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A “Regulamentação das Tendências Internas” (1990)

CAPÍTULO II O Direito de Tendências no Partido dos Trabalhadores:

2.9. A “Regulamentação das Tendências Internas” (1990)

A Regulamentação das Tendências Internas (1990) é um documento de 29 parágrafos que reitera as principais linhas da resolução do V EN (1987), especificando alguns aspectos vagos daquele documento e tornando mais claros os limites à atuação das tendências internas do partido. No volume Resoluções de Encontros e Congressos 1979-1998, (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, pp. 360-364) o texto está publicado como “Anexo” das resoluções do V EN, mas uma nota esclarece que a regulamentação foi “aprovada pelo Diretório Nacional na reunião de 14 e 15 de abril de 1990”. O intervalo demonstra que as resoluções do V EN tardaram a ser implementadas, mas tendo em mente a disputa eleitoral de 1989 e sua repercussão no partido, podemos entender a retomada dessas tarefas inacabadas em 1990.

O primeiro capítulo da regulamentação trata da natureza das tendências internas. Parte da reafirmação do caráter individual da adesão ao partido, bem como da possibilidade de filiados agruparem-se para disputar postos nas instâncias partidárias e defender “propostas alternativas ou complementares relacionadas com aspectos parciais da política, da estrutura ou do funcionamento do Partido”. O texto indica implicitamente que as tendências não podem divergir globalmente (mas sim parcialmente) das políticas aprovadas pelos organismos partidários; em todo caso, devem submeter-se ao programa e às resoluções partidárias. Em seguida, reforça a distinção entre “tendências internas” e “organizações políticas autônomas externas do PT, por este assim consideradas”, rejeitando a dupla militância e reiterando o caráter estratégico do partido, que “não se constitui numa frente ou federação de partidos ou de organizações”. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, pp. 360-361.)

O aspecto normativo predomina nos quatro capítulos seguintes. A regulamentação não chega a relacionar explicitamente o teor restritivo das normas aprovadas com a existência de “partidos dentro

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do PT” e com a necessidade de dissolvê-los, alcançando a “completa integração de seus militantes na vida petista”, como fazia o texto de 1987. Aquela perspectiva anterior, que se afirmava pelo debate e contra as “medidas administrativas”, aqui dá lugar a uma forma mais técnica (até mesmo do ponto de vista textual), que estabelece restrições às liberdades de que as tendências faziam uso até então, consideradas excessivas. O intuito de impor limites à “autonomia relativa” (parágrafo 4, alínea c) das tendências internas conduz à reafirmação constante da necessidade de “submissão” de todos os filiados e tendências ao programa, às disposições, resoluções, regras e deliberações do PT.

O segundo capítulo da regulamentação (parágrafos 6 a 15) estabelece que as tendências devem solicitar seu registro junto à Secretaria Nacional de Organização (SORG) do partido, comprometendo- se por escrito com o Programa, o Estatuto e o Regimento do PT, com suas resoluções e, em especial, “com os termos e o significado da Resolução sobre Tendências aprovada no 5º Encontro Nacional e com esta regulamentação”. Caberia à SORG, subordinada à Comissão Executiva Nacional (CEN) um parecer sobre a regularidade do registro da tendência. Qualquer filiado poderia pedir reconsideração desse parecer ao Diretório Nacional do partido ou ao Encontro Nacional. Da mesma maneira, com base em documentação apresentada por qualquer filiado, “o DN poderá iniciar processo de cancelamento do registro” de uma tendência interna. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, pp. 361-362.)

O 15º parágrafo trata da possibilidade da dissolução compulsória de uma Tendência, decorrente do cancelamento ou da negação de seu registro junto à SORG. O trecho em questão enfatiza ainda que, “no caso de não-dissolução” – ou seja, no caso de insubordinação da direção da Tendência à decisão partidária de extingui-la – “seus integrantes devem optar formalmente pela sua desvinculação do agrupamento, para não incorrerem nas hipóteses de dupla militância”. Aqui, parece-nos que a resolução busca lidar com a contradição que pode decorrer da dicotomia partido de filiados individuais versus partido de tendências, reafirmando a primazia da primeira concepção. Caberia ao filiado, unidade básica do partido, afirmar formalmente seu vínculo prioritário com o PT.48 O parágrafo 19º retomará esse princípio de partido de filiados individuais, afirmando que nos casos de desrespeito às

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Afirmar uma concepção de partido de filiados individuais pode estar em contradição com a ideia de que a unidade fundamental do PT eram os núcleos de base (NB's), como afirmavam os estatutos partidários. Os NB's sequer são citados na regulamentação, seja como órgãos perante os quais os filiados devem afirmar formalmente sua lealdade, seja como responsáveis por travar com esses militantes o “debate político visando a sua dissolução e a completa integração de seus militantes na vida orgânica petista” (resolução de 1987). O declínio do funcionamento orgânico dos NB's petistas, como aponta Ribeiro, começa muito cedo, no mínimo em 1983. A coincidência com a organização formal da Articulação não nos parece casual. Uma vez organizada de maneira adequada para travar as lutas políticas internas e coordenar sua intervenção política nos espaços decisivos da disputa partidária (sobretudo, nos Encontros estaduais e Nacionais), a ala dirigente do partido podia prescindir da atividade permanente dos núcleos, de modo que o esmorecimento da vida interna partidária não dificultou o funcionamento e a direção de um partido cada vez mais profissionalizado.

