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Capítulo 1: A regulação das políticas públicas e a gestão escolar

2. NOVOS MODOS DE REGULAÇÃO E A EVOLUÇÃO DA GESTÃO ESCOLAR

2.3 O acesso ao cargo de gestão

2.3.1 A seleção do diretor

Relembremos que logo a seguir à destituição dos reitores e diretores, ocorrida após a “revolução de abril”, a seleção dos responsáveis pela gestão escolar passara a fazer-se através de uma eleição realizada por um plenário dos trabalhadores da escola, que constituía uma comissão de gestão. Era no seio dessa comissão que se elegia, “entre os docentes, um presidente que a representa[va] e assegura[va] a execução das deliberações coletivamente expressas” (DL 221/74, art. 5.º). Esta foi uma realidade que teve uma expressão nacional, com uma ou outra modificação.

Apesar de o DL 769-A/76 não abordar explicitamente o processo de seleção do diretor, ou talvez por isso mesmo, essa foi uma situação que se manteve inalterável até à publicação do DL 172/91, o qual, pela primeira vez na gestão escolar em democracia, trazia, para além das já referidas unipessoalidade do cargo e da criação de um órgão de direção da escola, mais duas importantes novidades relacionadas com o processo de candidatura ao cargo de diretor:

• A seleção do diretor passava a ocorrer através de um concurso (art. 18.º, n.º 2) aberto pelo órgão de direção, o qual seriava os candidatos (via Comissão de Seriação) e, posteriormente, fazia a escolha do diretor executivo (nome que o cargo tinha então), através de uma eleição. Esta ocorria num colégio eleitoral bastante mais restrito, fazendo com que todos os professores e funcionários da escola deixassem de participar diretamente na sua eleição;

• Referia-se a importância da formação específica para o desempenho do cargo.

Apesar das alterações que o DL 172/91 trazia no processo de nomeação do diretor, não houve grandes modificações na escolha dos elementos que desempenharam o cargo.

De acordo com as conclusões de estudos encomendados pelo Conselho de Acompanhamento e Avaliação desse regime experimental de gestão, na enorme maioria das escolas ou áreas escolares só concorreu um único candidato, o que fez “pressupor a existência de uma estratégia entre os professores (eventualmente alargada a outros representantes no conselho de escola ou área escolar) dirigida à obtenção de um consenso prévio sobre o futuro diretor executivo”. Por outro lado, verificou-se que, na grande maioria dos casos, “o eleito era o presidente do conselho diretivo em exercício.” (Conselho de Acompanhamento e Avaliação, 1996: 149).

Ainda segundo o mesmo documento (id.: 150), analisado o processo de eleição, concluiu-se que “parece ter havido por parte do conselho de escola ou área escolar (e, necessariamente, por parte dos professores que constituem o grupo maioritário) uma clara intenção de favorecer os candidatos que pertenciam ao quadro da escola”, sendo esse critério objetivamente “formulado no aviso de abertura do concurso, aparecendo como fator preferencial.” Em relação às outras escolas que não desenvolveram esse tipo de formulação “isso acabou por funcionar para efeitos de seriação.”

Essa manifestação preferencial era desenvolvida “à revelia do que foi tão minuciosamente definido pela administração central” pois esse critério não tinha sido indicado na Portaria 747-A/92 (regulamentou o DL 172/91). Tal ausência manifestava uma “sintonia com a filosofia geral do ordenamento jurídico (...) que valoriza[va] uma visão ‘mais profissional’ do gestor escolar, e menos assente em ‘solidariedades’ locais”, voltando a dar corpo a “uma posição (...) tradicionalmente assumida pelos professores em Portugal (...) e que foi reforçada pela prática do sistema em vigor desde 1974.” (id. 151).

