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CAPÍTULO II O Direito de Tendências no Partido dos Trabalhadores:

3.9. O I Congresso (1991) e as tendências

Com a proposta de “revolucionar a organização do PT atual”, a DS publicou um resumo de suas posições para o I Congresso do PT por meio do artigo “Oito faces de uma revolução”, presente na edição nº 255 do Em Tempo. A tese assinada pela corrente, resumida no artigo, pretendia indicar os caminhos para uma renovação da organização de base do partido e de seus métodos decisórios internos, bem como da relação do PT com seus parlamentares e prefeitos, com seus filiados e com suas tendências. Além desses temas, tratava ainda das finanças e da formação política dos filiados, da integração das mulheres na vida partidária e nos órgãos de direção petistas, de um plano de jornal nacional para o partido e das responsabilidades do PT em nível internacional.

A DS apostava numa revitalização dos núcleos para superar os problemas na organização de base e nas relações de delegação de poder no partido. A proposta de redefinir a estrutura de tomada de decisões e funcionamento cotidiano do partido, tendo os núcleos como célula básica, e substituindo os Diretórios Municipais e Zonais por Coordenações regionais e setoriais de núcleos. Os Congressos e Encontros permaneceriam sendo as instâncias máximas do partido, responsáveis pela eleição de direções proporcionais; os delegados aos mesmos seriam eleitos a partir dos núcleos.

A corrente buscava complementar a proposta com a garantia de outros espaços de participação para aqueles filiados cuja nucleação não pudesse ser imediata e com plenárias regulares, abertas ao conjunto dos filiados, além de uma política de refiliação dos filiados antigos que haviam se afastado do partido. A questão dos núcleos é um dos melhores indicadores da distância entre as resoluções dos Encontros e a prática petista: quase todos os Encontros do partido aprovaram propostas no sentido de ampliar a nucleação dos filiados e afirmaram a necessidade de revitalizar os núcleos, transformando-os em organismos vivos, com peso sobre o partido. Apesar disso, os índices de nucleação decresceram ao

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longo de toda a década de 1980, e medidas concretas de empoderamento dos núcleos não foram aprovadas. (AMARAL, 2010; COELHO, 2005.)

Quanto aos mandatos petistas, a DS defendia a concepção de que os mesmos pertenciam ao partido, de modo que os parlamentares deveriam ser encarados como “profissionais políticos do partido”. Embora considerasse necessário conceder alguma “margem de autonomia” às bancadas, afirmava que sua direção política deveria ser dada pelos organismos do PT. O caso das prefeituras era mais complexo, uma vez que pressupunha o diálogo com outras forças políticas que compusessem o governo, bem como a tarefa de “incorporar a participação popular”. Em todo caso, caberia ao PT “definir a orientação política geral” do mandato e participar da indicação dos nomes que ocupariam cargos de primeiro escalão, ficando ainda assegurada ao partido a última palavra em caso de divergências. (Em Tempo, nº 255, p. 12) De maneira similar ao que ocorria com o tema dos núcleos, a ideia de “mandatos do partido” não era nova; vigorava, inclusive, uma “carta de compromisso do candidato petista”, cuja importância a tese da DS ao I Congresso recomendava reforçar – uma vez que, em muitas ocasiões, não passara de letra morta.

A definição do direito de tendências e sua defesa, conforme aparecem nas propostas da DS ao I Congresso, guardam semelhanças com posições defendidas anteriormente pela corrente. Entretanto, começam a surgir algumas problematizações novas, e questões antes secundárias passam a entrar em foco. Vejamos:

O PT reconhece plenamente o direito de tendência, isto é, o direito dos filiados se organizarem para a defesa de posições no interior do partido. As tendências são assim correntes de opinião – provisórias ou permanentes, nacionais ou locais – que dispõem de meios para difundir suas posições. Devem, portanto ter um funcionamento transparente e explicitar para o conjunto do partido sua plataforma política”. (Em Tempo, nº 255, 1991, p. 13. O grifo é meu.)

Embora a definição não tenha um caráter restritivo, é interessante notar que a expressão grupo de opinião como síntese do caráter de uma tendência não aparecia em definições anteriores. Mas é na argumentação subsequente que se percebe uma alteração no foco do debate.

Defender o direito de tendência não significa postular o dever de tendência, ou seja, que todos os filiados devam se organizar em tendências ou que o partido seja compreendido como uma soma de tendências. Muito menos significa legitimar a concepção que vê a estrutura partidária, o seu funcionamento, o seu sistema de decisões, girar em torno às tendências. Além de reafirmar o princípio democrático do pluralismo político de opiniões no partido queremos um salto qualitativo na democracia e na unidade partidária. (Em Tempo, nº 255, 1991, p. 13. O grifo é meu.)

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Nas argumentações da época do V EN, a defesa do direito de tendência era apresentada como decorrência do mesmo “princípio democrático” pluralista. Aqui, embora ele seja citado e a defesa do direito mantida, a DS sutilmente acrescenta outra dimensão à problemática: embora o direito de tendência decorra de um princípio democrático, a propagação das tendências pode, de fato, acarretar no empobrecimento ou na obstrução da democracia partidária, quando o funcionamento do partido e sua estrutura decisória passam a “girar em torno das tendências”.

