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Na seção anterior, pudemos depreender como, no discurso dos portais de notícias on-line Terra, G1 e RBA, dizer dos espaços para sujeitos homossexuais é dizer também de seu comportamento social em relação a esses espaços. Neste segmento, nosso enfoque recai sobre uma outra questão, vinculada a efeitos de

159 sentidos de segurança – que, em grande parte, derivam dos sentidos de espaço e comportamento já operados – encontrados no nosso corpus.

Iniciamos a trajetória deste capítulo retomando alguns sentidos dicionarizados de gay-friendly. No dicionário Oxford (on-line), o termo ‘gay-friendly’ diz de uma empresa ou ambiente considerado ou tencionado a ser acolhedor, agradável ou seguro aos homossexuais. Já no dicionário Longman (2004), alguns sentidos parafrásticos (em relação ao adjetivo friendly) comparecem: numa das acepções (ver p. 133) lemos que o termo significa não estar em guerra, ou que não se opõe a você. Poderíamos glosar, portanto, que gay-friendly seria não estar em guerra com os homossexuais ou então não se opondo aos homossexuais.

Em nosso corpus, as sequências discursivas que dizem de segurança comparecem com regularidade. Para seguirmos nosso percurso de análise, mobilizaremos, então, sequências discursivas encontradas em três portais de notícias:

Quadro 5: Dos portais de notícias on-line que dizem de sentidos em relação a segurança (sequências discursivas recortadas para análise)

eixo: segurança FD conservadora/neoliberal: grandes corporações

midiáticas (portais)

FD progressista/democrática: alternativos (portais)

G1 Terra Rede Brasil Atual

Iniciamos por trazer uma sequência discursiva recortada de matéria publicada161 em 6 de setembro de 2013, no portal de notícias on-line G1:

SD7: Enquanto houver preconceito contra gays no país, será necessário ter hotéis, companhias aéreas e passeios que se declarem amigáveis a esse público, para que eles tenham garantia de que serão bem tratados durante as férias, defende a presidente da Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes (Abrat GLS), Marta Dalla Chiesa. (G1, 6 set. 2013, negritos nossos).

Em SD7, uma relação se estabelece no fio do discurso: i) enquanto houver x, ii) será necessário ter y, iii) para assegurar z, que poderíamos desdobrar no seguinte esquema:

161 Disponível em: <http://g1.globo.com/turismo-e-viagem/noticia/2013/09/gay-quer-ser-bem-tratado-

160 x = preconceito contra gays no país

y = hotéis, companhias aéreas e passeios amigáveis ao público gay ↓

z = bom tratamento dos gays (durante as férias)

A conjunção subordinativa – ‘enquanto’ – inscreve uma temporalidade162 da qual as orações ii e iii dependem. Nesse caso, produz-se uma evidência de que (para haver) o ‘bom tratamento dos gays’ (há) demanda (de) ‘hotéis, companhias aéreas e passeios que se declarem amigáveis’ porque ‘há preconceito no país’ (no Brasil) numa certa temporalidade – a da nossa contemporaneidade –, como poderíamos glosar.

Isso que se marca no fio do discurso, na própria sintaxe da SD7 são efeitos ideológicos que estabelecem estas (e não outras) relações de sentidos: o sujeito que assume a posição jornalista significa nessas condições determinadas e a forma como é atravessado pela ideologia, que constitui seu dizer, se atualiza naquilo que diz, ou, aliás, em um seu “saber/poder/dever dizer” (ORLANDI, 2010a, p. 53).

São as condições determinadas do dizer da posição jornalista que fazem com que uma relação de demanda em SD7 se construa: para que o sujeito gay – não se fala em lésbicas, bissexuais, transexuais e transgêneros – seja bem tratado, é preciso que haja hotéis, companhias aéreas e passeios (que se declarem) amigáveis. E, nesse processo discursivo, produz-se um sentido de que por meio das empresas há ‘bom tratamento’ e, por conseguinte, não há mais preconceito.

Os efeitos de sentido que sustentam essa posição são produzidos também em outra sequência discursiva da mesma matéria:

SD8: Desde 2004, quando foi criada, a Abrat GLS cadastra empresas que queiram receber o selo “gay-friendly”. Elas assinam um termo de ética se

comprometendo a atender esse público sem preconceito. Para Marta

Dalla Chiesa, muitos gays dão preferência a esses lugares para evitar

situações desagradáveis. (G1, 06 set. 2013, aspas do portal de notícias,

negritos nossos).

