A totalidade, com efeito, não é mais que o antigo sonho de unidade comum aos crentes e aos revoltados, mas projetado horizontalmente sobre uma terra privada de Deus. Renunciar a todo valor é o mes mo que renunciar à revolta para aceitar o Império e a escravidão. A crítica dos valores formais não podia evitar a noção de liberdade. Uma vez reconhecida a impossibilidade de dar origem, unicamen te pelas forças da revolta, ao indivíduo livre com o qual sonhavam os românticos, a liberdade foi também incorporada ao movimento da história. Tornou-se uma liberdade em luta que, para existir, deve criar-se. Identificada com o dinamismo da história, ela só poderá desfrutar de si mesma quando a história se detiver, na Cidade uni versal. Até lá, cada uma de suas vitórias suscitará uma contestação que a tornará vã. A nação alemã liberta-se de seus opressores alia dos, mas ao preço da liberdade de cada alemão. Os indivíduos no regime totalitário não estão livres, embora o homem coletivo esteja libertado. No fim, quando o Império emancipar a espécie inteira, a liberdade reinará sobre rebanhos de escravos, que pelo menos es tarão livres em relação a Deus e, em geral, a toda transcendência.
ALBERT CAMUS
Explica-se o milagre dialético, a transformação da quantidade em qualidade: toma-se a decisão de chamar a servidão total de liber
dade. Como aliás em todos os exemplos citados por Hegel e pot" Marx, não há nenhuma transformação objetiva, mas sim mudança subjetiva de denominação. Não há milagre. Se a única esperança do niilismo reside no fato de que milhões de escravos possam um dia constituir uma humanidade emancipada para sempre, a histó
ria não passa de um sonho desesperado. O pensamento histórico devia livrar o homem do jugo divino; mas essa liberação exige dele a submissão mais absoluta ao devir. Corre-se então para a perma nência do partido, como antes se corria para o altar. Por isso, a
época que ousa dizer-se a mais revoltada só oferece uma escolha: conformismos. A verdadeira paixão do século XX é a servidão.
Mas a liberdade total não é mais fácil de conquistar que a li
berdade individual. Para assegurar o Império do homem no mun
do, é preciso suprimir do mundo e do homem tudo aquilo que escapa ao império, tudo aquilo que não é do reino da quantidade: esse empreendimento é interminável. Ele deve estender-se ao es
paço, ao tempo e às pessoas, que abrangem as três dimensões da história. O Império é ao mesmo tempo guerra, obscurantismo · tirania, afirmando desesperadamente que será fraternidade, verda de e liberdade: a lógica de seus postulados obriga-o a isso. Sem dúvida, há na Rússia de hoje, e até mesmo no comunismo, uma verdade que nega a ideologia stalinista. Mas esta tem sua lógica, que é preciso isolar e expor, se se deseja que o espírito revolucioná rio escape finalmente à desgraça definitiva.
A cínica intervenção dos exércitos ocidentais contra a revolu
ção soviética mostrou aos revolucionários russos, entre outras coi sas, que a guerra e o nacionalismo eram realidades similares à luta de classes. Sem uma solidariedade internacional dos proletários, ·
que atuasse automaticamente, nenhuma revolução interna podia Sl: julgar viável sem que se criasse uma ordem internacional. A parti,.
