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Capítulo 2: Os “novos” diretores: perfil, funções e transformações em curso

2. O DIRETOR DE ESCOLA EM PORTUGAL: PERFIL E PAPÉIS

Em Portugal, a função diretor de escola, segundo Barroso (2005c: 426) tem sido caraterizada pela dualidade entre as figuras de “administrador”, (funcionando como “delegado da administração central, responsável pela execução de normas que regem o funcionamento das escolas”) e de “líder profissional” (destacando-se “o papel de professor, de líder pedagógico e educativo”), dualidade essa de papéis “que marca toda a evolução da administração escolar” e confere um “caráter híbrido” à função em Portugal, com duas dimensões que são difíceis de conciliar (ver também Dinis, 1997 e 2002). Por outro lado, a maior complexidade de que se reveste a função, principalmente “a partir da década de oitenta”, fez emergir “novas representações e princípios de justificação para o exercício do cargo”, relacionadas com uma evolução no campo da administração educacional, mas também com a necessidade de uma maior ligação entre a escola e a comunidade. (Barroso, 2005c: 429)

Esta situação, ainda segundo o mesmo autor (Barroso, 2005a: 162) permitiu diferentes conceções que funcionam como referentes do que é ou deve ser um diretor de escola:

• Burocrática, estatal e administrativa: executor das normas emanadas da administração central e regional e interpretadas pelos professores da escola. • Corporativa, profissional e pedagógica: o primus interpares, “negociador”

entre os professores e as estruturas do Ministério da Educação e defensor dos interesses pedagógicos e profissionais do corpo docente, assente na ideia de que “o administrador profissional só mantém o seu poder, se os profissionais considerarem que o administrador serve eficazmente os seus interesses.” (Mintzberg, 1999: 394).

• Gerencialista: funcionado como o gestor de um empresa, direcionado para a eficácia dos resultados obtidos pela escola e a eficiência dos processos e da gestão dos recursos.

• Político-social: agindo como um mediador que zela pelo chamado “bem comum” e negociando com os vários interesses e lógicas que os professores, pais, alunos e membros da comunidade expressam na escola.

As duas primeiras conceções, como refere Dinis (1997: 302), têm sido largamente dominantes, tendo sido os diretores entendidos como elementos que, para “além da representação legal da administração educativa e central, (...) exerce[ra]m também uma representação político-corporativa dos docentes”. Na verdade, após abril de 1974, os diretores têm sido percecionados, essencialmente como primus inter pares, o que os tem obrigado a conviver e gerir esses “papéis antagónicos associados à dupla condição de professor e de administrador” (id.: 298), associados ao desempenho de uma função que funciona como uma “carreira dentro de ‘um mundo sem carreira’”, importando para o contexto português as palavras de Barrère (2006: 13) sobre a realidade em França.

Ainda no âmbito do perfil do diretor de escola em Portugal, uma investigação desenvolvida em 1994 por João Barroso, relativa aos “Diretores Executivos: perfis pessoais e profissionais dos diretores executivos e dos membros dos conselhos de escola ou área escolar e percepção que têm dos seus cargos e funções”, dava conta do seguinte retrato- tipo (diretores que dirigiam as escolas envolvidas na experimentação do DL 172/91):

“Um professor licenciado (72%), pertencente ao quadro da escola onde exerce funções (89%), do sexo masculino (89%), entre os 30 e os 50 anos de idade (74%), com mais de 15 anos de serviço (70%) e mais de 5 anos na mesma escola (75%), membro do conselho diretivo da escola na altura em que concorreu (...) (78%) e, em especial, presidente (68%) (...), normalmente sem qualquer formação específica em gestão escolar (43%) ou com uma formação incompleta (15%).” (Barroso, 1995b: 9).

Entre os traços distintivos constantes desse retrato, com quase 20 anos, destacavam-se os seguintes elementos:

“A elevada taxa de masculinização (...) não só em termos absolutos, mas tendo em conta a distribuição do corpo docente pelos dois géneros. (...).

A importância que a experiência, quer como professor, quer como titular de cargos de gestão, teve no processo de seleção (...).

A existência de fortes laços profissionais com a escola onde exercem funções, nomeadamente no exercício dos cargos de gestão (...).

Ausência ou deficiente formação específica no domínio da gestão escolar, num número significativo de diretores executivos.” (id.: 9-11 e 51)

Feito este enquadramento sobre o perfil dos diretores, no caso concreto de Portugal, “não há investigações significativas que permitam caracterizar profissionalmente os diretores das escolas e o modo como desenvolvem as suas funções” (Barroso, 2005a: 152), estando a investigação, desenvolvida após o 25 de abril de 1974, “associada, em particular, à análise de diferentes ‘modelos de gestão’ e ao modo como os professores chamados a desempenhar estes cargos constroem a sua identidade profissional e exercem a sua função, muitas vezes no quadro de abordagens biográficas” (id.: 145).