Podemos compreender, a partir de SD8, que “hotéis, companhias aéreas e passeios que se declarem amigáveis” (SD7) aos sujeitos gays estão inscritos no que é produzido como sendo ‘empresas gay-friendly’, no interior de uma formação

161 discursiva neoliberal na qual se inscreve o portal de notícias on-line G1. Funcionam, pois, como partes constituintes de um conjunto. Esse conjunto – hotéis, companhias aéreas, passeios – é enredado como circunscrevendo espaços imaginários nos quais os sujeitos gays poderiam ter suas práticas sociais. Mas enquanto um hotel tem uma marcação física delimitada, companhias aéreas e passeios não a têm. Isso contribui para uma posição que assumimos em relação ao espaço: a de que dizer gay-friendly não implica dizer necessariamente de espaços físicos delimitados, mas também de práticas dentro desses limites espaciais/territoriais, como a prática empresarial que oferece serviços, tal como os ditos passeios e companhias aéreas.

Materializam-se em SD8 ao menos duas acepções de gay-friendly encontradas no dicionário Oxford (on-line): a de se tratar de i) uma empresa que tenciona ser ii) acolhedora, agradável, segura, ou, pelo deslizamento do significante, amigável aos sujeitos homossexuais. Em SD7, ser amigável significa não haver preconceito contra gays. À vista disso, derivam daí mais sentidos dicionarizados, já que ‘não haver preconceito’ pode deslizar para ‘não haver oposição a’, como encontramos no dicionário Longman (2004).

O que se diz nas SDs 7 e 8 nos permite compreender como os efeitos de sentidos produzidos circundam uma questão de segurança dos/para os sujeitos homossexuais. Em SD7, isso se materializa quando é dito que a demanda por hotéis, companhias aéreas e passeios é a de ter “garantia de que [os gays] serão bem tratados [...]”. Ou seja, um espaço gay-friendly asseguraria a não hostilidade. Em SD8, por sua vez, essa questão se mostra quando é dito que as empresas “assinam um

termo de ética se comprometendo a atender esse público sem preconceito”

(negritos nossos). Se é preciso ‘declarar-se amigável’ para garantir que os gays serão bem tratados ou se é necessário assinar um termo de ética – ou seja, um documento no qual há um código de conduta para as práticas de uma empresa – para atender homossexuais sem preconceito, isso significa que os homossexuais não são bem tratados. Poderíamos nos questionar se os espaços que não são gay-friendly carecem de algum “selo” ou termo de ética que os identifique como amigáveis a sujeitos heterossexuais. (A resposta certamente seria não.)

Além disso, um equívoco é observado em SD7. Na esteira de Ferreira (2000), entendemos equívoco como o lugar onde a língua se choca com a história, desestabilizando o princípio de univocidade da primeira. O equívoco manifesta-se por

162 meio dos lapsos, das falhas, dos deslizamentos de sentido, afetando a regularidade do sistema da língua, permitindo que um enunciado possa tornar-se outro, como lemos em Pêcheux ([1975] 2009). Ao dizer que os gays querem ter a garantia de que serão “bem tratados durante as férias” (negritos nossos), a preposição – “durante” – marca um tempo de duração. Os efeitos de sentidos de segurança produzidos ficam restritos, encapsulados no tempo das férias; ficam equivocados pela traição da preposição que circunscreve o que é dito e põe o dizer em tensão: nos outros períodos do ano o homossexual não quer ser bem tratado? Consideramos que esse ponto nos leve a um eixo que será trabalhado adiante, o dos sentidos em relação a mercado, e voltaremos depois a essa questão.

Por ora, vamos nos voltar (ainda) sobre os não-ditos. Consoante Orlandi (2010a, p. 82-83):

Na análise de discurso, há noções que encampam o não-dizer: a noção de interdiscurso, a de ideologia, a de formação discursiva. Consideramos que há sempre no dizer um não-dizer necessário. Quando se diz “x”, o não-dito “y” permanece como uma relação de sentido que informa o dizer de “x”. [...] o que já foi dito mas já foi esquecido tem um efeito sobre o dizer que se atualiza em uma formulação. Em outras palavras, o interdiscurso determina o intradiscurso: o dizer (presentificado) se sustenta na memória (ausência) discursiva.