O HOMEM REVOLTADO
desse dia, foi preciso admitir que a Cidade universal só poderia ser construída sob duas condições. Revoluções quase simultâneas em todos os grandes países ou então a liquidação, pela guerra, das nações burguesas; a revolução permanente ou a guerra permanen te. O primeiro ponto de vista quase triunfou, como se sabe. Os movimentos revolucionários da Alemanha, da Itália e da França marcaram o apogeu da esperança revolucionária. Mas o esmaga mento dessas revoluções e o consecutivo fortalecimento dos regi mes capitalistas fizeram da guerra a realidade da revolução. A filo sofia das luzes levou à Europa do toque de recolher. Pela lógica da história e da doutrina, a Cidade universal, que devia realizar-se na insurreição espontânea dos humilhados, foi pouco a pouco recoberta pelo Império, imposto pela força. Engels, com a aprovação de Marx, havia aceitado friamente essa perspectiva quando escreveu, em res posta ao Apelo aos eslavos, de Bakunin: ''A próxima guerra mundial fará com que desapareçam da superfície da terra não apenas clas ses e dinastias reacionárias, mas também povos inteiros reacionários. Isso também faz parte do progresso." Esse progresso, na mente de Engels, devia eliminar a Rússia dos czares. Atualmente, a nação russa inverteu o rumo do progresso. A guerra, fria e morna, é a servidão do Império mundial. Mas, ao tornar-se imperial, a revo lução fica num impasse. Se não renunciar a seus princípios falsos, a fim de retornar às origens da revolta, ela significa somente a ma nutenção, por várias gerações, e até a decomposição espontânea do capitalismo, de uma ditadura total sobre centenas de milhões de homens; ou então, se ela quiser precipitar o advento da Cidade humana, significa a guerra atômica, que ela não deseja e finda a qual, de resto, qualquer cidade só existiria sobre escombros defini tivos. A revolução mundial, pela própria lei dessa história que ela imprudentemente deificou, está condenada à polícia ou à bomba. Ao mesmo tempo, ela se vê numa contradição adicional. O sacrifí cio da moral e da virtude, a aceitação de todos os meios que cons-
tantemente justificou pelo fim perseguido, só são aceitos, a rigor, em função de um fim cuja probabilidade é razoável. A paz armada supõe, pela manutenção indefinida da ditadura, a negação indefi nida desse fim. O perigo de guerra, além disso, faz desse fim uma probabilidade desprezível. A extensão do Império ao espaço mun dial é uma necessidade inevitável para a revolução do século XX. Mas essa necessidade coloca-a diante de um último dilema: forjar para si novos princípios ou renunciar à justiça e à paz cujo reino definitivo ela queria.
Enquanto espera dominar o espaço, o Império vê-se também obrigado a reinar sobre o tempo. Ao negar toda verdade estável, teve que chegar ao ponto de negar a forma mais baixa da verda de, a da história. Ele transportou a revolução, ainda impossível em escala mundial, ao passado que ele se empenha em negar. Isso também é lógico. Toda coerência, que não seja puramente econô mica, do passado ao futuro humano, supõe uma constante que por sua vez poderia lembrar uma natureza humana. A coerência profunda que Marx, homem de cultura, tinha mantido entre as civilizações ameaçava extrapolar sua tese, trazendo à luz uma continuidade natural, mais ampla do que a econômica. Pouco a pouco, o comunismo russo foi levado a interromper, a introduzir uma solução de continuidade no futuro. A negação dos gênios heréticos (e quase todos o são), das contribuições da civilização, da arte - na medida, infinita, em que esta foge à história -, a renúncia às tradições vivas confinaram pouco a pouco o marxis mo contemporâneo dentro de limites cada vez mais estreitos. Não lhe bastou negar ou calar aquilo que na história do mundo é inassimilável pela doutrina, nem rejeitar as descobertas da ciên cia moderna. Foi preciso ainda refazer a história, mesmo a mais próxima, a mais conhecida e até mesmo, por exemplo, a história do partido e da revolução. A cada ano, às vezes a cada mês, o
Pravda se corrige, sucedem-se as edições retocadas da história
oficial, Lenin é censurado, Marx deixa de ser publicado. Neste estágio, a comparação com o obscurantismo religioso nem é mais justa. A Igreja nunca chegou ao ponto de decidir sucessivamente que a manifestação divina se fazia em duas, depois em quatro ou em três, e ainda em duas pessoas. A aceleração própria de nosso tempo atinge, desse modo, a fabricação da verdade que nesse rit mo torna-se pura ilusão. Como no conto popular, em que os tea res de uma cidade inteira teciam no vazio para vestir o rei, milha res de homens - como o tear da fábula - refazem todos os dias uma história vã, destruída logo ao fim do dia, esperando que a voz tranqüila de uma criança proclame de repente que o rei está nu. Esta pequena voz da revolta dirá então aquilo que todo mun do já consegue ver: que uma revolução condenada, a fim de per durar, a negar sua vocação universal ou a renunciar a si mesma para ser universal, vive sobre princípios falsos.
