• Nenhum resultado encontrado

3.2 – A Proposta de John Hick: A Encarnação como Metáfora

No documento Download/Open (páginas 99-108)

John Hick, teólogo e filosofo anglicano escocês, nasceu em 1922. Um dos filósofos cristãos de maior expressão na atualidade. Defensor ardoroso do pluralismo religioso. Adepto da hipótese de uma cristologia pluralista.

Segundo John Hick, a quenose é uma metáfora viva para a qualidade de autodoação do amor divino. A metáfora do auto-esvaziamento serve ao propósito prático de guiar os fieis cristãos em suas vidas, afastando-os do autocentramento e dirigindo-os para um novo e radical centramento em Deus. É uma boa metáfora – Jesus como um “filho de Deus”, uma pessoa em quem o espírito divino estava presente de maneira poderosa e cuja vida revelou a outros a realidade, o amor e a exigência de Deus. A metáfora original da encarnação pode expressar uma resposta distintivamente cristã de Jesus como o mediador da presença salvífica de Deus. Para absorver estas idéias nos utilizamos da seguinte obra como texto fonte: John Hick, A Metáfora do Deus Encarnado.

Promove uma compreensão inovadora do dogma central do cristianismo, o Jesus Histórico e o Cristo da Fé. Hick não pretende uma interpretação deste dogma em uma forma literal e metafísica, também não recorre ao argumento do simples mistério. Propõe uma releitura do dogma da encarnação de Deus como uma metáfora específica do cristianismo, que segundo ele é apenas mais uma entre a diversidade de possíveis interpretações dentro do mundo diverso das religiões.

No prefácio Hick já demonstra que sua intenção não é descartar o dogma histórico- ortodoxo acerca da Encarnação do Logos. Inicia mostrando que a compreensão tradicional quanto a Jesus de Nazaré mostra que ele foi Deus encarnado, o eterno Logos preexistente, o Filho de Deus. Ele tornou-se verdadeiramente homem com a finalidade de mediar a salvação à humanidade por meio de sua morte. Outra tarefa que Jesus, o Logos desempenhou aqui na terra foi a de fundar a Igreja para que proclame este desígnio de salvação. Por implicação, segundo Hick, se realmente Jesus de Nazaré foi o Deus encarnado, então o cristianismo se constitui na única religião, dentre tantas outras, a ser fundada por Deus em pessoa. Portanto, em conseqüência, o cristianismo deve ser uma religião incomparavelmente superior a todas as religiões existentes.

A proposta de Hick é que o dogma da encarnação de Deus em Jesus de Nazaré seja submetido a um conjunto diferente de ferramentas interpretativas. Estas ferramentas precisam ser mais coerentes com a natureza do vocabulário teológico. Eis os argumentos que Hick apresenta como alternativas:

 Jesus não ensinou aquilo que se tornaria a compreensão cristã ortodoxa a seu respeito;  O dogma das duas naturezas de Jesus, uma humana e outra divina, demonstrou sua

incapacidade de ser explicado de maneira satisfatória;

 Historicamente, o dogma tradicional foi utilizado para justificar grandes males humanos;

 A idéia da encarnação divina é melhor compreendida como idéia metafórica, e não literal – Jesus incorporou, ou encarnou, o ideal da vida humana vivida em fiel resposta a Deus, de sorte que Deus foi capaz de agir através dele, e que ele, por conseguinte, foi a corporificação de um amor que é reflexão humana do amor divino;

 Podemos corretamente considerar Jesus, assim entendido, como nosso Senhor, como aquele que tornou Deus real para nós e cuja vida e ensinamentos nos desafiam a viver na presença de Deus; e

 Pode-se considerar um cristianismo não-tradicional, baseado nessa compreensão de Jesus, como uma entre as diferentes respostas humanas à Realidade transcendente última que denominamos Deus, podendo servir melhor ao desenvolvimento da comunidade mundial e da paz mundial do que um cristianismo que continua a ver a si

mesmo como locus da revelação final e do portador da única salvação possível para todos os seres humanos.175

