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A Promessa-juramento: engajamento com a “verdade”

Antes de iniciarmos a análise do excerto abaixo, é significativo mencionarmos as

colocam tais noções em funcionamento. A promessa advém da prática religiosa, ao passo

que o juramento é solicitado na prática judiciária, sempre que um testemunho está para ser

prestado. Apesar de serem atos proferidos em discursividades e rituais distintos, promessa e

juramento se confundem, à medida que buscam assegurar o compromisso do sujeito em

enunciar e seguir a “verdade”. Além disso, tanto a promessa como o juramento só têm valor

se efetuados diante de algo ou alguém colocado na posição de poder-saber como, por

exemplo: a Bíblia, padre, juiz, mestre, Deus etc.

No recorte a seguir, retirado do primeiro evento discursivo em anexo (2), a

discursividade religiosa e jurídica se imbricam, convocando sentidos para o ato da

promessa:

[E34]

(P1) Do you promise me that you are going to study better for next class? (Axxx) Yes

(P1) Next test? everybody? (Axxx) Yes40

Chamou-nos a atenção o fato de que, independentemente da nota obtida na prova, aos

olhos do professor todos os alunos possuem responsabilidades e obrigações em comum e,

portanto, são convocados a realizar uma promessa diante dele. Dito de outro modo, todos

os alunos são chamados a proferir uma promessa-juramento, diante da autoridade máxima

em sala de aula, de modo que se comprometam a seguir algumas condutas predeterminadas

e aceitas como verdadeiras. A referida promessa ou juramento, porém, não parte do aluno,

mas é (im)posta por aquele que representa o poder-saber. O professor e os alunos se vêem

ligados por uma promessa-juramento conduzida por, apenas, uma das partes engajadas no

ato em questão (o professor). Parafraseando Derrida (2003:95), o sujeito, no caso o aluno,

40

(P) Vocês me prometem que irão estudar mais para a próxima aula?; (Axxx) Sim; (P) Próxima prova?

não se vê ligado por um juramento que teria espontaneamente proferido, mas por uma jura

onde se vê posto e dissimetricamente engajado, diante da figura de um Deus, aqui

representada pelo sujeito-professor. Assim sendo, a promessa realizada pelos alunos parece

esvaziada de sentido(s), já que estes apenas reproduzem em coro o que o professor deseja

ouvir.

Essa falta de comprometimento e engajamento com o que está sendo enunciado,

também pôde ser observada no excerto anterior [E33], no momento em que os alunos

respondem a uma pergunta feita pelo professor: What do you have to do for Cloze exercise?

what I told you?; (Axxx) Read read read... Nesse caso, os alunos apenas reproduzem a

“receita” fornecida pelo próprio professor, em uma outra situação de enunciação. Parece

haver um acordo mútuo e inconsciente entre os participantes desse evento discursivo: o

professor “finge” acreditar que o aluno tem a resposta e sabe como proceder, ao passo que

o aluno emite prontamente a resposta tida como correta, “encenando” estar seguro em

relação ao caminho a ser seguido. O que se observa, portanto, é apenas uma reprodução do

discurso pedagógico que não chega a constituir “saber”, tendo em vista que esse dizer não é

singularizado nem (re)inventado pelo sujeito-aprendiz. Dito de outro modo, a simples

reprodução do caminho apontado pelo professor não constitui um “saber-fazer”, uma vez

que não há engajamento nem transformação por parte do sujeito que enuncia.

A partir da leitura de Pêcheux (1983 [1997:43]), compreendemos que o saber, ao

contrário do que se prega nas sociedades ocidentais calcadas na razão, é estranho à

univocidade lógica. Trata-se de um saber que não se transmite, não se aprende, não se

ensina e que, no entanto, existe produzindo efeitos inapreensíveis. É justamente este saber

que é constantemente abafado e silenciado nas avaliações formais que se pretendem neutras

contradições atua na constituição do sujeito lógico racional que deve seguir determinadas

condutas, para que possa ser positivamente avaliado e representado pelo outro (professor).

Retomando o proferimento da promessa, é significativo mencionar que, para que

qualquer promessa ou juramento se efetue, é necessário formular enunciados com verbos

performativos, do tipo: eu juro; eu prometo. Os verbos performativos têm lugar e eficácia

decisivos no sistema religioso e jurídico, nos quais o valor da palavra e, em especial, do

juramento são inquestionáveis, uma vez que garantem o acesso à verdade. Sendo assim,

toda promessa ou juramento representa um ato performativo. A esse respeito, Derrida

(2003:59) salienta que o endereçar-se a um outro pressupõe uma performatividade

intrínseca: “todo enunciado implica um performativo, prometendo dirigir-se a um outro

como tal (eu falo a ti, e te prometo a verdade), todo ato de palavra promete a verdade

(mesmo e sobretudo que eu minta)”. O autor (op.cit.:61) conclui que, graças ao dever de

respeito ao outro e de respeito ao elo social estabelecido, seria sempre necessário dizer a

verdade, quaisquer que sejam as conseqüências. No caso da formulação posta no [E34], a

promessa realizada entre o professor e os alunos visa a garantir que determinados

comportamentos, os quais reforçam o ‘contrato’ social ou a socialidade no contexto em

questão, sejam seguidos.

Ainda sobre o valor performativo da promessa, Haroche (1992) salienta que todo ato de

promessa postula uma não interrupção, uma continuidade entre a intenção e o ato.

Retomando os enunciados abordados, é essa não interrupção entre a intenção de estudar e o

ato de estudar que é esperada pelo professor, ao pedir aos alunos que realizem uma

promessa diante dele. Acredita-se, portanto, que a continuidade entre a intenção proferida e

eventos destacados, porém, é que o enfoque está no proferimento da promessa ou no ato

performativo e não, necessariamente, no cumprimento da promessa efetuada.

Depois da promessa realizada, o aluno assume um novo compromisso diante do

professor, tornando-se mais responsável pelo possível fracasso na avaliação formal, caso a

promessa de estudar não seja cumprida. O aluno é levado a seguir uma verdade manifesta

através de uma promessa que não proferiu espontaneamente, mas que se viu obrigado a

“encenar”, diante daquele que representa o poder-saber.