Enquanto isso, esses princípios continuam funcionando aci ma de milhões de homens. O sonho do Império, contido pelas realidades do tempo e do espaço, sacia a sua nostalgia nas pessoas. As pessoas não são hostis ao Império apenas como indivíduos: neste caso, o terror tradicional seria suficiente. Elas lhe são hos tis na medida em que até o momento ninguém pôde viver só da história, sempre se lhe escapando de algum modo. O Império supõe uma negação e uma certeza: a certeza da infinita maleabilidade do homem e a negação da natureza humana. As técnicas de propaganda servem para medir essa maleabilidade, tentando fazer coincidir reflexão e reflexo condicionado. Elas per mitem assinar um pacto com aquele que, durante anos, foi desig nado como o inimigo mortal. E mais: elas permitem reverter o efeito psicológico assim obtido, fazendo todo um povo insurgir se, de novo, contra esse mesmo inimigo. A experiência ainda não chegou a seu termo, mas seu princípio é lógico. Se não há nature za humana, a maleabilidade do homem, na verdade, é infinita. O
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realismo político, neste nível, não é mais que um romantismo desenfreado, um romantismo da eficácia.
Pode-se assim explicar por que o marxismo russo rejeita, em sua totalidade, e ainda que saiba se servir dele, o mundo do irracio nal. O irracional tanto pode servir ao Império como pode recusá lo. Ele foge ao cálculo, e só o cálculo deve reinar no Império. O homem não é mais que um jogo de forças que se pode considerar racionalmente. Marxistas desavisados atreveram-se a pensar que poderiam conciliar sua doutrina com a de Freud, por exemplo. Mas logo tiveram que reconsiderar. Freud é um pensador herético e "pequeno-burguês", porque revelou o inconsciente, conferindo lhe ao menos tanta realidade quanto ao superego ou ego social. Este inconsciente pode então definir a originalidade de uma natu reza humana, em oposição ao ego histórico. O homem, ao contrá rio, deve resumir-se ao ego social e racional, objeto de cálculo. Logo, foi preciso escravizar não apenas a vida de cada um, mas também o acontecimento mais irracional e mais isolado, cuja expectativa acom panha o homem ao longo de toda a sua vida. O Império, em seu esforço convulsivo no sentido de um reino definitivo, tende a inte grar a morte.
Pode-se subjugar um homem vivo, reduzindo-o à condição histórica de coisa. Mas, se morre recusando, reafirma uma nature za humana que rejeita a ordem das coisas.
É
por isso que o acusado só é produzido e morto diante do mundo se consentir em dizer que sua morte será justa e de acordo com o Império das coisas.É
pre ciso morrer desonrado ou não existir mais, nem na vida nem na morte. Neste último caso, não se morre, desaparece-se. Da mesma forma, se o condenado é castigado, o seu castigo protesta em silên cio, introduzindo uma fissura na totalidade. Mas o condenado não é castigado, ele é recolocado na totalidade, ele monta a máquina do Império. Transforma-se em engrenagem da produção, tão indis pensável, de resto, que com o tempo ele não será utilizado na pro-O HOMEM REVOLTADO
dução porque é culpado, mas sim julgado culpado porque a pro dução tem necessidade dele. O sistema russo de campos de con centração realizou efetivamente a passagem dialética do governo das pessoas à administração das coisas, mas confundindo a pessoa e a cmsa.
