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Capítulo 1: A regulação das políticas públicas e a gestão escolar

2. NOVOS MODOS DE REGULAÇÃO E A EVOLUÇÃO DA GESTÃO ESCOLAR

2.3 O acesso ao cargo de gestão

2.3.2 A formação

Em termos de formação, só a partir da publicação do DL 172/91 se reconheceu ser necessário apoiar o desenvolvimento da função do gestor escolar através de formação específica de suporte. De facto, a necessidade de formação para o desempenho de funções relacionadas com a gestão escolar tinha estado, até então, omissa nos diplomas legais. Como tal, podemos partir do princípio que essa área de ação era entendida como uma extensão natural da profissão docente, para a qual era suficiente ter-se um interesse especial ou sentir-se alguma propensão particular. Assim, a formação pedagógica, própria do exercício da função docente, era considerada como o elemento essencial para o desempenho do cargo.

O DL 172/91 introduzia a ideia de que o diretor executivo deveria “possuir formação especializada em gestão pedagógica e administração escolar” (art.º 8.º, n.º 1), de acordo com a regulamentação que uma portaria a publicar futuramente viria a definir (alínea b, do art. 49.º). No entanto, a intenção expressa não passou disso mesmo pois a publicação desse diploma nunca chegou a ocorrer.

Apesar da ausência dessa regulamentação (a regra formal), parecia estar na intenção do legislador uma necessidade de alterar o perfil do diretor. Ao invés de ser um profissional docente que entra no mundo da gestão escolar com uma determinada formação pedagógica inerente à sua formação inicial, mas sem qualquer tipo de formação na área da gestão escolar, deveriam criar-se condições para ele poder ser um profissional- administrador, portanto com o conhecimento de um conjunto de competências próprias e específicas que o titular do cargo teria de dominar (nos domínios da gestão pedagógica e da administração escolar). Deste modo, tentava-se inverter a conceção de que a experiência (como professor) podia substituir a ausência de formação em administração escolar (conhecimento técnico específico), algo que não era contemplado na formação inicial dos professores.

Apesar dessa intenção, foi preciso esperar pelo DL 115-A/98 (capítulo VIII: disposições finais) para existir um artigo dedicado à formação do gestor escolar, onde se afirmava que “a realização de ações de formação que visem a qualificação de docentes para o exercício das funções previstas (...) assume carácter prioritário” (art. 54.º, n.º 1), dando-se corpo legal à sugestão efetuada por João Barroso (1996), no estudo preparatório sobre “Autonomia e gestão das escolas” por si realizado.

Apesar disso, para além da oferta de formação na área da Administração Educacional/Escolar, constante da formação de professores proporcionada pelos Centros de Formação de Associação de Escolas, só em 2004 foi lançado um curso de formação contínua vocacionado para os diretores de escola. Denominado “Curso de Formação Técnica Orientada para a Administração Escolar”, tratou-se de uma iniciativa (Silva, 2005: 248-249) da Direção Geral da Administração Educativa (DGAE), que teve como entidade formadora o Instituto Nacional de Administração (INA).

Segundo a mesma fonte (Silva, id.), esse curso, destinado a presidentes dos conselhos executivos das escolas, teve “na sua primeira edição (...) 120 lugares disponíveis para formandos (...) [e] uma duração de 120 horas”. Depois dessa primeira iniciativa, estavam previstas novas formações, de modo “a abranger, até 2006, todo o universo” de presidentes dos órgãos de gestão, mas, apesar desse plano e segundo os dados recolhidos através do INA, tal objetivo ficou por cumprir e nenhuma outra iniciativa se realizou. Deixava-se, desse modo, exclusivamente ao critério de cada diretor o controlo sobre a sua formação no âmbito da administração escolar e educacional.

Só em 2008, dezassete anos depois da primeira menção da formação, a legislação, através do DL 75/2008, afirmava que a formação era um direito, não só do diretor, mas também do subdiretor e dos adjuntos daquele (art. 28.º, n.º 1), alargando-se, assim, essa

necessidade a toda a equipa de gestão e acrescentando-se que a qualificação específica em administração e gestão escolar era uma das vias de acesso para a função (preâmbulo). A formação passava, pela primeira vez na história da gestão escolar em Portugal, a ser uma das condições de acesso (de qualificação) ao cargo de topo da gestão escolar, algo que estava descrito no n.º 4, alínea a) do artigo 21.º (recrutamento):

“Consideram-se qualificados para o exercício de funções de administração e gestão escolar os docentes que preencham uma das seguintes condições:

a) Sejam detentores de habilitação específica para o efeito, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 56.º do Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário”.

Essa habilitação específica era, posteriormente, esclarecida na Portaria 604/2008, de 9 de Julho, que regulamentou o DL 75/2008, ao referir que a formação que conferia “qualificação” para o cargo de diretor era ser detentor “com aproveitamento, de um curso de formação especializada em Administração Escolar ou Administração Educacional” e ser possuidor “do grau de mestre ou de doutor nas áreas referidas“ anteriormente: alíneas a) e b), respetivamente.