Para analisarmos como o não-dizer retorna sobre o dito, recortamos da SD8 o enunciado: “muitos gays dão preferência a esses lugares [gay-friendly] para evitar

situações desagradáveis” (negritos nossos). Compreendemos que esse enunciado

acena para uma tensão que se instaura a partir do que é dito, isto é, do que é presentificado em SD8, em confronto com um não-dito que se sustenta, por sua vez, no interdiscurso. Posto que ausente no intradiscursivo, o não-dito produz efeito no que é dito. Desse modo, que não-dito é materializado ao dizer que os gays querem ‘evitar situações desagradáveis’? De que situações desagradáveis se trata? Desagradáveis para quem?

Compreendemos que, ao se produzir um efeito de sentido de que há uma demanda por espaços gay-friendly para evitar situações desagradáveis, isso implica um outro efeito de sentido: o de que os outros espaços são não-gay-friendly, ou seja, são gay-unfriendly – não agradáveis, não amigáveis, não seguros, não acolhedores, não propícios para os homossexuais. Espaços a não se frequentar por sujeitos homossexuais. Dizer ‘situações desagradáveis’ implica, ainda, não dizer outros significantes fora do encadeamento parafrástico feito acima. Uma situação

163 desagradável para um homossexual pode significar, historicamente, uma posição de sujeito na qual ele é, conforme vimos com Foucault ([1976] 2015) e Eribon (2008), afetado (falado) pelo discurso homófobo do outro, ou na qual é posto em posição inferiorizada em relação à heterossexualidade, ouve injúrias, tem de refugiar-se longe da família e das outras relações sociais mais próximas para escapar da hostilidade, é agredido, é morto: ‘situações desagradáveis’ podem resultar, inclusive, em crimes motivados por homofobia, e isso até mesmo em lugares gay-friendly, como vimos nas SDs 5 e 6, no capítulo anterior.

Pela posição discursiva que assume numa determinada formação discursiva, o sujeito vinculado ao portal de notícias on-line G1 não atualiza, isto é, não presentifica em SD8 – porque a formação ideológica que o atravessa lhe barra – esses sentidos outros que trouxemos acima.163 Todavia, eles retornam como pré-construído – os homossexuais não estão em segurança –, como algo que fala antes e alhures e que, mesmo por sua ausência, sustenta o dizer. Aliás, é somente porque há o interdiscurso que dizer “evitar situações desagradáveis” é possível.

Se, em SD8, dizer ‘situações desagradáveis’ é não dizer tantos sentidos outros, essa tensão, entretanto, é ‘resolvida’ pela existência de uma empresa – a Abrat GLS – que atuaria para dar segurança aos homossexuais. Deste modo, à ‘situação desagradável’ bastaria a filiação de empresas e serviços: um dos efeitos de sentidos produzido em SD8 é o de que há empresas que querem receber uma marca – um “selo” – cuja especificidade está em identificar a empresa como gay-friendly. Assim produz-se um efeito de que é o mercado que salvaguarda os sujeitos homossexuais, e não a criminalização da homofobia, por exemplo. No site da Abrat GLS164, lemos que a missão da empresa é “Incentivar o turismo, lazer e entretenimento dos consumidores do mercado GLS, defendendo os interesses e estimulando o aumento no volume de negócios de seus associados.” A segurança dos sujeitos homossexuais não entra em questão, ou só entra pelo mercado: o consumo e o crescimento dos negócios dos associados é o que está em jogo.

Aliás, o uso da expressão ‘GLS’, que nomeia a empresa, produz um efeito de sentido observado no/pelo discurso mercadológico, sobretudo ao se considerar as

163 Podemos considerar que a formulação “situações desagradáveis” seja posta em relação ao

significante “preconceito”, também materializado em SD8. No entanto, consideramos que essa relação não seja da ordem do não-dito, mas de um deslizamento de sentido.

164 lutas dos movimentos LGBT pelo reconhecimento das diversidades de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. O acrônimo GLS, utilizado no Brasil, é atualmente rejeitado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) que, em seu Manual de comunicação LGBT, diz:

GLS: Sigla que se popularizou por designar, em uma única sigla, não só os “gays” e “lésbicas”, mas também aqueles que, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero, são solidários, abertos e “simpatizantes” em relação à diversidade LGBT. GLS também é utilizado

para descrever as atividades culturais e mercadológicas comuns a este grupo de pessoas. A sigla GLS é excludente porque não identifica as pessoas bissexuais, travestis e transexuais. Dessa forma, não deve ser empregada como referência à esfera política das diversas vertentes dos movimentos LGBT. (ABGLT, 2010, p. 12, negritos nossos).

