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O que reúne os excertos abordados neste capítulo é a relação de contradição entre o ser

e o dever ser, vislumbrada nas formulações de alunos e professores. Tal contradição coloca

em evidência a mutabilidade das representações e das identidades dos sujeitos envolvidos

no processo de ensino-aprendizagem, além de expor a natureza constitutivamente

heterogênea do sujeito e da linguagem.

Os recortes analisados no item 4.2 (“A angústia do aluno: entre o ser e o dever ser”),

nos permitiram compreender que, para ser um “aluno ideal”, é preciso corresponder à

verdade do sujeito-suposto-saber, isto é, daquele que tem o poder de ditar o comportamento

e o caminho a ser seguido, no espaço de sala de aula. No entanto, por não ter acesso a essa

verdade, o sujeito-aluno se desloca incessantemente entre o ser e o dever ser. Desse modo,

como destacado no item 4.3 (“Não basta ser”), o sujeito-aluno “persegue” um dever ser

inatingível. Isso se dá toda vez que o sujeito-aluno busca refletir uma certa imagem de

“aluno ideal” que não consegue ver ou saber totalmente, já que essa imagem, em constante

mutação, está atrelada ao desejo do professor ou daquele que tem o poder de construir um

saber legitimado sobre o sujeito-aluno. Ao encontro dessas reflexões, trazemos Lacan

(1975a [1986:253]) que salienta que “o sujeito se esgota em perseguir o desejo do outro,

que ele não poderia nunca apreender como o seu desejo próprio, porque o seu desejo

próprio é o desejo do Outro”. Com base nessas considerações, podemos concluir que a

completude ou o ideal buscado pelo aluno está sempre sendo adiado e impossibilitado.

A incompletude no ser professor também se fez escutar nos enunciados proferidos por

alunos e professores, analisados no item 4.4 (“A incompletude no ser professor”). Embora o

sua falta e heterogeneidade constitutivas, o inesperado sempre irrompe em seu dizer,

deixando sua identidade fragmentada à mostra.

Finalmente, se atentarmos para a presença ou para o espelhamento do discurso

pedagógico no dizer do aluno, podemos afirmar que é o olhar do outro (professor) que

determina a posição sujeito ocupada por aquele que é constantemente avaliado no processo

de ensino-aprendizagem. Dito de outro modo, é do discurso avaliador que emanam as

imagens que provocam identificações no sujeito-aprendiz, tendo em vista que algumas das

imagens projetadas do olhar do outro (professor) e que se fazem presentes em sua

formulação passam a ser assumidas pelo aluno como sendo sua própria imagem de

identidade. Essas considerações encontram respaldo em Žižek (1992:105) que esclarece: “a

identificação imaginária é sempre uma identificação para um certo olhar do Outro”. Nas

formulações abordadas, é o olhar do sujeito-professor que leva o sujeito-aluno a

CONCLUSÃO

Inicialmente, é preciso relembrar que o espaço onde os registros foram coletados

(escola particular de idiomas) representa uma condição de produção relevante, pois atua

diretamente na formulação dos discursos e na constituição dos sentidos. Apesar de a

instituição pesquisada não focar a formação do aluno, mas a eficiência no ensino de

línguas, acreditamos que os questionamentos e as considerações trazidas, durante a análise

do corpus coletado, representam um indicativo do que acontece no contexto escolar e, em

especial, na relação professor-aluno, lembrando que, de acordo com a perspectiva

discursiva, o que fundamenta o discurso não é quem fala, mas o lugar de onde esse sujeito,

sócio-histórica e ideologicamente determinado, enuncia. O que procuramos destacar,

portanto, foram as diferentes posições discursivas que marcam a heterogeneidade e a

instabilidade das identidades de sujeito-professor e de sujeito-aluno, em função da

pluralidade de vozes e de discursos que os constituem.

Sem perder de vista os limites dos registros do corpus desta pesquisa, nossa hipótese

inicial se mostrou válida. De fato, não só a prática da avaliação formal, mas também o

freqüente discurso avaliador do sujeito-professor funciona como uma “verdade

estabelecida”, provocando efeitos na constituição identitária do sujeito-aluno. Amarante

(1998) já havia sugerido que a avaliação ultrapassa a prova ou exame. Nas palavras da

autora (1998:167), “apesar de vários juízos de valor serem emitidos acerca dos aprendizes,

a ocorrência desses enunciados não é percebida pelos participantes deste evento como

eventos avaliativos”. São justamente esses eventos avaliativos, constantemente realizados

pelo professor, que deixam marcas na subjetividade do sujeito-aluno, ao lançar

ver e a se reconhecer a partir das representações enviadas pelo olhar do outro que, por sua

vez, são comprovadas e reforçadas pela nota da prova. É esse imaginário, reforçado e

legitimado pela nota da prova, que direciona a construção de “verdade(s)” sobre o aluno e

que se reflete em sua constituição identitária.