Essa preocupação, que já fora formulada por Dirceu e Pomar em 1987, não é incidental no texto de 1991 da DS. Pelo contrário; as cinco propostas apresentadas pelo texto para o tema das tendências se orientam a partir da tensão “tendências x unidade partidária”:

a. Os congressos partidários devem ser organizados tendo como ponto de partida os textos e propostas aprovados na direção partidária e não a partir das contribuições das diversas correntes, como ocorreu no 1º Congresso.

b. Os petistas que atuam no movimento sindical devem ter como referência para sua prática as diretrizes gerais partidárias definidas, e não como ocorre hoje a dinâmica de sua fração específica no movimento sindical.

c. A definição dos candidatos e o encaminhamento de candidaturas nas eleições proporcionais devem ser feitas basicamente a partir das definições e encaminhamentos partidários comuns e democraticamente deliberados, e não a partir dos interesses e recursos próprios das diversas tendências e grupos.

d. O PT reconhece a existência de tradições/identidades teóricas internacionais, mas exige que as relações internacionais decorrentes sejam legitimadas pela prática partidária, não configurem duplo centralismo, sejam transparentes e formalmente controladas pela direção e se configurem nos marcos da política de relações internacionais do partido.

e. A imprensa das tendências e grupos é instrumento interno e voltado ao debate partidário. Não pode se constituir em instrumento alternativo aos do partido na orientação política dos filiados e nem concorrer com a imprensa partidária que deve ser assumida por todos os petistas igualmente.” (Em Tempo, nº 255, 1991, p. 13. Grifo meu.)

Anteriormente, a hierarquia estabelecida pela DS fora a de responsabilizar a direção partidária pela garantia dos direitos das tendências; conforme a direção fosse capaz de assegurar mais democracia interna, mais viável se tornaria a unidade partidária. Aqui, quatro anos depois, essa hierarquia não é clara. E mais; pela disposição dos argumentos e pelas propostas que os materializam, entende-se que as tendências podem ser elas próprias os principais obstáculos à democracia partidária, atentando contra os direitos dos filiados não organizados em tendências e contra a unidade do PT – representada pela sua direção. A inversão da hierarquia pode não ser completa ou consciente, mas está inequivocamente

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Ainda que várias das críticas que pudessem pesar sobre as “tendências organizadas” da esquerda partidária fossem extensíveis a todas as correntes petistas (inclusive à própria DS!); e ainda que consideremos que, de maneira implícita, tais críticas estivessem direcionadas prioritariamente às práticas da Articulação, escapa dessas formulações um elemento fundamental: os grupos minoritários estavam vulneráveis a efeitos da regulamentação aos quais a corrente majoritária podia se furtar. As intervenções de 1987 buscavam lidar com essa especificidade, priorizando a crítica explícita da ala majoritária e responsabilizando a direção pela tarefa de assegurar o direito de expressão das minorias; o texto de 1991, por outro lado, dá ênfase à defesa das linhas aprovadas na direção como expressão da unidade partidária, sem destacar que há uma tendência organizada que é majoritária nessa direção e que também é responsável pela polarização do partido.

A proposta “d”, em específico, pesava sobre os agrupamentos trotskistas de maneira decisiva. A questão do “duplo centralismo” remetia à possibilidade de choques entre as orientações petistas e a das correntes internacionais às quais os trotskistas do PT estavam ligados (LIT, no caso da CS; QI-CIR, no da OSI-OT). Embora a DS ainda mantivesse vínculos com o SU, após sua “autodissolução” enquanto organização, pelo menos aparentemente, tais vínculos não poderiam gerar uma situação de “duplo centralismo”, uma vez que a DS optara expressamente por se assumir enquanto tendência petista. Este era um dos pontos em que a corrente mandelista não se encontrava mais constrangida a uma posição defensiva.

Lembremos que em 1987, embora já em menor medida que as demais “tendências organizadas”, a DS ainda mantinha um grau de autonomia demasiado alto – configurando, portanto, um “alvo” das propostas de regulamentação. A partir daí, ao mesmo tempo em que buscava “se dissolver enquanto organização”, isto é, aprofundar sua própria integração ao PT, (o que incluía demonstrar níveis consideravelmente mais altos de subordinação à direção partidária que os das demais correntes trotskistas), a DS consolidava seu peso político no partido, (tanto pelo mandato parlamentar de Pont quanto pelos espaços institucionais internos que passava a conquistar) e se pode considerar que em algum momento antes de1990 a corrente já havia encontrado um ponto de estabilidade. Os setores que encabeçaram a pressão pelas expulsões dos “partidos dentro do partido” não mais identificavam a DS como um dos grupos que deveriam ser excluídos. Pelo contrário: nesse novo cenário, que se consolida entre 1990 e 1991, a corrente mandelista passa a integrar o campo daqueles que cobravam adequação das tendências que mantinham graus elevados de autonomia.

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