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Capítulo 2: Os “novos” diretores: perfil, funções e transformações em curso

4. O CONSELHO DAS ESCOLAS

O Conselho das Escolas (CE) foi criado a 29 de março de 2007 através do Decreto Regulamentar n.º 32/2007, que o define como um:

“órgão consultivo do Ministério da Educação no que respeita à definição das políticas pertinentes para a educação pré-escolar e os ensinos básico e secundário (...) [que] assegura, também, a

adequada representação dos estabelecimentos de educação da rede pública, dando-se, assim, vida a uma instância representativa capaz de contribuir para uma participação mais efetiva das escolas na definição da política educativa para este segmento específico do nosso sistema educativo.” (preâmbulo)

Assim, contata-se a atribuição de novos poderes, de mais responsabilidades e de uma intervenção, conjuntamente com o poder político, ao diretor de escola, o que pode ser visto como fazendo parte de uma concepção que atribui a este ator um papel determinante na modernização do sistema educativo, na autonomia da escola e no seu redimensionamento, ou seja, no processo de regulação local da educação.

A criação do CE pode, ainda, dar mais força à ideia de que “a atual difusão, no domínio educativo, do termo ‘regulação’ está ligado, em geral, ao objectivo de consagrar, simbolicamente, um outro estatuto à intervenção do Estado na condução das políticas públicas” (Barroso, 2005b: 727). De facto, ao dar relevo à instância individual, o Estado parece querer atribuir aos responsáveis pela administração e gestão da escola um papel de interlocutor (privilegiado) na definição da política educativa, deixando de os conceber como meros aplicadores das medidas previamente definidas centralmente. Como tal, o CE pode ser entendido como pertencendo a uma mudança de orientação na condução das políticas públicas, integrando-se na tendência de alteração de formas de regulação e formas de governo, no quadro daquilo que tem vindo a ser designado como “nova gestão pública”.

Essa função consultiva, exercida por “60 presidentes de conselhos executivos das escolas eleitos” (art. 3.º), em Portugal continental com essa finalidade, está explicitada no articulado do DR 32/2007, sendo-lhes outorgado um conjunto de atribuições (art. 2.º, n.º 2 e n.º 3) inerentes ao funcionamento do órgão:

“a) Assegurar a representação das escolas;

b) Participar na definição da política educativa para a educação pré-escolar e os ensinos básico e secundário;

c) Pronunciar-se sobre os projetos de diplomas legislativos e regulamentares diretamente respeitantes à educação pré-escolar e aos ensinos básico e secundário;

d) Elaborar propostas de legislação ou regulamentação;

e) Pronunciar-se sobre todas as demais questões, designadamente de natureza administrativa e financeira, que se revistam de superior relevância pública para a consecução dos objectivos definidos pela Lei de Bases do Sistema Educativo para a educação pré-escolar e os ensinos básico e secundário;

f) Contribuir para o desenvolvimento do ensino e da cultura e, em geral, para a dignificação das funções da escola e do estatuto de todos os membros da comunidade educativa.

3 – O CE deve ainda ser obrigatoriamente ouvido sobre tudo quanto diga respeito à reestruturação da rede pública de estabelecimentos de educação, sendo chamado a pronunciar-se, designadamente, sobre a sua criação, integração, modificação e extinção.”

A formação do CE promovia, por outro lado, um novo tipo de interação entre os diretores de escola, já que a preparação do processo eleitoral com vista à constituição de listas implicava o desenvolvimento de uma atuação mais abrangente. Na realidade, os círculos eleitorais, “coincidentes com as áreas dos distritos administrativos do continente” (art. 4.º, n.º 1), faziam com que os diretores alargassem a sua zona habitual de contactos e desenvolvessem, potencialmente, uma ação completamente nova. Os diretores do CE representariam, junto do poder político, as escolas que passariam a pertencer ao seu “círculo eleitoral” e que, como tal, constituiriam “a sua nova esfera de influência”. Não só o seu espaço de responsabilidade iria aumentar (deixava só de ser exclusivamente “a sua escola”) como essa representação assumiria um cariz distinto (político em vez de meramente administrativo).

O processo de formação deste órgão levou à constituição de 45 listas, organizadas pelos 18 distritos do Continente, da seguinte forma:

Quadro n.º 9 – Número de listas e de candidatos a eleger para o CE (2007-2010) ZONAS DISTRITOS LISTAS CONSELHEIROS

Norte Viana do Castelo 1 1 Braga 3 6 Vila Real 2 2 Bragança 2 1 Porto 4 11 Centro Aveiro 2 5 Viseu 2 3 Guarda 1 1 Coimbra 3 3 Castelo Branco 2 1 Leiria 2 3 Santarém 3 3 Portalegre 2 1 Sul Lisboa 8 10 Évora 1 1 Setúbal 3 4 Beja 2 1 Faro 2 3

Retirando o caso dos distritos de Viana do Castelo, Guarda e Évora, onde o cabeça da única lista a concurso tinha garantida a sua eleição, nos outros 15 distritos este processo de candidatura ao CE abriu, muito provavelmente, um tipo de relação até então inexistente ou pouco desenvolvida nesses diretores. Pela primeira vez, de um modo formal, a ligação que esses diretores teriam de estabelecer com os seus colegas diretores de outras escolas extravasava a sua habitual área de influência (a sua escola).

