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Capítulo 1: A regulação das políticas públicas e a gestão escolar

2. NOVOS MODOS DE REGULAÇÃO E A EVOLUÇÃO DA GESTÃO ESCOLAR

2.3 O acesso ao cargo de gestão

2.3.3 A “profissionalização”

A possibilidade de estarmos perante o início de um percurso conducente à profissionalização do gestor escolar levanta duas questões essenciais que é importante serem objeto de reflexão:

• O processo de passagem de um profissional docente para um profissional- administrador lançaria as bases para a profissionalização da gestão escolar e, consequentemente uma modificação do perfil funcional do diretor de escola?

26 www.dgae.mec.pt/c/document_library/get_file?p_l_id...pdf (setembro de 2013).

27 Apesar de já se encontrar fora do período temporal a que correspondeu a presente investigação, é importante referir que o DL 137/2012 (2.ª alteração ao DL 75/2008) reforçou substancialmente a importância da formação na escolha do diretor de escola. De facto, este diploma legal não só mantém o articulado do art. 21.º, n.º 4, do diploma legal que está na sua base, como destaca a existência de “currículo relevante na área da gestão e

administração escolar” (alínea d) como uma possível condição de acesso à função, e valoriza, em especial e de

modo determinante, a formação obtida em administração e gestão escolar, ao incluir um n.º 5 nesse mesmo artigo, onde se afirma que: “As candidaturas apresentadas por docentes com o perfil a que se referem as alíneas

b), c) e d) do número anterior só são consideradas na inexistência ou na insuficiência, por não preenchimento dos requisitos legais de admissão do concurso, das candidaturas que reúnam os requisitos previstos na alínea a) do número anterior.” Concluindo, atualmente, quando existe um candidato com formação especializada em

Administração Escolar ou Administração Educacional, todos os outros candidatos que não possuam essa especialização são, automaticamente, excluídos do procedimento concursal.

• Havendo uma intenção de profissionalizar o gestor escolar, ou seja, assumindo-se a necessidade de reforçar a dimensão de “administrador” (gestor), uma questão essencial continua a colocar-se: “o [novo] profissional deverá ser mais profissional [(docente e pedagogo)] ou mais administrador?” Dito de outro modo, o diretor-profissional “deverá privilegiar mais a dimensão pedagógico-educativa ou a dimensão administrativo-gestionária do funcionamento da escola?” (Dinis, 1997: 86)

Nenhuma destas perguntas obteve resposta através do DL 75/2008 ou dos diplomas legais que o alteraram em algumas dimensões. Desta forma, tanto se poderá pensar que uma via para a profissionalização da função começou a ser aprofundada, e de algum modo tornada mais clara, como que o dilema entre profissionalizar ou promover a qualificação se está a agudizar, isto é, “saber: se a gestão de uma escola é uma ‘função’ ou uma ‘profissão’; se a formação dos seus responsáveis é uma ‘especialização’ ou uma ‘graduação’; e se na ‘gestão escolar’, é mais importante o substantivo que o adjetivo.” (Barroso, 2005a: 165)

Mantem-se assim, neste decreto, a ambiguidade entre que tipo de gestor escolar o legislador pretende:

• Um professor-gestor (fruto de prática adquirida durante a passagem pela gestão)?

• Um gestor-(ex)professor (sobrepondo a formação especializada na gestão escolar e/ou a experiência adquirida no desempenho do cargo ao saber pedagógico e educativo do professor)?

• Um gestor-professor (que mantém e desenvolve tanto o seu saber pedagógico e educativo como a sua formação especializada em administração educacional ou escolar)?

Antes de tentarmos obter uma resposta a estas questões é importante ter presente que uma eventual “profissionalização” da função passa, entre outras etapas, pelo “estabelecimento de controlo sobre a formação” (Rodrigues, 1997: 22). Por outro lado, para se refletir melhor sobre estas perguntas, é importante terem-se presentes dois conceitos que podem dar pistas para encontrar uma resposta: o de profissão e o de professor como profissional.

Relembremos que a distinção base entre o que é uma ocupação e o que constitui uma profissão reside no facto de que esta (profissão) exige o “estabelecimento de controlo sobre a formação” (Rodrigues, 1997: 22), isto é, se constitui quando, “um número definido

de pessoas começa a praticar uma técnica definida, baseada numa formação especializada” (Dubar, 1997: 128), e que aquela (ocupação) se refere ao exercício de uma atividade que, pelo contrário, não exige formação especializada, podendo funcionar como uma espécie de “patamar” de acesso à profissão.

Recorrendo ao livro The professions, de Carr-Saunders e Wilson (1993), Dubar acrescenta à sua definição de profissão a existência de três momentos associados ao seu nascimento:

“1. de especialização de serviços, que permite aumentar a satisfação de uma clientela;

2. de criação de associações profissionais, que obtêm para os seus membros a ‘proteção exclusiva dos clientes e empregadores que requerem o seu ofício [e] colocam uma linha de separação entre eles e as pessoas não qualificadas.