Compreendemos, a partir do fragmento acima, como o uso do acrônimo ‘GLS’, por um lado, funda uma memória sobre a homossexualidade com um reconhecimento pelo mercadológico (ver p. 120-122) e, por outro, apaga uma historicidade de lutas político-ideológicas dos movimentos LGBT. Devido a isso, ‘GLS’ é recusado até mesmo por esses movimentos sociais.

Haja vista isto, podemos observar como a empresa Abrat GLS significa os sujeitos homossexuais a partir de uma formação discursiva neoliberal na qual, para que haja consumo, é preciso haver segurança aos/dos sujeitos que consomem. Trata- se de posição mercadológica. E esse discurso do mercado é parafraseado pelo portal de notícias on-line G1. Ao noticiar, o portal se filia a esses sentidos que a empresa produz: não se encontra, nas SDs 7 e 8, nenhuma materialização do acrônimo ‘LGBT’, isto é, do termo que produz sentidos no tocante à historicidade das lutas dos movimentos LGBT.

A partir das análises das SDs 7 e 8, compreendemos como os sentidos em relação a segurança são produzidos na tensão e no confronto entre ditos e não-ditos. Recai-se sobre efeitos de que é possível ser homossexual, mas no espaço que lhe cabe, o que significa dizer também ‘não seja gay fora desses espaços’ e, ainda, ‘não seja gay fora desses espaços, ou estará numa situação desagradável’, a qual, no não- dito, diz ‘ou irá apanhar, será atacado, será maltratado’, dentre outras inscrições possíveis. Reaparece, pois, a questão do comportamento.

165 O efeito de sentido de que espaços gay-friendly estão vinculados à segurança comparece também em matéria publicada165 pelo portal de notícias on-line Terra, da qual recortamos a próxima sequência discursiva. Na matéria, é dito, de modo geral, como o Uruguai tem atraído turistas homossexuais a partir da adoção, por parte de empresas e do governo uruguaio (no que concerne ao turismo), de posicionamentos mais “‘gay-friendly’ (amigáveis ou tolerantes com os homossexuais)” (Terra, s/d, aspas do portal de notícias) e de investimentos no “setor gay” (idem), nas palavras do portal: SD9: Sinal desse interesse [no setor gay], foi a inauguração, no fim de 2011, no exclusivo balneário Punta del Este de um hotel onde os homossexuais

são bem vindos [sic] [...]. (Terra, s/d, negritos nossos).

Os efeitos de sentidos produzidos em SD9 indicam que o “interesse” no “setor gay” se dá a partir da inauguração de um hotel “para este público”, isto é, o “público” homossexual. Tal interesse se comprovaria, segundo o discurso do portal nesta sequência discursiva, porque naquele hotel os homossexuais seriam bem-vindos.

Vamos nos deter sobre o significante ‘bem-vindos’, por considerarmos que ele diz dos sentidos em relação a segurança. Iniciamos, para tanto, por alguns sentidos dicionarizados.

Em Houaiss (2009, eletrônico), o termo ‘bem-vindo’ tem as seguintes acepções:

adjetivo

1 que chega ou chegou bem, a salvo 2 bem acolhido à chegada; bem recebido

3 bem-aceito num grupo, numa comunidade etc.

Ex.: estranhos não são b. nesses lugarejos

substantivo masculino Uso: informal, jocoso.

4 aquele que paga ou que dá dinheiro (HOUAISS, 2009, eletrônico).

A partir destas acepções – que são, vale lembrarmos, sentidos mais ou menos estabilizados dentro de determinadas formações discursivas – é possível compreender como a produção de sentidos em SD9 recupera, no interdiscurso, sentidos de segurança: dizer bem-vindo é dizer também chegar a salvo, ser bem acolhido, bem recebido, bem-aceito. Esses deslizamentos – que formam uma cadeia de sentidos de positividade – falam sempre em relação ao e sobre o sujeito, uma vez

165 Disponível em: <https://vidaeestilo.terra.com.br/turismo/uruguai-atrai-cada-vez-mais-turistas-

166 entendido que ele é na realidade forma-sujeito, isto é, sujeito a partir de uma determinação histórica (ORLANDI, 2012b, 2012c). E conforme discutimos anteriormente (ver capítulo 2.8, “O conceito de sujeito ideológico e(m) sua relação com o discurso”, p. 69), a forma-sujeito histórica em nossa formação social é a capitalista. A fim de desenvolvermos ainda essa questão, vejamos Orlandi:

