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Capítulo 3: Metodologia

4. A ENTREVISTA

Na investigação qualitativa, a entrevista pode ser a técnica dominante ou estar associada complementarmente a outras. Qualquer que seja o caso, as entrevistas qualitativas, segundo Bogdan e Biklen (1994), dividem-se em dois tipos: estruturadas e não estruturadas, o que, como o próprio nome indica, nos transporta para a existência, ou não, de um dispositivo previamente montado. Já Ghiglione e Matalon (1997) apelidam-nas de semidirecta e de não diretiva. Adoptar-se-á aqui a categorização de Bogdan e Biklen.

Estes autores, a propósito da discussão sobre a maior eficácia dos dois tipos de categorização, avançam ainda com o conceito de entrevistas semiestruturadas, referindo que estas dão a “certeza de se obter dados comparáveis entre os vários sujeitos, embora se perca a oportunidade de compreender como é que os próprios sujeitos estruturam o tópico em questão” (Bogdan e Biklen, 1994: 135).

Afonso (2005: 98-99), ao sistematizar estes três tipos de entrevistas, refere que: • Nas estruturadas há “um esquema de codificação previamente estabelecido”, o

guião da entrevista é respeitado integralmente, “de forma padronizada e sem desvios” e o entrevistador aplica o dispositivo segundo “regras muitos estritas" de comportamento pessoal.

• Nas não estruturadas a conversa faz-se “à volta de temas ou grandes questões organizadoras do discurso, sem perguntas específicas e respostas codificadas”, tendo as questões um nível de abertura muito grande, o que habitualmente, exige “uma relação de confiança, empatia e segurança” com o entrevistado.

• As semiestruturadas têm características intermédias. Partem do modelo da entrevista não estruturada mas “os temas tendem a ser mais específicos” e estão organizados por “questões, itens ou tópicos”. Por isso, o entrevistador usa o guião como um “instrumento de gestão” e não como um “script teatral”, próprio da entrevista estruturada.

Considerando estas características, a opção recaiu sobre a entrevista semiestruturada, realizada em profundidade (portanto, extensiva), pois pensou-se que essa seria a forma mais adequada de se conseguir obter o máximo de informação dos diretores do CE. Na realidade, este tipo de entrevista, também apelidado de “parcialmente estandartizada” (Flick, 2004: 107), permite dar uma resposta eficaz ao nível “da escolha

entre mencionar alguns assuntos dados no guião da entrevista e ao mesmo tempo serem abertos à maneira individual do entrevistado” (id.).

De facto, na investigação qualitativa, as entrevistas são usadas como forma de “recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (Bogdan e Biklen,1994: 134) que o investigador pretende conhecer. Desta forma, ainda segundo os mesmos autores, trata-se de estabelecer um diálogo intencionado, normalmente entre duas pessoas, dirigido por uma delas (o entrevistador), com o objectivo de obter informações da outra (o entrevistado) sobre determinados assuntos.

O desenvolvimento desse processo implica o estabelecimento de “uma relação mais próxima e subtil entre seres humanos do que pode ser percecionado à partida” (Garrett, 1972: 4). Por isso mesmo, e para que a entrevista seja bem sucedida, isto é, para que possa corresponder aos objetivos que a determinaram, é exigida uma certa destreza relacional. A “perícia na condução desta relação pode ser aumentada através do conhecimento dos fatores fundamentais que a envolvem” (Bogdan e Biklen,1994: 134). Assim, a entrevista pode ser vista como uma

“arte, uma skilled technique que pode ser melhorada e eventualmente aperfeiçoada em primeiro lugar através da sua prática contínua. Mas a mera prática não é suficiente. A destreza pode ser desenvolvida complementarmente só quando a prática é acompanhada pelo conhecimento sobre a entrevista e o estudo consciencioso sobre a sua própria prática.” (Garrett, 1972: id.: 5)

Para além de se ter optado por realizar entrevistas semiestruturadas e em profundidade (extensivas), é ainda de destacar que elas incluíram uma dimensão informativa e narrativa, exatamente pelo facto de se considerar os diretores do CE como informantes privilegiados do que se passou no seio do órgão, mas também devido a lhes ser proposta uma certa reflexão narrativa em alguns momentos da sua inquirição.

Apesar desta dimensão narrativa ter sido inspirada nos métodos autobiográficos e nas narrativas de vida, distingue-se claramente deles pois essas metodologias colocam o ator na situação de falante, sem qualquer tipo de interferência, para depois se reconstituir o seu discurso dentro dos parâmetros de análise pretendidos. Como tal, a dimensão narrativa usada nestas entrevistas não pretendeu ser autobiográfica, expressando-se unicamente quando se solicita aos diretores que contem as suas histórias enquanto tal e, assim, tenham uma visão diacrónica do seu percurso profissional na gestão escolar. Esse processo,

poderia facilitar ao entrevistado também a procura da sua “identidade biográfica”, já que significava “contar [parte d]a história de uma vida.” (Ricouer, 1995: 335).