Entre a investigação desenvolvida em Portugal destaca-se um estudo comparativo realizado por Barroso e Sjorslev (1991), relacionado com as estruturas de administração das escolas primárias e secundárias da então Comunidade Económica Europeia, o qual deu importantes indicadores sobre a atividade do “chefe de estabelecimento” (forma como é denominado o diretor de escola nessa investigação), organizando-se em torno de quatro grandes domínios (id.: 100/101):

• Administrativo e financeiro (gestão operacional): relacionado com o funcionamento quotidiano da escola, isto é, com definir metas e objectivos, planear, organizar, controlar, decidir, chefiar o pessoal e ainda com a gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros.

• Pedagógico e educativo: intervenção na organização e gestão global do currículo, na orientação das atividades de ensino-aprendizagem, no processo de avaliação dos alunos, na preparação e execução de medidas educativas específicas (experiências pedagógicas, inovação, atividades “extracurriculares”, etc.), na manutenção da disciplina e no acompanhamento escolar dos alunos. • Relações humanas (internas – liderança e gestão de pessoal): motivação e

animação de grupos e equipas de trabalho, liderança institucional, gestão de conflitos, desenvolvimento do pessoal docente e não-docente, condução de reuniões, difusão da informação, motivação dos profissionais.

• Relações externas: representação oficial da escola e relações com os pais, com a administração, com as outras escolas, com a autarquia, com outros serviços comunitários, com as empresas e associações culturais.

No seu estudo de 1995, Barroso apresentou aos 54 diretores executivos selecionados “15 domínios de competências relacionados com a gestão escolar, sendo-lhes solicitado que assinalassem se consideravam cada um deles como ‘principal ou secundário’” (id.: 25). Os domínios considerados “principais” pelos 47 respondentes (taxa de retorno de 87%) constam do quadro seguinte:

Quadro n.º 8 – “Número e percentagem de diretores executivos que consideram cada domínio de

competências como ‘principal’” (Barroso, 1995b: 26-27).

DOMÍNIOS DE COMPETÊNCIAS N.º %

INTEGRAÇÃO

(coordenar o trabalho da escola/agrupamento no seu conjunto)

47 100 %

INOVAÇÃO

(fazer com que as inovações e as mudanças ocorram de maneira efetiva e adequada)

45 96%

MANTER-SE INFORMADO

(sobre os aspectos relacionados com a educação, a nível local e nacional)

45 96%

PLANIFICAÇÃO

(preparar o futuro, avaliar, planificar e decidir prioridades)

43 91%

GESTÃO DE RECURSOS

(tempo, dinheiro, pessoas, equipamento, edifícios)

40 85%

COMUNICAÇÃO COM OS PAIS E COMUNIDADE EM GERAL

(comunicar e estabelecer relações com os pais e comunidade em geral) 40 85%

LIDERANÇA

(exercer liderança sobre o trabalho realizado na escola/agrupamento)

36 77%

ORGANIZAÇÃO

(organizar e controlar sistemas e estruturas para a gestão do currículo, atividades extra curriculares e para os aspectos administrativos)

36 77%

AVALIAÇÃO

(avaliar da eficácia das políticas, dos métodos e do trabalho realizado)

36 77%

GESTÃO DE PESSOAL

(seleção, classificação, supervisão, disciplina, desenvolvimento e formação)

33 70%

GESTÃO DE RELAÇÕES

(gerir relações interpessoais, entre grupos e no interior de cada grupo)

DOMÍNIOS DE COMPETÊNCIAS N.º %

FILOSOFIA

(desenvolver uma base filosófica para a definição das políticas, das metas e dos objectivos)

31 66%

COMUNICAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO

(comunicar e estabelecer relações com a administração central e regional)

27 57%

GESTÃO DE SI MESMO

(gerir o “stress”, o tempo, as relações pessoais, a saúde)

25 53%

GESTÃO DE ALUNOS

(contactos, disciplina, comunicação, orientação, apoio)

20 43%

Em 2007, Cesaltina Nogueira aplicou a mesma grelha usada por Barroso, (acrescentou a competência “Comunicação com o meio local: outros serviços, empresas”) a uma amostra formada por 20 diretores de escola, tendo-lhes pedido que selecionassem as cinco competências que consideravam ser “mais importantes para um bom desempenho do cargo” (Nogueira, 2007: 123). Fazendo uma comparação com o estudo de Barroso, Nogueira concluiu existir:

“grande semelhança entre as competências que (...) consideram mais importantes para um bom desempenho do cargo. Continuam a privilegiar a ‘Planificação’; ‘Integração’; ‘Organização’; ‘Inovação’; ‘Avaliação’; Gestão dos recursos’; mas a ‘Liderança’ é agora assumida como a competência mais importante para a grande maioria dos inquiridos.” (id.: 125)

Este estudo apresenta uma recomposição dos domínios tidos como mais importantes. De facto, comparando estes resultados com os do estudo de Barroso: “Liderança” e “Organização”, passam na investigação de Nogueira, respetivamente, do 7.º para o 1.º lugar48 e do 12.º para o 4.º lugar (subidas muito significativas). Pelo contrário, a

“Gestão de Recursos” desce do 5.º para 7.º lugar e “Manter-se informado” regista uma perda significativa de relevância (do 3.º para o 11.º lugar).