Em termos globais, verificou-se que concorreram

“um total de 71 professores que se candidataram aos lugares de diretores executivos (no conjunto das escolas em experiência), só 5 (8%) fossem de fora da escola (não havendo informação sobre a origem de 6 deles). (...) Nenhum destes candidatos acabou por ser eleito.” (id. 152)

É de referir, ainda, que de entre os candidatos externos excluídos só um apresentou “reclamação à direção regional dos critérios utilizados pelo conselho de escola, mas sem êxito.” (id.).

Com base nos mesmos estudos, é importante reter um conjunto de indicações (pp. 161-167) sobre a composição da Comissão de Seriação:

• A Comissão foi esmagadoramente coordenada por um professor, com uma única exceção (encarregado de educação).

• O corpo docente era o grupo que detinha, por força da lei, a maioria dos membros efetivos (69,8%) sendo o terceiro elemento, na maioria dos casos, um pai ou encarregado de educação (18,9%), seguido de representantes da autarquia (4,4%) e dos funcionários não docentes (3,1%). Os alunos detinham só 1,3% de presenças.

• Entre os suplentes da Comissão de Seriação os professores detinham a maioria (58,6%), seguidos dos encarregados de educação (17%), dos alunos (10,5%), dos funcionários não docentes (6,6%) e dos membros da autarquia (4%).

• O conjunto dos representantes dos chamados interesses culturais e dos socioeconómicos apresentavam valores meramente residuais, isto é: 2,5% no caso de membros efetivos e 3,3% no dos suplentes, o que levou o relatório a afirmar que:

“para um ‘modelo de administração e gestão escolar’ que aposta na participação da comunidade na tomada de decisão sobre as grandes questões do funcionamento da escola, a ausência destes representantes, em tão grande número, na eleição do diretor executivo, não pode deixar de ser encarada como preocupante.” (id.: 201)

Na realidade, a promoção da participação da comunidade era fortemente condicionada, quer pelo articulado do diploma, ao atribuir aos professores a maioria representativa no Conselho de Escola, quer pela indisponibilidade em atribuir aos membros da comunidade uma participação mais significativa na dita Comissão de Seriação. Este aparente paradoxo põe em evidência o choque entre modos de regulação pós-burocrática e a manutenção do poder da regulação burocrático-profissional, a qual continuava a dominar a vida da escola.

Como balanço final da ambiguidade deste processo, é de referir ainda “a tentativa de conciliar a lógica do concurso com a lógica da eleição” (Barroso e Fouto, 1994: 239). Na verdade, como afirmam os mesmos autores, “a existência de uma comissão de seriação com as funções que lhe são cometidas, constitui uma tentativa de a administração central condicionar a escolha do diretor executivo, por parte do conselho de escola ou de área escolar.” (id.: 241)

No que diz respeito ao DL 75/2008, o diploma informava que podiam candidatar-se à gestão escolar os:

“docentes dos quadros de nomeação definitiva do ensino público ou professores profissionalizados com contrato por tempo indeterminado do ensino particular e cooperativo, em ambos os casos

com, pelo menos, cinco anos de serviço e qualificação para o exercício de funções de administração e gestão escolar.” (art. 21.º, n.º 3)

Desta forma, duas novas realidades se abriam pela primeira vez para o cargo de topo da gestão das escolas públicas: (1) alargavam-se as opões de escolha do diretor a candidaturas de docentes de outras escolas públicas do país e (2) o procedimento concursal (generalizado pela primeira vez a todo o território continental) era aberto também a docentes do ensino particular e cooperativo que respeitassem as condições atrás mencionadas. Ser professor continuava a ser uma condição sinequanon para o exercício da função, mas o universo de recrutamento tornava-se mais amplo com a possível candidatura de docentes do ensino privado.

Resumindo, o acesso ao cargo de gestão evoluiu de uma perspetiva mais assente nas solidariedades internas presentes na escola, dominadas pelo poder dos professores, para uma redução desse peso e para o emergir do poder formal da comunidade na escolha do diretor.