Mesmo que a interação decorrente da candidatura ao CE não proporcionasse um outro tipo de relação entre os diretores, o trabalho relacionado com o funcionamento do Conselho certamente iria fazê-lo, tanto territorialmente (zonas), como nacionalmente (relação entre os elementos das várias zonas do continente e deles com o poder político). Essa nova dinâmica colocava a possibilidade da interação promovida pelo trabalho e pelos contactos no âmbito do funcionamento do Conselho promover, tanto uma alteração no papel como na identidade profissional desses diretores, o que é uma hipótese de trabalho, não só pertinente, como adequada. Na realidade, como refere Anselm Strauss (1999), novos processos de interação entre pessoas e de desenvolvimento de status podem provocar uma mudança identitária, independentemente da sua durabilidade ou não.

A criação do Conselho das Escolas integra-se, assim, na transformação dos modos de regulação e na sua influência na evolução da gestão escolar (referidos no capítulo 1), bem como nas transformações do perfil e funções dos diretores das escolas analisados no presente capítulo. Deste modo, os pressupostos, argumentos e contexto em que o órgão foi criado traduzem um conjunto de modificações relacionado com a evolução do modo de expressar a regulação institucional da educação em Portugal, de entender o papel da escola na sociedade portuguesa, de relevar a importância que a gestão escolar tem nesse processo e de conceber o contributo que o diretor pode dar nesse âmbito.

A constituição do Conselho das Escolas parece inserir-se, igualmente, numa estratégia de redução do poder das estruturas intermédias formais desconcentradas (Direções Regionais de Educação – atuais Direções de Serviços), existentes entre a administração central (Ministério da Educação) e as escolas. Ao criar este espaço de interação onde o lançamento de medidas políticas é debatido com os diretores, constroem- se canais diretos de articulação entre estes e o ME, transformando aqueles atores em mediadores do seu lançamento (potencialmente em situação de paralelismo com os diretores dessas estruturas intermédias do Ministério). Assim, os diretores passam a desempenhar um papel que descola do de meros aplicadores dependentes do controle central e controlados diretamente por essas estruturas desconcentradas. Tal relativiza a

importância e o papel das estruturas intermédias do ME e, por outro lado, transforma os diretores em interlocutores privilegiados da decisão política.

A criação do CE parece inserir-se também numa estratégia que reduz o poder dos sindicatos, retirando protagonismo às suas estruturas. O facto dos diretores passarem a ser um novo interlocutor, com uma eventual intervenção de tipo negocial, pode desenvolver o receio de que o papel destas organizações diminua de importância nesse âmbito, como o conteúdo (excerto) do comunicado da Federação Nacional de Professores (FENPROF), datado de maio de 2007,49 de reação ao DR 32/2007, é bem elucidativo (negritos constantes do texto original):

“Por considerar que devem ser asseguradas as condições para que as escolas sejam efetivamente consultadas e possam participar, de forma regular e consequente, na definição e implementação das políticas educativas, a FENPROF rejeita a criação de qualquer estrutura que, sob a capa do alargamento da participação, seja apenas uma forma de legitimar políticas e de recentralizar o controlo administrativo sobre os estabelecimentos de educação e de ensino. A FENPROF desafia o Ministério da Educação a criar, isso sim, a nível regional, os espaços de participação da comunidade educativa, consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo, e que os sucessivos governos têm omitido.

A institucionalização do Conselho das Escolas resulta, por um lado, de uma decisão do poder político, que impôs unilateralmente todas as regras de constituição e funcionamento deste órgão. Por outro lado, todo este processo aponta para a criação de uma estrutura que visa, essencialmente:

- o reforço do controlo da administração sobre as escolas, através de uma estrutura onde alguns presidentes dos Conselhos Executivos podem vir a assumir menos o papel de representação das escolas, e mais o de último elo da cadeia hierárquica do ME, que procura transferir para o interior das escolas tensões resultantes da aplicação de orientações decididas centralmente;

- a marginalização dos Sindicatos e a menorização do seu papel, assim como de outras organizações com competências atribuídas nessas áreas, procurando limitar os seus espaços de intervenção e participação com uma alegada "auscultação" prévia das posições apresentadas como sendo das escolas.

A FENPROF, enquanto legítima representante dos docentes, afirma que a instituição deste órgão consultivo do ME nunca poderá pôr em causa o direito de participação dos professores na definição da política educativa, consagrado no Estatuto da Carreira Docente.

Da mesma forma, a FENPROF não aceitará que o ME venha a procurar condicionar futuros processos negociais, alegando que as suas propostas estão legitimadas por uma "consulta" às escolas, feita nos termos em que é proposta.

49 Publicado no sítio do Sindicato dos Professores do Norte, com o título “Um Conselho para legitimar políticas?” (http://www.spn.pt/?aba=27&mid=115&cat=4&doc=1528, acedido em janeiro de 2009)

Reiterando a sua recusa das tentativas de sucessivos Governos de limitar a intervenção e negociação dos Sindicatos ao plano estritamente socioprofissional, a FENPROF reafirma, no

respeito pela história do associativismo docente em Portugal e pelas regras de um Estado de direito democrático, a sua exigência de ser parceira ativa em todas as matérias que dizem respeito à escola e à educação.”

Considerando os aspetos referidos, o CE pode ser considerado como um bom analisador, não só, das políticas educativas e da emergência de novos modos de regulação do Estado, como, complementarmente, da influência que a interação desenvolvida no seio do órgão (relação entre os diretores e com o poder político aí representado) pode ter tido: (1) na definição da política educativa; (2) na modificação de protagonismos negociais relacionados com a implementação das políticas educativas; (3) na dinâmica interna estabelecida entre os diretores e (4) no processo de construção da identidade profissional do diretor de escola.

São este os principais eixos de análise da investigação que foi desenvolvida na presente tese, a partir de entrevistas aos sessenta membros do Conselho das Escolas no período entre julho de 2009 e janeiro de 2011.

CAPÍTULO 3