3. de constituição de uma formação específica assente num ‘corpo sistemático de teoria’ que permite a aquisição de uma cultura profissional.” (id.)

Ainda segundo a mesma fonte (id.: 135-136), desta vez recorrendo ao trabalho de Hughes, há três critérios que permitem afirmar estarmos perante a constituição de uma profissão:

• a existência de um “saber profissional” que pela sua natureza pode ser visto como um “segredo social confiado pela autoridade a um grupo específico”;

• “a existência de instituições destinadas a proteger o diploma” (formação inicial que funciona como autorização para se exercer a profissão) “e a manter o mandato dos seus membros” (continuação do desempenho da atividade); • “a definição de uma carreira e (...) de um processo de socialização”, a que

estão associadas “uma filosofia [e] uma visão do mundo, que inclui os pensamentos, valores e significações envolvidos no trabalho.”

Relativamente a este último critério é importante termos presente que, segundo a mesma fonte, o processo de socialização passa por uma “iniciação (...) à cultura profissional” desse grupo e por uma “reconversão (...) a uma nova conceção do eu e do mundo, em resumo, a uma nova identidade” ou seja, por um novo olhar sobre o “eu” profissional da pessoa envolvida nessa atividade.

Os contributos para a construção de um quadro formador de uma profissão são variados, uns de matriz funcionalista (assente nos elementos constitutivos) e outros de

caráter interacionista (simbólico) que, em oposição ao primeiro, dão indicações que reputamos de importantes para se perceber o processo constitutivo de uma profissão:

“Nos meus contributos eu passei da falsa questão: ‘Esta ocupação é uma profissão?’ para outra mais fundamental: ‘Em que circunstâncias as pessoas procuram que a sua ocupação seja considerada como profissão e a si próprios como profissionais?” (Hughes, 1958:44, citado por

Dinis, 1957: 56)

Na verdade, os estudos provenientes do interacionismo simbólico trazem uma visão que no caso deste trabalho de investigação é especialmente útil, até porque refutam a perspetiva funcionalista, ao afirmar que os funcionalistas defendem uma teoria que pretende aferir do “grau de profissionalização de uma atividade a partir de uma «check-list» (...) o que, entre outros aspetos, não tem “em consideração (...) a complexidade do fenómeno profissional” (Nóvoa, 1987: 28).

Pelo contrário, o interacionismo simbólico baseia-se em investigações que estão “particularmente atentas à génese, à estrutura e ao movimento de institucionalização das diferentes profissões, tendo como ponto de partida a análise de um grupo profissional real, colocado numa situação de trabalho concreto e portador de interesses específicos” (id.: 30). Este aspeto coloca a tónica no “conceito de processo de profissionalização”, o que tem o “mérito de encará-lo debaixo de um ângulo dinâmico, sem procurar universalizá-lo”. (Nóvoa, 1987: 31).

Regressando ao conjunto de modificações relacionadas com a função do gestor escolar, o Estado não só tinha procedido a uma “reconceptualização da estrutura formal” (Estevão, 1995: 441) do modelo de gestão como também, e mais significativo, “abria a porta” para uma evolução do perfil do diretor de escola, nomeadamente pelo peso que dava à formação especializada como forma de acesso a essa “ocupação”. Apesar de, como vimos, parecer haver indicadorespara se pensar numa possível deslocação da imagem do gestor escolar desde o perfil de um docente que exerce um cargo na gestão, para o de um profissional da gestão escolar, devido ao reforço que a formação parece começar a ter, não é possível afirmar, nem adequado especular, que estamos perante o início de um caminho conducente à profissionalização da gestão escolar, principalmente se tivermos em conta que nos países onde tal aconteceu a gestão escolar pode ser confiada a não professores e, sobretudo, começa a ser entregue a empresas de gestão com fins lucrativos (EMO – Educational Management Organizations – EUA, Suécia, Austrália, etc.).

Em resumo, pelo que foi exposto neste ponto, podemos afirmar que o acesso ao cargo de gestão da Escola demonstra uma evolução que torna evidente o reconhecimento, por um lado, da importância da dimensão pedagógica no desempenho do cargo, o que se exprime na condição de só um professor poder aceder a ele e, por outro lado, a necessidade de se complementar, fortemente, essa formação com outra mais específica relacionada com a área da administração escolar/educacional. Desta forma, assume-se que a função tem um conjunto de caraterísticas próprias que lhe parecem conferir uma identidade específica que vai muito para além daquela que é atribuída por se ser professor da escola, o que está também relacionado com a “universalização” do acesso ao cargo.