O que pudemos observar, de modo geral, é que as práticas avaliativas não dão

possibilidade(s) de deslocamento(s) para o sujeito-avaliado. Tais práticas buscam a

homogeneização do sujeito, bem como a simplificação do processo de ensino-

aprendizagem. Para que outros sentidos e saberes sejam produzidos, é necessário considerar

a natureza heterogênea do sujeito-aprendiz, ao invés de tentar contê-la, silenciá-la, por meio

da avaliação formal de ordem lógica, classificatória e excludente ou do discurso avaliador

do sujeito-professor, que segue a mesma rigidez que dá sustentação e legitimidade à

aplicação da avaliação formal.

A dicotomização ou a polarização de conceitos utilizados para caracterizar o sistema de

avaliação adotado pela instituição e, principalmente, para rotular os alunos, se mostrou

estruturante do discurso avaliador. Alguns conceitos como “bom aluno”, “mau aluno”,

“capaz” e “incapaz” encontram-se naturalizados no contexto escolar e provocam sentido(s),

se colocados em pares dicotômicos. Como bem destaca Coracini (2004:289), “o que se

percebe é uma repetição redundante de termos que parecem esvaziados de sentido ou tão

plenos de sentido – naturalizado pela ideologia dominante – que não precisam de

explicitação”. No funcionamento do discurso pedagógico, que é avaliador por excelência, a

diferença é banida e os alunos são agrupados e classificados em pólos opostos (bom x

mau), de modo a se tornarem os mais “iguais” possíveis. A análise dos registros denunciou

que o “saber” construído sobre o aluno, por meio de práticas avaliativas, é um saber

naturalizados que não chegam a ser problematizados. Dito de outro modo, a emissão de

julgamentos dicotômicos e homogeininantes atuam diretamente na formação identitária do

aluno, provocando a simplificação e o silenciamento das contradições constitutivas de todo

ser, fazer e dizer. A diferença e a alteridade parecem só serem trazidas para o interior do

processo de ensino-aprendizagem, para que permaneçam exteriores a ele, isto é, o aluno

que, porventura, fugir aos padrões predeterminados pelo professor ou pelo livro didático,

acaba sendo silenciado e avaliado negativamente pelo professor.

No espaço onde a pesquisa foi realizada, mais especificamente, apesar de os agentes

educacionais (professores, supervisor e diretor) acreditarem empregar uma abordagem

comunicativa no ensino de línguas, que se diz centrada no aluno e em seus interesses, o que

se verifica é uma centralização de poder-saber na figura do professor. É do sujeito-

professor que partem os sentidos permitidos e desejáveis, no espaço de sala de aula.

Para o enriquecimento do processo de ensino-aprendizegem, faz-se necessário

questionar os pressupostos tomados como verdade, no contexto escolar, bem como rever os

conceitos de aprendizagem e de avaliação que permeiam e direcionam a prática

pedagógica, tendo em vista que o “saber” não é algo dado a priori ou que pode ser

apreendido como um bloco homogêneo e fechado. A constituição do saber está diretamente

atrelada ao engajamento e à transformação por parte do sujeito-aluno. Dito de outro modo,

para que o saber seja constituído e constitutivo do sujeito-aprendiz, é necessário

singularizá-lo e, constantemente, (re)inventá-lo. Nesse prisma, Coracini (1997a:167)

argumenta que a “aprendizagem se dá na rede emaranhada de confrontos, ou seja, da

aceitação do outro, da diferença, da não coincidência de si consigo, de si com os outros, do

É preciso ressaltar, no entanto, que, contrariamente ao que se observou na formulação

dos registros coletados, não temos a intenção de individualizar e responsabilizar os sujeitos

por suas supostas falhas, já que o discurso do professor, embora apresente deslocamentos e

singularidades, é apenas mais um dos discursos que circulam no nosso contexto sócio-

histórico, retomando e reforçando mecanismos que garantem a acomodação social, ao

incutir, no sujeito-aluno, o comportamento moral e jurídico do certo ou do errado, de

direitos e de deveres. Dito de outro modo, a escola e seus representantes têm um papel

social fundamental, pois são responsáveis pela disseminação das regras que o sujeito

precisa saber e às quais deve obedecer, para fazer parte desse jogo discursivo que estrutura

a sociedade em que estão inseridos. Em suma, não se trata de buscar culpados pelas falhas

nas práticas de ensinar e de avaliar, mas de (re)pensar e (re)organizar as práticas discursivas

que estruturam as relações estabelecidas no contexto escolar, lembrando que há sempre

uma relação de contradição e de não controle entre o dizer e o querer dizer.

Embora a noção logocêntrica de sujeito esteja na base do discurso pedagógico e da

prática de avaliar, a análise dos registros flagrou a presença de vozes que emanam de

diferentes lugares e discursividades, isto é, a presença do outro/Outro que revela o não

controle do dizer e do fazer e que, vez por outra, irrompe na porosidade da linguagem. Nos

recortes analisados, a formulação de professores e alunos revela algumas matrizes

identificatórias que apontam para a constitutividade heterogênea do sujeito, principalmente

ao denunciar a contradição entre o ser sempre incompleto e o dever ser segundo um

modelo de completude tido como ideal.

Chamou-nos a atenção, na análise dos registros, o freqüente espelhamento entre o dizer

do aluno e o dizer do professor. Retomando que a relação corpo e imagem é falada por um