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A questão homossexual capturada pelo discurso jornalístico (de

2.5 O impresso e o on-line

2.5.3 A questão homossexual capturada pelo discurso jornalístico (de

Vimos nas seções anteriores que o discurso jornalístico trabalha no imaginário dos fatos que falam por si, na ilusão do acontecimento suposto como empírico, fora de injunção à interpretação, que motivaria um relato na mídia. Em jogo estaria o interesse/agendamento sobre um ‘fato’, algo da ordem do inesperado (ou não), que seria merecedor de se tornar público.

A noção de acontecimento jornalístico, entendida, na esteira de Dela Silva (2015), como uma prática discursiva, nos permite tecer alguns fios sobre um tipo de reportagem que não se pauta necessariamente em um acontecimento suposto como factual. Trata-se das reportagens que dizem de um comportamento do sujeito, como lemos:

É esse o caso das reportagens que se dedicam a dizer sobre o sujeito na atualidade, colocando em destaque suas práticas, seus hábitos, seus comportamentos e que se serve vastamente do recurso às chamadas personagens, entrevistados que servem para ilustrar as questões que são apresentadas sob o efeito da evidência do sentido nessas reportagens. (DELA-SILVA, 2015, p. 224).

Sobre essa questão, concordamos, ainda com Dela Silva (ibidem, p. 224-225, negritos nossos), que:

nessas práticas jornalísticas que geralmente se fazem por aquilo que no jornalismo são conhecidas por pautas frias ou motivadas por um gancho, podemos observar a fragilidade do laço entre o relato jornalístico e o fato

empírico que o originou. Em alguns casos, torna-se praticamente

imperceptível esse laço, dado que algumas reportagens poderiam circular

a qualquer época. Entendemos que o dizer sobre o sujeito na mídia, tão recorrente na atualidade [...], torna bastante marcado o modo como o acontecimento jornalístico, uma prática discursiva, está dissociado de um acontecimento enquanto fato, e sempre demanda um gesto de interpretação para ganhar existência.

É o caso das matérias que compõem nosso corpus de análise. Há em nosso arquivo uma vasta maioria de matérias que se configurariam, conforme Dela Silva (ibidem), como pautas frias, tendo em vista que todas estão voltadas a dizer sobre os sujeitos e seus comportamentos, suas atitudes, suas formas de viver, de ser38. Compartilharemos de Dela Silva (ibidem, p. 225) a denominação empregada a esse

38 Não obstante, matérias cujas pautas poderiam ser consideradas “quentes” também comparecem em

nosso corpus. Faremos uma reflexão mais aprofundada sobre essa questão quando de nossas análises, bem como faremos as indicações necessárias.

53 tipo de prática jornalística: “jornalismo de comportamento”, caracterizado como orientação comum no discurso jornalístico em nossa contemporaneidade.

Um outro aspecto que dá força à prática jornalística voltada a dizer sobre o sujeito na atualidade é vinculada às empresas privadas que gerenciam os meios de comunicação. Segundo Camargo (2013, p. 283-284, negritos nossos), partindo de uma oposição entre “apocalípticos” e “integrados”, no Brasil,

o casamento entre reportagem e entretenimento [...] tornou-se outro marco na evolução do jornalismo dos últimos anos. Do jornal impresso à internet, da TV aberta à blogosfera, é cada vez maior o mix entre informação e diversão. Os “apocalípticos” o consideram mero reflexo da sociedade do espetáculo, enquanto os “integrados” saúdam o fato de que essa talvez seja a única maneira de levar a informação a uma massa alienada e anestesiada. Os primeiros apontam o dedo contra a banalização do real promovida por revistas de celebridades, [...] produzindo nos leitores a ilusão de proximidade com o showbiz. Também são colocados no banco dos réus a

generalização de matérias comportamentais nas grandes revistas, como

Veja, Época e IstoÉ, em detrimento das reportagens investigativas que foram

a glória das semanais no passado. Já os defensores da integração lembram que programas de entretenimento de qualidade também informam e produzem grandes reportagens [...].

De qualquer maneira, a questão que se coloca para o jornalismo do início do século XXI é saber como – ou se – ele sobreviverá dentro das sociedades globalizadas.

Ora, a relação que se estabelece entre um meio de comunicação e o lucro que ele gera é determinante para que ele tenha sua tiragem garantida, para que se mantenha no mercado. Isso explica, a nosso ver, a importância dada, sobretudo na contemporaneidade, ao jornalismo de comportamento. Dizer sobre o sujeito na mídia é algo que tem feito, pelo próprio agendamento midiático, gerar interesse e, por conseguinte, lucro e a manutenção de um veículo no mercado editorial. Além disso, para falar sobre o sujeito, uma pauta quente não é necessariamente essencial. Não à toa encontramos hoje tantas revistas especializadas em comportamento, etiqueta, beleza, turismo, diversão, para citar alguns exemplos. Dizer do contemporâneo é dizer sobre o comportamento no contemporâneo.

Se, conforme Camargo (2013), os rumos do jornalismo são uma questão no início do século XXI, acreditamos, de nossa posição, que ele já tenha se reincorporado. O jornalismo de comportamento, como um efeito do discurso jornalístico em nossos dias, encontra seu lugar em vários veículos midiáticos. E, a considerarmos como os portais de internet comportam grandes quantidades de informação sobre os mais variados assuntos, parece-nos que por esse seu caráter mesmo o jornalismo encontra neles um suporte.

54 A questão homossexual, como uma materialização de um discurso (também) sobre sujeitos, passa por esse movimento da prática jornalística. Falar do homossexual é falar (também) de seu comportamento. E os modos como isso ocorre vão no jogo discursivo que lança e laça sentidos sobre as formas de ser sujeito na atualidade. Isto constitui um ponto crucial ao qual nos voltaremos mais adiante em dois momentos: ao falar do identitário sobre a homossexualidade e os homossexuais (capítulo 3, “Do homossexual e da homossexualidade”, p. 90) e ao analisarmos no discurso dos portais de notícias on-line sentidos sobre comportamento (capítulo 4.3, “Dever e não-dever: do silêncio tagarela”, p. 135).