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Capítulo 2: Os “novos” diretores: perfil, funções e transformações em curso

3. A IDENTIDADE PROFISSIONAL DO DIRETOR

As alterações no perfil, funções e papéis do diretor de escola, referidas no ponto anterior, afetam as representações que os diretores têm sobre a sua identidade profissional. Ao falarmos de identidade “é necessário estabelecer a diferença entre identidade e o que tradicionalmente os sociólogos têm denominado de papéis e conjuntos de papéis.” Para tal, diremos que, “as identidades organizam os significados, enquanto que os papéis organizam as funções”, devendo “significado” ser entendido como “a identificação simbólica, por parte de um ator social, da finalidade da ação praticada por esse ator.” (Castells, 2007: 3).

Esta importante diferenciação não reduz a dificuldade que é abordarmos o tema identitário, pois a identidade é um conceito polissémico, de difícil definição. Na realidade, como refere Erikson, citado por Dubar (1997: 103), “quanto mais se escreve sobre este tema, mais as palavras instauram uma limitação à volta de uma realidade tão insondável

como invasora de todo o espaço”, já que a identidade nunca está concluída, passando por crises ou por “fissuras internas do eu” (id.: 104). Talvez por isso, Castells (2007: 9) entende identidade como “o processo de construção do significado com base num atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o qual prevalece sobre outras formas de significado”.

Por isso, podemos afirmar que a identidade se constrói através de um ato reflexivo de procura de significados para a ação bem como de enquadramento do Eu e de “encontro” desses significados, percecionados ao longo do processo de desenvolvimento identitário. Como tal, a formação da identidade é um constructo, que se forma na “descoberta” de sentidos que dão um sentido à forma de estar e de agir do indivíduo. Concluindo, a identidade é:

“um sistema dinâmico de sentimentos e de representações pelas quais o ator social, individual e colectivo, orienta as suas condutas, organiza os seus projetos, constrói a sua história, procura resolver as contradições e ultrapassar os conflitos, em função de determinações diversas ligadas às condições de vida, às relações de poder em que se encontra implicado, em relações constantes com outros atores sociais sem os quais ele não pode nem redefinir-se nem reconhecer-se” (Tap, 1980: 11-12)

É este processo de relação do indivíduo com outros atores que promove uma dualidade entre si mesmo e o outro, provocadora das referidas “fissuras do eu” e construtora de identidade(s), até porque:

“identidade para si e para o outro são inseparáveis e estão ligadas de uma forma problemática. Inseparáveis porque a identidade para si é correlativa do Outro e do seu reconhecimento: eu só sei quem sou através do olhar do Outro. Problemática porque “a experiência do outro nunca é diretamente vivida por si... de tal forma que nos apoiamos nas nossas comunicações para nos informarmos sobre a identidade que o outro nos atribui... e, portanto, para forjarmos uma identidade para nós próprios” (Laing, citado por Dubar, 1997: 104)

Finalmente, esta relação entre “Eu e o(s) Outro(s)” faz com que nunca haja a certeza de que a identidade que se constrói para si próprio seja coincidente com aquela que outros “me” conferem.

É importante ter em consideração este pano de fundo sobre o processo de construção identitária pois ele tem influência, como não podia deixar de ser, sobre o campo específico da construção de uma identidade profissional, a qual se forma através do estabelecimento de relações de trabalho, isto é, do desenvolvimento de interações relacionadas com o jogo de atores que intervêm numa organização. Dito de outro modo, “a

identidade no trabalho baseia-se em representações colectivas diferentes, que constroem atores no sistema social da empresa” (Sainsaulieu, citado por Dubar, 1997: 115) ou da organização.

Por outro lado, o “investimento num espaço de reconhecimento identitário está intimamente dependente da natureza das relações de poder neste espaço, do lugar que o indivíduo ocupa e do seu grupo de pertença” (Dubar, 1997: 117). Sabendo que o cargo de diretor de escola em Portugal tem sido sempre ocupado por um professor, que ele não constitui uma profissão, nem o desenvolvimento de uma carreira independente da de “ser professor”, o diretor de escola em Portugal continuará a ver-se a si próprio como um docente? Será que é essa a imagem que os diretores têm de si próprios ou será que, ao fim de todos os anos passados fora do ato docente, o diretor de escola terá começado a configurar outra identidade profissional para si mesmo?

Para podermos realizar esta análise, é importante termos presente que na construção de uma identidade profissional os indivíduos entram em relações de trabalho, participando de uma ou de outra forma nas atividades colectivas das organizações, intervindo de um modo ou de outro no jogo de atores e que as lógicas de ação que se desenvolvem no seio de uma organização são “estruturada[s] pela dupla oposição individual/colectivo e oposição/aliança”, determinando, assim, o modo como os indivíduos se expressam enquanto profissionais, bem como as suas “posições identitárias” (id.: 116-117). Por outro lado, esse processo de construção da identidade profissional é, ainda, regulado pelas características fundamentais da ação humana (Parsons, 1937: 50):

“é orientada por objectivos (goals) que implicam antecipações por parte do ator; desenvolve[-se] em situações estruturadas por recursos;

é regulada por normas que guiam a relação do ator com os meios;

implica uma motivação, um gasto de energia que se aplica à relação do ator com o

objectivo que ele persegue.”

No âmbito da identidade profissional do diretor de escola, a única investigação realizada neste âmbito em Portugal (“gestor escolar”, como refere), concluiu que “as identidades atribuídas são ambíguas”, sobressaindo “diferentes visões de escola” e predominando “o projeto pessoal, ele próprio, na maior parte dos casos pouco transparente” (Diogo, 1999: 154). Dos discursos produzidos pelos entrevistados, o investigador afirma que “parece possível distinguir entre três tipos identitários diferentes” (id.: 155-157):

• “Individual-institucional”: Projeto pessoal pouco explícito, com um entendimento da liderança como chefia ou comando omnipresente. Linguagem de rigor e de exigência, com apelo sistemático à disciplina e ao cumprimento dos deveres. • “Doméstico-relacional”: Ausência de um projeto educativo. Preocupação

dominante com o equilíbrio e a ordem internas da escola. Moderador e árbitro dos conflitos, nomeadamente entre as exigências do Ministério e os interesses dos professores (pacificação interna). Cuidado particular com a resolução dos problemas de natureza administrativa e financeira.

• “Militante-voluntarista”: Projeto com uma intencionalidade sociopolítica marcante. Liderança orientada para a mudança da escola. Desvalorização dos órgãos e reuniões formais, valorizando, portanto, o contacto quotidiano e informal. Seleção de interlocutores privilegiados a quem estimula e dá visibilidade.

Analisando o conteúdo da categorização identitária produzida nessa investigação, parece poder concluir-se que a identidade do gestor escolar tem sido formada, exclusivamente, no contexto da “sua escola”, ficando, essencialmente confinada a esse âmbito mais local, o que, aliás, não é de estranhar, já que essa investigação se centrou nesse contexto.

Contudo, na investigação que nos propomos fazer, introduzimos uma outra variável de contexto, a partir do momento em que é criado o Conselho das Escolas. Na verdade, a criação do Conselho veio construir um novo espaço para a interação dos diretores com os seus colegas e com as próprias autoridades do Ministério da Educação, o que, certamente, terá tido consequências no modo como os diretores se vêm a si próprios, percecionam as suas funções e configuram a sua identidade profissional.