Como já mencionado anteriormente, a moral pregada e cultivada em nossa sociedade
está fortemente atrelada à ideologia judaico-cristã. Perelman (2000:318-9) traça um
histórico da religião e afirma que, durante muitos séculos, a moral se inspirou em
considerações religiosas, isto é, a moralidade resultava da obediência às prescrições divinas
e às leis sagradas. O autor (op.cit.: 319) conclui que “o ideal moral é a imitação do ser
divino que a religião nos apresenta”. Assim como na religião, a polarização entre o bem e o
mal, o certo e o errado estava (e ainda está) presente nos critérios de toda moral ocidental.
Embora de origem e ordem religiosa, os valores morais se modificam e se moldam em
função de um dado momento sócio-histórico, ou seja, a moral representa a expressão de
uma sociedade, em um dado momento de sua evolução. Assim sendo, a moral, apesar de
pregar e fixar certos princípios e condutas, está sempre sofrendo deslocamentos e
(re)formulações.
O comportamento moral conserva as organizações sociais, pois prescreve que o sujeito
deve seguir e obedecer a certos padrões predeterminados e aceitos como certos ou
verdadeiros pela sociedade, sem questioná-los ou problematizá-los. Essas afirmações
ser, um pouco de tirania contra a “natureza” e contra a razão. A moral surge, então, como
uma característica que seria inerente à natureza humana. Para assumir esse estatuto, no
entanto, a moral se coloca acima da razão e passa a ser admitida como um princípio
primordial, sem que seja preciso justificá-la. Perelman (2000:295) reconhece que
a vida moral se reduz a um conformismo – uma adesão irracionada ao que nos foi inculcado como o leite materno – e nenhum raciocínio pode exercer a menor influência sobre as nossas regras de conduta: o que nenhuma razão fundamenta, nenhuma razão pode abalar.
Assim, podemos dizer que a moral representa um “acordo” inevitável e unânime entre os
membros de uma sociedade, embora se apresente como algo natural e que não poderia ser
de outra maneira. Nesse prisma, agir moralmente significa agir em conformidade a uma
“consciência” moral comum, que dita as regras de conduta válidas a todos. No entanto,
convém ressaltar que a conduta moral é ilusoriamente guiada pela voz da razão ou da
consciência, pois essa consciência é construída discursivamente, através da manutenção de
aspectos ideológicos que funcionam e significam na relação com discursos outros, em um
dado momento histórico-social. Convém destacar que o comportamento moral, que é
conduzido e determinado por certos padrões sociais tidos como verdadeiros e naturais, é
fundamental para garantir a manutenção e a organização das instituições.
A conduta moral também está fundamentada na ordem do dever-ser, já que determina os
comportamentos que devem ser seguidos pelos membros de uma sociedade ou de uma
instituição. O dever-ser, que determina as regras de conduta, denuncia a interdiscursividade
entre o discurso religioso, da moral e jurídico. Em outras palavras, a manutenção da ordem
do dever-ser, que a princípio fundamentava os princípios morais e religiosos, também passa
princípios e normas religiosas pregam uma certa moral que parte do pressuposto de que o
bem soberano e a verdade existem e devem ser alcançados. As normas jurídicas, por sua
vez, pregam a racionalização e a individualização do sujeito que deve seguir determinados
comportamentos e escolhas que garantam o bem estar social.
Em suma, podemos afirmar que a moral, além de ser calcada no discurso religioso,
também constitui e passa a ser constituída pelo discurso jurídico. A ordenação jurídica, no
entanto, apesar de evocar os princípios morais também se distingue deles, pois não
representa algo que, ilusoriamente, seria inerente ao humano ou ao ser, mas, sim, algo
elaborado e fixado por uma sociedade sustentada por direitos e deveres e, portanto, situada
numa ordem do dever-ser (Miaille, 1994). Retomemos a formulação do autor (op.cit.:87):
“Esta ordenação jurídica distingue-se por uma característica fundamental: dizer o que se
deve fazer, o que se deve ser e não constatar o que é”.
De modo geral, podemos afirmar que o cultivo da disciplina e da obediência em relação
ao que nos é colocado como dever-ser ou como verdade absoluta sempre esteve presente
nas organizações e instituições sociais, por meio das discursividades que legitimam
determinados comportamentos e conceitos. Segundo Nietzsche (1844 [1992:97]), a
obediência é o imperativo categórico que dirige povos, raças, eras, classes e, por fim, o
homem. Nas palavras do autor (op.cit.:97),
A obediência foi até agora a coisa mais longamente exercitada e cultivada entre os homens, é justo supor que, via de regra, é agora inata em cada um a necessidade de obedecer, como uma espécie de consciência moral que diz: você deve. Esta necessidade procura saciar-se e dar um conteúdo à sua forma; e aceita o que qualquer mandante – pais, mestres, leis, preconceitos de classe, opiniões públicas – lhe grita no ouvido.
Com base na citação acima, conclui-se que a obediência é fundamental para o
cumprimento dos princípios e normas que direcionam e acomodam as relações sociais e as
instituições, independentemente da discursividade predominante (religiosa ou jurídica).
Essas considerações ressoam Žižek (1992:66) que salienta que “a lei moral é uma ordem
feroz que não admite desculpas – “podes porque deves”10 – e ganha, por isso, o ar de uma
neutralidade malfazeja, de uma indiferença malévola”.
Relacionando as citações apresentadas com o tema abordado neste estudo, nota-se que
são os imperativos categóricos do dever-obedecer e do dever-ser que, além de
estabelecerem as regras de conduta social, também constituem as representações
identitárias do sujeito-professor e do sujeito-aluno, direcionando a prática pedagógica e o
discurso avaliador do sujeito-professor, ao assumirem um ar de neutralidade e de
normalidade. Essas considerações serão retomadas no desenvolvimento da análise dos
registros.