o universal, a mesma luta que anima a tragédia histórica do senhor e do escravo. Ao termo do esquema ideal traçado por Marx, o prole­ tariado primeiro englobou todas as classes, deixando de fora ape­ nas um punhado de senhores, representantes do "crime notório"

a revolução, justamente, irá destruir. Além disso, ao levar o até a sua última perda, o capitalismo liberta-o pouco a pouco de todas as determinações que podiam separá-lo dos outros homens. Ele nada tem, nem propriedade, nem moral, nem pátria. Não se agarra portanto a nada que não seja a espécie da qual é a partir de agora o representante nu e implacável. Ele afirma tudo e todos, afirmando-se a si próprio. Não porque os proletários são deuses, mas justamente porque estão reduzidos à condição mais

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desumana. "Só os proletários totalmente excluídos dessa afirma­ ção de sua personalidade são capazes de realizar a completa auto­ afirmação."

Esta é a missão do proletariado: fazer surgir a suprema digni­ dade da suprema humilhação. Por suas dores e suas lutas, ele é o Cristo humano que resgata o pecado coletivo da alienação. Ele é inicialmente o portador multiforme da negação total e, em segui­ da, o arauto da afirmação definitiva. ''A filosofia não consegue se realizar sem o desaparecimento do proletariado, o proletariado não pode se libertar sem a realização da filosofia", e mais: "O proleta­ riado só pode existir no plano da história mundial... A ação comu­ nista só pode existir como realidade histórica planetária." Mas esse Cristo é ao mesmo tempo vingativo. Segundo Marx, ele executa a sentença que a propriedade proferiu contra si própria. "Todas as casas estão atualmente marcadas com uma misteriosa cruz verme­ lha. O juiz é a história, o executor da sentença, o proletário." Dessa forma, a realização é inevitável. As crises se sucederão às crises7\ a perda do proletariado aumentará, o seu número estender-se-á à crise universal, em que o mundo da troca desaparecerá e no qual a história, por uma violência suprema, deixará de ser violenta. O reino dos fins estará constituído.

Compreende-se que esse fatalismo possa ter sido levado (como aconteceu com o pensamento hegeliano) a uma espécie de quietismo

'---· político por marxistas, como Kautsky, para quem os proletários

careciam de poder suficiente para criar a revolução, tanto quanto os burgueses para impedi-la. Até mesmo Lenin, que devia esco­ lher ao contrário o aspecto ativista da doutrina, escrevia em 1905, num estilo de excomunhão:

um pensamento reacionário buscar a salvação da classe operária em algo que não o desenvolvimento

73 A cada dez ou onze anos, prevê Marx. Mas a periodicidade dos ciclos irá "diminuir gradativamente".

maciço do capitalismo." Segundo Marx, a natureza econômica nã dá saltos, e não se deve fazê-la queimar etapas.

É

totalmente falso dizer que os socialistas reformistas continuaram fiéis a Marx neste ponto. O fatalismo, ao contrário, exclui qualquer reforma passível de atenuar o aspecto catastrófico da evolução, retardando, por con­ seguinte, o êxito inevitável. A lógica de uma atitude como essa leva à aprovação daquilo que pode aumentar a miséria da classe operá­ ria.

É

preciso que não se dê nada ao operário para que ele possa um

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