O modo de interpelação do sujeito capitalista pela ideologia é diferente do modo de interpelação do sujeito medieval (E. Orlandi, 1996): se, no sujeito medieval, a interpelação se dá de fora para dentro e é religiosa, a

interpelação do sujeito capitalista faz intervir o direito, a lógica, a identificação (E. Orlandi, 1987). [...] O sujeito moderno – capitalista – é ao mesmo tempo livre e submisso, determinado (pela exterioridade) e

determinador (do que diz): essa é a condição de sua responsabilidade

(sujeito jurídico, sujeito a direitos e deveres) e de sua coerência (não- contradição) que lhe garantem, em conjunto, sua impressão de unidade e

controle de (por) sua vontade. Não só dos outros mas até de si mesmo. (ORLANDI, 2012c, p. 104, negritos nossos).

Em nossa formação social capitalista, compreendemos a partir de Orlandi, é essa determinação histórica do sujeito que produz evidências sobre o que é (e o que não é) ser sujeito. Em sua condição moderna de sujeito responsável, cabe-lhe então estar em acordo com a forma na qual é reconhecido como sujeito, para que outros lhe reconheçam como sujeito.

Voltando aos sentidos de ‘bem-vindo’, podemos compreender que todo sujeito, em sua condição de ser livre e submisso ao mesmo tempo, “livremente se submete” a querer ser bem-vindo, isto é, a querer esta prática como um direito. Assim, pode identificar-se como sujeito (considerando-se aí sua ilusão de completude). Desta forma é que os sujeitos homossexuais na atualidade, como sujeitos-de-direito (cf. LAGAZZI, 1998), também querem ter seus direitos assegurados, e isso implica, em SD9, em ser bem-vindo numa empresa que, por fazê-lo, reconhece-os como sendo sujeitos.

Contudo, esse reconhecimento, no caso dos homossexuais, é cerc(e)ado: não podem ser bem-vindos em todos os espaços, mas naqueles onde cabem. O que significa também, conforme vimos nas SDs 7 a 9, naqueles espaços onde consomem. Precisamos agora retornar à última acepção de ‘bem-vindo’. Se os sentidos deste termo encadeiam uma família de paráfrases cujos sentidos deslizam em torno do mesmo, isto é, repetem-se, um outro sentido possível faz deriva: o de que ‘bem- vindo’ significa “aquele que paga ou que dá dinheiro” (HOUAISS, 2009, eletrônico). Encontramos essa acepção também no dicionário Michaelis (on-line): “Aquele que

167 banca a conta; aquele que paga ou que dá o dinheiro.”166 Esse sentido outro, ausente no fio do discurso mas já dito e esquecido no interdiscurso, tem seu efeito sobre o que é dito em SD9: se o sentido não se fecha, já que está sempre em relação a um outro, pode-se compreender que os homossexuais são bem-vindos também porque dão dinheiro, pagam, consomem, geram capital. E essa relação, pelo que já vimos, comparece nas SDs analisadas até aqui.

Deste modo, é possível compreender como, tanto no discurso do portal de notícias on-line G1 quanto no do Terra, os sentidos em relação a segurança, no que diz respeito aos sujeitos homossexuais, repetem-se: são determinados pelo mercado e marcam espaços onde se circunscreve uma vivência de sujeitos homossexuais. Zoppi-Fontana (2003), ao trabalhar os sentidos de cidade e espaços urbanos, escreve:

Se a cidade significa, isto é, se um conjunto de escanções do espaço urbano é interpretado como sendo “a cidade” ou “o lugar (de) X na cidade”, é porque as representações desses espaços fazem sentido para o sujeito, elas ressoam em um concerto de significações e significantes presentes como memória discursiva. Neste sentido, a “cidade” (e seus espaços) não refere a um domínio de objetos definidos empiricamente, mas a um domínio de significação, que permite ao sujeito se situar no mundo porque se

situa no mundo das significações, isto é, se reconhece e se movimenta nas diversas posições de sujeito que configuram a memória discursiva.

(ZOPPI-FONTANA, 2003, pp. 246-247, negritos nossos).

Desse fragmento, depreendemos que o lugar dos sujeitos homossexuais na cidade passa pelo que esses espaços representam, isto é, como fazem sentido para esses sujeitos. A cidade e os espaços urbanos não são nem puramente físicos nem, muito menos, empíricos; são efeitos de sentidos sobre espaços que podem ou não afetar os sujeitos. Por outro lado, quando capturados pelo discurso jornalístico on-line, os espaços da cidade vão sendo (res)significados. O discurso jornalístico é parte do mundo das significações e, como tal, produz sentidos que movimentam o