• Nenhum resultado encontrado

Origens da CS no Brasil e fundação do PT: da Liga Operária à

CAPÍTULO IV A Convergência Socialista e a Regulamentação do Direito de

4.2. Origens da CS no Brasil e fundação do PT: da Liga Operária à

de um agrupamento trotskista formado por brasileiros exilados na Argentina no fim de 1973, a Liga Operária (LO). Ainda em 1970, alguns dos militantes que participariam da fundação da Liga haviam se refugiado por três meses na embaixada do Chile no Brasil, onde conheceram Mário Pedrosa, um dos fundadores do trotskismo brasileiro. Foi Pedrosa quem lhes apresentou o trotskismo, bem como apoiou a fundação do grupo Ponto de Partida, composto por nove exilados brasileiros no Chile. Além da recém adquirida simpatia pelas posições políticas de Leon Trotsky, era comum aos membros do grupo uma opinião autocrítica quanto ao significado político e os resultados da opção pela luta armada contra a ditadura.

Após o golpe militar chileno que levou Pinochet ao poder – processo no qual um dos militantes que havia se aproximado de Pedrosa no período da embaixada, Túlio Roberto Quintiliano, é assassinado –, três dos membros do Ponto de Partida vão para a Argentina, onde se colocam em contato com o grupo encabeçado por Nahuel Moreno. É então que começam a editar o jornal Independência Operária, que será o órgão de imprensa da futura Liga Operária, fundada em 1974, quando retornam ao Brasil. (KAREPOVS; LEAL, 2007, pp. 157-8.)

De acordo com Faria:

O surgimento do grupo Ponto de Partida e depois da Liga Operária deve ser compreendido como uma resultante das experiências desenvolvidas na luta de classes no Brasil e dos debates travados no exílio com dirigentes e ativistas políticos. O estreitamento de relações da Liga Operária com o dirigente argentino Nahuel Moreno deve ser compreendido como um encontro entre a autocrítica da opção pela guerrilha, realizada pelos integrantes da Liga Operária, e a posição crítica que esse dirigente manteve em relação à teoria do foco revolucionário. (FARIA, 2005, pp. 224-5.)

Influenciados por Nahuel Moreno, os militantes da Liga Operária tiveram como estratégia, desde a fundação do grupo, a construção de um partido revolucionário de massas no Brasil, com forte penetração na classe operária. Mas as táticas de que lançaram mão para aproximar-se desse objetivo variaram ao longo da segunda metade da década de 1970.

A LO entendia que era necessário aglutinar forças e construir uma alternativa política ao bipartidarismo imposto pelo regime militar, um partido para derrotar a ditadura. Embora devesse ser construído com independência de classe, isto é,sem a participação da burguesia, esse partido certamente congregaria diversas forças democráticas, inclusive as de caráter reformista. Seria

171

necessário disputar a direção desse partido amplo, uma vez que nem todas as suas alas se colocariam a favor de um programa socialista revolucionário. Além disso, o grupo buscava levar em conta que o processo de distensão política mal se havia iniciado, tendo conhecido, ainda durante o governo Geisel, uma violenta guinada repressiva contra as organizações de esquerda, e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) em especial. Em 1977, às vésperas do 1º de Maio, no qual panfletaria um boletim de luta do trabalhador, a própria Liga Operária sofreria o assédio da repressão, com a prisão dos militantes Celso Brambilla e José Maria de Almeida.

A primeira manifestação de rua estudantil massiva em quase dez anos seria detonada nos dias seguintes em São Paulo, como ação em defesa desses presos políticos. A essa altura, a organização já havia conseguido “certo amadurecimento de sua intervenção”, sobretudo nas universidades, onde havia grandes possibilidades de ação política. (FARIA, 2005. p. 226.) No entanto, tendo em vista a centralidade que dava ao movimento operário em suas elaborações políticas, a LO buscava avançar para a disputa de seus rumos, considerando que era a classe operária a componente determinante da luta política contra o regime militar. O ascenso operário iniciado no ano seguinte confirmaria essa consideração.