Até mesmo o inimigo deve colaborar para a obra comum. Fora do Império não há salvação. Este Império é ou será o da amizade. Mas esta amizade é a das coisas, pois não se pode preferir o amigo ao Império. A amizade das pessoas - não há outra definição - é a solidariedade particular, até a morte, contra o que não é do reino da amizade. A amizade das coisas é a amizade em geral, a amizade com todos, que supõe, quando deve ser preservada, a denúncia de cada um. Aquele que ama a amiga ou o amigo ama-o no presente, e a revolução só quer amar um homem que ainda não surgiu. Amar, de certa maneira, é matar o homem acabado, que deve nascer pela revolução. Para que viva, um dia, ele deve ser, a partir de hoje, preferido a tudo. No reino das pessoas, os homens se ligam pela afeição; no Império das coisas, os homens se unem pela delação. A cidade que se queria fraternal torna-se um formigueiro de homens sós.
Em outro plano, só o furor irracional de uma besta consegue imaginar ser necessário torturar sadicamente homens a fim de ob ter o seu consentimento. Então, trata-se apenas de um homem que subjuga outro, em um imundo acasalamento de pessoas. O repre sentante da totalidade racional contenta-se, pelo contrário, em dei xar que no homem a coisa domine a pessoa. A mente mais elevada é inicialmente rebaixada à ordem da mais inferior pela técnica po licia:! do amálgama. Depois, cinco, dez, vinte noites de insônia ven cerão uma ilusória convicção e colocarão no mundo uma nova alma morta. Deste ponto de vista, a única revolução psicológica conhe cida em nosso tempo, depois de Freud, foi operada pelo NKVD e pelas polícias políticas em geral. Guiadas por uma hipótese
determinista, calculando os pontos fracos e o grau de elasticidade das almas, estas novas técnicas dilataram ainda mais um dos limi tes do homem, tentando demonstrar que nenhuma psicologia indi vidual é original e que a medida comum do caráter é a matéria. Elas criaram literalmente a física das almas.
A partir daí, as relações humanas tradicionais foram transfor madas. Essas transformações progressivas caracterizam o mundo do terror racional em que vive, em diferentes níveis, a Europa. O diálogo, relação entre as pessoas, foi substituído pela propaganda ou pela polêmica, que são dois tipos de monólogo. A abstração, própria do mundo da força e do cálculo, substituiu as verdadeiras paixões, que pertencem ao domínio da carne e do irracional. O pão substituído pelo cupom de racionamento; o amor e a amizade, sub jugados à doutrina; o destino, ao plano; o castigo chamado de nor ma e a criação viva substituída pela produção - tudo isso descre ve bastante bem esta Europa macilenta, povoada de fantasmas do poder, vitoriosos ou escravizados. "Como é desgraçada", bradava Marx, "esta sociedade que não conhece meio de defesa melhor que o carrasco!" Mas o carrasco não era ainda o carrasco filósofo e não aspirava, pelo menos, à filantropia universal.
A contradição última da maior revolução que a história conhe ceu não reside inteiramente no fato de aspirar à justiça através de um séquito ininterrupto de injustiças e de violências. Servidão ou mistificação é desgraça comum a todos os tempos. Sua tragédia é a tragédia do niilismo; ela confunde-se com o drama da inteligência contemporânea que, aspirando ao universal, acumula as mutila ções do homem. A totalidade não é a unidade. O estado de sítio, mesmo estendido aos limites do mundo, não é a reconciliação. A reivindicação da Cidade universal não se mantém nesta revolução senão rejeitando dois terços do mundo e o prodigioso legado dos séculos, negando, em favor da história, a natureza e a beleza, su primindo no homem sua força de paixão, de dúvida, de felicidade,
de invenção singular, numa palavra, sua grandeza. Os princípios que os homens se atribuem acabam tomando o lugar de suas inten ções mais nobres. Por força de contestações, incessantes lutas, po lêmicas, excomunhões, perseguições sofridas e infligidas, a Cida de universal dos homens livres e fraternos deriva pouco a pouco, dando lugar ao único universo em que a história e a eficácia podem efetivamente ser erigidas como juízes supremos: o universo do jul gamento.