No mundo atualmente, ou pelo menos quando da publicação desta obra, havia uma intensa atividade no que concerne ao campo da cristologia, basicamente sobre o significado de Jesus e a questão de saber quem ele foi realmente. Para Hick isto acontece, pois há a formação de um cristianismo que quer ser consciente de si mesmo expressando uma resposta válida quanto à questão da realidade transcendente última, o Absoluto, Deus. A busca por esta compreensão motivou a realização de diversos empreendimentos, um deles foi a publicação no ano de 1977 de um compendio de ensaios intitulado The Myth of God

Incarnate, onde Hick foi o editor. Esta obra produziu grande agitação em diversos círculos

teológicos. A principal tese era que o próprio Jesus Cristo nunca ensinou que era Deus encarnado. Apesar da natureza polemista do livro, Hick afirma que ele cumpriu seu propósito “de baixar boa parte da cortina que separava o que os estudiosos sabiam daquilo que os pregadores estão acostumados a contar às suas comunidade.”176 Apesar da grande polemica

gerada em torno da publicação desta obra e das diversas interpretações acerca de qual seria a proposta de Hick, ele demonstra em A Metáfora do Deus Encarnado que sua “intenção era dizer que, caso se pretenda demonstrar que a doutrina da encarnação possui um significado digno de fé, deve-se expressar isso de maneira inteligível – acrescentando que “todo e qualquer conteúdo proposto até aqui teve de ser repudiado”177, e continua explicando sua posição, “eu não estava sugerindo, porém, que a idéia da encarnação divina pode ser descartada a priori, sem considerar as tentativas de explicá-la”178, mas havia algo de extrema importância a ser considerado, segundo ele, “a questão em jogo era se alguma dessas tentativas alcançou sucesso”179. Segue Hick em sua exposição sobre o assunto:

Dado o caráter relativamente aberto de nosso conceito de humanidade, e mais ainda de nossos conceitos de divindade, será sempre possível ajustá- los um em relação ao outro de modo a tornar factível uma compreensão literal da encarnação divina. Mas a questão é se essas manobras são aceitáveis em termos religiosos. Elas tornam a idéia de Jesus como Deus encarnado capaz de desempenhar a função dela exigida pela teologia cristã tradicional? Na história da Igreja, propôs-se um grande número de teorias para explicar em que sentido Jesus era ao mesmo tempo divino e humano; mas, no passado, elas tiveram de ser rejeitadas uma a uma por 175 John Hick, p. 9-10. 176 John Hick, p. 13. 177 John Hick, p. 14. 178 John Hick, p. 14. 179 John Hick, p. 14.

violarem a compreensão aceita, quer da divindade, quer da humanidade. A questão, assim, não é se é possível proporcionar algum sentido literal à idéia da encarnação divina, mas antes se é possível fazê-lo de um modo que satisfaça as preocupações religiosas que dotam a doutrina de significado.180

Ao tratar da figura histórica de Jesus, adverte quanto ao uso do termo “Cristo”, optando pelo uso tão somente do termo “Jesus”. Pois o termo “Cristo” significa ungido, termo grego advindo do hebraico, tendo o seu uso em relação a reis e não comportava qualquer conotação relativa à divindade. Já no cristianismo primitivo, Jesus foi chamado de ungido de Deus, e à medida em que o tempo passou ele foi elevado dentro da Igreja a um status divino, onde o termo “Cristo” tornou-se equivalente a “Filho de Deus” e finalmente ao “Deus Filho”. No entanto, afirma que: “o presente livro, porém, trata da questão se este ainda seria um modo apropriado de pensar a respeito de Jesus. E, uma vez que concluo que não o é, tentarei evitar confusão referindo-me ao indivíduo que teve uma influência tão importante na história humana simplesmente com o nome “Jesus” ou “Jesus de Nazaré”.181

Seu modo apropriado de entendimento a respeito de Jesus é como segue dizendo a respeito desta “figura histórica”:

Nem sempre se percebe que o próprio Jesus não pode ter tido qualquer concepção acerca dessas questões. Ele vivia numa experiência tão intensa e poderosa da presença divina que suas palavras e sua vida continuam a tornar Deus real para aqueles que são inspirados por ele. Mas a maneira pela qual Jesus compreendeu seu papel foi-lhe fornecida pela escatologia de restauração judaica de seu tempo. (...) Cumpria o papel único do profeta final, que veio para proclamar uma Nova Era, o reino divino que Deus brevemente inauguraria na terra. Contudo, um movimento baseado nessa expectativa somente poderia durar por um período relativamente curto, pela simples razão que o mundo intelectual apocalíptico do judaísmo do primeiro século desaparecera havia muito tempo. Com efeito, a versão acerca do mesmo apresentada por Jesus, e centrada em seu próprio papel, durou somente umas poucas décadas entre seus seguidores, sendo substituída por algo mais apto a durar no mundo pluralista do Império Romano e, finalmente, a tornar-se sua estrutura de sentido dominante: o profeta escatológico Jesus foi transformado, no contexto do pensamento cristão, no Deus Filho que desceu dos céus a fim de viver uma vida humana e salvar-nos por meio de sua morte reparadora.182

180 John Hick, p. 15. 181 John Hick, p. 16. 182 John Hick, p. 16, 17.

Hick diverge da tradição quanto à preexistência de Jesus como forma divina, ou Logos eterno de Deus. No entanto, foco deste livro está concentrado no sentido de uma teologia cristã encarnacional que afirma que Jesus de Nazaré foi o Filho de Deus, o Logos eternamente preexistente que viveu uma vida inteiramente humana. Como diz, “... este livro focaliza a doutrina que serve de padrão ortodoxo ao rezar que Jesus foi plenamente Deus e plenamente homem, e que foi, como tal, a auto-revelação singularmente completa e final de Deus à humanidade.”183

A preocupação primordial de Hick quanto ao dogma da encarnação não é simplesmente descartá-la ou esquecê-la, mas conforme podemos observar, Hick pretende fazer uma abordagem positiva ao assunto em questão. Assim, descreve a estrutura de desenvolvimento de sua obra da seguinte forma:

...seguirei uma linha lógica que começa com a questão histórica se Jesus considerou a si mesmo como Deus encarnado; e, caso ele não o tenha feito, se é satisfatório deslocar a base da crença cristã, como geralmente se faz agora, dos ensinamentos do próprio Jesus para aqueles da Igreja, e particularmente para as decisões dos grandes concílios ecumênicos dos séculos IV e V. Em seguida, levantarei a questão filosófica se a idéia da divindade e humanidade simultâneas de Jesus pode ser coerentemente decifrada, voltando-me, a seguir, para os modos em que a idéia do senhorio absoluto e universal foi utilizada para justificar grandes males no decorrer da história ocidental. Depois disso, passarei às idéias correlatas da reconciliação e da salvação; e, finalmente, às interpretações alternativas de Jesus e de sua mensagem hoje disponíveis.184

Após mostrar claramente o caminho que pretende percorrer, Hick desde o início de sua obra já aponta para o alvo que deseja atingir. Revela desta forma um espírito inquiridor com sólido fundamento na pesquisa. As conclusões e vias de acesso ao dogma da encarnação que serão propostas não é fruto da mera crítica exacerbada destituída de análise lógica coerente e concreta. Pelo contrário, são as implicações da pesquisa científica coerente que foi empreendida aqui. Segundo apresenta sua conclusão final:

...é que a idéia de encarnação divina em sua forma cristã padrão, na qual se insiste tanto na humanidade genuína como na divindade genuína, nunca recebeu um sentido literal satisfatório; por outro lado, porém, conclui-se que ela proporciona um excelente sentido metafórico. (...) Aqui, a encarnação é uma idéia metafórica.185

183 John Hick, p. 24. 184 John Hick, p. 24-25. 185 John Hick, p. 25.

Pode-se observar com acuidade, o que é constante em Hick, a exposição de sua principal tese a seguir:

O que recomendarei é a aceitação da idéia da encarnação divina enquanto idéia metafórica. Vemos em Jesus um ser humano extraordinariamente aberto à influência de Deus e que, portanto, viveu em uma medida extraordinária como agente de Deus na terra, “encarnado” o propósito divino para a vida humana. Assim, ele corporificou, nas circunstâncias de sua época e lugar, o ideal da humanidade que vive em abertura e em atitude de resposta a Deus, e ao fazê-lo ele “encarnou” um amor que reflete o amor divino. Esta vida memorável tornou-se a inspiração de uma vasta tradição que, por muitos séculos, proporcionou orientação intelectual e moral para a civilização ocidental. Mas a inspiração original daquele que confiou plenamente em Deus, embora dentro de um cenário humano bem diferente do nosso, não é menos vigorosa do que em séculos anteriores. Se ela puder livrar-se da rede de teorias – acerca da encarnação, da Trindade e da reconciliação – que no passado serviram para pôr em evidência sua significação, mas que agora somente servem para obscurecê-la, aquele conjunto de ensinamentos vividos pode continuar sendo uma fonte muito importante de inspiração para a vida humana.186

Partindo destas bases constrói uma releitura de conceitos relacionados a Jesus. Mas, a sua intenção principal é demonstrar que a linguagem bíblica não pode ser metafísica, a possibilidade mais lógica é que ela deve ser interpretada como uma linguagem metafórica.

Hick defende que houve um tempo em que o discurso bíblico que é proeminentemente metafórico passou a ser interpretado de forma metafísica. A sua interpretação do Concílio de Calcedônia demonstra a sua intenção em observar tal conceito:

A linguagem metafórica da Bíblia cria de modo natural comunicação com todos que habitam ou possam adentrar imaginativamente em seu universo de discurso. Ainda temos pais e filhos, e, menos universalmente, reis e pastores como parte de nosso mundo conceitual; e, fazendo valer apenas um pouco de esforço imaginativo, podemos apreciar o habito antigo de conceber uma pessoa espiritualmente próxima de Deus, como um servo fiel de Deus, tal como um Filho de Deus. Metáforas como esta estabelecem comunicação com sucesso, porque foram formadas dentro do discurso ordinário da época. Mas a fórmula de Calcedônia é um artefato filosófico, que contém todo o sentido fixado por ela, nada mais nada menos. Fórmulas como esta impressionam precisamente porque seu único sentido é técnico e conhecido apenas de eruditos. Contudo, um minucioso exame crítico e de cunho filosófico dessas construções conceptuais sempre deve estar na ordem do dia. E nesse caso, precisa-se considerar a possibilidade de que a fórmula, que á primeira vista parece tão firme e definitiva, seja incapaz de ser explicada de qualquer maneira

religiosamente aceitável. A intenção por trás dela era excluir qualquer compreensão de Jesus que negasse, quer sua divindade plena e autêntica, quer sua humanidade plena e autêntica. Mas talvez isso não possa ser feito! Se a fórmula é constituída de tal maneira que qualquer explicação pormenorizada de seu significado venha a ter implicações que entram em conflito com um ou outro daqueles desideratos, então a fórmula representa um fracasso. Se todas as tentativas de explicá-la revelam-se inaceitáveis, ela somente pode funcionar como um pronunciamento ritual, cujo sentido não deve ser examinado muito de perto e que somente pode servir para inibir e ensandecer o pensamento.187

Mais pormenorizadamente expressa o seu posicionamento quanto ao Concílio de Calcedônia, na que defende o conceito de duas naturezas na pessoa histórica de Jesus:

...a tarefa com que se depara alguém que pretenda reafirmar uma cristologia calcedoniana não é a de traduzir, em termos contemporâneos, uma explicação helenística acerca de como essa pessoa singular, Jesus, pôde possuir duas naturezas; isso pela simples razão de que nenhuma explicação desse tipo está contida na fórmula original. (...) O problema não se encontra numa linguagem e conceptualidade antiquadas, mas no fato de que, na verdade, o Concílio apenas afirmou que Jesus foi “verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem”, sem tentar dizer como um tal paradoxo é possível. (...) Declarar simplesmente que duas naturezas coexistiram em Jesus “sem confusão, sem modificação, sem divisão e sem separação” é pronunciar uma forma de palavreado que até agora não possui um sentido especificado. A fórmula coloca diante de nós um “mistério”, e não uma “idéia clara e distinta”. Além disso, este não é um mistério divino, e sim um mistério criado por um grupo de seres humanos que se encontraram em Calcedônia (...) O resultado é que herdamos a fórmula original de Calcedônia, mas sem qualquer significado claramente detalhado ligado à mesma.188