Em 1976, a Liga já implementava a tática do giro para a proletarização, isto é, o deslocamento de militantes com origem no movimento estudantil para o trabalho em fábricas. Karepovs e Leal (2007, p. 157) apontam que o objetivo desta tática era o de influir no movimento operário, impulsionando oposições sindicais às direções pelegas, mas perdem de vista um aspecto determinante para a concepção trotskista de partido, estreitamente relacionado com a opção pelo giro para a proletarização: a questão da composição social do partido. A ida dos estudantes às fábricas era encarada centralmente como uma tática de construção partidária: a partir da convivência cotidiana e da militância sindical conjunta, os militantes “girados” buscavam identificar e fazer propaganda sobre aqueles ativistas operários que poderiam aderir à organização. A presença massiva de operários na organização era encarada pelos morenistas como condição necessária para evitar que se desenvolvesse uma contradição entre o programa que defendiam (que afirmava a inevitável centralidade do proletariado industrial em um processo revolucionário que, de fato, tivesse condições de apontar para a construção do socialismo) e a composição social da própria organização (até então, majoritariamente intelectual pequeno- burguesa), com prejuízo para o primeiro.

Além do giro para a proletarização, a Liga Operária recorreu a outra tática na busca pela expansão de sua influência política, a partir do segundo semestre de 1977; o entrismo na revista

172

alternativa VERSUS. Concebida por Marcos Faermann e publicada a partir de outubro de 1975, Kucinski define a VERSUS como a “revista de uma América Latina chocada pelo domínio das ditaduras”. (KUCINSKI, 1991, p. 195.) Com diagramação e visual atraentes, valendo-se de recursos que iam do quadrinho à fotografia, VERSUS destacava-se dos demais órgãos da imprensa alternativa em seus primeiros anos de existência também pelo seu pluralismo – enquanto outros jornais já se encontravam em avançado estágio de partidarização, VERSUS contava com contribuições de militantes de diversas organizações de esquerda, mas seus principais elaboradores eram jornalistas independentes. A Liga Operária aproxima-se da revista a partir de fins de 1976, pouco antes de seu apogeu, no ano seguinte. Durante o período posterior, cada vez mais militantes da organização passam a colaborar com textos e a distribuir a revista. A essa altura, Marcos Faermann havia se tornado simpatizante da LO, aderindo progressivamente à ideia de que era necessário definir um programa para a revista. Em fins de 1977, o prestígio da VERSUS junto a artistas brasileiros permitiria que fosse organizado um show de apoio à revista ao qual compareceram cerca de 15 mil pessoas e que contou com apresentações de grandes nomes da MPB, como Milton Nascimento, Chico Buarque, o MPB4 e o grupo Tarancón. Em dezembro daquele ano, a revista se afirmaria favorável à fundação de um Partido Socialista, proposta que, como veremos adiante, era defendida pela Liga.

Em março de 1978, a Liga Operária passa a se chamar Partido Socialista dos Trabalhadores (PST). Ao longo do ano, a organização consolida seu predomínio sobre a linha editorial de VERSUS, utilizando a revista para lançar o Movimento Convergência Socialista (MCS), que discutiremos adiante. Faermann, que a princípio apoiou o MCS, tinha por objetivo que o mesmo se aproximasse do brizolismo, no que divergia dos trotskistas. No final daquele ano, o fundador do jornal acaba se vendo isolado em seu conselho editorial, arrependendo-se de ter permitido sua partidarização e rompendo com a VERSUS. Ainda segundo Kucinski, com a anistia em 1979, a VERSUS perde “sua utilidade como instrumento de organização partidária, na passagem do espaço clandestino à esfera pública”, e o PST- MCS passa a publicar seu jornal próprio, o Convergência Socialista,“não mais para lutar por um PS, mas para lutar pelo poder dentro do PT, como tendência organizada”. (KUCINSKI, 1991, p. 206.) Para entender essa transformação, faz-se necessária a exposição de como se desenvolveu o MCS até o nascimento do Partido dos Trabalhadores.

O lançamento do Movimento Convergência Socialista (MCS) em janeiro de 1978 era parte de um esforço da Liga Operária (e depois PST) para oferecer uma alternativa ao bipartidarismo imposto pela ditadura. O movimento buscava unificar diversas forças políticas e sociais com o objetivo de

173

fundar um partido socialista amplo: deveria ser um partido operário, com independência de classe68, mas capaz de aglutinar vários setores que se identificavam com propostas socialistas, dispostos a ultrapassar os limites aceitos pela oposição liberal que hegemonizava o MDB.69