Independentemente destas modificações, podemos concluir que a função do diretor é composta por um conjunto de tarefas/funções que torna essa atividade em algo muito exigente, acrescida ainda da caraterística dele “realizar tudo isto sob a pressão de um quotidiano pouco menos que alucinante, dominado pela reatividade, a apelar mais à

48 Curiosamente, um ano após esta investigação, a “Liderança” passa a assumir uma importante relevância na legislação (DL 75/2008), relacionada com a administração e gestão da escola.

intuição do que à reflexão para a tomada de decisões, mesmo no que diz respeito às mais importantes.” (Matos, 2005: 303).

Para além dos aspetos atrás referidos, é de registar, novamente, a crescente complexidade que é inerente ao desempenho desta função, relacionada com o grande número de responsabilidades que recai sobre o diretor em Portugal. De facto, ele é visto como sendo um elemento fundamental na escola, mantendo-se, por isso, atuais as palavras de Barroso e Sjorslev (1991: 97) apresentadas há mais de vinte anos:

“É ele o responsável pelo bom funcionamento da escola, pelo cumprimento das normas, pela realização dos objectivos, pela execução das atividades, pelo controlo da disciplina. É o ‘Diretor’, o ‘Chefe’, o ‘Líder’, o ‘Principal’, o ‘Presidente’.

A posição estratégica que ocupa no seio das diferentes estruturas assegura-lhe um controlo real sobre a organização e, muitas vezes, um poder maior do que aquele que lhe é formalmente atribuído pela legislação. É ele que detém a informação fundamental para a tomada de decisão e pode utilizá-la para influenciar o funcionamento dos outros órgãos.”

As transformações ocorridas em Portugal no perfil e funções do diretor não são muito diferentes das que ocorreram noutros países, acreditando-se também que o diretor desempenha um papel fundamental na eficácia da escola (Sammons, Hilman e Mortimore, 1995), no seu desenvolvimento e melhoria (Bolívar, 2010), rumo a outro tipo de escola (Cuban, 1993). Tal significa a promoção de uma qualidade (Southworth,1998) global que passa, obrigatoriamente, pela melhoria dos resultados de aprendizagem (Bolívar, 2006).

Este objetivo implica dar um particular destaque ao reforço das competências e das práticas do corpo docente (Fullan. 2003), melhorando os processos de ensino- aprendizagem (Bolívar, 2011), o que significa ter uma especial atenção relativamente aos grupos “profissionais” (professores e alunos) que agem no seu interior (Sergiovanni, 1991), mas também exercer influência sobre os grupos (Bruman, 1997) que atuam e interagem com a escola. Deste modo, o diretor tem de exercer uma liderança instrucional mas também transformacional (Hammond, Meyersin, Debra e LaPointe, 2010) rumo ao desenvolvimento da autonomia da escola (Pont, Nusche e Moorman, 2008), aumentando o seu espaço de ação (Barrère, 2006) e, como tal, assumindo novas responsabilidades que passam também pelo recrutamento de docentes (Schleicher, 2012).

De facto, também em Portugal, a direção das escolas parece ter-se tornado numa prioridade da agenda de política educativa (Pont, Nusche e Moorman, 2008), passando também os diretores a serem vistos como uma espécie de “fórmula mágica” (English, 2011) para a mudança e o sucesso do sistema educativo relacionado com a educação obrigatória.

Todas estas modificações ocorrem também independentemente das alterações do quadro legal e das “pressões” do Estado, através de um processo de acumulação sucessiva, mas também do modo como os diretores se relacionam com o seu cargo e a sua função, o que nos transporta para uma realidade que, não sendo homogénea, decorre também do modo como o diretor se relaciona com o seu perfil e incorpora as “pressões” que sente serem colocadas sobre a sua função e o seu desempenho.

Concluindo (reforçando), a mudança educativa deverá passar por assumir que “possibilitar a autonomia das escolas pode contribuir para a sua dinamização, ao promover níveis mais elevados de compromisso com a educação de que são responsáveis” (Bolívar, 2003: 280). A incorporando da gestão escolar nesse processo (de lenta mutação no nosso país), implica a construção de um novo perfil identitário do gestor escolar, assumindo-se a direção das escolas como uma área determinante para a consecução do objetivo de melhoria da educação e da criação de uma nova realidade, fortemente vinculada aos contextos locais e à implementação de novos processos de aprendizagem-ensino. “Resta saber se, com base nestes ensinamentos e propostas, é possível e desejável conceber um programa de formação que ajude os diretores de escola a tornarem-se mais eficazes.” (Lima J., 2011: 40)