Uma das muitas tentativas de conceber um significado mais detalhado ao conceito de duas naturezas em Jesus é a teoria quenótica de Thomasius, como expressar uma pessoa que era verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Surge então a sua crítica à teoria do auto-esvaziamento:

Desta forma, as principais teorias quenóticas não falam meramente de uma ocultação de atributos divinos, e sim de um efetivo auto- esvaziamento e auto-retração divinos, de um despojamento de poderes, de um abandono de qualidades absolutas a fim de assumir a humanidade – e, não obstante, sem que a pessoa que age assim deixe de ser, de modo pleno e inequívoco, o Deus Filho. É evidente que aqui existe no mínimo uma contradição aparente; e, como no caso das cristologias das duas naturezas, a questão é saber se, não obstante, essa contradição faz sentido. É isto que os teóricos da quenose tentam fazer. Em minha

187 John Hick, p. 66-67. 188 John Hick, p. 70.

opinião, eles não alcançam sucesso. Eles propõem a idéia geral de uma autodoação divina radical em que o Salvador vem a nós na humildade de sua fraqueza, pobreza e vulnerabilidade; e eles demonstram que o valor religioso desse quadro está em apresentar uma manifestação suprema do amor divino. Todavia, quando chegam à contradição aparente de um ser que é Deus e no entanto carece dos atributos de Deus, tudo o que conseguem fazer é oferecer analogias incapazes de alcançar a questão- chave, partindo a seguir para um apelo ao mistério.189

Especificamente quanto à teologia quenótica, Hick demonstra que esta teoria fora usada como uma alternativa para dinamizar a cristologia. Para comprovar isto Hick apresenta o pensamento de autores posteriores a Thomasius, principalmente na década de 60 do século XX. Hick não aprova o uso da construção quenótica por causa de uma incoerência lógica no sistema da linguagem usada, devido ás conseqüências que iria acarretar para a doutrina de Deus. O problema principal para ele são as implicações às quais tal teoria levaria. Após analisar o quenoticismo do Bispo Frank Weston, expõe sua crítica:

Assim, o empenho de Weston termina naquilo que ele se vê forçado a aceitar como mistério. E esse é geralmente o caso com os teólogos quenóticos. Eles dizem, costumeiramente, que não podemos esperar compreender o processo ou a maneira do auto-esvaziamento divino. (...) Todavia, a falácia presente nesses apelos ao mistério enquanto substituto para a clareza conceitual está em que a cristologia quenótica não é uma verdade revelada, e sim, como Davis corretamente a denomina, uma teoria. Ela é uma hipótese humanamente projetada; e nós não podemos salvar uma hipótese deficiente rotulando-a de mistério divino.190

A teoria quenótica conforme expressa por Thomasius dizia que o Filho eterno de Deus, o Logos, abriu mão de alguns atributos não essenciais à divindade quando da encarnação. Para Hick esta é uma idéia altamente paradoxal. A crítica feita por Dorner quanto ao quenoticismo tinha como carro chefe a imutabilidade de Deus, que nesta teoria estaria sendo maculada. Hick retoma a questão indagando:

Mas seria possível escapar a esta conclusão distinguindo entre atributos divinos que não são essenciais à divindade em nível de gênero – e que por conseguinte podem ser abandonados no processo de encarnação – e aqueles outros que são preservados por serem essenciais, e logo por precisarem caracterizar Deus continuamente, mesmo quando encarnado?191

189 John Hick, p. 88-89. 190 John Hick, p. 99. 191 John Hick, p. 100.

À frente segue utilizando um argumento que levanta uma questão de extrema pertinência:

... somos livres, até um certo ponto, para declarar que qualquer qualidade divina ou humana é ou não é essencial, dependendo das necessidades colocadas por nossas teorias. (...) E deve-se declarar o mesmo de vários outros atributos. (...) ... sempre é possível salvar o dogma tradicional estipulando definições que lhe facultem ser verdadeiro. Contudo, temos de calcular os custos. O perigo disso é que, ao ajustar o conceito de Deus a fim de tornar possível a encarnação divina, corremos o risco de descartar aspectos do conceito que são essenciais em termos religiosos.192

No documento Download/Open (páginas 99-108)