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deliberações partidárias, “independentemente das posições assumidas por uma Tendência Interna, seus integrantes respondem individualmente perante as instâncias orgânicas do PT”.

Já o parágrafo 20º dispõe sobre as publicações das Tendências, concretizando também nesse terreno o princípio de circunscrever sua atuação ao âmbito estritamente interno ao partido. Nesse sentido, determina que tais publicações devem dirigir-se e serem distribuídas exclusivamente aos filiados do PT. Nos casos em que já existam resoluções partidárias com as quais não concordem, passam a ter o dever de explicitar essa circunstância, como condição para apresentarem suas divergências. Além disso, devem necessariamente ostentar “com destaque na primeira página” de cada publicação que a mesma “é de caráter interno ao Partido dos Trabalhadores e dirigida e distribuída única e exclusivamente aos filiados do PT”. Além disso, dispõe transitoriamente que o DN, com base na regulamentação, “poderá exigir dos responsáveis pela Tendência Interna que adaptem suas publicações às presentes normas”. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 362.)

Este parágrafo afeta em particular as tendências referenciadas no leninismo, e em especial as trotskistas, cada uma responsável por um jornal de publicação regular à época da regulamentação. Não é exagero algum afirmar que esses agrupamentos se organizavam em torno de seus jornais, de acordo com a concepção que Lenin expõe no capítulo V de sua obra Que fazer?49 Para tais agrupamentos, irradiar suas posições políticas – inclusive suas diferenças com os setores majoritários do PT – através da venda do jornal era a maneira mais comum de aproximar e recrutar novos militantes. Limitar a distribuição de sua imprensa aos filiados do partido visava reduzir as possibilidades de que tais agrupamentos se apresentassem diretamente à sociedade enquanto organizações concorrentes com o PT, conforme o próprio texto da regulamentação explicita. Mas é importante notar que o documento trata ambos os aspectos da situação como problemas: por um lado, impede a expressão pública, para fora do partido, das posições de grupos minoritários; por outro, busca inibir a própria conformação de organizações autônomas, que sustentem diferenças estratégicas com as posições da maioria partidária. A alínea b do parágrafo 20º efetivamente proíbe as publicações das Tendências de servirem “de base para a construção de uma corrente autônoma em relação ao PT e com ele concorrente”, num diálogo implícito com a concepção leninista de jornal partidário. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 362.)

Até mesmo os escritórios das Tendências deveriam ser adequados a essa concepção de atuação estritamente interna, ficando impedidos (pelo parágrafo 21º) de se constituírem em “sedes públicas”.

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Da mesma forma, o conciso capítulo IV da resolução ajusta as atividades financeiras ao caráter interno e não-concorrencial que a regulamentação busca conferir às correntes petistas. Assim, as campanhas financeiras das Tendências ficavam impedidas de substituir, se superpor ou contrapor à política financeira do partido.

Interessa-nos ainda o capítulo V da regulamentação, que trata das “Relações Internacionais” que poderiam estabelecer as correntes internas petistas. Este aspecto da resolução também era particularmente caro aos agrupamentos trotskistas, ferrenhos defensores de uma concepção internacionalista da revolução socialista. Para evidenciar o vínculo necessário entre trotskismo e nível internacional de organização, basta tornar a destacar que todas as quatro maiores agremiações trotskistas dentro do PT estavam geneticamente vinculadas a organizações internacionais que representavam os distintos matizes do trotskismo: a CS à LIT encabeçada pelo argentino Nahuel Moreno; a DS ao Secretariado Unificado (SU) dirigido por Ernest Mandel; a OSI-O Trabalho ao QI- CIR de Pierre Lambert; a CO, por fim, participava do agrupamento internacional referenciado no Partido Obrero argentino e em Jorge Altamira, que durante algum tempo se chamou Tendência Quarto- Internacionalista (TQI).

O parágrafo 23º afirma a possibilidade de que Tendências Internas façam contatos e participem de atividades em âmbito internacional visando a discussão e o intercâmbio, “desde que seja feita prévia comunicação à Comissão Executiva Nacional do PT, especialmente à Secretaria de Relações Internacionais”. Além de recolocar o princípio de transparência, que apontamos anteriormente como um dos definidores do conteúdo daquela resolução de 1987, também o segundo princípio que destacamos naquele texto, o da não-concorrência, encontra aqui seu lugar. É esse segundo princípio que fundamenta a alínea a do mesmo parágrafo, que dispõe que a Tendência Interna que tome parte em contatos e atividades internacionais “reafirmará sempre que as relações internacionais do PT são privativas do seu Diretório Nacional, através da Secretaria de Relações Internacionais”. Fundamenta, igualmente, o 24º e o 26º parágrafo do texto, estabelecendo que os filiados devem acatar as decisões partidárias independentemente de sua identificação com organizações internacionais e proibindo-os de se apresentarem publicamente como representantes de organismos internacionais. O texto reforça ainda que cabe às instâncias partidárias definir a posição do PT diante de propostas de realização de campanhas internacionais. Nos casos em que considere que a proposta em questão é “contraditória com as orientações do partido”, pode negá-la e deliberar que os filiados não devem implementá-la. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, pp. 363-364.)

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