A esse articulado seguia-se um conjunto de condições relacionadas com a experiência prévia na gestão escolar:

c) Possuam experiência correspondente a, pelo menos, um mandato completo no exercício dos seguintes cargos:

i) Diretor, subdiretor ou adjunto do diretor, nos termos do regime previsto no Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril;

ii) Presidente, vice-presidente, diretor ou adjunto do diretor, nos termos do regime previsto no Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio, alterado, por ratificação parlamentar, pela Lei n.º 24/99, de 22 de Abril;

iii) Diretor executivo e adjunto do diretor executivo, nos termos do regime previsto no Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de Maio;

iv) Membro do conselho diretivo, nos termos do regime previsto no Decreto -Lei n.º 769-A/76, de 23 de Outubro;

d) Possuam experiência de, pelo menos, três anos como diretor ou diretor pedagógico de estabelecimento do ensino particular e cooperativo.”(art. 2.º, n.º 3)

Apesar de não ser efetuada nenhuma seriação das condições de acesso à função (formação específica e experiência estavam em pé de igualdade), não deixa de ser interessante registar que a formação especializada encabeçava as referidas condições.

A importância dada à formação reflete-se no alargamento de cursos de formação em instituições do ensino superior, na agenda dos centros de formação de associação de escolas e também na entrada de instituições vocacionadas para a formação de quadros de empresas (ver, a este propósito, Silva, 2005).

Exemplo deste último tipo de oferta formativa é o acordo estabelecido entre o Ministério da Educação (XVIII governo constitucional) e a Microsoft Portugal, que visava o desenvolvimento de formação dinamizada por aquela empresa e dirigida aos diretores de escola. Essa iniciativa concretizou-se, inicialmente, em Maio de 2010 através do “Programa Líderes Inovadores” 22, apresentado como um:

“Programa Inovador que inclui, um conjunto de workshops e sessões ministradas por especialistas nacionais e internacionais nas áreas da gestão, liderança e marketing, tendo em vista dotá-los das competências para posicionar as suas escolas para os desafios da Educação no século XXI e para a criação de uma nova dinâmica de mudança e inovação nas suas escolas”,

A primeira edição dessa iniciativa23 envolveu 50 diretores e teve um total de 150

horas de formação. Distribuída por várias modalidades: “workshops, formação online, trabalhos autónomos, conferências e debates”, pretendia “incutir maior responsabilização e pró-atividade aos profissionais da educação, promovendo uma mudança organizacional nas escolas.”

A Microsoft informava, ainda, no seu sítio que a referida formação teria “a participação de líderes de algumas das principais empresas portuguesas”, os quais acompanhariam “a criação e implementação dos Planos de Melhoria nas Escolas, promovendo assim o intercâmbio com o sector da educação”. De registar, também que esta foi uma iniciativa que se manteve no tempo, já que se realizou a 2.ª edição24 em 2011, desta vez para 100 diretores e uma 3.ª edição25 em 2012 para o mesmo universo de formandos

(com o objetivo acrescido de “reforçar as competências de gestão dos diretores (...), nomeadamente através de formação para enfrentarem os novos desafios decorrentes das

22 http://www.microsoft.com/portugal/presspass/comunicados.aspx?ID=327 (maio de 2010)

23 O programa de formação teve “a coordenação científica de José Canavarro, Professor da Universidade de

Coimbra e ex-Secretário de Estado” (...) e envolveu “especialistas convidados (...) como Roberto Carneiro, ex- ministro da Educação e professor universitário, Jorge Adelino Costa, professor da Universidade de Aveiro, Manuel José Damásio da Universidade Lusófona, Natércio Afonso, coordenador do estudo do Ministério da Educação sobre Aprendizagem na Educação, entre outros.”

24 Informações obtidas em http://www.microsoft.com/portugal/presspass/Comunicados.aspx?UID=jqYSeJWp- KrsHsJ0WkxADA2 (setembro de 2011)

25 http://itonlineblog.wordpress.com/2012/05/09/microsoft-vai-formar-mais-100-diretores-escolares-na-3-a- edicao-do-programa-de-formacao-lideres-inovadores/ (junho de 2012)

exigências legais e financeiras”) e uma 4.ª edição em 201326 e sempre com o apoio da DGAE, no que diz respeito à acreditação do Programa de Formação e à seleção dos candidatos.

Concluindo, tornava-se patente o retomar e aprofundar do reforço da qualificação do diretor de escola, através da importância dada à formação específica em administração educacional/escolar e do seu reforço, com uma vertente formativa identificada com a realidade da gestão empresarial, importada para a da organização que é a escola.

A formação parecia começar a tornar-se, pelo menos no quadro das intenções, um fator importante no desenvolvimento profissional do diretor, sobretudo nesta dimensão gerencialista. Esta importância era, por outro lado, também visível nas alterações que a legislação fomentava no processo de escolha do diretor de escola, independentemente de isso poder vir a significar ou não uma eventual via para a referida profissionalização da função27.