Toda religião gira em torno das noções de inocência e de cul pabilidade. Prometeu, o primeiro revoltado, recusava, contudo, o direito de punir. O próprio Zeus, e sobretudo Zeus, não é suficien temente inocente para receber tal direito. Em seu primeiro movi mento, a revolta recusa portanto ao castigo sua legitimidade. Mas em sua última encarnação, ao fim de uma estafante viagem, o re voltado retoma o conceito religioso de castigo, colocando-o no cen tro de seu universo. O juiz supremo não está mais nos céus, ele é a própria história, que sanciona como divindade implacável. À sua maneira, a história não é mais que um longo castigo, já que a ver dadeira recompensa só será saboreada no fim dos tempos. Aparen temente, estamos longe do marxismo e de Hegel, muito mais lon ge ainda dos primeiros revoltados. Todo pensamento puramente histórico, entretanto, leva à beira desses abismos. Na medida em que Marx previa o cumprimento inevitável da cidade sem classes; na medida em que estabelecia desse modo a boa vontade da histó ria, todo atraso na marcha liberadora devia ser imputado à má von tade humana. Marx reintroduziu no mundo descristianizado o cri me e o castigo, mas apenas diante da história. O marxismo, sob um de seus aspectos, é uma doutrina de culpabilidade quanto ao ho mem e de inocência quanto à história. Longe do poder, sua tradu ção histórica era a violência revolucionária; no auge do poder, ela ameaçava tornar-se a violência legal, isto é, o terror e o julgamento. Aliás, no universo religioso o verdadeiro juízo é adiado para
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mais tarde; não é necessário que o crime seja punido sem demora, a inocência consagrada. No novo universo, pelo contrário, o juízo da história deve ser pronunciado imediatamente, pois a culpa coin cide com o malogro e o castigo. A história julgou Bukharin porque ela o fez morrer. Ela proclama a inocência de Stalin: ele está no auge do poder. Tito está em instância de julgamento, como o este ve Trotsky, cuja culpa só ficou clara para os filósofos do crime his tórico no momento em que o martelo do assassino abateu-se sobre ele. O mesmo vale para Tito, que não sabemos, segundo nos di zem, se é culpado ou não. Foi denunciado, mas ainda não foi aba tido. Quando for derrubado, sua culpa será certa. De resto, a ino cência provisória de Trotsky e de Tito estava e está ligada em gran de parte à geografia; eles estavam longe do braço secular. Por isso, é necessário julgar sem demora aqueles que esse braço pode alcan çar. O juízo definitivo da história depende de uma infinidade de juízos que forem pronunciados daqui até lá, e que serão então con
firmados ou invalidados. Prometem-se, assim, misteriosas reabili
tações para o dia em que o tribunal do mundo for construído com
o próprio mundo. Este, que se declarou traidor e desprezível, in gressará no Panteão dos homens. O outro ficará no inferno históri co. Mas quem irá julgar? O próprio homem, consumado em sua jovem divindade. Enquanto isso, aqueles que conceberam a profe
cia, os únicos capazes de lerem na história o sentido que antes lhe haviam atribuído, pronunciarão sentenças, mortais para o culpa do, provisórias apenas para o juiz. Mas aqueles que julgam, como Rajk, podem ser julgados por sua vez. Devemos acreditar que ele.: não interpretava mais a história corretamente? Na verdade, sua derrota e sua morte o comprovam. Quem garante que os juízes de hoje não serão os traidores de amanhã, atirados, do alto de seu tribunal, para as masmorras de cimento em que agonizam os mal
ditos da história? A garantia está em sua clarividência infalível . Quem pode prová-la? Seu êxito perpétuo. O mundo do julgamen-
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to é um mundo circular em que o êxito e a inocência autenticam-se mutuamente, em que todos os espelhos refletem a mesma mistifi cação.
Haveria assim uma graça histórica,94 cujo poder é o único que consegue interpretar os seus desígnios, favorecendo ou excomun gando o súdito do Império. Para precaver-se de seus caprichos, ele só dispõe da fé, pelo menos tal como definida nos Exercícios espiri