Em fins de 1978, o MCS altera a tática que defendia a fundação de um partido socialista. Ao envolver-se de maneira mais intensa com a organização e o apoio às lutas operárias que se intensificaram a partir daquele ano, o MCS reconhece o fortalecimento dos líderes do chamado sindicalismo autêntico, que não eram atraídos pela proposta de um partido socialista, ao contrário do que ocorria então com diversos agrupamentos intelectuais e estudantis. Embora o MCS tenha conseguido recrutar uma quantidade significativa de simpatizantes entre os sindicalistas do ABC paulista enquanto ainda defendia a tática do partido socialista, a partir do fim daquele ano tornou-se majoritária no movimento uma proposta surgida do diálogo com o comitê eleitoral de Benedito Marcílio, apoiado pelo MCS que havia decidido fortalecer as candidaturas operárias e socialistas do MDB. A campanha de Marcílio foi a primeira a defender como alternativa a fundação de um partido dos trabalhadores. Essa proposta seria abraçada pelo conjunto do MCS no ano seguinte, tendo sido apresentada já em janeiro de 1979 no Congresso dos Metalúrgicos do estado de São Paulo, realizado em Lins.

Elaborada pela delegação do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, presidido por Benedito Marcílio, com a participação ativa de membros do MCS (entre eles José Maria de Almeida, responsável pela leitura da moção no Congresso de Lins), o documento que ficaria conhecido como “Tese de Santo André-Lins” foi aprovado por ampla maioria entre os delegados. O texto, considerado ainda hoje como o primeiro documento petista, denunciava as mazelas do capitalismo e propunha a formação de um partido sem patrões, que visasse organizar as lutas dos trabalhadores da cidade e do campo, e que fosse regido por uma democracia interna. O teor radical da moção poderia ter afastado alguns setores presentes no Congresso de Lins, principalmente aqueles ligados à estrutura sindical oficial. No entanto, as lideranças dessa ala estavam empenhadas na organização de um partido trabalhista, de modo que a aprovação de uma moção que defendesse a criação de um “partido de trabalhadores” (em minúsculas) poderia lhes servir como instrumento. Além disso, e ainda mais

68

Princípio político que, no presente trabalho, referenciamos no conceito tal qual definido por COELHO (2005), discutido no Capítulo II. O autor aponta como principal aspecto do “princípio da independência de classe” a ideia do antagonismo irreconciliável entre os interesses dos trabalhadores e os da burguesia, sua inimiga, conduzindo à conclusão de que em um partido que pretendesse dar expressão política à classe operária, “patrão não entra”. Tal princípio, segundo Coelho, teria cimentado a unidade do PT na década de 1980.

69 A Liga Operária apresentara pela primeira vez a proposta de fundar um “Partido Socialista da Classe Operária” em seu

174

importante, o texto apresentado pela delegação de Santo André ia de encontro com as movimentações que começavam a ser empreendidas pelas figuras de proa do chamado sindicalismo autêntico: o fato de Lula também ter defendido a moção de Santo André no Congresso de Lins contribui para explicar a ampla penetração da proposta junto à base metalúrgica. (FARIA, 2005, pp. 243-245.)

De acordo com Faria (2005, p. 245), é logo após o Congresso de Lins que o MCS passa a empenhar-se na construção do PT, bem como assume outro formato organizativo, com a adoção do centralismo democrático. Isto equivale a dizer que o PST (ex Liga Operária) se dissolvia oficialmente no MCS, que, por sua vez, deixava de “propor-se como um movimento amplo, de frente única dos socialistas para tornar-se uma organização política conforme a tradição das organizações comunistas”. Adotando a partir daí o nome Convergência Socialista, estava consolidado o grupo que participaria da elaboração da “Carta de Princípios” do PT, ainda no primeiro semestre de 1979, e que atuaria como tendência interna do partido desde sua fundação, no ano seguinte.

No entanto, Faria chama atenção para o fato de que entre maio e outubro de 1979 a CS dedicou- se quase que exclusivamente a seus debates internos, buscando definir o caráter que deveria ter sua relação com o PT. (FARIA, 2005, pp. 257-258.) A corrente passava então por um período pré- congressual rico em polêmicas: enquanto uma fração do grupo defendia o retorno ao trabalho clandestino, a maioria da Convergência sustentava que era necessário manter o “trabalho legal”, não- clandestino, no Movimento Pró-PT. Outra questão levantada nos debates pré-congressuais era a de que apresentar à classe trabalhadora dois projetos partidários em construção – a CS como embrião do partido revolucionário, e o PT como partido amplo – geraria confusão, ao que a maioria da CS respondeu que era necessário manter sua estrutura organizativa própria, ao mesmo tempo em que se apresentava políticas para disputar os rumos do PT. Já estavam colocadas, portanto, questões que, como veremos, acompanharão a trajetória da CS no Partido dos Trabalhadores.

Outline

Documentos relacionados