De facto, como referem Pinson e Pala (2007: 571), a propósito da entrevista narrativa, esse cunho narrativo permite “reconstituir os processos históricos de elaboração e de aplicação das políticas públicas” o que, por outro lado, “possibilita conhecer as práticas efetivas dos atores e as suas representações durante esse ato (uso compreensivo)”, dimensão essa que pode ser aplicada, no caso da presente investigação, tanto no que diz respeito à análise de medidas de política educativa lançadas pelo XVII e XVIII governos constitucionais, como ao desenrolar da sua experiência na gestão escolar. Desse modo, Pinson e Pala manifestam-se contra a “objeção mais corrente feita ao uso informativo, narrativo e retrospetivo das entrevistas em ciências sociais”, segundo a qual “as informações produzidas na entrevista sobre dados passados e o seu encadeamento, sobre as práticas nas quais os atores estiveram implicados, são pouco fiáveis” (id.: 558), ressaltando a importância e a validade dessa abordagem.

Pensando globalmente no desenvolvimento das entrevistas, foi tido em consideração um conjunto de aspetos considerados de grande importância para melhorar a captação do conteúdo produzido:

• A “arte de ouvir”.

Segundo Garrett (1972: 40-41), trata-se de uma capacidade que assume uma particular relevância, constituindo “uma das fundamentais operações de entrevistar”. Para ser um bom ouvinte, o entrevistador não deve interromper o discurso do entrevistado mas, ao mesmo tempo, tem de ter consciência de que a falta de interação pode ser negativa, pois a “ausência de resposta pode facilmente parecer, para quem fala, um reflexo de ausência de interesse” (id.: 41). Deste modo, o desenvolvimento de uma interação, ponderada e adequada, entre entrevistador e entrevistado é de grande importância.

“Toda a gente sabe por experiência própria que no contar de uma história as pessoas gostam de um ouvinte que indica, através de relevantes comentários ou questões, que ele reteve os pontos essenciais dessa narração (…). Esta atenção a importantes detalhes que não foram enfatizados dá ao contador da história a estimulante sensação de que o ouvinte não só quer, como está a, entender num grau pouco usual [(mais elevado)] o que ele tenta dizer.” (id.)

Para o desenvolvimento de empatia, foram tidos também em consideração um conjunto de aspetos considerados por Bogdan e Bicklen (1994: 136-139) como muito

importantes para o sucesso do desenrolar de uma entrevista e que caracterizaremos como pertencendo à “arte de interagir”:

• A postura facial do entrevistador.

Através dela tinha de ficar sempre claro para o entrevistado que, mesmo nos seus momentos de maior silêncio, o entrevistador estava totalmente conectado com a informação que lhe estava a ser proporcionada.

Para isso foram usados sinais faciais, obviamente, adequados a cada situação (o seu uso indiscriminado e desajustado seria negativo), como acenos de cabeça, expressões faciais que revelassem interesse, como sorrisos (algumas gargalhadas chegaram a ocorrer...), etc.. Era fundamental que os entrevistados se sentissem completamente à vontade.

• Respeitar os momentos de silêncio.

Estes funcionaram, muitas vezes, como períodos de organização de ideias que, por isso, podiam ser de grande importância para a qualidade da informação recolhida. • Não cortar uma resposta.

Quando o entrevistado fugisse ao tema, o interesse deveria manter-se presente, mesmo que essa fuga implicasse um arrastar da entrevista para além do tempo aconselhável (previsto pelo entrevistador). Nesses momentos, o entrevistador deveria usar da perícia suficiente para conseguir recentrar o tema, sem o atalhar deliberadamente.

• Usar de uma linguagem simples, isto é, evitar o uso de palavras complexas. De facto, “a utilização de palavras relativamente difíceis afeta os inquiridos de muitas formas” (Foddy, 1996: 45), já que estas:

“a) são mais suscetíveis de sofrer influências contextuais, uma vez que os inquiridos são forçados a procurar pistas não explícitas que permitam uma interpretação.

b) apresentam maior probabilidade de produzir respostas não comparáveis entre si, uma vez que os diferentes inquiridos podem basear-se em distintas dimensões do conceito em jogo, e;

c) são as que mais provavelmente autorizam interpretações (...) que os inquiridos modificam”. (id.)

• Solicitar esclarecimentos.

Por um lado, colocar as questões de um modo que nunca pudesse ser entendido como desacordo, desafio ou fruto de uma deficiente explicação do entrevistado, mas sim como uma necessidade do entrevistador, resultante de uma dificuldade de compreensão sua, de um interesse acrescido de esclarecimento ou de uma necessidade de aprofundamento sentida.

Previamente à realização de cada entrevista, foi solicitada autorização para o uso do gravador. Apesar deste aspeto já ter sido abordado durante o diálogo telefónico inicial, no qual a investigação foi explicada em linhas gerais e solicitada a realização da entrevista, era fundamental ter uma atitude que reforçasse esse aspeto. De facto, um gravador é sempre um instrumento intrusivo que pode intimidar o desenvolvimento aberto de uma entrevista. Nesse momento, cada entrevistado foi informado de que na transcrição da entrevista lhe iria atribuir um nome de código, que todas as referências que pudessem levar à sua identificação seriam alteradas com o objetivo de o inviabilizar e que essa transcrição lhe seria posteriormente enviada para que ele pudesse introduzir, se assim entendesse, as alterações que achasse por bem fazer, o que aconteceu num reduzido número de casos.